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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.25 no.76 Rio de Janeiro  2024  Epub Mar 07, 2024

https://doi.org/10.12957/teias.2024.77551 

Artigo de Demanda Contínua

TRAJETÓRIAS DOS PROFESSORES E EDUCADORES SOCIAIS CAIÇARAS DA CIDADE DE IGUAPE - SP1

TRAJECTORIES OF CAIÇARAS TEACHERS AND SOCIAL EDUCATORS IN THE CITY OF IGUAPE - SP

TRAYECTORIAS DE LOS PROFESORES Y EDUCADORES SOCIALES DE CAIÇARAS EN LA CIUDAD DE IGUAPE - SP

Arlindo Lins de Melo Júnior1 
http://orcid.org/0000-0003-2391-4772; lattes: 2662803020242355

Luiz Bezerra Neto2 
http://orcid.org/0000-0002-6388-3467; lattes: 4809080593333472

Paulo Cesar Franco3 
http://orcid.org/0000-0002-4472-9659; lattes: 8796425227074423

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

2Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

3Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)


Resumo

Pensar nas trajetórias dos professores e educadores sociais caiçaras da cidade de Iguape - São Paulo (SP) é refletir sobre os caminhos percorridos pelos povos do campo que retiram da terra e de suas tradições ancestrais força para prosseguir lutando por melhores condições de vida, educação, cultura e cidadania. O problema desse artigo traz a seguinte indagação: como se apresentam as trajetórias dos professores e educadores sociais caiçaras do município de Iguape - SP? Buscando responder, tivemos como objetivo analisar a trajetória de professores e educadores sociais caiçaras no município de Iguape - SP. As comunidades tradicionais caiçaras estão situadas nos litorais dos Estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, e apresentam modos de vida semelhantes por realizarem o mutirão de fandango como meio de uma organização social e produzir uma canoa utilizando um único tronco, bem como outros artefatos, num estilo parecido. Além disso, as populações caiçaras resultam da confluência dos indígenas, europeus e africanos que moldam, ao longo dos séculos, as faces dos brasileiros. Esta pesquisa foi fundamentada no materialismo histórico-dialético, no viés qualitativo, coletamos os dados por meio de entrevista semiestruturada. As comunidades tradicionais caiçaras pertencem ao grupo que compõe a educação do/no campo, contudo existe uma peculiaridade única que distinguem das outras comunidades campesinas, cujas características dizem respeito a tirar também do mar, por meio da pesca, o seu sustento.

Palavras-chave: caiçaras; professores; educação no campo

Abstract

Thinking about the trajectories of caiçara teachers and social educators from the city of Iguape - São Paulo (SP), is reflecting on the paths taken by rural people who draw strength from the land and their ancestral traditions to continue fighting for better living conditions, education, culture and citizenship. The problem of this article raises the following question: how do the trajectories of caiçara teachers and social educators in the municipality of Iguape - SP present themselves? Seeking to answer, we aimed to analyze the trajectory of caiçara teachers and social educators in the municipality of Iguape - SP. Anthropologically, traditional caiçara communities are located on the coasts of the State of Paraná, São Paulo and Rio de Janeiro and present similar ways of life by carrying out the fandango joint effort as a means of social organization and producing a canoe using a single trunk, as well as others artifacts, in a similar style. Furthermore, the caiçara populations result from the confluence of indigenous, European and African people who, over the centuries, have shaped the faces of Brazilians. This research was based on historical-dialectical materialism, with a qualitative bias, we collected data through semi-structured interviews. Traditional caiçara communities belong to the group that makes up rural education, however there is a unique peculiarity that distinguishes them from other peasant communities, whose characteristics also concern taking their livelihood from the sea through fishing.

Keywords: caiçaras; teachers; education in the field

Resumen

Pensar en las trayectorias de docentes caiçara y educadores sociales de la ciudad de Iguape - São Paulo (SP), es reflexionar sobre los caminos recorridos por la población rural que saca fuerza de la tierra y de sus tradiciones ancestrales para seguir luchando por mejores condiciones de vida, educación, cultura y ciudadanía. El problema de este artículo plantea la siguiente pregunta: ¿cómo se presentan las trayectorias de profesores caiçara y educadores sociales en el municipio de Iguape - São Paulo? Buscando responder, nuestro objetivo fue analizar la trayectoria de profesores caiçara y educadores sociales en el municipio de Iguape - SP. Antropológicamente, las comunidades tradicionales caiçara están ubicadas en las costas del Estado de Paraná, São Paulo y Río de Janeiro y presentan modos de vida similares al realizar el esfuerzo conjunto del fandango como medio de organización social y producir una canoa con un solo tronco. así como otros artefactos, de estilo similar. Además, las poblaciones de caiçara resultan de la confluencia de indígenas, europeos y africanos que, a lo largo de los siglos, moldearon el rostro de los brasileños. Esta investigación se basó en el materialismo histórico-dialéctico, con un sesgo cualitativo, se recolectaron datos a través de entrevistas semiestructuradas. Las comunidades tradicionales caiçara pertenecen al grupo que compone la educación rural, sin embargo, hay una peculiaridad única que las distingue de otras comunidades campesinas, cuyas características también tienen que ver con el sustento del mar, a través de la pesca.

Palabras clave caiçaras; profesores; educación en el campo

INTRODUÇÃO

A educação do campo “[...] destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (Brasil, 2010, p. 1). Assim, a educação do campo é composta pelas seguintes populações:

[...] agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural (Brasil, 2010, p. 1).

No que se refere aos aspectos educacionais, a legislação afirma como pertencente ao público-alvo da educação do campo os estudantes, os professores e a comunidade escolar brasileira alocados na zona rural brasileira, os quais, por sua vez, encontram-se inseridos na educação básica (Brasil, 2008). Esta escolarização destina-se ao atendimento das comunidades rurais, indicando as comunidades caiçaras como um grupo pertencente ao universo campesino, pois extraem seu sustento das terras alocadas na floresta atlântica e da pesca marítima.

Adams (2000) discorre que o universo caiçara não é apenas marítimo, pois, para além do acúmulo profundo do conhecimento do mar, os caiçaras também dominam técnicas de manejo herdadas de forma tradicional e que garantem o uso sustentável de recursos agrícolas, das chamadas roças, dentro da Mata Atlântica. Neste contexto, a educação destinada aos trabalhadores do campo, na demanda das comunidades caiçaras, remete a discussões e controvérsias no sentido de conhecer até que ponto essa escolarização valoriza os aspectos socioeconômicos, culturais e identitários dessas comunidades.

O caiçara encontra-se extremamente articulado entre o trabalho campesino e marítimo, no sentido de extrair seu sustento família. Nesta perspectiva, a formação humana é caracterizada como o processo de tornar-se homem por meio do trabalho, e esse olhar materialista histórico-dialético sinaliza a existência humana e sua produção de vida numa totalidade concreta, pois o homem produz sua condição material na medida em que vive diversos conflitos (Oliveira, 2013). São estes os conflitos apontados no contexto geográfico, climático, nas limitações físicas, políticas e sociais de onde vive e se relaciona, obrigando-o a produzir sua existência e, assim, produzir história (Oliveira, 2013).

Sobre o termo caiçara, Sampaio (1987) aponta que este tem origem no vocábulo TupiGuarani caá-içara e era utilizado para denominar as estacas colocadas em torno das aldeias dos pescadores. Ao longo dos anos passou a ser o nome dado às moradias construídas nas terras próximas às praias para abrigar as canoas e ferramentas de trabalho (Diegues, 1988). Posteriormente, foi o nome dado a todos os indivíduos e comunidades de pescadores artesanais e embarcados que surgiram a partir dos pescadores agricultores residentes no litoral brasileiro (Mussolini, 1980). Assim, reconhece-se à comunidade caiçara o seu direito à educação como uma maneira de preservar suas atividades culturais e identidade.

Diegues (2004) salienta que os caiçaras são comunidades formadas pela contribuição étnico-cultural dos indígenas, dos colonizadores europeus e, em menor quantidade, pelos escravos africanos. Ainda, ressalta que os caiçaras apresentam uma forma de vida baseada em atividades de agricultura itinerante, da pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato. Mussolini (1980) explica que caiçara é definido como toda pessoa que vive e trabalha na zona rural do litoral, trabalhando com as pequenas plantações (roças) e com o mar (pesca). Esse agricultor-pescador relaciona-se com a natureza nos vieses da fauna e da flora da floresta atlântica. Outro aspecto do homem e da mulher caiçara é sua ligação com as atividades culturais advindas dos antepassados, como o fandango e o reisado. Além disso, a culinária é diferenciada, pelo vasto uso de peixes e frutos do mar, principalmente do peixe chamado tainha, fisgado próximo à residência, e pelas ervas medicinais encontradas na floresta (Mussolini, 1980).

Quanto à escolarização desta população, é garantida a entrada e a permanência do aluno caiçara no ambiente de escola regular, quer seja ele da zona urbana ou rural (Brasil, 1996). Dessa maneira, a escolarização do estudante filho do trabalhador rural, assim como a educação efetivamente destinada aos residentes do campo têm acompanhado essa discussão, não só por parte do poder público, mas também, dos movimentos sociais.

Numa análise crítica, sabe-se que as políticas poderiam contribuir mais para a melhoria dos níveis de formação humana e conhecimento dos trabalhadores do campo e seus filhos, efetivando o direito ao acesso destas comunidades caiçaras e demais comunidades campesinas a um sistema regular de ensino que também valorize as atividades culturais e garantia de sua permanência na escola.

Diante dessa produção e da condição atual do trabalho da educação do campo para a demanda das comunidades caiçaras, indaga-se: como se apresentam as trajetórias dos professores e educadores sociais caiçaras do município de Iguape - São Paulo? A partir de então, traça-se o objetivo de analisar a trajetória de professores e educadores sociais caiçaras no município de Iguape - SP. Esse artigo foi dividido em categorias, a seguir: a) metodologia e discussão; b) as trajetórias dos professores caiçaras da cidade de Iguape - SP; e c) as trajetórias dos educadores sociais caiçaras de Iguape - SP.

METOLOGIA E DISCUSSÃO

O materialismo histórico-dialético fundamenta essa pesquisa e serve para a compreensão de alguns conceitos sociais, políticos e históricos. Essa visão de mundo e pensamento é inerente à compreensão da concepção desses pesquisadores acerca da educação.

Ademais, o método materialista histórico-dialético remete a uma análise crítica da contradição entre as forças produtivas entrelaçando história, economia, trabalho e política. Para Marx e Engels (2007), esse modo representativo e explicativo da realidade humana faz dessas forças produtivas um eixo fundamental que desemboca na revolução quando a contradição assume diversas formas acessórias, tais como totalidade de colisões, colisões entre classes distintas, contradição da consciência, luta de ideias, luta política etc. Assim, parte-se do macro para analisar o micro nos seus mais diversos contextos e do coletivo ao individual para responder um determinado problema (Marx, Engels, 2007).

No viés qualitativo, foram realizadas 12 entrevistas, sendo sete com professores caiçaras da educação escolar e cinco educadores sociais da educação não escolar. Chizzotti (2010) menciona a entrevista como uma comunicação entre pesquisador e pesquisado, na qual o estudioso e o informante devem trabalhar em conjunto a fim de esclarecer uma questão. Nesta pesquisa, optouse pela entrevista semiestruturada, visto que remete a um discurso livre, orientado por algumas perguntas-chave e por um roteiro. Informamos que essa pesquisa foi aprovada junto ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em 13 de setembro de 2018.

Para realizar as entrevistas, foi realizado um contato junto à Secretaria Municipal de Educação de Iguape - São Paulo, assim como com os líderes da Associação de Jovens da JuréiaAJJ. Em seguida, foi estabelecido contato com os professores e educadores sociais pertencentes à comunidade caiçara. Além disso, foi feito contato com uma escola, a fim de solicitar a autorização da direção para o contato com os professores caiçaras.

Em relação aos educadores sociais, a autorização ocorreu por parte da liderança da AJJ. Neste contato inicial foram explicados os objetivos e procedimentos para a entrevista. Desta feita, realizou-se o convite de participação. Após o consentimento, os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Assim, foi realizada uma entrevista com cada um dos sete professores caiçaras da cidade de Iguape, indicados pela Associação de Jovens da Juréia, identificados como: P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7. Apesar de o professor P7 não pertencer à comunidade caiçara de Iguape - SP, sua presença se justifica por sua relevância para a comunidade caiçara no estado de São Paulo. Também foi realizada a entrevista com cinco educadores sociais caiçaras, identificados como: E1, E2, E3, E4 e E5. Com exceção do P7, todos os professores caiçaras e educadores sociais eram da cidade de Iguape e pertencentes à Associação de Jovens da Juréia (AJJ).

Em relação ao roteiro de entrevistas, foram tidas, como princípios fundantes, perguntas relacionadas às trajetórias dos professores da educação escolar e educadores sociais caiçaras da educação não escolar, abordando temas sobre como estes eram vistos pelas comunidades caiçaras às quais pertencem, seus conceitos de educação, quais as dificuldades encontradas para concluírem suas licenciaturas (professores) ou educação básica e superior (educadores sociais) e suas perspectivas quanto à escolarização de seus alunos.

As entrevistas foram realizadas entre os anos 2017 e 2018, posteriormente transcritas. Seus conteúdos foram enviados por e-mail para os professores participantes, os quais revisaram e aprovaram as falas transcritas. Cabe mencionar que uma cópia digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviada para eles. Por meio dos dados obtidos, a análise foi realizada no modelo analítico, denominado eixos temáticos à luz da pedagogia histórico-crítica.

Netto (2011) menciona que uma pesquisa no viés qualitativo fundamentada no materialismo histórico-dialético se utiliza de técnicas e instrumentos variados de pesquisas, incluindo desde a pesquisa documental, bibliográfica, revisão sistemática, história oral, até as formas mais diversas de observação, tais como: participante, sistemática e, também, entrevistas com foco qualitativo ou quantitativo. É importante destacar que depois de mais de um século após a morte de Marx, as ciências sociais e humanas desenvolveram “[...] um enorme acervo de instrumentos/técnicas de pesquisa, com alcances diferenciados e todo o pesquisador deve esforçarse por conhecer este acervo, apropriar-se dele e dominar sua atualização” (Netto, 2011, p. 26).

AS TRAJETÓRIAS DOS PROFESSORES CAIÇARAS DA CIDADE DE IGUAPE - SP

As práticas tradicionais das comunidades caiçaras são próprias da organização social destes grupos campesinos, são elas: “[...] o cultivo de gêneros alimentícios; a produção da farinha de mandioca; diversos tipos de pesca; a produção de artesanato a partir de cipós e bambus; a confecção da canoa de um tronco só” (Souza, 2017, p. 1).

A luta das comunidades caiçaras por educação é, então, parte constitutiva de uma luta maior pelo direito de reprodução dos seus modos de vida nos territórios tradicionais. Está inserida no contexto de resistência e enfrentamento à dominação social e à injustiça ambiental. A falta de escolas em algumas regiões e ausência da apropriação dos conhecimentos proporcionados por ela têm trazido uma série de dificuldades e problemas, incluindo a manutenção de práticas tradicionais, conforme será abordado por esta pesquisa, mais à frente (Souza, 2017, p. 1).

Por meio desta pesquisa, buscou-se entender, pelas falas de professores e educadores sociais caiçaras, como vêm acontecendo suas trajetórias no que diz respeito à educação escolar e não escolar na cidade de Iguape - SP. Vale ressaltar que os professores (educação escolar) e educadores sociais (educação não escolar) entrevistados foram indicados pela Associação de Jovens da Juréia.

Tal associação é uma das que representam a comunidade caiçara no litoral sul do Estado de São Paulo, ressaltando a importância de conservar as atividades culturais como o fandango, reisado e a confecção de instrumentos. Outro aspecto importante são os movimentos sociais que essa comunidade realiza em congressos que tratam da valorização das comunidades tradicionais, inclusive as caiçaras.

Pensar na trajetória dos professores da educação escolar é compreender a trama tecida por esses profissionais na sociedade que, para além das narrativas sobre seus caminhos formativos, traz em seu bojo os conflitos políticos e sociais de onde residem (Caiado, 2014). Assim, discorrer as trajetórias dos professores é refletir sobre sua vida, sociedade, política e educação, o que faz deste, um ser humano único e um sujeito que se constrói na coletividade. Neste sentido, dialeticamente, o percurso que o professor caiçara ou não caiçara realiza deve ser entendido na “[...] base da convivência social, na apropriação das atividades historicamente engendradas pelos homens, pela internalização dos significados sociais” (Caiado, 2014, p. 43).

Um ponto importante na análise das percepções dos professores caiçaras da cidade de Iguape - SP sobre a escolha da profissão diz respeito à própria trajetória de vida que surge ainda quando estes trabalhadores fazem parte do corpo discente na educação escolar básica ou em cursos técnicos ambientais, como exemplificado na voz do P2. Ademais, essa escolarização aponta para a representação do contexto em que estes professores nasceram, como se verifica nas falas do P1 e P3, a seguir:

[...] eu sempre fui um rapaz de frente, eu fui presidente do grêmio vários anos, [...] na época nós tínhamos o nosso grupo nos saíamos para fazer arrecadação, fazíamos gincanas com temáticas preservação da floresta atlântica, fomos considerados a melhor escola da região de Iguape, tanto que eu me lembro de uma gincana que fizemos de escola contra escola [...] os destaques que nós tivemos na nossa época, isso aí impulsionou muito para a escolha da profissão como professor (P2).

[...] Eu acho que essa minha formação na monitoria ambiental (técnico ambiental), ela acabou me estimulando bastante, ela acabou estimulando vários monitores que se formaram a continuar os estudos, porque assim, as pessoas da minha idade aqui na minha região não têm ensino superior a maioria parou no ensino médio, no máximo fez um ensino técnico. E então maioria fez ensino infantil ou médio e a maioria parou no fundamental e parou de estudar. E como eu, através da monitoria, fui mais por esse processo da organização comunitária, sente mais necessidade... Cada vez mais de estudar, de buscar material, então é [...] comecei trabalhar também com as universidades, então recebia universidades na região, então eu fui me encaminhando pra uma formação para trabalhar com planos educacionais, então tive que começar a me preparar também, muitas escolas vinham para estudar, então, eu preparava aula deles, para receber eles aqui na região, então eles falavam olha, eu quero ir com pessoal da geografia e a gente quer estudar os ecossistemas tais, a gente quer ver isso aqui, então, eu fui buscar uma formação também como elaborar os planos educacionais [...] Surgiu uma oportunidade aqui dentro do meu município para cursar pedagogia através da Universidade Aberta do Brasil (UAB) em parceria com a Universidade Federal do Paraná, que é universidade bem conceituada, tem mais de 100 anos. E aí eu me inscrevi, tinha 50 vagas aqui para município, para o município não, na região toda. [...] (P1).

Sou técnico florestal, sou formado em ciências biológicas licenciatura Essa formação me ajuda, ela me dá credibilidade em alguns trabalhos que é o sustento da casa, ela me dá referencias muito boas porque eu tenho recursos hoje para saber fazer uma análise de uma situação florestal de uma agressão ambiental, foi o que eu precisava, eu preciso de muito mais, mas isso daí foi o início da minha carreira, pois não adiantava eu saber das questões ligadas à natureza e não ter uma formação, eu sabia, aprimorou meu aprendizado (P3).

Nas falas dos professores evidencia-se uma significativa influência da educação básica cursada em uma cidade litorânea, sendo o curso técnico florestal. Consequentemente, há a influência e importância da estação ecológica para a escolha da profissão de professor, uma vez que, ao trabalhar com alunos e professores das escolas públicas e particulares, aguçaram a curiosidade por aprender mais e buscar como profissão o ser professor das licenciaturas em pedagogia, biologia e educação física.

Ainda, ao analisar as falas dos professores P1 e P3, evidencia-se a necessidade de avançar na formulação de uma política educacional que supere o caráter pontual e se organize em torno de um compromisso com comunidade caiçara, criando mecanismos que possibilitem a participação dos professores, educadores sociais e toda a comunidade nos processos decisivos para a construção de novas propostas no que diz respeito à educação escolar e educação não escolar para os caiçaras.

Na comunidade caiçara de Iguape - SP, conquistar formação depende muito da iniciativa destes profissionais em buscar formação inicial e continuada, é necessário avançar no estabelecimento de uma política educacional que incentivem os jovens destas comunidades a quererem se tornar professores.

Neste sentido, Saviani (2011) explica que a história da formação dos professores se configura em dois modelos contrapostos, os quais emergiram no decorrer do século XIX visando solucionar o problema da instrução popular. Para isso, foi introduzido o sistema nacional de ensino, colocando em pauta nacional a “[...] exigência de se dar uma resposta institucional para a questão da formação docente” (Saviani, 2011, p. 8).

Na procura dessa resposta, surgiram dois aspectos constitutivos do ato docente: o conteúdo e a forma, os quais deram origem a dois modos distintos de trabalhar o problema da formação de professores (Saviani, 2011). O primeiro modo ou modelo remete a uma “[...] formação de professores que se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que o professor irá selecionar” (Saviani, 2011, p. 8). Entende-se que a formação pedagógico-didática se constitui em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado.

A experiência melhor que eu tive foi com o infantil 4, onde na minha regência, minha aula foi tirando eles de sala de aula, eu trabalhei com eles antes, foram três dias de trabalho, trabalhei um dia dentro do espaço escola, um segundo dia em campo e terceiro dia fazendo a análise do resultado que trabalhei com pesquisa com eles, levei eles para compararem as duas regiões de manguezal e de praia, onde eles foram identificar o que tem no manguezal e na praia em termos de solo, de vegetação, fizeram coleta e no dia anterior eu preparei né fiz toda uma preparação e aí a gente falou muito sobre as histórias dos pais, o que eles falam, fazem, se eles conheciam a região que a gente ia visitar, se eles já conheciam, aí eles falaram, perguntava o que seu pais fazem lá? Meu pai pesca caranguejo, meu pai pesca peixe, a gente começou a trabalhar também a identidade da família, mas nenhum fala em ser caiçara, eles sabem a prática que acontece, mas não tem esse diálogo, né!? Esse reconhecimento (P1).

Fizemos inclusive um trabalho de campo aonde nós fomos com nossos alunos [...] lá reserva, estação ecológica da Juréia, fazer um trabalho de campo, as pessoas (moradores que resistem e moram na EEJ) eram entrevistadas, ali eles passavam pra gente as experiências de vida que eles tiveram e que ali no decorrer do tempo e atual momento, onde eles puderam explicar para nós qual que era a importância de estar ali, vivendo naquele meio (floresta atlântica) ali na onde não tinham muitas possibilidades né e ai fizemos também, fomos em lugares é, ponto estratégico turístico, aonde fomos aqui na aldeia também indígena (P2).

Nas aulas de ciências que tivessem como temática os recursos hídricos e poluição, eu falava vamos trabalhar a questão da poluição, pegava esses dois temas e fazia com que eles olhassem o que era poluição [...] veja alguns acham por exemplo que aguapé que é uma planta aquática é uma sujeira, outros acham que a braquiária na beira do rio é uma poluição, na verdade uma delas é uma espécie natural da região e a outra é uma espécie agressora do ecossistema local, mas nenhum é considerada é uma poluição, então essa questão foi bem trabalhada [...]. Dei enfoque à questão da braquiária que vem matando o estuário, aqui em Iguape os manguezais estão morrendo (P3).

[...] tinha algumas aulas que eu amava, que era assim, na mata, para falar sobre as ervas, no mar quando tinha assim, quando a gente ia no cerco, por exemplo, retirar o cerco do mar, ou visitar o cerco, aí tinha uma aula, a gente ia de canoa, os alunos todos ver os pais da gente mexendo na estrutura da pesca [...] dava aula ali sobre os peixes, sobre os animais marinhos, né, sobre matemática, né, como que se pesa, como que... falava tudo ali para a gente, era uma delícia (P7).

Nota-se a importância da prática pedagógica dos professores caiçaras em suas comunidades escolares, de forma a fundamentar e qualificar o debate sobre a valorização das atividades com o mar e terra e, assim, preservá-las para as futuras gerações. Franco (2012) explica que as práticas pedagógicas se organizam intencionalmente para atender determinadas expectativas educacionais solicitadas por dada comunidade social. Segundo o autor, tais “[...] práticas pedagógicas enfrentam, em sua construção, um dilema essencial: sua representatividade e seu valor advêm de pactos sociais, de negociações e deliberações com um coletivo” (Franco, 2012, p. 154).

Isso quer dizer que é preciso identificar e reconhecer, nos espaços educativos escolares, os elementos socioculturais das comunidades tradicionais caiçaras que devem ser respeitados, compreendidos e ensinados às crianças, aos jovens e adultos, como forma de preservação da natureza (Rodrigues, 2014; Santos, 2014; Franco, 2015; Silva, 2016; Negri, 2017).

Professores e alunos compartilham um papel comum enquanto agentes sociais, tendo como ponto de partida a prática social, contudo, professores e alunos se encontram em níveis diferentes de compreensão do conhecimento e experiências daquilo que se pode denominar como conhecimento sintético (Saviani, 2012). Tal ótica remete aos professores a capacidade de problematizar as discussões sociais apresentadas pela comunidade escolar enquanto sociedade concreta, para que se apropriem das “[...] ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se liberar das condições de exploração em que vivem” (Saviani, 2012, p. 71). Assim, o trabalho educativo realizado pelo professor possui uma potencialidade exercida na forma de intelectual orgânico, em busca de reconectar o ensino escolar à totalidade da prática social, de forma a conduzir o aluno por processos pedagógicos que o faça perceber seu vínculo fundamental com os gêneros humanos produzidos historicamente (Saviani, 2013).

Desta maneira, a educação do campo, na demanda da comunidade caiçara, coloca em pauta a importância de pesquisar as funções desempenhadas pelos professores, alunos e famílias e sobre a relevância de a escola buscar conhecimentos historicamente acumulados, valorizando as assertivas do modo de vida de seus moradores, seus saberes tradicionais e atividades culturais, as quais deverão ser compartilhadas não apenas com a comunidade local mas, também, com a sociedade, como se pode observar nas falas dos professores.

Neste sentido, podem-se valorizar as atividades culturais caiçaras, sem esquecer-se dos conhecimentos científicos e historicamente construídos, oportunizando que o bojo destes saberes seja utilizado pelos profissionais da educação escolar para ressignificar suas atuações pedagógicas quando julgarem necessário.

AS TRAJETÓRIAS DOS EDUCADORES SOCIAIS CAIÇARAS DE IGUAPE - SP

Quanto às trajetórias formativas dos educadores sociais caiçaras da cidade de Iguape - SP, observa-se que estas estão diretamente ligadas à família, pequena agricultura, pesca e trabalho com a Mata Atlântica. Quando perguntados sobre que trajetória percorreram para a escolha de sua profissão e, consequentemente, para se tornarem educadores sociais, responderam:

Descobri um grupo de pessoas que eles criaram um fundo, tinha umas 40 a 50 pessoas e cada um dava parte da sua bolsa ou dinheiro que ganhava, para criar um fundo para dar uma ajuda de custo para jovens ativistas que quisessem estudar e ai eu fui beneficiado por essa bolsa, que hoje seria equivalente a uns 450, 500 reais por mês, mas isso que me ajudou a me manter lá Itu e ter o que comer. [...] terminei a faculdade com ajuda dos estágios e da bolsa jovem ativista. Naquela época o FIES era difícil de conseguir, precisava de fiador, não tinha outras políticas de inserção para a classe baixa na universidade, eu vivi o problema que era não ter essas políticas de inserção que hoje as pessoas banalizam, enfim terminei a faculdade mais duro do que entrei, devendo, porque eu não devia, mas terminei conclui em cinco anos e passei na OAB no primeiro exame que era muito concorrido naquela época, acho que era 4,7% das pessoas passavam eu passei no primeiro exame, e para minha surpresa eu passei no primeiro processo seletivo na ESALQ que era 250 concorrentes para 19 vagas do mestrado, eu fiquei muito feliz, o mestrado já tinha bolsa, para quem não tinha nada, já é uma grande diferença, na época era 1100,00 (E3).

Então, inicialmente a AJJ começamos desde criança, tipo, eu particularmente, desde meus 9, 10 anos eu estava lá, com a minha mãe, meu pai, ajudando, fazendo uma coisa e outra, e convivendo no meio ali da associação lutando para que os jovens e a comunidades se reconhecessem como caiçaras e lutasse pelo seu território não poderíamos deixar que nossas casas agora apropriadas pelo governo, sem lutar por ela. E aí, mais tarde a gente foi indo nos movimentos, participando de reuniões (da AJJ), participando de eventos, cursos, a maioria era tudo curso básico, mas vai agregando aos poucos uma bagagem de conhecimento que você vai adquirindo e automaticamente vai passando ali para os mais novos, que eu aprendi (atividades culturais: construir e tocar rabeca, fazer artesanatos e dançar fandango) [...] posteriormente, eu fiz o curso técnico de monitor ambiental e fui trabalhar como monitor ambiental. A partir daí a gente passou a dar formação, tipo, falar sobre o meio ambiente, falar sobre preservação dos recursos naturais da região [...] fui para o Paraná e lá comecei a fazer a engenharia agronômica lá na PUC do Paraná, e assim que acabou o curso eu consegui vir mais pra cá, e a gente voltou a participar dos movimentos com comunidade (E4).

Estudei em duas escolas rurais, assim bem afastadas da cidade. Passava no Rio das Pedras, que tinha que pegar um barco, andar oito horas de barco até chegar em Iguape (centro) [...] era bem longe mesmo e para chegar de casa até a escola eu tinha que andar 45 minutos. Boa parte do pessoal são da zona rural, né; a maioria dos estudantes são daqui, das adjacências daqui, para lá da costeira todos eles trabalhando com a roça e com a pesca, quem não trabalha diretamente, mas em casa as ferramentas deste trabalho para subsistência e tal, ou pesca para subsistência ou tem a roça para subsistência, para o alimento da casa, então sempre está em contato com a questão rural, com a questão do campo [...] em relação ao saber tradicional de como construir uma viola caiçara ou como dançar fandango foi um conhecimento passado pelo meu pai e por alguns membros da comunidade, e hoje nós através das oficinas da associação passamos para os mais jovens (E1).

Ao analisar as entrevistas, observa-se que estes educadores sociais mostravam um ativismo na luta pelas questões pertinentes a uma educação que tivesse em pauta a valorização da fauna e da flora, mas também, esclareciam aos mais jovens sobre a luta que ainda travavam por seus territórios, antes ocupados pelos seus ancestrais, e agora, apropriados pela estação ecológica da Juréia. Ainda sobre este tema, os entrevistados E2 e P1 relataram:

A gente vem sofrendo uns conflitos muito grande, no que diz respeito as expulsões destas comunidades, seja por conta da especulação imobiliária, seja por conta dos grandes empreendimentos, seja por conta da criação das unidades de conservação de proteção integral, essas comunidades são expulsas para as cidades ou a expansão urbana vem pra cima dessa comunidade, e aí quando chega essa expansão urbana, quando chega essa situação que não é o dia a dia da comunidade eles vão perdendo a tradição (atividades culturais) (E2).

Eu acho hoje a maior luta das comunidades é o direito de permanecer no território, a pauta principal das comunidades tradicionais, não só dos caiçaras mas de todas as comunidades tradicionais do Brasil é a garantia de acesso ao território. Então, eu penso em contribuir com esse processo é aí, aonde eu estiver é muito importante discussão em qualquer nível é pautar essas questões né então o que as comunidades caiçaras estão discutindo nas suas localidades a gente está levando para todos os lugares que a gente foi discutir, seja no espaço da escola, da universidade, associação, sindicato, de seminários, e congressos então minha contribuição enquanto professor e educadora, ela nesse sentido. Onde eu estiver, o espaço que eu estiver, vou estar levando as pautas comunitárias pautando todas as questões, as problemáticas que a cultura das comunidades caiçaras sofre, mas também valorizando toda a sua potencialidade (P1).

No contexto das comunidades caiçaras, as lutas das questões ambientais travadas pelo território, no que diz respeito a extrair ecologicamente seu sustento da fauna e flora, é diferente de como ocorre no modelo de produção capitalista, o qual tem como característica a utilização de padrões tecnológicos baseados na exploração exaustiva da natureza.

Neste sentido, o modelo sustentável pelo qual as comunidades caiçaras lutam, remete a um manejo adequado dos materiais extraídos da fauna e da flora, caracterizando-se naquilo que as comunidades do campo, na demanda da comunidade caiçara, necessitam para a construção de renda e geração de empregos. Assim, essas pessoas não trocaram suas comunidades, identidades e atividades culturais por oportunidades de emprego alienantes que os afastaram de seus reais propósitos enquanto humanos na perspectiva histórico-crítica. A desenvoltura exercida por alguns sujeitos revela um conhecimento da natureza humana e uma sabedoria para lidar com os conflitos, favorecendo o relativizar das tensões que atravessam permanentemente este grupo e a preservação dos laços que os mantêm juntos, promovendo a sustentação desta trama social e dos saberes constituídos na relação coletiva (Feitosa, 2007).

Evidencia-se, na fala do educador social E1, a valorização de se autorreconhecer caiçara, e sua importância na preservação das atividades culturais - essências para a manutenção dos saberes tradicionais, dados no seio das comunidades tradicionais e historicamente herdados pelos seus pais, os quais, agora, faziam questão de deixá-los como herança para os jovens e disseminá-los para toda a sociedade.

Neste sentido, ao disseminar essas atividades culturais para os mais jovens, a comunidade caiçara de Iguape - SP compartilha os saberes tradicionais de sua própria comunidade com a sociedade. Assim, perpetua a história local desta população para as novas gerações e, também, para os membros da sociedade brasileira, uma vez que o conhecimento deverá encontrar-se disponibilizado para o coletivo de homens.

Nas falas dos entrevistados E1 e P1 identifica-se que muitas das atividades culturais caiçaras eram transmitidas no passado, de pai para filho. Eles sinalizam que, em algum momento, eram os mais velhos quem transmitiam o saber tradicional. Hoje, além dos anciãos e comunidade, as atividades culturais e os saberes populares são transmitidos também por meio das oficinas ministradas na Associação de Jovens da Juréia, como relatado a seguir:

Então, na verdade eu comecei a trabalhar com artesanato muito jovem, eu tinha treze anos eu já construía/fazia meus artesanatos, minha primeira exposição foi com treze anos inclusive no centro cultural de Iguape né, pela escola e tal, então eu sempre tive esse contato direto com madeira, com a arte e com a habilidade manual assim, a minha habilidade foi mais aflorada, meu pai fazia artesanato, minha mãe fazia, meu pai fazia canoa, era carpinteiro, fazia várias coisas, artesanato Caiçara, canoa, remo. E eu acabei gostando da parte musical, do artesanato musical, música né, então para mim a música contou muito nessa parte , eu comecei desenhando com seis anos de idade, eu comecei a desenhar bem com seis anos de idade, então eu juntei as duas coisas e em um certo momento da minha vida uns quinze, dezesseis anos eu comecei a construir instrumento, fazia isso pra mim mesmo, fazia uma rabeca, construí essa rabeca, só que ai compraram e eu construí outra e compraram então eu acabei não ficando com nenhuma, o meu único instrumento que eu tenho é uma viola caipira que eu fiz há cinco anos atrás, uns seis anos, nunca construí um instrumento para mim, tem os instrumentos do grupo e tal, mas não consegui instrumentos para mim (E1).

Então, passei também a dialogar muito mais com essa região, conhecer mais entender mais tarde essa região (vale do Rio Ribeira), eu acredito que o processo de formação ele é permanente e muitas vezes autodidata então quando estou na comunidade é um processo de formação comunitária, onde eu dialogo muitas vezes com os meus pais, com os mais velhos, com as crianças e essa conversas resgatam muitas coisas, no decorrer dos anos eu posso ter me distanciado então para mim é um processo permanente de contato com os mais velhos e crianças (P1).

O educador social é caracterizado como um líder comunitário, alguém que tem uma formação básica ou superior, podendo ter conhecimentos técnicos, específicos e socioeconômicos sobre determinada temática. Ademais, também é caracterizado como uma pessoa que possui conhecimentos herdados dos antepassados e pode prestar serviços voluntários ou remunerados à comunidade. Martins (2010) discorre que um bom educador social está comprometido com a transformação das relações sociais globais. Assim, os educadores sociais fazem seu papel em relação aos seus educandos, incentivando os jovens a se engajarem em seus estudos.

Sobre isso, Araújo (2007) descreve a importância do conhecimento sobre o uso de plantas pelas comunidades caiçaras, a fim de entender como este conhecimento está sendo transmitido à comunidade, e como isso se torna essencial para a conservação da identidade e cultura caiçara. Deste modo, os educadores sociais ensinam conhecimentos sobre as plantas em um contexto de mudanças sociais, culturais, políticas e ecológicas, preservando, por meio da etnobotânica caiçara, a fauna e a flora da Mata Atlântica.

Ainda segundo Martins (2010), o educador social, em uma perspectiva do materialismo histórico-dialético, deverá, efetivamente, assumir-se como um intelectual orgânico diante das classes subalternas e, assim, colaborar no processo de transformação radical das relações sociais globais, e não apenas dos indivíduos e das comunidades em que atua. Araújo (2007) menciona que o papel do educador social é essencial para a sobrevivência e transformação do conhecimento caiçara sobre os recursos naturais e seus ambientes. Na sequência, verificam-se as práticas de ensino do educador social caiçara:

[...] eu voltei para Iguape. E junto com uma moça que participa do grupo de jovens da associação, realizei a oficina da roça tradicional caiçara, a gente fez oficina, eu ajudei a ela montá-la, e aí a gente levou os jovens lá pra Juréia, e aí nós fomos nas roças tradicionais caiçaras, ensinamos todo o processo de preenchimento e de colheita, levando um agricultor caiçara experiente, ele explicava a parte prática do negócio e eu dava a parte técnica, né, porque é que acontece, e aí foi muito interessante, foi um aprendizado bom pra mim também e pra molecada que acompanhou a oficina (E4). Com associação de jovens da Juréia a gente fazia muitas atividades, principalmente oficinas para conscientização e mobilização para preservação da natureza. Depois no ano de 2000 a gente começou um projeto, nas escolas com um universo de 600 pessoas semanalmente, onde a gente assumiu dentro do planejamento da escola atividades relacionadas à educação ambiental e valorização das atividades culturais locais, então foi um projeto que durou dois anos, sem remuneração nenhuma da prefeitura, do estado ou do governo federal, sem patrocínio de organização não governamental ou organização privada, um projeto que durou dois anos, religiosamente toda semana nós íamos nas escolas, e nunca recebemos um centavo por isso, esse projeto que chamava Criança Natureza, num futuro promissor ele foi investigado numa dissertação de mestrado da Universidade Estadual de Campinas no qual a pesquisadora era a Alik Wunder 31(E3).

Eu decidi através da oficinas transmitir as etapas da construção do instrumento, da aquisição musical também e repassar como se toca para outras pessoas, é por causa disso, eu participo de muitos projetos culturais onde o fandango é o carro chefe também, a gente vai associando uma coisa à outra, o projeto paga uma ajuda de custo e eu vou ensinando esse passa e repassa, porque eu acho que tem uma importância muito grande assim, hoje em dia tem rapazes ai de dezesseis anos, dezoito anos, um garoto de treze anos, construindo instrumentos, já com a viola dele em casa, meu filho também fez instrumentos (E1).

De acordo com as colocações dos educadores sociais, sua atuação na ministração de cursos na AJJ não é neutra em relação aos seus educandos comunidade caiçara e sociedade, mas política. Deste modo, as aulas, além de trazerem um diálogo quando instruem os educandos, articulam também sua maneira de agir no coletivo, conservando suas atividades culturais e saberes tradicionais de lidarem com a pequena agricultura, pesca e Mata Atlântica. Por meio dessas falas, compreende-se ainda que as atividades culturais transmitidas para a comunidade caiçara advêm das vivências que seus pais, em sua infância, disseminaram e que foram por eles adequadas para serem propagadas não somente aos caiçaras.

Outro ponto importante é que, na atualidade, essa é uma maneira a mais de preservar os saberes tradicionais sobre atividades culturais, pois estes saberes são oferecidos em oficinas pelos educadores, não apenas na AJJ mas, também, nos outros lugares onde são convidados a ministrar esse conteúdo. Muitas vezes, esses trabalhos realizados ocorrem de forma voluntária, sendo solicitada apenas uma ajuda de custo. Outros estudos mencionam a importância de se ensinar o fandango, que é descrito atualmente como uma manifestação musical típica da comunidade caiçara. O aprendizado artístico que o fandango concede à comunidade caiçara antecede o aprendizado dos instrumentos tocados, assim como o dos passos da dança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se, por meio das falas dos professores e educadores sociais caiçaras, que estes realizam um papel importante para a valorização das atividades culturais caiçaras advindas da própria comunidade. Ademais, os diálogos dos professores e educadores sociais caiçaras, apesar de em algum momento serem conflitantes, apontam o respeito pelo trabalho realizado um do outro, e com isso, valorizam as potencialidades dos alunos em detrimento de suas limitações. Compreende-se que essas comunidades têm uma forte ligação com o marítimo no que diz respeito ao acúmulo profundo do conhecimento do mar, e que, além disso, os caiçaras também dominam técnicas de manejo agrícola, herdadas de forma tradicional e que garantem o uso sustentável de recursos agrícolas das chamadas roças, dentro da Mata Atlântica.

Neste contexto, a educação destinada aos trabalhadores do campo, na demanda das populações caiçaras, remete a discussões e controvérsias no sentido de conhecer até que ponto essa escolarização valoriza os aspectos socioeconômicos, culturais e identitários destas comunidades.

Por conseguinte, os processos de educação escolar e educação não escolar são inerentes à formação do homem e acontecem também na modalidade da educação do campo, produzindo-se, consequentemente, no bojo das populações desta modalidade, assim como as comunidades caiçaras. Compreende-se o importante papel dos professores e educadores sociais para a preservação das atividades culturais caiçaras, como o fandango, a confecção de instrumentos musicais e os artesanatos.

Nas análises, constatou-se que trajetória de professores e educadores sociais caiçaras revela a importância de uma reflexão crítica, a fim de buscar estratégias para promover a interação dos variados tipos de conhecimentos que se desenvolvem e se entrelaçam no processo de escolarização: de um lado, os conhecimentos ditos universais, aqueles que todo estudante, caiçara ou não, deve ter acesso; do outro, os conhecimentos a respeito das atividades culturais.

Vale ressaltar que a prática educativa dos professores caiçaras do município de Iguape - SP não é aqui entendida como a solução para os problemas da sociedade capitalista em vigência, porém, é vista como instrumento de luta que objetiva desvendar, pela raiz, o caráter alienante do discurso hegemônico e construir novas perspectivas a partir da realidade material do modo de produção capitalista. Nas falas dos professores, pode-se constatar que a oferta de cursos técnicos e superiores para os professores e educadores sociais, especificamente para as populações do campo na demanda das comunidades caiçaras, é algo de extrema relevância para o desenvolvimento socioeconômico de si próprio, das famílias e da região.

1Parte significativa deste artigo é fruto da dissertação de mestrado intitulada: Trajetórias dos professores e educadores sociais caiçaras da cidade de Iguape - SP (2019), submetida ao acervo online de teses e dissertações da Universidade Federal de São Carlos.

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Recebido: Julho de 2023; Aceito: Novembro de 2023

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