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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.25 no.76 Rio de Janeiro  2024  Epub 07-Mar-2024

https://doi.org/10.12957/teias.2024.76260 

Artigo de Demanda Contínua

PROMOÇÃO DAS HABILIDADES SOCIAIS DE ESTUDANTES COM PARALISIA CEREBRAL SEM FALA ARTICULADA

PROMOTING THE SOCIAL SKILLS OF STUDENTS WITH CEREBRAL PALSY WITHOUT ARTICULATE SPEECH

FOMENTAR LAS HABILIDADES SOCIALES DE LOS ALUMNOS CON PARÁLIS CERBRAL SIN HABLA ARTICULADA

Patricia Lorena Quiterio1 
http://orcid.org/0000-0002-4553-6429; lattes: 4986591658860331

Leila Regina d’Oliveira de Paula Nunes2  1
http://orcid.org/0000-0003-2012-6973; lattes: 3088935631734002

1Instituto de Psicologia - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2Faculdade de Educação - Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Resumo

O estudante com deficiência física sem fala articulada pode apresentar dificuldade para desenvolver e ampliar o repertório de habilidades sociais, prejudicando suas relações interpessoais e qualidade de vida. Contudo, a intervenção em habilidades sociais atua como fator de proteção e importante ferramenta para a promoção de saúde mental. O estudo tem como objetivo avaliar o repertório de habilidades sociais de estudantes com paralisia cerebral e sem fala articulada antes e após a realização de um programa de promoção de habilidades sociais. Sete participantes com idade entre 15 e 30 anos participaram da intervenção desenvolvida em 22 encontros semanais. Os instrumentos processuais e de avaliação prée pósintervenção foram: (a) inventário de habilidades sociais para alunos sem fala articulada, (b) questionário com os familiares, (c) entrevista com as professoras, (d) tarefas de casa, (e) diários de campo, e (f) relatos dos familiares. Os resultados revelaram aumento no repertório de habilidades sociais nas classes: autocontrole e expressividade emocional, civilidade, empatia, assertividade, fazer e manter amizades, solução de problemas interpessoais e habilidades sociais acadêmicas. Concluiu-se que o programa de promoção das habilidades sociais demonstrou benefícios e afetou positivamente a generalização dos efeitos da intervenção para outros contextos, assim como no uso da comunicação alternativa, para ampliar as habilidades sociais.

Palavras-chave: paralisia cerebral; habilidades sociais; intervenção; educação especial

Abstract

Students with physical disabilities without articulate speech may find it difficult to develop and expand their repertoire of social skills, damaging their interpersonal relationships and quality of life. However, intervention in social skills acts as a protective factor and an important tool for promoting mental health. The study aims to evaluate the social skills repertoire of students with cerebral palsy and no articulate speech before and after a social skills promotion program. Seven participants aged between 15 and 30 years participated in the intervention developed in 22 weekly meetings. The procedural and assessment instruments preand post-intervention were: (a) social skills inventory for students without articulate speech, (b) questionnaire with the family members, (c) interview with the teachers, (d) homework assignments, (e) field diaries, and (f) family members' reports. The results revealed an increase in the repertoire of social skills in the following classes: self-control and emotional expressiveness, civility, empathy, assertiveness, making and keeping friends, interpersonal problem solving, and academic social skills. It was concluded that the program to promote social skills demonstrated benefits and affected posivively the generalization of the effects of the intervention to other contexts, as well as in the use of alternative communication, to expand social skills.

Keywords: cerebral palsy; social skills; intervention; special education

Resumen

Los alumnos con discapacidades físicas sin habla articulada pueden tener dificultades para desarrollar y ampliar su repertorio de habilidades sociales, lo que pone en peligro sus relaciones interpersonales y su calidad de vida. Sin embargo, la intervención en habilidades sociales actúa como un factor de protección y una herramienta importante para promover la salud mental. El estudio pretende evaluar el repertorio de habilidades sociales de alumnos con parálisis cerebral y sin habla articulada antes y después de la aplicación de un programa de promoción de habilidades sociales. Siete participantes de entre 15 y 30 años participaron en la intervención desarrollada en 22 reuniones semanales. Los instrumentos de procedimiento y evaluación antes y después de la intervención fueron: (a) inventario de habilidades sociales para alumnos sin habla articulada, (b) cuestionario con familiares, (c) entrevista con profesores, (d) tareas para casa, (e) diarios de campo, e (f) informes de familiares. Los resultados revelaron un aumento del repertorio de habilidades sociales en las siguientes clases: autocontrol y expresividad emocional, civismo, empatía, asertividad, hacer y mantener amistades, resolución de problemas interpersonales y habilidades sociales académicas. Se concluyó que el programa de promoción de habilidades sociales mostró beneficios y afectó positivamente a la generalización de los efectos de la intervención a otros contextos, así como en el uso de la comunicación alternative, para ampliar las habilidades sociales.

Palabras clave parálisis cerebral; habilidades sociales; intervención; educación especial

INTRODUÇÃO

As pessoas sem fala articulada apresentam dificuldade em emitir a fala e em estruturar uma frase com todos os elementos da linguagem humana. Este aspecto influencia na aquisição das habilidades básicas, no desenvolvimento das habilidades de comunicação e de relacionamento interpessoal. O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] indica que 8,4% da população brasileira - o que representa 17,3 milhões de pessoas tem algum tipo de deficiência (IBGE, 2019). Pesquisas afirmam que meio por cento da população mundial, ou seja, aproximadamente uma em cada duzentas pessoas não se comunica através da fala articulada devido a vários fatores neurológicos, físicos, emocionais e cognitivos, sendo a condição mais comum à da Paralisia Cerebral (PC) (Nunes, 2003).

No caso da PC ocorre uma lesão no sistema nervoso central e dependendo de sua localização ocasiona diferentes atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor (Geralis, 2007), implicando em alterações ao nível de tônus muscular, qualidade de movimento, percepções e capacidade de apreender e interpretar os estímulos ambientais, e muitas vezes tornam-se agravadas pelas dificuldades em explorar o meio e em se comunicar com outras pessoas. Além disto, destacase que as pessoas falantes tendem a antecipar a comunicação da pessoa sem fala articulada e devido à falta de vivências em se expressar oralmente e manter interlocuções com diferentes parceiros (Tomasello, 2003), pode provocar dificuldade em estabelecer relações interpessoais adequadas.

A Comunicação Alternativa (CA), área interdisciplinar que, por meio do uso de recursos manuais, gráficos e tecnológicos, favorece a expressão e comunicação de estudantes sem fala articulada com seus parceiros falantes (Nunes, 2003). O interesse do interlocutor torna-se fundamental para que a comunicação flua, considerando aspectos como: criar oportunidades, conceder tempo suficiente, oportunizar a troca de turno, responder de modo apropriado, respeitando e ampliando o nível de resposta (Nunes, 2003). A escolha da forma mais adequada de comunicação baseia-se nas características motoras, cognitivas e perceptivas do indivíduo (Petroni; Boueri; Lourenço, 2018). O propósito é empregar símbolos com significados e que possibilitem a interação com o grupo social e a cultura, enfatizando a viabilidade de promover a interação entre pessoas sem fala articulada e diferentes parceiros de comunicação (Machado; Walter, 2023).

As Habilidades Sociais (HS) são definidas como um conjunto de comportamentos sociais valorizados pela cultura em questão, voltados para o enfrentamento de demandas coletivas. Essas habilidades relacionam-se com os comportamentos sociais desejáveis funcionando como fator de proteção ao desenvolvimento humano. Em geral, apresentam repercussões com alta possibilidade de beneficiar o próprio indivíduo, seu interlocutor e a comunidade (Del Prette; Del Prette, 2017a). Assim, são fundamentais para uma tarefa social bem-sucedida em diferentes contextos sociais, como por exemplo ingressar em um grupo de colegas.

Freitas e Del Prette (2013) realizaram um estudo de caracterização do repertório de HS, com professores de 120 alunos de escolas regulares e especiais, abarcando diferentes categorias de necessidades educativas. As crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, autismo, problemas de comportamento internalizantes e externalizantes apresentaram comparativamente menor frequência de comportamentos desejáveis nas classes de HS. Canelas (2020) afirma a importância de intervenções em HS direcionadas a comportamentos indesejáveis (ativos e passivos) no contexto escolar.

Estudos nacionais com foco em treinamento das HS junto a pessoas com deficiência intelectual (Aguiar et al., 2009; Ferreira; Munster, 2017), deficiências sensoriais (Ferreira; Del Prette; Del Prette, 2018), autismo (Fernandes; Souza, 2000), altas habilidades (Loos-Sant’Ana; Trancoso, 2014; Oliveira; Capellini; Rodrigues, 2020) e deficiência física (Guizzo; Del Prette; Del Prette, 2012) têm sido conduzidos em nosso país. O treinamento em HS envolve o planejamento de atividades estruturadas de aprendizagem social, mediadas e conduzidas por um facilitador, visando a aquisição ou aperfeiçoamento das HS (Caballo, 2002; Del Prette; Del Prette, 2017b; Murta et al., 2015).

Em contexto nacional, um estudo descreve as HS de estudantes com PC e sem fala articulada, por meio de uma avaliação multimodal com os próprios alunos, seus familiares e suas professoras. Os resultados revelaram déficits de desempenho e fluência nas classes de HS. A revisão bibliográfica realizada, indica a importância de programas de intervenção, com recursos alternativos, para a promoção de HS no contexto da Educação Especial (Quiterio; Nunes, 2017). Na literatura internacional, King et al. (1997) implementaram um programa relacionado com o treinamento em HS para estudantes com PC com alvo em cinco habilidades básicas: resolução de problemas interpessoais, comunicação verbal e não verbal, iniciação de interações, habilidades de conversação e lidar com outras pessoas difíceis. Participaram 11 crianças de 8,6-14,6 anos de idade, consideradas excluídas ou tímidas pelos professores. Os participantes foram avaliados antes da intervenção, após a intervenção e em acompanhamento de seis meses. Os resultados indicaram melhorias significativas na percepção dos participantes acerca da aceitação social. No entanto, este resultado não se manteve seis meses após a intervenção, indicando a necessidade de praticar as habilidades aprendidas em contexto natural.

Segundo Del Prette e Del Prette (2005), estudos com diferentes informantes, como familiares e professoras, podem contribuir na categorização do repertório de HS, auxiliando no planejamento de uma intervenção que possibilite a generalização de comportamentos desejáveis para diferentes contextos sociais. Tais investigações têm evidenciado a importância do desenvolvimento das HS nessa população, visto que o desempenho social adequado pode amenizar os efeitos psicológicos e sociais adversos, especialmente na interação com diferentes interlocutores, possibilitando melhor qualidade de vida (Freitas; Del Prette, 2013; Ramos et al., 2021).

No que se refere a programas de intervenções junto a estudantes com deficiência, todas as intervenções revisadas, em contexto nacional, foram com estudantes com fala articulada e não foi identificado nenhum estudo com pessoas com deficiência física associada à deficiência de comunicação como aquelas com PC. Conforme revisão de literatura, participantes com deficiência apresentaram maior frequência de comportamentos indesejáveis nas classes de HS. Portanto, destaca-se a necessidade de pesquisas que preencham essa lacuna, favorecendo o desenvolvimento interpessoal de estudantes sem fala articulada. Desenvolveu-se uma pesquisa com dois estudos interligados: (i) programa de formação inicial em HS e educação especial direcionado a graduandas em Pedagogia (Quiterio et al., 2021) e (ii) programa de promoção em HS para estudantes com deficiência sem fala articulada. Este artigo discorre sobre o segundo estudo com a seguinte pergunta de pesquisa: O Programa de Promoção de Habilidades Sociais para Alunos Sem Fala Articulada (PPHS-ASFA) pode promover o repertório de habilidades sociais de estudantes com deficiência sem fala articulada? Deste modo, tem como objetivo avaliar o repertório de habilidades sociais de estudantes com paralisia cerebral e sem fala articulada antes e após a realização de um programa de promoção de habilidades sociais.

MÉTODO

O estudo com caráter exploratório, de análise quantitativa e qualitativa (Fontelles et al., 2009). A intervenção foi realizada com aplicação de medidas de avaliação pré-intervenção, processual e pós-intervenção.

Participantes e local

Participaram sete estudantes (quatro do sexo feminino: P1, P4, P5 e P6) e três do masculino: P2, P3 e P7), selecionados pela gestão da escola, com idade entre 15 e 30 anos (M = 23,7; dp = 4,98), matriculados em uma escola especial da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. A gestão escolar selecionou os estudantes que apresentavam, segundo a avaliação dos professores, maior dificuldade de interação social. A intervenção foi realizada na sala de leitura da escola no período da tarde. As seis graduandas que participaram do desenvolvimento do programa estavam matriculadas no quinto e sexto períodos do curso de Pedagogia em uma universidade pública, com idades entre 19 e 24 anos (M = 22; dp = 1, 63) e participaram de curso anterior em Habilidades Sociais Educativas (Quiterio et al., 2021). Os familiares dos estudantes e as professoras atuaram como informantes respondendo aos instrumentos da pesquisa. Como critério de inclusão, puderam participar do PPHS-ASFA estudantes com PC sem fala articulada e como critério de exclusão estabeleceu-se que não poderiam ter déficit cognitivo ou sensorial.

Instrumentos

  1. Inventário de Habilidades Sociais para Alunos Sem Fala Articulada (IHS-ASFA) (Quiterio; Nunes; Gerk, 2020) (prée pós-intervenção). Tem como objetivo retratar situações que abarcam estudantes com deficiência e sem fala articulada, em suas interações com pares e profissionais de educação, em diferentes espaços escolares e sociais. O instrumento é composto por 20 pranchas e os itens avaliam as classes de HS: Autocontrole e Expressividade Emocional, Assertividade, Empatia & Civilidade, Fazer e Manter Amizades, Habilidades Sociais Acadêmicas e Solução de Problemas Interpessoais. Em cada item, solicita-se ao estudante para indicar a frequência com que apresenta cada comportamento. As opções de resposta baseiam-se na escala Likert variando de 1 (nunca) a 5 (sempre). O Teste de Wilcoxon-Mann-Whitney verificou significância estatística (Quiterio; Nunes, 2017; 2020), o que fala a favor da validade do instrumento (Siegel; Castellan, 2006).

  2. Questionário com familiares (Quiterio; Nunes, 2017) (prée pós-intervenção). Instrumento composto de 30 itens descrevendo habilidades relacionadas às diferentes classes de HS. O respondente deve estimar a frequência de sua resposta em escala Likert, com cinco pontos, variando de 1 (nunca ou raramente) a 5 (sempre). O questionário produz um escore geral e para cada uma das classes avaliadas: Habilidades Básicas de Comunicação, Autocontrole e Expressividade Emocional, Civilidade, Empatia, Fazer e Manter Amizades e Assertividade. No instrumento consideram-se as diferentes formas de respostas que o indivíduo emite tanto por meio de gestos como pelo uso de recursos alternativos de comunicação.

  3. Entrevista com professoras (Quiterio; Nunes, 2017) (prée pós-intervenção). A entrevista semiestruturada recorrente foi orientada por um roteiro composto por 10 itens (Manzini, 2003). O instrumento coletou a percepção das professoras sobre as classes de HS dos estudantes com PC e sem fala articulada.

  4. Tarefas de casa (avaliação processual). Instrumento com a seguinte proposta de atividades: (a) pesquisa de imagens correspondentes a cada classe, (b) registro de monitoria das habilidades que compõem cada classe, (c) escolha de palavras a serem utilizadas de acordo com as situações, (d) relatos dos familiares sobre aspectos relativos ao humor e de conflito no contexto familiar. Ao final de cada encontro entregava-se uma síntese para os participantes e os informantes contendo a definição e exemplos de cada classe.

  5. Diário de Campo (avaliação processual). Instrumento preenchido por uma bolsista de pesquisa para registrar as reuniões semanais com as graduandas. Teve o objetivo de discutir o comportamento dos estudantes com PC e sem fala articulada e, consequentemente auxiliar nas modificações ocorridas durante o programa.

  6. Feedback dos familiares (avaliação processual). Dois encontros realizados com os familiares foram gravados e transcritos literalmente por uma graduanda bolsista não participante da pesquisa. O objetivo foi coletar as impressões dos familiares sobre o programa, esclarecer dúvidas conceituais e práticas e fortalecer a parceria.

Procedimento de coleta de dados

O estudo foi aprovado pela Secretaria Municipal de Educação e pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição de Ensino Superior [004/047.3.2011]. Em seguida, os responsáveis pelos estudantes participantes da pesquisa receberam um convite para uma reunião. A proposta do PPHS-ASFA foi apresentada aos familiares que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação individual dos instrumentos ocorreu no horário combinado com cada informante.

O PPHS-ASFA foi conduzido pela primeira autora juntamente, por meio da metodologia colaborativa, com as graduandas que haviam participado, no ano anterior, do curso de Habilidades Sociais e Educação Especial, o qual envolveu atividades teóricas, como estudo sobre o campo teórico-prático das HS, Educação Especial, CA e implementação e avaliação de programas de intervenção de HS junto a estudantes com deficiência, quanto práticas, como por exemplo, elaboração de recursos de CA para estudantes com deficiência (Quiterio et al., 2021).

Programa de promoção das habilidades sociais para alunos sem fala articulada

A intervenção teve a duração de 33h, sendo distribuídas em 22 encontros semanais de uma hora e trinta minutos. A seleção das classes de HS ocorreu de acordo com a revisão de literatura e da análise dos dados dos instrumentos utilizados na pré-intervenção. Cada encontro foi planejado, estabelecendo-se: (a) os objetivos gerais e específicos; (b) elaboração da exposição didática, (c) seleção das vivências e dinâmicas, (d) tipos de tarefas de casa e (e) recursos materiais. Ao final de cada encontro semanal da intervenção, a primeira autora realizava uma reunião com as graduandas para revisar o planejamento (objetivos, atividades, vivências e recursos).

Uma breve descrição do programa por encontros e classes: (1 e 2) Apresentação da proposta do PPHS-ASFA e Habilidades Básicas de Comunicação, (3, 4 e 5) Autocontrole e Expressividade Emocional, (6 e 7) Civilidade, (8 e 9) Empatia, (10, 12 e 13) Assertividade, (11 e 17) Encontros com os responsáveis, (14 e 15) Fazer e Manter Amizades, (16, 18 e 19) Solução de Problemas Interpessoais, (20 e 21) Habilidades Sociais Acadêmicas e Confraternização, (22) Avaliação pós-intervenção. Estrutura do programa: (1) revisão da tarefa de casa. As graduandas conversavam com os estudantes utilizando as pranchas básicas e as pranchas de HS; (2) dinâmica ou vivência; (3) exposição didática dos conceitos teóricos; (4) treino de habilidades (atividade, dinâmica ou vivência); (5) tarefa de casa e (6) feedback do encontro - esse planejamento completo pode ser acessado em http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/10397. Destaca-se que as atividades foram elaboradas com recursos da CA para propiciar a interação entre os alunos e as graduandas. Todas as vivências e dinâmicas realizadas foram videografadas e transcritas por uma bolsista assistente desta pesquisa.

Procedimento de análise de dados

Os dados foram analisados individualmente, devido as características específicas de cada participante, bem como de forma conjunta por tratar-se de uma intervenção em grupo.

  1. IHS-ASFA (Quiterio; Nunes; Gerk, 2020). Permite dois tipos de análise das classes de HS. A primeira refere-se à tipologia das reações, sendo cada resposta classificada de acordo com o crivo de respostas em Comportamento Desejável (CD), Comportamento Indesejável Passivo (CIP) e Comportamento Indesejável Ativo (CIA). E a segunda destina-se a detectar o percentual de resposta por classe. Esta análise visa hierarquizar as classes de HS para auxiliar no planejamento da intervenção. Considera-se com déficit representativo os resultados percentuais abaixo de 50.

  2. Questionário com familiares (Quiterio; Nunes, 2017). Cada item é pontuado de acordo com o número equivalente à frequência de emissão do comportamento: opção “nunca” equivale a 20%, “poucas vezes” a 40% e, assim sucessivamente obtendo-se um escore percentual. Considerase com déficit significativo os resultados percentuais abaixo de 50.

  3. Entrevista com professoras (Quiterio; Nunes, 2017). As respostas foram organizadas em categorias referentes a cada classe de HS de acordo com a análise de conteúdo proposta por Bardin (2010).

  4. Tarefas de casa. Parte das tarefas de casa (38,9%) envolveu a pesquisa de imagens correspondentes a cada classe e foi analisada a compreensão das habilidades referentes àquela classe. Outra parte das tarefas de casa (44,6%) propôs o registro de monitoria das habilidades que envolviam cada classe. Nestas tarefas, a família foi orientada a ler o resumo e marcar junto com seu filho a frequência de emissão daquele comportamento. Em uma tarefa (5,5%) trabalhou-se com a escolha das palavras a ser utilizada em situações de interação. E, em duas tarefas de casa (11,1%) foram solicitados relatos dos familiares sobre aspectos relativos ao humor e a situações de conflito no contexto familiar.

  5. Diário de Campo. As filmagens das intervenções juntamente com as reuniões com as graduandas foram analisadas por duas assistentes de pesquisa para avaliar a confiabilidade pelo critério de equivalência. Estabeleceu-se o índice de consenso de ≥ 80% para cada item avaliado (Siegel; Castellan, 2006), tais como: aplicabilidade da tarefa, interação entre os pares, sendo que aqueles que não obtiveram consenso foram discutidos na reunião semanal como forma de contribuir para a discussão dos resultados.

  6. Feedback dos familiares. As filmagens foram analisadas por duas assistentes de pesquisa. Realizou-se transcrição verbatim e leitura “flutuante” dos comentários e os conteúdos foram organizados em categorias (Bardin, 2010).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou o repertório de habilidades sociais de estudantes com PC e sem fala articulada antes e após um programa de promoção de habilidades sociais. Os dados coletados são apresentados e discutidos quanto às categorias de análise do conteúdo e análise estatística descritiva.

1. IHS-ASFA (pré-, pós-intervenção). A Figura 1 apresenta, para cada aluno participante, segundo sua própria avaliação, os percentis dos comportamentos desejável, indesejável passivo e indesejável ativo.

Legenda: CD - Comportamento Desejável; CIP - Comportamento Indesejável Passivo; CIA - Comportamento Indesejável Ativo.

Fonte: Dados de pesquisa.

Figura 1 Desempenho dos Participantes (P) no IHS-ASFA - tipologia das reações 

Em relação à tipologia das reações, na pré-intervenção, quatro dos sete participantes avaliaram-se como emitindo comportamento desejável (P2, P4, P5, P6) e três com predomínio de comportamento indesejável ativo (P1, P3, P7). Esse dado corrobora com o estudo de LoosSant’Ana e Trancoso (2014), cuja minoria dos participantes relatou ter repertório social abaixo da média. Na pós-intervenção, a frequência do comportamento desejável aumentou em todos os participantes (de 5% a 45%). Três participantes (P1, P3, P7) auto avaliaram-se como emitindo comportamento indesejável ativo e passaram a emitir predominantemente comportamento desejável. P3 avaliou-se inicialmente com predomínio de comportamento indesejável ativo e sua professora confirmou esta percepção ao citar, durante a entrevista, episódios nos quais o aluno emitiu comportamento indesejável ativo no grupo, diferentemente de seu familiar que o avaliou com comportamento indesejável passivo. Destaca-se que eventuais divergências de percepções entre os familiares, os professores e os próprios alunos aconteceu em outro estudo (Oliveira; Capellini; Rodrigues, 2020) e, isto pode ser atribuído a questões de adaptação de instrumentos, diferenças nos comportamentos específicos da população em foco ou por questões sócio-culturais (Del Prette; Del Prette, 2005; Quiterio; Nunes; Gerk, 2020). Contudo, na pós-intervenção P3 avaliou-se com comportamento desejável. De forma análoga, essas mudanças comportamentais foram destacadas por sua família e professora. Em relação à frequência de percentil emitida para cada classe, comparando-se os resultados prée pós-intervenção constatou-se que, dois dos sete participantes (P1 e P2) obtiveram um aumento em todas as classes. Cinco aumentaram ou mantiveram o percentil (P3, P4, P5, P6, P7) e três apresentaram déficits em uma ou duas classes (P4, P5, P7), como demonstra a Figura 2.

Legenda: AEE - Autocontrole e Expressividade Emocional, ASS - Assertividade, EMP & CIV - Empatia e Civilidade, FMA - Fazer e Manter Amizades, HSA - Habilidades Sociais Acadêmicas, SPI - Solução de Problemas Interpessoais. Fonte: Dados de pesquisa.

Figura 2 Desempenho dos Participantes (P) no IHS-ASFA - classes de habilidades sociais 

Dentre as classes, destaca-se que em Autocontrole e Expressividade Emocional, P4 teve um decréscimo de 25% e esse dado pode ter relação com uma mudança no contexto familiar. Caballo (2002) destaca que dificuldades emocionais estão inter-relacionadas com a cognição e as HS. Na classe Assertividade destaca-se que P1 alterou seu percentil de 0% para 75%, o que indica que passou a manifestar opinião, manejar a raiva e solicitar mudança de comportamento. Aguiar et al. (2009) destacam a importância desta classe para a comunicação interpessoal, expressão de sentimentos e necessidades. Em Solução de Problemas Interpessoais, no início do PPHS-ASFA ocorreu um episódio de agressão física entre P1 e P7, na qual foi necessária a mediação de duas graduandas. Esse episódio pode ter relação com o ambiente escolar, visto que a professora de P7, verbalizou que “vocês não deviam fazer a pesquisa com ele, pois não sabe nada”. Este estudante obteve o percentil inicial nesta classe de 0% e obteve um avanço para 67%. Essa situação corrobora com os estudos de Canelas (2020), Ferreira e Munster (2017) e Oliveira, Capellini e Rodrigues (2020) sobre a necessidade e importância do educador desenvolver as habilidades sociais educativas. Em Empatia & Civilidade, destaca-se que P6 obteve um aumento de 50% e uma variável que parece contribuir foi seu familiar ter compreendido a importância do uso da CA em parceria com a oralidade, ampliando as possibilidades de interação social (Quiterio; Nunes; Gerk, 2020). A classe Habilidades Sociais Acadêmicas destacou-se em ambos os momentos de avaliação com melhor percentil no grupo. Esse resultado corrobora com os estudos de Ramos et al. (2021) que ressaltam a importância dessa classe como fator de proteção e de desenvolvimento das habilidades cognitivas e interpessoais no ambiente escolar. E P5 na classe Fazer e Manter Amizades, alterou seu percentil de 0% para 67% e além da própria aluna, sua professora relatou sua mudança de comportamento na turma, inclusive iniciando, mantendo e encerrando conversação por meio dos recursos da CA com colegas com e sem fala articulada. Esse resultado vai ao encontro de Nunes e Walter (2014) que destacam o uso da CA como recurso que favorece as relações interpessoais. A Tabela 1 apresenta as variáveis analisadas, em grupo, em classes de HS.

Tabela 1 Classes de habilidades sociais antes e após a intervenção - autoavaliação 

Classes de HS Pré-intervenção Pós-intervenção
Autocontrole e expressividade emocional 25,0% 46,4%
Assertividade 21,4% 60,7%
Solução de Problemas Interpessoais 33,1% 62,0%
Empatia & Civilidade 28,6% 46,4%
Habilidades Sociais Acadêmicas 57,1% 71,4%
Fazer e manter amizades 38,1% 57,1%

Fonte: elaborada pelas autoras

Na pré-intervenção, a única classe que obteve índice superior à média foi Habilidades Sociais Acadêmicas (57,1%), tendo as demais classes apresentado um índice de déficit representativo (>50%). Os resultados da pós-intervenção indicaram um acréscimo geral na frequência de respostas habilidosas em todas as classes, permanecendo apenas Autocontrole e Expressividade Emocional, Empatia & Civilidade abaixo da média. Contudo, observou-se uma mudança positiva nos comportamentos desejáveis, de 21,4% e 17,8%, respectivamente.

2. Questionário com familiares (pré e pós-intervenção). Na pré-intervenção, a classe Fazer e Manter Amizades obteve um índice representativo de déficit com 49,1% e com quatro indicações de alunos (P1, P3, P4, P7), conforme mostra a Figura 3. As demais classes obtiveram índice acima da média.

Legenda. HBC - Habilidades Básicas de Comunicação, AEE - Autocontrole e Expressividade Emocional, CIV - Civilidade, EMP - Empatia, FMA - Fazer e Manter Amizades, ASS - Assertividade. Fonte: Dados de pesquisa.

Figura 3 Desempenho dos Participantes (P) no Questionário - familiares 

Na pós-intervenção, todas as classes obtiveram média acima de 50%. Em relação à frequência de percentil emitida para cada classe e por cada participante, comparando-se os resultados prée pós-intervenção constatou-se que, três dos sete participantes (P1, P6 e P7) obtiveram um aumento positivo em todas as classes. Dois estudantes aumentaram ou mantiveram o percentil (P4, P5) e dois apresentaram déficits em duas ou três classes (P2, P3). A Tabela 2 apresenta as variáveis analisadas, por classes do grupo.

Tabela 2 Classes de habilidades sociais antes e após a intervenção - familiares 

Classes de HS Pré-intervenção Pós-intervenção
Habilidades básicas de comunicação 73,6% 80%
Autocontrole e expressividade emocional 70,3% 83,4%
Civilidade 57,5% 68,6%
Empatia 69,5% 75,2%
Fazer e manter amizades 49,1% 69,7%
Assertividade 62,8% 76,6%

Fonte: elaborada pelas autoras.

Os resultados demonstram um acréscimo da pontuação média do grupo após a intervenção, como demonstra a Tabela 2. Estes corroboram com os dados do estudo de Ferreira e Munster (2017), pois mesmo que o participante da intervenção permaneça na mesma faixa de classificação, constata-se uma mudança percentual indicando maior emissão de comportamento desejável.

3. Entrevista com professoras (pré e pós-intervenção). A análise de conteúdo préintervenção possibilitou um levantamento das necessidades iniciais: alta dificuldade em Habilidades Básicas de Comunicação (P3, P4, P6 e P7), Fazer e Manter Amizades (P4, P5, P6 e P7) e Autocontrole e Expressividade Emocional (P3, P4, P5 e P7). Com média dificuldade em Civilidade (P3, P4 e P7), Solução de Problemas Interpessoais (P4, P5 e P7) e Habilidades Sociais Acadêmicas (P5 e P7) e, baixa dificuldade em Assertividade (P7). Esse último dado contrapõe os dados de Canelas (2020) que discute que essa fase da vida pode contribuir para os jovens expressarem CIA.

Após o processo interventivo, as professoras relataram mudanças positivas em todos os estudantes e em todas as classes. A professora de P5 destacou o avanço em Autocontrole e Expressividade Emocional, mas ressalta que “ainda é necessária ampliação das habilidades”. A professora de P7 sinalizou que “inicialmente as dificuldades eram totais e após a intervenção tornaram-se parciais”. Esses dados corroboram com Ferreira, Del Prette e Del Prette (2018), que destaca a importância desta classe, desenvolvendo um programa interventivo para crianças com deficiência com foco nas expressões faciais e seu impacto sobre as classes de HS.

O uso da técnica de entrevista recorrente (Manzini, 2003) possibilitou um debate sobre o uso de recursos de CA de acordo com o perfil cognitivo, emocional, motor e social do estudante, como exemplifica esse relato (pré-intervenção): “Tanto P4 e P6 não estão querendo ultimamente usar a prancha de CA. Isso dificulta bastante. É uma questão emocional, talvez por conta da vaidade mesmo, por serem umas moças, né?”. Essa troca possibilitou uma discussão embasada nos estudos de Nunes (2003) e ao final da intervenção coletou-se essa afirmativa: “Tem um grande potencial para desenvolvimento de questões da CA. Estão demonstrando de uma forma mais efetiva o seu desejo”. O diálogo estendeu-se com a introdução de um recurso de alta tecnologia - os tablets no PPHS-ASFA e corrobora com os resultados do estudo de Petroni, Boueri e Lourenço (2018) que avaliou a transição da prancha de comunicação em papel para a prancha no tablet com uma jovem de 18 anos. Os resultados indicam aspectos positivos com a inserção do recurso tecnológico.

4. Diários de campo e tarefas de casa (avaliação processual). O processo interventivo comportou avaliações conjuntas semanais entre as graduandas e a pesquisadora, possibilitada pela filmagem das intervenções e discussão sobre o papel do interlocutor na interação social com estudantes com deficiência e sem fala articulada e consequente, adaptação adequada das atividades de HS com recursos da CA. De modo semelhante ao estudo de Fernandes e Souza (2000), a análise das tarefas de casa auxiliou no aprimoramento do programa, no monitoramento de comportamentos e no atendimento às demandas individuais e grupais dos estudantes.

As reuniões iniciais de supervisão possibilitaram as seguintes mudanças: (i) organização do espaço físico possibilitando o contato visual entre todos os participantes, (ii) adaptação de mobiliário por meio de bandejas acopladas nas cadeiras de rodas. Nas bandejas colocou-se tiras de velcro para facilitar o uso de recursos alternativos, (iii) uso do tablet como recurso facilitador no processo de comunicação. O uso deste recurso teve ampliações, como: (a) as terapeutas do P2 passaram a utilizá-lo em suas atividades e, (b) a família de P3 passou a usá-lo tanto com seu filho quanto como facilitador no processo de aquisição da leitura-escrita de sua mãe - esse dado corrobora com o estudo de Petroni, Boueri e Lourenço (2018) que discute o uso do tablet como opção à prancha de comunicação em papel e, (iv) importância de mostrar-se disponível para o outro, como interlocutor interessado na comunicação e no relacionamento interpessoal (Nunes; Walter, 2014; Tomasello, 2003). As reuniões intermediárias contribuíram para repensar a quantidade de atividades por encontro. A partir deste momento, optou-se por diminuir a porção de tarefas e investir prioritariamente no diálogo e na ampliação das vivências como forma de aproximação da realidade por jovens com deficiência em diferentes interações sociais em consonância com os estudos de Freitas e Del Prette (2013).

Um aspecto a ressaltar é que durante a análise do registro de monitoria (tarefas de casa), percebia-se que algumas habilidades deveriam ser reforçadas com alguns estudantes, mas estas variavam na intensidade e frequência, como por exemplo: dificuldade em fazer elogios. Além da orientação individual inseriu-se atividades adaptadas com recursos de CA que desenvolvessem essa habilidade, atentando-se para os requisitos, tais como: ser sincero, manter coerência com a situação e ser específico, conforme explicam Del Prette e Del Prette (2017a). Outro aspecto é que a análise das tarefas de casa permitiu exercitar diferentes classes, como: (a) mãe de P1 colocou a necessidade de sua filha em usar as palavras envolvidas na classe Civilidade no condomínio e nos shows que frequentava para facilitar a interação social, (b) mãe de P7 sinalizou que seu filho gosta de ir a mesma lanchonete, mas fica irritado em comer o mesmo lanche. Na reunião com as graduandas, discutiu-se a importância da parceria com a família e do uso dos recursos alternativos adequados a cada contexto (Nunes; Walter, 2014) sendo adotadas as seguintes estratégias para cada situação: (a) cartões com palavras de CIV, dispostos em porta cartões, incentivou o uso em diferentes ambientes sociais, (b) cartões com imagens de diferentes tipos de lanches, dispostos em chaveiro, para uso na lanchonete - ambos com a finalidade de promover a generalização (Quiterio et al., 2021). Guizzo, Del Prette e Del Prette (2012) ressaltam que a manutenção dos recursos e a generalização das habilidades aprendidas para o ambiente natural faz-se fundamental em programas de intervenção em HS.

5. Feedback dos familiares (avaliação processual). Os comentários dos familiares constituíram seis categorias referentes a intervenção.

Categoria 1: Expectativa sobre o programa. Alguns estudos de intervenção em HS (Del Prette; Del Prette, 2017b), sugerem que se ofereçam prêmios para frequência e participação nos programas. O PPHS-ASFA não utilizou essa estratégia, mas foi acordado com os estudantes a questão do compromisso e responsabilidade: “talvez seja por isso que ela goste tanto, ela não gosta de coisa muito infantilizada (...). Até comentei com o pai ela está adorando o projeto” (mãe de P1). Outro aspecto foi a adesão aos encontros expressa pela frequência: “P4 já acorda animada, né? A gente brinca que ela é de açúcar (…). E aí eu vi, ih hoje o tempo tá feio. Mas hoje é segunda-feira, você vai na chuva? Aí ela faz que vai na chuva sim” (mãe de P4).

Categoria 2: Percepção das classes de HS no cotidiano. A compreensão dos conceitos e sua aplicabilidade desenvolveram-se tanto na intervenção quanto no uso contínuo das pranchas nas interações sociais em outros contextos, como a família: “essa questão de perceber o sentimento dos outros e tal, até mesmo na revista, na televisão quando ela presta a atenção nisso (...). E sai um pouco dessa coisa do tirano, eu, eu, eu, eu…” (mãe de P4). Conforme ressaltam Murta et al. (2015), o desenvolvimento das HS contribui para a interação social e a promoção da saúde mental, adaptando-se ao público-alvo, ao contexto e a cultura.

Categoria 3: Uso dos recursos de CA na interação. Os familiares conheciam os recursos, mas puderam perceber sua funcionalidade e a possibilidade efetiva de comunicação, especialmente quando há interlocutores disponíveis para a interação (Nunes; Walter, 2014; Tomasello, 2003), seja no contexto educacional ou familiar: “deixei a prancha em cima da mesa. Ele pegou a prancha e levou para mim na cozinha” “Eu vou fazer uma prancha com arroz, feijão...” (mãe de P7).

Categoria 4: Tarefas de casa. Os registros de monitoria, pesquisas, relatos são instrumentos importantes para complementar as propostas dos encontros (Del Prette; Del Prette, 2017b): “tem uns de cumprimentar (...) daí você tem que colocar vermelho de segunda a sexta. Então falei, vai me cumprimentar? Ela riu. Quando chego em casa ela me cumprimenta, aí eu falo, vamos botar o verdinho lá” (mãe de P5).

Categoria 5: Incentivo ao uso do reforçamento - elogio social. Fazer elogios apareceu como uma das habilidades com maior dificuldade ao longo do PPHS-ASFA. Esta habilidade apresenta uma articulação direta com a Civilidade e Empatia para o estabelecimento da amizade (Del Prette; Del Prette, 2005) e atua como estratégia no uso de reforçamento positivo (Caballo, 2002) promovendo a autoestima e o fortalecimento da autonomia: “ele mandou beijo pras terapeutas!” (P2 não se despedia). Orientação à mãe: “Nessa hora você elogia: “Que bom P2 que você está se despedindo da fonoaudióloga”. Resposta da mãe: “Ah tá. Então se nós tivéssemos essa oportunidade de ver como é que vocês trabalham… pra imitar em casa” (mãe de P2). Essa colocação revela a necessidade de envolver a rede de apoio (familiares e profissionais) nos programas de intervenção para estudantes com deficiência, conforme estudos de Machado e Walter (2023) e Oliveira, Capellini e Rodrigues (2020).

Categoria 6: Interação entre os responsáveis e as graduandas no PPHS-ASFA. A princípio as graduandas relataram suas expectativas sobre a receptividade e a interação com os alunos e seus familiares. Mas logo, esta apreensão transformou-se em parceria (Quiterio et al., 2021): “Elas são todas novas. Elas são amorosas. Têm praticamente a mesma idade. Ele adora, assim… em tons de alegria. Gente alegre” (mãe de P2).

Categoria 7: Opinião sobre o PPHS-ASFA. Os familiares fizeram relatos livres que foram agrupados nessa categoria: “Estou adorando mesmo. P4 já participou de outros projetos né? Mas cada vez, assim, ela ganha muitíssimo, um salto. Isso é muito, muito gratificante (...). Porque quem ganha é ela, e ganhamos todos nós” (mãe de P4); “ela está gostando muito porque ela quer fazer parte da conversa. É quer sempre subir mais um degrau” (mãe de P5); “Eu achava que ele não entendia (...) acho que ele está bem melhor em tudo. O que tô querendo deste trabalho também é abrir minha cuca.... Eu estava redondamente enganada. Ele está aprendendo, ele consegue” (mãe de P7). Diferentemente do estudo de King et al. (1997) observou-se que os comportamentos desejáveis foram generalizados para outros contextos de situações naturais que envolvem as interações sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo descreveu os efeitos de um programa de promoção de habilidades sociais para estudantes com deficiência e sem fala articulada de uma escola pública. Outros estudos de intervenção em HS, cujos participantes são estudantes com deficiência envolveram diferentes informantes, como: profissionais e professores (Aguiar et al., 2009; Ferreira; Munster, 2017), pais e professores (Ferreira; Del Prette; Del Prette, 2018; Oliveira; Capellini; Rodrigues, 2020) e em todos os programas os informantes avaliaram a intervenção como satisfatória, trazendo aquisição ou ampliação nas classes de HS e nas relações interpessoais.

Os resultados indicaram aumento nos comportamentos desejáveis por parte de todos os participantes e em todas as classes de HS. No entanto, apesar do aumento percentual na classe Autocontrole e Expressividade Emocional, esta necessita ampliar as atividades de intervenção. Esta classe avalia dois indicadores - a dificuldade pode advir do aspecto que, os estudantes estão conseguindo expressar e identificar as emoções por meio das expressões faciais e dos recursos alternativos. Contudo, precisam manter estratégias de domínio dos seus próprios impulsos diante das emoções provocadas pelas situações.

Em relação à efetividade e aplicabilidade do PPHS-ASFA, os indicadores de processo mostraram que em relação à dose fornecida e recebida, 100% das sessões planejadas foram realizadas. As avaliações sugeriram resultados satisfatórios e bom envolvimento dos participantes nas atividades. Os recursos humanos e materiais mostraram-se adequados, tanto por meio da disponibilidade das graduandas que participaram de formação anterior na área como pela aquisição de recursos de alto e baixo custo (Quiterio et al., 2021). Já em relação à retenção, recrutamento e adesão do grupo, mesmo que com a frequência elevada dos estudantes, foi observado o reduzido número de participantes. Acerca do contexto em que a intervenção foi implementada, teve-se dificuldades por aspectos internos, como mudança de sala durante a intervenção.

Como limitações do estudo, destaca-se a amostra restrita e a falta de combinação com outras medidas de avaliação, como o grupo controle, dificultando a generalização dos resultados e uma análise estatística inferencial. A comparação com outros estudos tornou-se limitada, visto não haver, até o presente momento, estudos nacionais de intervenção em HS com público que não emite fala funcional.

Os indicadores de processo e de avaliação dos efeitos dessa intervenção permitiram delinear algumas contribuições para futuros estudos: inserção do grupo controle e intervenções em paralelo com os familiares e professores para possibilitar um aprimoramento dos modelos de intervenção, favorecendo o desenvolvimento das habilidades sociais educativas e parentais. A revisão de literatura ressalta que um repertório satisfatório de HS de estudantes, professores e familiares pode funcionar como fator de proteção para a promoção da saúde mental dos estudantes.

O estudo trouxe algumas contribuições como desenvolver um programa de intervenção mediado por futuras professoras e especialmente, mostrou-se como primeiro estudo de intervenção, em contexto nacional, em HS junto a estudantes com PC e sem fala articulada. A avaliação processual destaca o impacto da intervenção nas interações sociais em contextos naturais, para além do ambiente familiar e escolar. Mediante isto, este estudo apresenta relevância cientifica e social, pois descreve o repertório de habilidades sociais dos participantes e apresenta um programa de intervenção que pode ser adaptado e reelaborado para outros estudantes com deficiência e sem fala articulada em outros contextos.

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Recebido: Maio de 2023; Aceito: Outubro de 2023

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Profa. Leila Nunes, docente do PROPEd-UERJ deixa um legado incomparável na/para a Educação Especial no Brasil. Suas orientandas aprenderam não somente em nível acadêmico, mas também familiar e interpessoal. Gratidão!

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