INTRODUÇÃO
A problematização que ora apresentamos refere-se a um cenário histórico social que caracteriza o processo de envelhecimento em âmbito mundial e nacional. O interesse pela temática decorre da necessidade de construção de conhecimentos voltada à compreensão da realidade contemporânea no âmbito de políticas educacionais em suas articulações com segmentos etários em envelhecimento, considerando em particular pessoas adultas com 50 anos ou mais.
O desenvolvimento desta pesquisa inclui análise de documentos, contemplando: políticas voltadas ao envelhecimento no Brasil; Constituição da República Federativa do Brasil; políticas de educação e de currículo. O estudo empírico se concretizou por meio de entrevistas envolvendo 10 pessoas com idade 50 +, moradoras do estado de Mato Grosso, as quais foram selecionadas aleatoriamente, de acordo com interesse e disponibilidade em participar da pesquisa, na perspectiva de identificar as repercussões das referidas políticas em subjetividades e posicionamentos, considerando seu envolvimento no ambiente de trabalho e articulações com direitos humanos e justiça social.
Este estudo focaliza a temática do envelhecimento populacional na agenda brasileira das políticas públicas, considerando parte de sua historicidade no período do Brasil Colônia, época em que se evidenciaram movimentos e trabalhos realizados na área de proteção social, em fase embrionária, com a criação de instituições “[...] associadas ao campo da solidariedade e do socorro mútuo” de caráter assistencial como a Santa Casa de Misericórdia de Santos (Abe, 2014, p. 73). O surgimento de instituições assistenciais se deu em função de problemas decorrentes do processo de expansão de cidades e industrialização, tais como miséria, fome, epidemias, os quais se tornaram mais evidentes a partir da Proclamação da República (Cunha, 2000).
Os marcos dessa fase de configuração da trajetória constitucional da seguridade social brasileira podem ser identificados em diferentes legislações e culminam em deliberações contidas na Constituição Federal (CF) de 1988 as quais enfatizam o significado e importância dos Direitos Sociais, como exposto por Abe (2014, p. 82-86):
Constituição de 1934, [...] abriga o sentido social do direito. Introduz um capítulo sobre a ordem econômica e social sobre a família, a educação e cultura;
Constituição de 1937, é a que estabelece o Estado Novo, de inspiração corporativista, regulamenta os direitos sociais, mas restringe e muitas vezes ignora os direitos individuais;
Constituição de 1946, [...] redemocratização do país e incorporou a Justiça Social como um dos objetivos da ordem econômica e social, até o advento da ditadura militar;
Constituição de 1988, incluiu os Direitos Sociais numa perspectiva democrática, universalizante, distributiva, baseada no princípio da cidadania e em harmonia com esse contexto foi inserida a Seguridade Social dentre os direitos sociais. Trouxe como a Dignidade da Pessoa Humana, como base primado do trabalho e como objetivo de bem-estar e a Justiça Social (grifos nossos)
A reflexão de Abe (2014) mostra-nos que a Constituição Federal de 1988 garantiu nas suas deliberações um expressivo avanço da configuração dos direitos humanos para o país, ao incluir a obrigatoriedade dos direitos sociais a todos, inserindo políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social. Também se destaca na CF o amparo às pessoas idosas e sua participação ativa na sociedade, garantindo-lhes “[...] proteção, dignidade, bem-estar e direito à vida”, como versa o Título VII [Da Ordem Social], Capítulo VII, Art. 230 (Brasil, 2011, p. 60). Cabe ressaltar que essas prerrogativas são referendadas no Estatuto da Pessoa Idosa deliberado em 2003 e atualizado em 28/11/2022. Dentre esses avanços, concluímos que a dignidade da pessoa idosa é condição para realização de seus direitos e, consequentemente, para a existência de justiça social nas políticas públicas.
O movimento constitucional brasileiro dos anos 80 (século XX) impulsionou ações políticas e sociais significativas na década seguinte, em âmbito nacional e internacional, tendo como um dos focos a questão do envelhecimento. A Política Nacional do Idoso (PNI) foi institucionalizada por meio da Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994, a qual dispõe sobre a criação do Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências (Brasil, 2010).
A PNI é composta de seis capítulos, vinte e dois artigos, cinco princípios e nove diretrizes. Em seu Art. 1º esta legislação apresenta um conjunto articulado de ações governamentais e disposições gerais com objetivo de “[...] assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” (Brasil, 2010), o que se reforça por meio da deliberação de Decretos, Leis e Planos de Ação.
Ao ressaltar algumas das iniciativas indicadas anteriormente podemos visualizar parte da trajetória das legislações que se apresentam voltadas à pessoa idosa. Localizadas em diferentes momentos históricos, as referidas legislações caracterizam a sequência de dispositivos e regulamentações de políticas pertinentes ao processo de envelhecimento e à pessoa idosa:
Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências (Brasil, 2010).
Decreto n. 1.948, de 3 de julho de 1996. Regulamenta a Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e dá outras providências (Brasil, 1996).
Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre a criação do Estatuto do Idoso (Brasil, 2017).
Decreto n. 5.109, de 17 de junho de 2004. Regulamenta a composição, estruturação, competência e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CDNI) e dá outras providências (Brasil, 2004).
Decreto n. 9.921, de 18 de julho de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa (Brasil, 2019a).
Decreto n. 10.133, de 26 de novembro de 2019. Institui o Programa Viver Envelhecimento Ativo e Saudável (Brasil, 2019b).
O Estatuto da Pessoa Idosa, instituído pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Brasil, 2017), representa mais um marco significativo e importante para as políticas de atendimento e acolhimento à pessoa idosa, consolidando alguns dos direitos já existentes e reconhecendo outros necessários às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. O Título I, Art. 2º, dessa lei, versa que:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (Brasil, 2017).
Para que as medidas estabelecidas na PNI e no Estatuto da Pessoa Idosa sejam cada vez mais concretizadas em sua multidimensionalidade e em consonância com as mudanças demográficas em curso, torna-se necessária uma formulação e consolidação contínua de políticas públicas intersetoriais de educação e da aprendizagem ao longo da vida.
Nessa síntese contextual sobre políticas públicas intersetoriais para a pessoa idosa, verificamos algumas lacunas em relação às políticas em torno do processo de envelhecimento da população brasileira, principalmente no que diz respeito à educação e à aprendizagem ao longo da vida, constatação esta que se relaciona à problematização desta pesquisa, a qual tem como instigação a questão: quais os principais desafios do processo de envelhecimento de grupos etários na faixa dos 50 anos+ e suas intersecções com as políticas educacionais e políticas de formação?
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO E TRABALHO
Partindo das concepções referentes às modalidades de educação formal e não formal estão previstas na LDB (Brasil, 2017). Em seu Art. 1º do Título I – Da Educação, encontra-se a deliberação de que “[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Brasil, 2017, p. 8).
Nessa perspectiva, os afazeres realizados pelos cidadãos nos diversos espaços de vivência e convivência também constituem processo formativo e podem se aliar ao direito à educação, articulando-se o período da vida ao período escolar e acadêmico. Nos estudos de Debert (2004), a organização da sociedade se dá mediante a cronologização da vida, ou seja, consiste na delimitação de períodos caracterizados como: tempo para a maioridade civil, para o início da vida escolar, para o ingresso e a saída do mercado de trabalho; e isto contempla a dimensão da diversidade etária em se tratando de políticas educacionais.
No entanto, as conquistas em termos legais não garantem a realização das políticas em sua plenitude. Considerando a compreensão da política enquanto prática e em uma perspectiva cíclica, para compreendermos o significado relativo às políticas educacionais, no que diz respeito ao Estado e sua relação com a sociedade, torna-se necessário olharmos para a historicidade do papel formativo das políticas educacionais, em diferentes âmbitos.
Tomando por base o contexto macro da pesquisa histórica com foco no papel social da educação, em distintos períodos da história do nosso país, é possível identificarmos as tensões, contradições e antagonismos que perpassam a organização do sistema educacional brasileiro. Evidenciam-se, neste sentido, continuidades, descontinuidades, intenções e movimentos que definem as políticas educacionais em diferentes tempos históricos. Essas constatações incluem concepções de formação profissional, como uma das modalidades integrantes da educação. (Azevedo, 2004)
Ponce e Araújo (2019) afirmam que a organização da vida econômica e social passou por profundas transformações nos últimos cem anos, de maneira a criar impactos nos diferentes sistemas de ensino. A alteração do modelo de produção fordista, para outro mais flexível, na qual o trabalho fixo passa a ser identificado pelo trabalho intermitente, ocorre em pleno processo de ascensão de novas forças de produção.
Nas mudanças das políticas educacionais, organismos internacionais em especial o Banco Mundial, assume um papel central. Leher (2004) interpreta essa posição relacionando a qualificação à possibilidade de inclusão social, ao argumentar que:
[...] longe de ser uma questão marginal, a educação encontra-se no cerne das proposições do Banco Mundial, como um requisito para a inexorável globalização, cumprindo a importante função ideológica de operar as contradições advindas da exclusão estrutural dos países periféricos que se aprofunda de modo inédito. O Banco Mundial inscreve a educação nas políticas de aliviamento da pobreza como ideologia capaz de evitar a “explosão” dos países e das regiões periféricas e de prover o neoliberalismo de um porvir em que exista a possibilidade de algum tipo de inclusão social “todo aquele que se qualificar poderá disputar, com chance, um emprego”, para isto, a coloca no topo de seu programa de tutela nas regiões periféricas (Leher, 2004, p. 9).
Sob essa lógica a educação é entendida por sua potencialidade de aumentar a capacidade produtiva das sociedades e de suas instituições políticas, econômicas e científicas auxiliando na redução da pobreza, de forma a acrescentar valor e eficiência ao trabalho, além de diminuir as consequências da situação de vulnerabilidade em questões vinculadas à saúde e nutrição (Banco Mundial, 1997).
Tal perspectiva vem ao encontro das ideias de Marrach (1996), para quem a retórica neoliberal atribui um papel estratégico à educação, ao definir como um de seus objetivos a preparação do ser humano para adaptar-se ao mercado de trabalho, mediante justificativa de que o mundo empresarial requer uma força de trabalho qualificada com capacidade para competir no mercado nacional e internacional. Nessa perspectiva, observa Gentili (2015):
[...] quando os neoliberais enfatizam que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se referindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social da educação seja garantir esses empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de empregabilidade. (Gentili, 2015, p. 27)
No ano de 2019, observou-se no Brasil um outro fator decisivo que corrobora com a dinâmica relativa à elaboração de políticas públicas para a educação, cuja gênese consiste em emendas constitucionais. Nesta dimensão cabe refletir sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 6/2019 (EM n. 29/2019), que trata da mudança de regras de transição e disposições transitórias do sistema de previdência social, o que gera uma reorganização social envolvendo o prolongamento da vida laboral produtiva. Essa mudança previdenciária requer uma reflexão em torno das políticas educacionais, especialmente sobre a organização da sua oferta em relação à idade de aprendizagem na perspectiva de um processo contínuo ao longo da vida, conforme se observa no argumento da Emenda Constitucional n. 29/2019, quando versa sobre a transição demográfica no Brasil.
A caracterização do processo de transição demográfica de envelhecimento populacional não é particularidade do Brasil: a maioria dos Países do mundo está vivenciando transformações demográficas importantes, principalmente relacionadas ao processo de paulatino envelhecimento de suas populações, fenômeno que exige maior atenção às políticas públicas no âmbito do Estado de Bem-estar Social, como saúde, assistência e previdência. Diante do crescimento absoluto no número de idosos, e esses atingindo idades cada vez mais avançadas, é esperado o aumento da demanda por cuidados de saúde e por benefícios previdenciários que permitam a manutenção do nível de renda em meio à perda da capacidade laborativa. Logo, tal situação impõe importantes desafios para o futuro. (Brasil, 2019c, p. 4)
Essas mudanças quanto ao envelhecimento populacional que se reflete em várias dimensões da estrutura social inclui o sistema previdenciário direcionando as ações sociais, tendo em vista posicionamentos da sociedade frente à construção de uma nova categoria social ou de um novo sujeito em relação às leis, em particular no que se refere à LDB (Brasil, 2017), uma vez que o crescimento da expectativa de vida da população ainda é um fenômeno recente e pouco discutida.
Assim, podemos inferir que, considerando esse aumento da expectativa de vida no Brasil, a realidade em torno das demandas da sociedade e do mercado de trabalho passam a requerer Política Educacional que atendam as particularidades desses grupos etários em diferentes fases de envelhecimento. Nesse cenário situam-se grupos etários como os 50+ frente ao qual decorre a questão: cabe considerá-los improdutivos?
POLÍTICAS DE CURRÍCULO E SUBJETIVIDADES
As políticas de currículo, assim como as políticas educacionais, são configuradas por discursos, e estão implicadas em disputas antagônicas e de poder. Sintetizamos nossa compreensão da política de currículo retomando alguns conceitos apresentados neste estudo, incluindo Lopes (2015, p. 448) que descreve política como uma “[...] ordem do acontecimento, remete a uma ética que não pode ser definida a priori e de uma vez por todas”. Para esta autora, a política é construída por articulações de demandas.
Acompanhando este raciocínio, entendemos que as políticas de currículo são resultantes de diferentes articulações entre demandas representadas, como advindas de “[...] comunidades disciplinares, equipes técnicas de governo, empresariado, partidos políticos, associações, instituições e grupos/movimentos sociais os mais diversos” (Lopes, 2015, p. 449). Por intermédio das articulações entre essas demandas diferenciais, grupos políticos são organizados, significações de currículo são instituídas.
Ampliando e aprofundando esta compreensão a partir de outros pesquisadores, reconhecemos que as políticas (públicas) visam o controle do currículo com propósitos globais. Sendo assim, as políticas curriculares são, por sua natureza, discursos normativos com a finalidade de gerir populações. Para tanto, estas políticas oferecem fronteiras que delimitam quem tem direito a ser reconhecido, produzindo efeitos, entre eles identificações subjetivas, ou endereçamentos (Macedo, Ranniery, 2018). As situações expostas nos levam a concluir que as políticas de educação e de currículo podem gerar efeitos nos processos de subjetivação de identidades, entre elas, as identificações geracionais/etárias.
Em contexto brasileiro recente e considerando a análise e discussões de Macedo e Ranniery (2018), reconhecemos que as políticas curriculares hibridizam demandas liberais, neoliberais, críticas e conservadoras e, sem dúvida, os documentos normativos produzidos em diferentes momentos representam – na medida em que a representação seja possível – as articulações em curso. Para referidos autores:
[...] algumas formas de reconhecimento foram ampliadas, outras restringidas, num processo político de negociação na diferença, por vezes mais aberto, em outras, com maiores restrições. Ao perguntar, como estamos fazendo, como as políticas públicas recentes no Brasil criam o lugar social de “público” estamos reduzindo, perigosamente, essa multiplicidade e reduzindo, também, zonas de invisibilidades (Macedo, Ranniery, 2018, p. 744).
As identificações subjetivas presentes nas políticas, tratadas pelos citados autores como públicos para os quais são endereçadas as políticas educacionais, em particular as políticas de currículo, não são definidos apenas em termos de seu conteúdo. O fato, no entanto, de esse endereçamento remeter ao cidadão, ao trabalhador e ao ser humano, não é sem importância porque diz do seu vínculo com tradições muito sedimentadas pela Modernidade, acionando os processos de identificação das pessoas e podendo acessar seus modos de subjetivação.
Hall (2019, p. 4-5), em uma abordagem multidisciplinar, nos apresenta uma compreensão teórica desses modos de subjetivação quando afirma que “[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado”, ou seja, homogêneo e com identidade fixa.
O que é nomeada de crise de identidade é percebido pelo referido autor como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (Hall, 2019).
De acordo com Hall (2019), existem três tipos de concepções de identidades ao longo da história da sociedade, a saber: o sujeito do iluminismo, indivíduo unificado, permanecendo essencialmente o mesmo ao longo da sua trajetória de vida; o sujeito sociólogo, não autônomo, sua identidade era influenciada pela cultura do mundo exterior e formada na relação com outras pessoas importantes para ele; sujeito pós-moderno, por não ter uma identidade fixa ou permanente, está continuamente em processo de modificação devido à sua subjetividade e sistemas culturais que o rodeiam.
A partir desta compreensão de sujeito pós-moderno e de ancoragens teóricas pósestruturalistas, Macedo e Ranniery (2018) argumentam que os endereçamentos atribuídos aos sujeitos dentro de um contexto político, educacional e curricular encontram-se obsoletos, apesar de enfatizarem os preceitos da Constituição Brasileira do direito igualitário da educação para todos os cidadãos, sem distinção de gênero, raça, etnia, religião, etária, nacionalidade.
Entretanto, ancoradas na compreensão de política, da política educacional exposta neste artigo e na própria concepção de política de currículo, ter um direito expresso legalmente não significa sua realização plena nas políticas, daí a necessidade de perscrutarmos sobre o reconhecimento do grupo etário em envelhecimento nas políticas educacionais. Avançar nesta investigação requer um exercício de irmos além do sujeito moderno, racional.
Para Macedo e Ranniery (2018), o que aproxima os indivíduos-cidadãos nessa possibilidade de representar a nação é apenas a racionalidade, que torna a todos iguais no espaço público, desprendendo da diversidade e da subjetividade de seus pertencimentos. Assim, no discurso hipotético, o sujeito contemporâneo nas políticas educacionais e de currículo se configura na unificação universal como ocultos e abstratos.
A abstração mencionada do indivíduo-cidadão diz respeito a uma segunda abstração: a do humano. Em tal interseção, cidadania e humanidade se associam na configuração do sujeito como aquele conjunto de semelhantes a quem as políticas de Estado têm a obrigação de se dirigir. Na atualidade, a cidadania, cada vez mais segue a lógica do mercado, junta-se a esta retórica a figura do trabalhador (Macedo, Ranniery, 2018).
Nessa perspectiva, Silveira (2013) complementa, ao focalizar o significado dos direitos humanos na dimensão da sua transversalidade e repercussões de ações da sociedade política e civil favorecedoras do desenvolvimento pelo exercício pleno da cidadania:
A consideração dos direitos humanos como eixo transversal das políticas públicas e ações da sociedade civil demonstra a consciência e clareza de que o desenvolvimento da nação só será efetivo quando seus cidadãos tiverem seus direitos fundamentais garantidos e respeitados (Silveira, 2013, p. 476).
Reportando-nos às conquistas institucionais expostas inicialmente, sem os direitos fundamentais garantidos não há justiça social. Na ótica de Silveira (2013), a garantia de direitos fundamentais agrega à educação e ao currículo uma perspectiva política, sendo necessário, portanto, ter como foco o direito e a cidadania, considerando sua relevância como dimensões estratégicas, no sentido de garantir aos atores sociais os direitos humanos fundamentais: saúde, educação, segurança, moradia, transporte, trabalho, equidade, bem-estar social. O que, em seu conjunto, configura a justiça social.
ÓTICA DO PROTAGONISMO ETÁRIO 50+
Os sujeitos desta pesquisa de campo caracterizam-se pela idade média em torno de 55 anos, todos ativos no mercado de trabalho. No que tange à ocupação profissional, as entrevistas possibilitaram identificar que um percentual desses sujeitos ainda possui vínculo empregatício, enquanto outros são profissionais autônomos. Verificamos que as áreas de atuação variam ao localizarem-se atividades de: administração, bancária, escriturária, educacional, prestação de serviços, beleza, comércio, entre outros. Esses sujeitos realizam atividades paralelas à profissão atual, como complementação da renda familiar ou caracterizando busca ativa de bem-estar social e psíquico. Além dos identificadores expostos coloca-se uma contínua busca de atualização em educação ao longo da vida.
Em relação à análise da subjetividade do sujeito em uma concepção de pessoa ativa no contexto social e econômico constatamos que todos os entrevistados se consideraram pessoas ativas. Nas justificativas de se reconhecerem ativos prevaleceram as seguintes recorrências: pelo fato de trabalharem e serem produtivos; por trabalharem e estudarem; por associarem o trabalho ao cuidar do bem-estar físico; e mais genericamente, houve aqueles que apontaram o fato de trabalharem e participarem de outras atividades. Esses resultados evidenciam possibilidades de resistências, na concepção da pessoa 50+, que compreende e vivencia seu processo de envelhecimento diferentemente dos estereótipos endereçados a pessoas dessa faixa etária.
Das narrativas colhidas por meio de entrevistas, sendo os sujeitos representados por letras do alfabeto, apresentamos a seguir três excertos que demonstram as qualidades que cada um destaca ao se compreender como pessoa 50+:
Estou ativo, pois administro uma empresa com 54 funcionários e ela já tem, para além da matriz, 4 filiais. Controlamos todos os dados e a parte financeira tranquilamente, até agora não tive nenhum problema e estou conduzindo a empresa normal (A).
Sim, me considero, pois continuo fazendo todos os meus afazeres, trabalho, faço natação, caminhada, cuido de casa, cuido dos filhos. Me considero uma pessoa ativa (C).
Sim, porque ainda estou no mercado de trabalho, produzo e estudo (F).
No que diz respeito a pessoas 50+ e realidade do mercado de trabalho, partimos do questionamento: como avalia a realidade de trabalho atual para pessoas com mais de 50+? Os entrevistados A, C e F (30%) consideraram que as portas do mercado de trabalho continuam abertas para as pessoas 50+. No entanto, os entrevistados B, D, E, G, H, I e J (70%) retratam essa realidade como limitada, difícil, com poucas oportunidades e discriminação. De acordo com esses entrevistados, a idade faz diferença quando se busca trabalho e também para permanecer nele. A percepção da maioria dos entrevistados é a de que o fator idade interfere diretamente na vida laboral, o que se reforça ao consideramos a associação com o ponto de vista do mercado, que propaga a missão de empresas: ter boa produtividade.
Outra questão que se destaca nos relatos dos entrevistados é a experiência. Embora a importância da experiência seja considerada para a inserção no mercado de trabalho, os atores sociais pessoas 50+ entrevistados reconhecem que esse quesito tem sido insuficientemente reconhecido para a garantia de espaço no mundo laboral.
Os dados coletados permitem constatar que os entrevistados conseguem visualizar as limitações presentes no dia a dia dos trabalhadores, identificando a diminuição dos postos e oportunidades de trabalho para pessoas 50+, uma vez que na percepção deles, os mais jovens têm a preferência no mercado. Essa faceta da realidade confirma a existência de preconceito às pessoas 50+, pois nos tempos atuais (século XXI), orientações e recursos disponíveis a diferentes modos de viver têm contribuído para uma melhor qualidade de vida e maior longevidade das pessoas.
A análise dos requisitos valorizados para o ingresso no mercado de trabalho pautou-se no questionamento: quais os requisitos mais valorizados para ingresso no mercado de trabalho ou redefinição da atividade profissional? Foram apontados pelos entrevistados para o ingresso no mercado de trabalho os seguintes requisitos: experiência (apontada anteriormente), escolaridade, conhecimento, bem-estar físico, qualificação e domínio da tecnologia.
Nota-se entre os entrevistados que 70% visualizam a experiência como elemento fundamental no contexto de inserção no mercado de trabalho, seguido de escolaridade, conhecimento, bem-estar físico, qualificação ao longo da vida e domínio e/ou noções tecnológicas. Constatamos que as pessoas 50+ entrevistadas possuem uma visão crítica sobre o cenário, no sentido de compreenderem o que o mercado considera ao contratar pessoas deste grupo.
Diante das narrativas apresentadas em todas as categorias de análise é unânime a expressividade do protagonismo dessa categoria etária e social. Nos relatórios internacionais, como, o Resumo do Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde da OMS (2015), ao posicionar-se em relação à longevidade humana, o documento apresenta algumas evidências e interpretações acerca da população que envelhece, dentre elas, que muitas das percepções e suposições existentes sobre as pessoas mais velhas são provenientes de estereótipos antigos.
No que se refere aos relatos sobre a existência de preconceito e de discriminação etária e social. Essas noções de comportamentos confirmam os apontamentos realizados por Souza, Lodovici, Silveira e Arantes (2014), os quais compreendem que a discriminação se manifesta de diferentes formas, dentre elas podendo ser expressas via afirmações, condutas e atitudes preconceituosas e discriminatórias, presentes nas interações do dia a dia com a pessoa 50+ e idosa (60+).
Ainda, segundo Silveira (2009), a visão negativista de pessoas 50+, em especial a pessoa idosa não leva em conta a importância de seu tempo vivido, suas experiências, sua história de vida, uma história construída de vivências junto aos seus pares (familiares, amigos, colegas), não se resume apenas na dimensão cronológica. A visão sobre as pessoas que envelhecem “[...] se empobrece quando ignoramos os significados e os significantes de sua existência” (Silveira, p. 14, 2009).
No que diz respeito à importância do trabalho, buscamos referência em Feldmann (2003), a qual concebe o trabalho considerando a natureza social transformadora do homem e de sua relação com o mundo. Em seu texto, Questões Contemporâneas: Mundo do Trabalho e Democratização do Conhecimento, a autora enfatiza que é pelo trabalho que se define o homem como humano. Em dimensão diferenciada, o trabalho no sentido econômico, segundo a autora, “[...] se manifesta como regulador e como estrutura ativa das relações sociais no processo produtivo” (Feldmann, 2003, p. 136).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apresentada neste artigo centrou-se em temáticas abrangendo políticas de educação, currículo e envelhecimento. O percurso teórico e de campo corroborou que o conhecimento é uma necessidade intelectual e vital ao ser humano, e esse pensamento se articula às ideias de Morin (2003), especialmente, ao afirmar que todo conhecimento se torna pertinente quando este é capaz de situar o ser humano no mundo complexo.
A concepção de educação e de aprendizagem, como aspectos vitais à vida humana, concretizou-se nas falas dos entrevistados (pessoas 50+), os quais se posicionaram destacando suas vivências sociais na busca permanente de novos saberes que os impulsione como agentes ativos e de agentes de intervenção.
As reflexões desenvolvidas neste estudo reforçam o sentido do educar e aprender por meio do desenvolvimento pessoal e social, tendo como valores autonomia, justiça e prática social com vista à equidade e à cidadania ativa, garantia de direitos e liberdade de viver em sua plenitude.
Concebido como estudo em fluxo contínuo de produção, constatamos frente aos questionamentos estimuladores a evidência do protagonismo ativo e social dos 50+ os quais, assim como as pessoas idosas deverão ter relevância de suas presenças nas políticas educacionais e de currículo no Brasil.
Desse modo, em consonância com os discursos de Macedo e Ranniery (2018), destacamos que as políticas para a educação e currículo necessitam intensificar o envolvimento de todos os sujeitos a que se destinam, expressando seu reconhecimento como categoria social. Essa inclusão possibilitará que mais vidas sejam consideradas e incluídas, tendo a diversidade etária como referência nas políticas de educação e de currículo.
Finalizamos estas considerações do percurso da apresentação deste artigo destacando, dos depoimentos coletados junto aos entrevistados, indicadores de que as pessoas 50+ têm assumido com responsabilidade e compromisso a empregabilidade, associada à intensificação da sua dignidade na faixa etária em que se encontram.