INTRODUÇÃO
O Projeto Plenarinha traz em sua essência a necessidade de deixar com que as crianças falem, opinem e participem das ações da instituição escolar na qual estão matriculadas, pois, desta maneira, compreenderão o que é ser um cidadão ativo e consciente dentro da sociedade da qual fazem parte. “Como cidadãos, eles devem aprender a ser críticos e responsáveis. No mundo presente, a escola também deve preparar crianças e jovens para entender as influências exteriores em seu local, em sua forma macro ou micro” (Silva, 2016, p. 57).
Diversos estudos (Goulart, 2009; Bes, 2018; Trevisan, 2014; Bellamy, 2008; Vasconcelos, 2010; Albardía, 2019; Craidy, 2007; Aragão, 2019; Lira, 2017) têm abordado a participação infantil como sendo a competência da criança tomar consciência de si mesma, dos seus direitos e a capacidade de tomar decisões e, ainda, o quanto a participação favorece o envolvimento coletivo e contribui para a formação cidadã; o reconhecimento do direito a ter direitos, como por exemplo, o direito de expressar suas opiniões livremente, sem pré-julgamento ou crítica por parte do adulto, quem deve proporcionar um ambiente facilitador da participação infantil, afastando-se para tanto de uma postura adultocêntrica. Algumas produções (Lopes, 2009; Oliveira, 2017; Castro, 2010; Veiga; Ferreira, 2017; Luz, 2010; Demo, 2009) também trouxeram contribuições sobre o tema da participação infantil, afirmando que quando a criança é colocada na condição de sujeito passivo temos a prevalência de uma sociedade adultocêntrica.
Em oposição à concepção adultocêntrica, Castro (2010) aponta pesquisas atuais que trazem teses relatando situações onde as crianças participam na sociedade coletivamente, fazendo-se, assim, sujeitos ativos e não tão somente passivos, pois dialogam com os indivíduos, com as organizações, resistem perante os adultos, desenvolvendo formas para que possam participar do mundo social (Castro, 2010).
Em consonância com os eixos integradores do Currículo em Movimento da Educação Básica – Educação Infantil –“Educar e Cuidar, Brincar e Interagir”(DF, 2018, p. 27) – a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ratifica a criança como centro da organização do trabalho pedagógico. Neste sentido, materializando o direito de participar ativamente das reflexões em torno dos direitos descritos no Plano Distrital pela Primeira Infância – PDPI, expressando opiniões, pensamentos, sentimentos e necessidades, as crianças exercitaram sua condição de cidadãs, “soltaram as vozes” (DF, III Plenarinha, 2015, p. 4), e compartilharam reflexões que concretizam esta concepção. Com o objetivo de formar cidadãos críticos e participativos, o Projeto Plenarinha foi pensado com a intenção de atingir primeiramente a formação dos professores que atuam em turmas da educação infantil, de forma que pudessem agregar atividades que possibilitassem a discussão a respeito da (re)construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP), da instituição educativa por meio da escuta sensível das crianças.
A pesquisa sobre o Projeto apontou as percepções das crianças quanto à Plenarinha que fez parte das ações coletivas propostas na elaboração da edição atual do Currículo em Movimento da Educação Infantil (DF, 2018). Este processo de escuta das crianças resultou no interesse de manter o projeto por trazer temáticas que evidenciam o papel da criança como sujeito de direitos e “como protagonista no processo educativo, algo que precisa ser pensado e considerado no Currículo e na ação pedagógica” (DF, 2018, p. 9) e, ainda, acompanhar o desenvolvimento do Projeto Plenarinha em um centro de educação infantil da rede pública de Ensino do Distrito Federal.
O Projeto Plenarinha pode ser pensado como instrumento transformador por se tratar de um programa que oportuniza a participação infantil, no entanto, cabe destacar a moderação com a qual, de fato, se lida no âmbito escolar, com a atuação das crianças, uma vez que o cenário da instituição educativa mantém-se centrado em decisões adultas e unilaterais.
Na pesquisa, de natureza qualitativa, discutiu-se a participação infantil e o reconhecimento da criança enquanto sujeito de direitos; a participação e a Plenarinha, buscando indicativos para análise a partir da pesquisa de campo, capturando os episódios que envolviam ações pensadas para a X Plenarinha, aquelas que não deveriam silenciar as crianças, que as deixassem falar, criar, opinar, imaginar, ir além e, ainda, discutiu-se acerca de algumas práticas cotidianas que fugiam do contexto participativo.
Nesse sentido, cabe mencionar que os desdobramentos percebidos durante a pesquisa de campo transitaram entre o poder adultocêntrico e o claro discurso à submissão a que as crianças eram subjugadas, de forma velada ou não.
Os atores da pesquisa faziam parte de uma turma de centro deEducação Infantil, de 5 anos, espertas, falantes, que traziam consigo várias histórias, e o professor da turma, da SEEDF, que trabalha com educação infantil já há alguns anos. A turma era atendida no turno vespertino, no horário das 13 às 18 horas. O trabalho de campo teve duração de um semestre letivo e as observações aconteceram em momentos distintos da rotina das crianças, com a pesquisadora acompanhando as crianças em sala, nas atividades em quadra, nas atividades do parque infantil e no horário do recreio.
O presente estudo traz como objetivo refletir sobre o eixo “roda de conversa”, importante momento da rotina na educação infantil que reivindica a participação das crianças, cerne do Projeto Plenarinha. Segundo Barbosa (2008, p. 40), “as rotinas podem tornar-se uma tecnologia de alienação quando não consideram o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de sociabilidade dos sujeitos.”
Nesse sentido, a roda de conversa traz possibilidades, assim como também suscita desafios, que só poderão ser superados a partir de uma visão docente que ultrapasse o alheamento adulto e “leve em consideração os interesses superiores das crianças, não em um ou dois, mas nos três âmbitos de seus direitos, de provisão, proteção e participação das crianças” (Vasconcelos, 2021, pp. 51,52).
PLENARINHA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO DISTRITO FEDERAL
Plenária vem descrita no dicionário Aurélio como qualquer “assembleia ou tribunal que reúne em sessão todos (ou quase todos) os seus membros” e é aplicada para se debater ou tomar decisões importantes. Aqui, acreditamos que o termo plenarinha venha no diminutivo por tratar- se de uma sessão onde quem está sob os holofotes são crianças (Ferreira, 2009, p. 1579).
Pensada como política voltada especificamente para as crianças da educação infantil, a Plenarinha estendeu-se, posteriormente, às crianças de 6 anos, tendo por enfoque o desenvolvimento de “práticas pedagógicas para a escuta sensível e atenta às crianças, de forma a considerar a compreensão delas a respeito das situações que vivenciam na escola e na cidade, em interlocução com o Plano Distrital pela Primeira Infância – PDPI” (DF, Eu-Cidadão, 2014, s/n).
Enquanto política pública, o Projeto Plenarinha, inserido dentro da instituição educativa, é pensado de forma a contribuir para a transformação do meio no qual estão inseridas as crianças, participantes do projeto.
O Projeto pensado para que as crianças sejam postas a debater, participar e serem ouvidas, movimenta-se trazendo à luz a palavra que dá nome à proposta (Plenarinha), com o intuito, talvez, de “despojá-la” e equiparar proposta e atores, inadvertidamente, para que não sejam dadas proporções que fujam ao que se espera, aos olhos dos que possam idealizar uma capacidade inferior destinada às crianças, pois camufla-se, assim, por trás da plenarinha, uma tarefinha, uma brincadeirinha e outros “inhos” e “inhas” que possam inabilitar o poder que desprende-se dos infantes.
A primeira Plenarinha1 ocorreu em 2013 e foi organizada a fim de aproximar as crianças e a instituição educativa. Seu objetivo era fazer com que as crianças pudessem opinar sobre o Currículo em Movimento da Educação Básica – Educação Infantil (DF, 2018), dando, assim, “voz” às crianças2, pois os adultos já tinham opinado em Plenárias do Currículo entre 2011 e 2013.
Louzada e Barbosa apontam que se há um entendimento no sentido de que, desde a implantação do projeto Plenarinha, ele se configura balizado na escuta e ação das crianças, “ainda cabem estudos que se atentem para sua efetivação e a relação com as diferentes temáticas que aborda a cada ano” (Louzada; Barbosa, 2021, p.141).
A oportunidade está dada, pois o Projeto Plenarinha apresentou como proposta considerar a percepção das crianças, ouvindo-as, dando-lhe direitos à participação, respeitando o ser criança, trazendo temas que “conversem” com o Currículo em Movimento da Educação Básica – Educação Infantil (DF, 2018). Resta saber se de fato há a aplicabilidade do projeto, se às crianças têm sido oportunizadas participarem, opinarem, criticarem e se suas vozes são consideradas nestas trocas sociais.
A Plenarinha tem por proposta apresentar-se alinhada ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição educativa e isso traz às crianças oportunidades de vivenciar situações diferenciadas que estejam atreladas ao Currículo em Movimento da Educação Infantil (DF, 2018), o que em muito contribui para reforçar as aprendizagens das crianças cujo desenvolvimento tem como eixos estruturantes o educar e o cuidar, bem como o brincar e o interagir. “As instituições de educação infantil precisam organizar um cotidiano, de maneira a desafiar o que cada criança já sabe, ampliando as possibilidades infantis de se expressar, de conviver, brincar, de ter atitude e buscar respostas para problemas e conflitos” (Brasil, 2014, p. 88).
O Projeto Plenarinha foi lançado em 2013, com a Plenarinha da educação infantil, como forma de motivar os professores a incluírem em sua práxis momentos de “escuta” das crianças (DF, 2014, p. s/n). Ano após ano, os temas pensados para cada Plenarinha vêm trazendo objetivos que listam oportunidades às crianças da educação infantil, como bem pontuado no Currículo em Movimento da Educação Básica - Educação Infantil (DF, 2018), procurando incorporar cada vez mais os direitos de aprendizagem, aproximando-os das reais e contemporâneas necessidades e interesses das crianças, o que amplia as chances de viabilizar seu desenvolvimento integral (DF, 2018, p. 20).
Seguiram-se, então, os seguintes temas nas Plenarinhas subsequentes: Em 2014, “Eu cidadão, da Plenarinha à Participação”; em 2015, “Escuta sensível das crianças: uma possibilidade para a (re)construção do Projeto Político-Pedagógico”; em 2016, “A cidade (e o campo) que as crianças querem”; em 2017, a V Plenarinha, “A criança na natureza: por um crescimento sustentável”; em 2018, “O Universo do Brincar”; em 2019, a VII Plenarinha teve por tema “Brincando e Encantando com Histórias”. Nos anos de 2020 e 2021, a Plenarinha manteve o mesmo tema, tendo em vista a pandemia da COVID-19 e o contexto das atividades no formato online: VIII e IX Plenarinhas – “Musicalidade das Infâncias: de cá, de lá, de todo lugar”.
Ser arteira, fazer arte e fazer parte, estar a par, deve ser uma constante na vida das crianças. Em 2022, a X Plenarinha3 trouxe como tema “Criança arteira: Faço arte, faço parte”, tema indicado pela comunidade escolar, assim como todos os outros temas, traduz a escolha e a participação das crianças, é amplo e detentor de uma linguagem permeada de inúmeras possibilidades pedagógicas e de relevância na educação infantil.
O guia da X Plenarinha enfatiza que o currículo da educação infantil é fundamentado por um conjunto de saberes que buscam coordenar as experiências e conhecimentos cotidianos com as aprendizagens “que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, com vistas a promover o desenvolvimento multilateral” (DF, X Plenarinha, 2022, p. 24).
A SEEDF acertadamente iniciou um projeto agenciador dentro da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, que pode transformar esses pequenos participantes em cidadãos ávidos por participarem, críticos, que saberão questionar e se posicionar. Aos docentes também está sendo oportunizado mudar de postura, rever suas práticas, instituir mais respeito às crianças, planejar com mais critério, acessar o material da Plenarinha, a fim de enriquecer suas práticas pedagógicas.
A pesquisa que serviu de base para este artigo teve início em março de 2022, e, ainda que os casos de covid-19, à época de realização da pesquisa, tivessem diminuído de forma acentuada no Brasil, as instituições de educação infantil ainda assim adotavam medidas de segurança em relação ao contágio que ainda acontecia de maneira ativa. Assim sendo, as observações em tempos de pandemia ocorreram de maneira inusitada, pois havia crianças fazendo uso da máscara facial (ainda que o uso para os pequenos fosse facultativo), o que, por vezes, prejudicava a qualidade do diálogo mantido entre a pesquisadora e as crianças.
Como técnica de pesquisa, foi escolhida a pesquisa de campo, que, segundo Marconi e Lakatos (2021, p. 88), “é a que é utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos sobre um problema para o qual se procura uma resposta, ou para uma hipótese que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou relações entre eles”. Também constituíram as estratégias metodológicas da pesquisa: desenho, foto, gravação de voz, questionário e análise documental. Participaram da pesquisa 28 crianças integrantes da turma de educação infantil, sendo que apenas as falas, fotos e desenhos de 16 crianças figuraram no estudo, visto que foi este o número de crianças concordantes em participar da pesquisa com autorização de participação do os respectivos pais.
A pesquisa refletiu a seguinte problemática: qual era a visão docente sobre o Projeto Plenarinha e como se deu a participação das crianças em um centro deeducação infantil durante a execução do Projeto? A investigação realizou-se a partir das atividades observadas na rotina de crianças de 5 anos de idade, em um centro deeducação infantil em Taguatinga no Distrito Federal, por meio do relato e percepção do docente, bem como pela verificação da continuidade das ações do Projeto Plenarinha nos planejamentos da unidade investigada, em consonância com o respectivo Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição educativa onde foi desenvolvida a pesquisa. Os trâmites exigidos para autorização para pesquisa de campo na instituição educativa junto às crianças foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília (CEP)4.
Com base na análise dos dados que surgiram durante a pesquisa, refletiu-se sobre a participação infantil a partir de três eixos: atividades relacionadas à Plenarinha; a roda de conversa e a escuta da criança; sendo que para este artigo o recorte para análise refere-se ao eixo “a roda de conversa”, pois este contempla a escuta docente e a fala das crianças, aspectos que circundam os outros eixos de análise da pesquisa, uma vez que o universo infantil está permeado de falas e significados e somente a partir de uma escuta genuína podem fazer a prática pedagógica fluir de fato.
POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA HORA DA RODA
A rotina faz parte da organização pedagógica da educação infantil, sistematizada de forma a propiciar o direcionamento das atividades diárias que acontecem na instituição educativa (Barbosa, 2008).
Dentro da organização da rotina da turma, aguardei, de certa forma, ávida por ouvir “transitar” tanto na fala do docente quanto das crianças, sobre o Projeto Plenarinha. Entusiasmo, dúvida, ansiedade... algo que demonstrasse que a presença do Projeto se fazia presente na rotina da sala de referência, mas não houve efetivamente momentos em que tal demonstração ocorresse.
A roda na turma tinha início para checagem da rotina do dia, desde a chegada à instituição educativa, perpassando pelas atividades diárias, como brincar com a massinha ou lego, ir ao banheiro/beber água, fazer atividade xerocopiada ou no livro didático, brincar com os brinquedos de forma livre, dia do parque, dia da quadra, até o momento de ir embora para casa. Foram poucos momentos em que a roda de conversa se fez roda de fato, no sentido estrito da palavra. Na maioria das vezes que as crianças foram reunidas para os momentos na roda, elas mantiveram-se sentadas em seus lugares, seja pelo argumento de que havia muitas crianças em sala, o que dificultaria a organização, seja pelo fato de o dia estar frio ou chuvoso, justificável, ou ainda devido às demandas da rotina diária.
Cabe mencionar ainda que as crianças geralmente se organizavam prontamente para a roda, pois era um momento esperado por elas, conforme se observa na imagem abaixo:
Houve alguns poucos momentos em que foi dada a palavra a cada uma das crianças para que falassem, como por exemplo, o que haviam feito no final de semana, ou qual brincadeira predileta, mas pouco ou quase nada de espaço se abria para opiniões, ideias, planos e planejamento conjunto.
A fala das crianças e o ouvir as crianças não ganhavam repercussão, não havia diálogos sequenciais com elas, apenas direcionamentos para dar prosseguimento ao que os participantes do Projeto Plenarinha tinham a colaborar para o andamento das práticas cotidianas. As ideias, conversas, sugestões, poderiam, também, servir como pano de fundo para se pensar futuras Plenárias, onde a identidade infantil se fizesse presente de forma veemente, o que lamentavelmente não acontecia.
O docente demonstrou ter consciência da importância da fala das crianças, mas poucos momentos, seja durante a realização das atividades ou durante a rodinha, foram dedicados à escuta, diálogo e participação, considerando o que Barbosa e Voltarelli (2020, p. 3) afirmam, que “a criança tem muito a dizer, sendo importante o tempo que se dispõe para escutá-la de forma e respeitosa. A escuta qualificada é o grande desafio para os adultos que interagem diretamente com as crianças.”
Tomando aqui como ponto de análise a rodinha, havia, perceptivelmente, por parte das crianças, o desejo de participar, de falar, mas a roda de conversa, muitas vezes, se limitava a um roteiro pré-estabelecido pelo professor. Seguir um roteiro que transita por explicitar ao que se resumirá a rotina do dia não dá à criança a oportunidade de desvencilhar-se desse script, o que vai na contramão do que sustenta Bertonceli (2016, p. 105, 106):
Os desvios e rupturas que as crianças promovem na tentativa de dizer o que estão pensando, contar uma experiência, falar sobre o que estão sentindo, interpretados como tentativas de ‘‘fugir’’ do tema que é proposto pelo docente na roda, são bastante frequentes nas rodas de conversa [...] Ao “tirar” da criança o direito à "fala livre, nega-se a espontaneidade, criticidade e capacidade de argumentação, essenciais para “formação da identidade, da inteligência e personalidade da criança” (Mello, 2005, p. 24).
Interpelado quanto ao fato de que muitas vezes em uma turma encontramos crianças que gostam de participar mais do que outras, e de que forma, ele, enquanto docente, agiria para que todos pudessem se sentir à vontade para exercitar sua participação em sala ou nas atividades da instituição educativa, o professor respondeu que cada criança possui sua singularidade, com várias realidades sociais. Acrescentou que algumas crianças possuem a autoestima mais elevada que outras e que, na escola, o principal movimento é propor para todas as crianças o tratamento igualitário. O professor afirmou, ainda, que eram realizadas ações para que todos participassem da mesma maneira (Diário de campo, 05/10/2022).
Segundo Zabalza (2007), esclarecer para as crianças como se dará o andamento das atividades, exercitar sua linguagem, prepará-las para o debate, é fundamental para que as crianças possam adquirir repertório expressivo e de comunicação, para que no exercício de outras manifestações de fala e as interações fluam e, assim como nos traz a edição da IV Plenarinha, “considerar que a criança é um sujeito ativo, participativo e protagonista de sua própria história é importante, no entanto, deve-se incluir suas diferentes visões ao contexto escolar” (DF, IV Plenarinha, 2016, p. 8).
O guia da IV Plenarinha elenca algumas dicas de como desenvolver e começar as atividades na roda de conversa junto às crianças:
É fundamental que as crianças sejam consultadas a respeito de seu interesse e se querem ou não participar das atividades. As crianças precisam ser [...] envolvidas nas propostas de forma lúdica e prazerosa. O docente deve registrar por diversos meios as atividades desenvolvidas, utilizando gravador de voz, câmera fotográfica, filmadora, mas principalmente, deve lembrar-se de fazer o registro escrito, e, antes de iniciar as atividades, ter certeza de que as crianças entenderam a proposta [...] (DF, IV Plenarinha, 2016, p. 17).
As dicas acima, trazidas pela edição da IV Plenarinha de 2016, demonstram a importância de o docente traçar um planejamento acerca do que vai ser discutido na roda de conversa, de se ter objetivos definidos, bem como de se pactuar com as crianças as regras para os momentos de fala e de intervenção do professor, caso se faça necessário. Resumindo, o guia da IV Plenarinha traz como reflexão importante a ser tomada como ponto de partida na roda de conversa: “Como tornar práticas as propostas de participação e direito de opinião das crianças?” (DF, IV Plenarinha, 2016, p. 8).
Ao dar continuidade às atividades na roda de conversa do dia 30 de março, que teve início tratando da rotina do dia
O Professor iniciou a rodinha perguntando para as crianças qual o dia da semana e qual data: “-Que número é esse?”, as crianças respondem: “- Três”, “-E esse”? “- zero, responderam algumas crianças, que acabam se levantando de suas cadeiras e caminhando até o professor, para responder. [...] O professor parte em seguida para a contagem de quantas meninas e meninos havia na sala. “- Pessoal, vamos ver quantas meninas e quantos meninos tem na sala hoje?” Florzinha, então pede ao professor “–Deixa eu contar?” e o professor responde: “- Meus ajudantes que vão contar.” Ainda podia se ouvir alguns gritos de “Eu!”, ‘Eu!!” (Diário de campo, 30/03/2022).
As crianças estavam dispostas em seus lugares, não formavam a rodinha; e como as crianças falavam alto as respostas, o professor acabava por ouvir o que as crianças diziam de forma coletiva. Novamente se perde a oportunidade de envolver as crianças nas tomadas de decisão da sala, o professor acaba por determinar o formato da roda, sem considerar a vontade das crianças para as trocas que poderiam ser realizadas neste momento. Percebe-se que tudo é pensado para as crianças e não com as crianças, o que faz com que se percam diversos momentos de participação que poderiam ser considerados na rotina.
A rodinha tinha um caráter formativo no sentido da organização do tempo e da rotina diária das crianças, pouco foi visto como debate, como por exemplo quando as crianças foram inquiridas sobre o que haviam feito no final de semana:
“-O que vocês fizeram ontem? (“-Eu fui pra piscina, eu tomei banho de piscina.”) “-Foi!?” As crianças começam a falar todas de uma vez só. “-Vamos começar pelo grupo 1, aqui. Eu quero saber o que vocês fizeram.” (“-Eu ficava só assistindo desenho,” - Diz uma criança) “-E você, Fortnite?” (“-Eu tava brincando e assistindo desenho.”) “-Muito bem.!” “-Raio de Sol”: (“-Eu ontem, eu ia pra piscina, só que minha mãe cancelou o passeio.”) [...] “-Muito bem! E você, Batman?” (“-Fui no shopping, eu brinquei nos brinquedos.”) “-No shopping? Muito bem. E você, Ju?” (“-Eu, eu e minha, a minha amiga...”) “-Hã!” (“-A gente foi...”) “-Qual o nome da sua amiga?” (“-Fadinha.”) “-Como?” (“-Fadinha!”) “-Como??” (“- Fadinhaa!” As crianças gritam) “-Fadinha – diz o professor sorrindo [...] (Diário de campo, 26/09/2022).
Quando o docente abre espaço para que as crianças falem se nota a falta de envolvimento e trocas com as crianças, pois a postura docente não ampliou o diálogo com perguntas que demonstrasse interesse nas falas das crianças, momento em que poderiam acontecer trocas, ampliação de vocabulário, construção de sentindo e pertencimento da turma. Ao contrário, apenas pequenos comentários por parte do docente eram feitos e já se passava a fala para as outras crianças, apenas para cumprir com o momento da roda.
Sobre a roda de conversa, Linhares e Pedroso (2019) ressaltam que esses períodos em que as crianças participam de conversas com seus pares tomam para si uma compatibilidade com sua coletividade que, de forma idêntica, com o tempo, evidenciam sua identidade histórica única, o que lhes confere um compromisso particular e comunitário, instituindo novas representações a sua experiência de vida e a suas decisões.
No dia 22 de junho havia uma professora substitua na turma, ela conduziu a roda de conversa da seguinte maneira:
A professora avisa que as crianças brincariam um pouquinho com a massinha e que fariam um círculo. Ela vai até o quadro e fala: “-Deixa eu explicar um negócio pra vocês! O círculo ele é assim.” (Faz o desenho no quadro) [...]tem criança que tá fazendo o círculo assim (Desenha um círculo torto, mais para oval), assim ó! “- Isso é círculo, gente?” (Algumas crianças respondem que não). “-Isso aqui que é círculo, apontando para seu primeiro desenho. “-Eu sei que aqui, por causa das mesas, não dá pra fazer [...] vai fazer um mais ou menos assim” [...] (Diário de campo, 22/06/2022).
Após desenhar o círculo e uma figura oval no quadro, a professora pediu para que as crianças levantassem para que fizessem a rodinha. A professora explicou que podiam afastar um pouco as mesas. A docente considerava importante ter a visão de todas as crianças na rodinha. E as crianças aprendem, de acordo com DeVries e Zan (1998, p. 116) “que todas as vozes têm uma chance de ser ouvidas, que têm o poder de decidir o que ocorre em sua classe. As crianças praticam o respeito enquanto escutam umas às outras e trocam opiniões.”
A docente fala para as crianças que todo dia seria assim, que ela queria que fizessem a roda e, em seguida, solicita o silêncio da turma da seguinte maneira: “-Pãrãrãrã!” e as crianças completavam: “-Pam pam!” “-Ó! Todo mundo com o zipinho na boca!” (Diário de campo, 22/06/2022). A professora senta-se no círculo junto às crianças, avisando-as que é interessante sentar-se junto com elas no círculo para que ela fique do mesmo tamanho que as crianças: “-É porque eu fico do tamanho de vocês. Na cadeira eu fico bem... maior e fica ruim” (Diário de campo, 22/06/2022).
O formato da roda de conversa não precisa ter um modelo engessado. Na verdade, pequenas mudanças podem fazer toda diferença. O professor regente da turma poderia ter levado temas geradores baseados na Plenarinha que estivessem vinculados a notícias de jornal e englobassem as artes em geral, incluindo cultura e diversão, trazer à tona assuntos que porventura as crianças tenham interesse ou que as estejam incomodando.
Consideramos que possibilitar episódios diversos de diálogo na roda de conversa viabiliza situações participativas às crianças. O docente trazer, por exemplo, para a rodinha, movimentos da instituição educativa, tais como, da hora do recreio, do uso do banheiro, da hora da entrada, da utilização do parque infantil, da regra para o uso ou não das canetinhas para pintar a atividade proposta, enfim, assuntos de interesse da criança. Não tão somente ir para o recreio, mas conversar na roda sobre situações que vivenciaram ali, ou de incômodo ou que as deixaram felizes, discutir, debater; o professor registrar, ampliar essa discussão, fazer registro das falas das crianças.
As falas das crianças poderiam “alcançar” a gestão, a coordenação, outros docentes. Seria o ponto de vista das crianças sobre os ambientes que elas usam. Os adultos da instituição educativa poderiam gravar as falas para em outra ocasião pudessem ouvir junto às crianças. “Essa é uma maneira da criança se autoavaliar, pois ouvindo suas vozes, as crianças podem perceber detalhes, como por exemplo se falaram gritando ou não” (Brasil, 1998, p.77).
O momento da roda de conversa traz inúmeras possibilidades de trabalho junto às crianças, contudo, Oliveira (2020) alerta para o fato de que
Muitos de nossos professores apreendem apenas superficialmente o universo simbólico infantil. Por vezes identificam vários sentidos potenciais e escolhem um deles para trabalhar, sem refletir sobre o critério que utilizam para fazê-lo. Dão respostas muitas vezes apressadas, em decorrência mais de sua angústia por trabalhar em campos com múltiplas significações do que das necessidades das próprias crianças (Oliveira, 2020, p. 150).
Apegar-se a rotinas que em nada contribuirão para uma formação crítica afasta a criança de um ambiente reflexivo e, em se falando da aplicabilidade de um projeto referenciado pela Secretaria de Estado de Educação, que também abriga a instituição educativa, seria no mínimo assumir uma postura de afastamento e de não comprometimento para com as práticas pedagógicas.
Durante o desenvolvimento do Projeto, teria sido favorável dar a roda de conversa o tom da X edição da Plenarinha, explicitando para as crianças, de forma clara, em que atividade estariam envolvidas, o tempo de execução do projeto, a importância dessa proposta, e como bem salientado no caderno guia da referida edição, que o projeto perpassasse por todo “ano letivo com atividades que contemplassem todas as linguagens artísticas, realizadas no âmbito da unidade escolar,” (DF, 2022, p. 10).
Diante das possibilidades existentes as quais os professores podem abrir mão e aplicar junto às crianças, Lopes et al. (2004) abordam que a roda de conversa apresenta desafios
Por sua proposta de constituição como espaço do exercício democrático, onde a fala e a sua escuta são os principais instrumentos de participação, a roda de conversa, torna-se uma actividade “desafiante” para o adulto que proporciona a sua dinamização. Desafiante porque exige que ele “tendo um papel de participante igual ao das crianças, tenha também o papel de coordenador da conversa, sem, no entanto, impor suas ideias ao grupo, castrar a altivez das crianças (Lopes, 2004, p. 2).
Outra questão trazida pelo autor é o cuidado para que não aconteça “controle” sobre as opiniões das crianças, visto que quem conduz as tarefas tem potencial para apontar a temática ou direcionar os desfechos acerca do que está sendo discutido (Lopes, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto Plenarinha enquanto política pública pensada como forma de agregar ao trabalho docente a percepção quanto à importância da participação infantil de um indivíduo que se faz presente durante o período em que permanece na instituição educativa, e que deve ser considerado agente e não apenas receptor das práticas pedagógicas, tão somente, traz consigo um modelo inovador, com material de apoio à disposição do docente. No entanto, é importante ressaltar que de nada adianta ter em mãos instrumentos validados se o professor escolher permanecer atado às velhas práticas, desconsiderando que permitir e ampliar a participação das crianças no universo estudantil faz-se cada vez mais premente, visto que vivemos num mundo globalizado, onde as crianças estão reivindicando participar.
O docente deve possibilitar às crianças que a roda aconteça no formato de roda e que não sejam utilizados subterfúgios, no sentido de acomodação, preferindo que se mantenham as crianças em seus lugares, sentadas, como se estivessem assistindo a uma aula, uma vez que é “por meio das interações e brincadeiras que ocorre a vivência das práticas sociais, contempladas pelos campos de experiência e a apropriação dos saberes necessários, o que provocará uma nova formação.” (DF, 2018, p. 20). Vale ressaltar que a educação infantil não tem por finalidade preparar as crianças para etapas posteriores, uma vez que se refere ao período da Educação Básica que abrange “os direitos de aprendizagem voltados às reais e atuais necessidades e interesses das crianças, no sentido de proporcionar seu desenvolvimento integral” (DF, 2018, p. 20).
A roda de conversa, pensada para ampliar as possibilidades da prática pedagógica, deve ter por intenção estar atrelada ao registro das falas das crianças, pois a partir desse “material coletado”, o professor terá condições de dar significado e sentido ao que se faz na sala de referência, podendo servir como momento da plenária infantil, onde as crianças, a partir de um tema proposto pelo professor, poderiam tecer críticas, dar sugestões, ideias; poderia o docente trazer temas atuais para o debate, assuntos mobilizados pela instituição e que fazem parte da rotina das crianças, o que aproximaria as crianças de suas reais necessidades.
A roda de conversa, se pensada como um instante de escuta e falas que se esvaem, não trará aspectos qualitativos enquanto prática pedagógica. A pesquisa realizada constatou que prevaleceu durante os momentos da roda de conversa a utilização de estratégias que não favoreceram a participação de todas as crianças, bem como observou-se o predomínio da roda fora de contexto, pois enfatizou-se a rotina diária da sala de referência em detrimento ao diálogo. Outro ponto a ser considerado foi o fato de que não se discutiu, em nenhuma ocasião em que a pesquisadora se fez presente o tema da X edição da Plenarinha, objeto da referida pesquisa.
Cabe mencionar ainda a nítida percepção de uma organização do espaço educativo que traduz um ambiente estático, que dificulta a organização da rodinha e sugere que a preocupação maior da prática docente está voltada em utilizar o tempo em atividades direcionadas, consideradas como “práticas preparatórias” para o ensino fundamental, reforçando uma rotina não pensada para e nem com as crianças, mas sim focalizada em realizar as tarefas propostas pelos adultos, as quais revelam a maneira como as crianças são concebidas.
A rodinha não deve permanecer atrelada a um ritual para a simples informação da rotina diária, bem como não deve, de maneira alguma, limitar-se a algumas escutas, em detrimento de tantas outras que circundam a sala de referência. O desafio em estar na roda de conversa é democratizar as participações, oportunizando a todos, sem exceção, que falem, cabendo ao professor fazer as “manobras” necessárias para que as crianças se tornem cidadãos críticos, e ainda que não tenham certeza quanto a resposta a ser dada, possam ousar falar; para que aprendam que quando se respeita a vez de fala dos outros, estamos abrindo espaço para a formação de indivíduos conscientes.
Diante de tudo que foi exposto, concluímos que a roda de conversa traz em sua essência desafios e possibilidades, assim como outros percursos da prática pedagógica