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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.31 no.62 Uberlândia maio/ago 2017  Epub 09-Mar-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n62a2017-p811a831 

Artigos

Educar em Si: variações sobre o tema das competências socioemocionais

Education symphony: variations on the theme of socio-emotional competences

Educar en Si: variaciones sobre el tema de las competencias socioemocionales

Carlos Velázquez Rueda* 

*Doutorado em Música Antiga no Concervatoire National de Musique du Raincy. Professor da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail: caveru@unifor.br


Resumo

A inflação racional que caracteriza a história moderna começa a dar mostras de insuficiência educativa. À volta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OECD, estrutura-se uma rede investigativa que procura atender o desenvolvimento de habilidades compensatórias à tradicional super-valorização cognitiva, pois identificou-se a necessidade de desenvolver também as chamadas competências socioemocionais. Sob as metodologias de indução analítica de base documental e pesquisa qualitativa de paradigma junguiano, este trabalho propõe que o desenvolvimento socioemocional é interdependente com o desenvolvimento cognitivo e que um modelo de desenvolvimento conjunto pode ser encontrado na prática da música. Expõe-se, no corpo do trabalho, a génese psico-orgânica da emoção e sua relação com a educação, sobre o fundo comparativo da experiência musical. Na conclusão, oferece-se uma síntese qualitativa da música em vista do desenvolvimento cognitivo e emocional articulados, assim como uma ampliação epistemológica da música a fim de possibilitar práticas mais abrangentes.

Palavras-chave: Educação pela música; Emoção; Educação; Competências socioemocionais

Abstract

The rational inflation that characterizes the modern history begins to show signs of educational failure. Around the Organization for Economic Cooperation and Development - OECD, begins to be structured a research network that seeks to meet the development of compensatory skills under the traditional cognitive overvaluation because we also identified the need to develop the so-called socio-emotional competences. Under the induction of analytical methodologies of qualitative research and bibliographic database of Jungian paradigm, this paper proposes that the socio-emotional development is interdependent with the cognitive development and a model of joint development can be found in the practice of music. In the body of this work, we find the explanation for the psycho-organic genesis of emotion in relation with education, and about the comparative background of musical experience. At the conclusion, it´s offered a music´s qualitative synthesis on cognitive and emotional development articulated, as well as an epistemological expansion of music in order to enable more embracing practices.

Keywords: Education by the music; Emotion; Education; Socio-emotional Competences

Resumen

La inflación racional que caracteriza la história moderna ha comenzado a dar señales de insuficiência educativa. En torno de la Organización para la Cooperación y el Desenvolvimiento Económico - OCDE, se estructura una red investigativa que busca compensar las lagunas dejadas por la tradicional supervalorización cognitiva, pues se ha identificado la necessidad de desenvolver, también, las llamadas Competencias Socioemocionales. Orientado metodologicamente por la inducción analítica de base documental y por el paradigma junguiano de investigación cualitativa, este trabajo entiende que el desenvolvimiento socioemocional y el desenvolvimiento cognitivo son interdependientes y que un modelo de desenvolvimento conjunto se encuentra en la práctica musical. Para fundamentar esta posición, se explana sobre la naturaleza psico-orgánica de la emoción y sobre su relación con el proceso educativo, ambos ilustrados en el ámbito de la experiencia musical. En la conclusión, además de una síntesis de las cualidades musicales que actuan en la educación integral, se propone una ampliación epistemológica de la música, em vista de ampliar sus possibilidades de aplicación.

Palavras clave: Educación por la musica; Emoción; Educación; Competencias Socioemocionales

1. Prelúdio (Introdução)

Desde o ano de 2010, na cadeira de filosofia estética, que integra alguns currículos da Universidade de Fortaleza, venho realizando o seguinte exercício: a partir de um software de edição de partituras, faço os estudantes escutarem uma melodia com acompanhamento de acordes, percussão e contrabaixo. Depois de escutá-la integralmente, sem que os participantes tomem conhecimento, executo-a novamente subtraindo-lhe uma das partes, geralmente o contrabaixo. Então questiono a turma sobre as possíveis diferenças entre as duas execuções. Quase invariavelmente meus alunos têm a sensação de que a segunda execução foi diferente, embora não consigam identificar a diferença. Se ao invés do contrabaixo extraio a melodia, boa parte dos escutas identifica a mudança, enquanto outros poucos acreditam que se trata de outra música.

Fica claro nesta experiência que a atenção perceptiva consciente prioriza a escuta da melodia, no entanto, isto não supõe que os planos não prioritários à consciência, como o acompanhamento de acordes, a percussão e o contrabaixo, não tenham sido percebidos. Eles não são claros à consciência porque foram percebidos a nível inconsciente. O fato de sentir que algo mudou sem poder precisá-lo confirma aquilo que, em sua Estética, Baumgarten (1993) chamou de percepções obscuras e confusas, isto é, percepções em diversos graus de afastamento do campo consciente. Igualmente, o experimento confirma o que, mais recentemente, a psicologia analítica conhece como percepção subliminar. Segundo Jung (1964, p. 23), haveria na percepção aspectos inconscientes. Aspectos fenomênicos absorvidos por debaixo do pórtico, da liminar da consciência, donde justifica-se o nome subliminar. Trata-se de aspectos percebidos sem que a consciência tome conhecimento.

É interessante notar que são três as partes da música utilizada nesta experiência as que não ocupam o primeiro plano de atenção consciente: os acordes, a percussão e o contrabaixo; enquanto que a consciência se foca em apenas um plano, que é a melodia. Isto indica que, na percepção do conjunto, os aspectos percebidos a nível inconsciente são muito mais numerosos que os aspectos percebidos conscientemente. Notemos também que, apesar de inconscientes, a ausência dos planos acompanhantes modifica a percepção do plano consciente, no caso, a melodia. Qualquer músico pode corroborar o quanto a harmonia e a orquestração podem variar o caráter e a expressividade de uma melodia. Por outro lado, uma melodia interpretada sem acompanhamento pode atingir uma grande força expressiva na medida em que o intérprete procura suprir com os recursos de seu instrumento os efeitos que resultariam de uma orquestração. Dito de outra forma, o intérprete imprime à melodia um acompanhamento imaginário e, mesmo quando de forma alguma isto poderia atingir a percepção consciente de sua plateia, a orquestra imaginária do intérprete faz grande diferença em seu desempenho.

Do fato de poder mostrar a partitura da música em questão para meus alunos, a multiplicidade e a simultaneidade dos planos que integram o fenômeno, assim como a prioridade da escuta consciente, ficam claramente evidenciados; mas seria ingênuo pensar que a percepção humana reserva essa sistemática para exclusividade dos acontecimentos musicais. A julgar pelas observações de Jung (2009), a mesma articulação entre consciência e inconsciente que identificamos nesta experiência musical opera em toda experiência perceptiva. Não estaria a dizer nada muito novo ao afirmar que a percepção é a base de todo aprendizado, por isso tento chamar a atenção para a articulação entre consciência e inconsciente no próprio ato da percepção e, assim, sugerir que todo real aprendizado é igualmente articulado.

2. Tema - Andante con motto

A história ocidental moderna é demarcada pela emergência do pensamento racionalista. O fortalecimento da economia monetária trouxe as necessidades de desvinculação de objetos reais de valores abstratos e desmembramento dos processos produtivos, assim como sua consequente depuração de liames afetivos, individuais e comunitários, em vista de maiores eficácia e rendimento (LE GOFF, 2013). Destarte, aos poucos, apreendemos a pensar racionalmente. Muito acertadamente a palavra razão partilha o radical com a palavra ração pois, a rigor, ambas têm o mesmo significado. O latim rationem designa uma porção, uma parte ou as partes que integram a conta, o cálculo (GÓMEZ DE SILVA, 1998). Fica fácil, portanto, entender que o pensamento racionalista lida com partes, com porções dos fenômenos que percebe em seu ambiente. É como se a música fosse apenas melodia, sem instrumentos acompanhantes e sem estruturas imaginárias que pudessem insinuar-se entre suas inflexões. Os esforços que a sociedade moderna realiza no sentido de depurar e especializar habilidades e conhecimentos que idealiza eficazes para o mercado de trabalho são também esforços por despojar as melodias fenomênicas da existência de sua orquestra acompanhante.

Um movimento internacional, coordenado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) começa, atualmente, a indicar algumas das lacunas criadas pela histórica insistência no foco da razão. Reparou-se que as chamadas competências cognitivas, isto é, conhecimentos científicos testados e aplicados ou aplicáveis ao mercado de trabalho, não garantem por si a eficácia, nem a realização, nem muito menos a felicidade dos jovens profissionais da atualidade. Países com alto desempenho formativo, como os escandinavos, por exemplo, enfrentam sérios problemas de instabilidade emocional, depressão, inconstância e isolamento.1 Estes problemas, por sua vez, não apenas afetam o desempenho profissional, como dificultam e empobrecem os resultados almejados pelos programas institucionais de ensino, de saúde e de bem estar social em todos seus âmbitos. Tomemos como ilustração algumas situações apontadas pelo Fórum Internacional de Políticas Públicas que aconteceu em São Paulo, em março de 20142. Observou-se, no Reino Unido, que a elevação do desempenho cognitivo das crianças não tem praticamente nenhum impacto na taxa de obesidade dessa população; no entanto, o aprimoramento equivalente de autoestima, resiliência e disciplina, por exemplo, reduz o indicador em 10%. Segundo o Programme for International Student Assessment (PISA)3, os estudantes com altos níveis de perseverança gozam de aproximadamente um ano de vantagem no aprendizado de matemática, em relação a estudantes menos perseverantes. Sobre bases como estas, o que motiva a troca de observações e pontos de vista entre os países que partilham essa preocupação é a seguinte pergunta: como desenvolver perseverança, resiliência, cooperatividade, criatividade, altruísmo, autoestima, motivação, organização, disciplina e ética, entre muitas outras competências importantes, mas que não são passíveis de sistematização cognitiva? Um início de resposta está talvez dado na criação do neologismo que encabeça o movimento, a partir do qual é possível resumir a primeira pergunta a esta outra: como desenvolver competências socioemocionais?

2.1 Variação nº1 - expressivo

Competências socioemocionais parece-me ser um desses felizes neologismos autoexplicativos. Há, de fato, uma forte relação entre educação e emoção. Para início de contas, essa relação é etimológica: educar, em português, decorre da aglutinação das palavras latinas ex, que significa fora, e ducere, que significa conduzir (GÓMEZ DE SILVA, 1998). Literalmente, educar significa conduzir para fora; na prática, educar implica conduzir o educando para fora de sua construção subjetiva da realidade, em direção à realidade objetiva. Educar implica o desenvolvimento de competências que viabilizem a inserção e o constante ajuste do sujeito à dinâmica do meio em que se desenvolve. Obviamente, a julgar pela articulação racional e irracional que constatamos na experiência musical relatada na abertura deste texto, nenhuma dessas competências é exclusivamente racional. Como vimos, incluso as competências passíveis de sistematização cognitiva dependem em grande medida de seus substratos irracionais; da mesma forma em que o acompanhamento, mesmo que percebido subliminarmente, modifica a percepção da melodia.

Por sua vez, a palavra portuguesa emoção também decorre de uma aglutinação de palavras latinas. Notemos que se mantêm o prefixo ex, embora desta vez a palavra associada seja motion, que significa movimento (GÓMEZ DE SILVA, 1998). Exmotion, emoção em português, significa movimento para fora.

Educar é conduzir, mas conduzir não é sinônimo de carregar. É, portanto, o educando quem deve arcar com o dispêndio energético do movimento. E, como sabemos, não poderia ser de outra forma. Em cada processo educativo, o sujeito em desenvolvimento é protagonista e ninguém pode assumir seu lugar. Paulo Freire (1987, p. 39) o disse com insuperável propriedade: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Educação é um jogo no qual o meio problematiza e o educando se move à procura de soluções que o incluam. O educador é parte ativa na problematização. Destarte, a educação depende da mobilidade do educando, cujo impulsionamento e direção é a emoção.

Segundo Jung (2009), a emoção é a energia psíquica resultante da potencialização de um sentimento por uma resposta orgânica interna. Cabe destacar que tanto o sentimento, quanto sua possível resposta orgânica são funções irracionais. O sentimento consiste em um julgamento inconsciente sobre materiais percebidos. Por exemplo, entre duas pessoas bem informadas sobre os benefícios da atividade física regular pode haver um apaixonado pelo esporte e outro que simplesmente o detesta. Se perguntarmos a cada um sobre os motivos da escolha, constataremos uma grande dificuldade em formular explicações, dificilmente um argumento neste sentido consegue ultrapassar a simples afirmação de gostar ou não daquilo. A pessoa que não gosta de fazer esporte pode estar ciente de seus benefícios e, incluso, anelá-los para si, no entanto, mesmo que não possa justificar racionalmente sua atitude, iniciar uma rotina esportiva, pode parecer-lhe um desafio infranqueável. Gostar ou não de fazer esporte são posicionamentos sentimentais, isto é, resultam da avaliação de percepções que não passaram pelo crivo da consciência, donde a dificuldade, e a irrelevância de formular justificativas racionais. Contudo, é possível educar o sentimento, isto é, conduzi-lo a reconsiderar objetivamente os benefícios da atividade esportiva, no caso.

É claro que um professor de educação física na escola poderia obrigar o aluno que não gosta de esporte a acompanhar o programa sob pena de reprovação, mas esta estratégia talvez apenas serviria para afirmar a aversão inicial. Penso que poderia ocorrer um reposicionamento sentimental ao menos das seguintes três maneiras:

Esforço por identificar conscientemente as percepções inconscientes que pesam no posicionamento negativo: um esforço reflexivo, desde que sincero e humilde, pode trazer à tona a percepção, até então inconsciente, das diferenças entre o próprio tipo físico e o do ator que modela acessórios esportivos na televisão. A não correspondência àquele ideal imagético pode fazer com que a pessoa se sinta ridícula nesse papel. Na medida em que essa situação seja identificada e ponderada na consciência, o sujeito pode permitir que outras qualidades como aquisição de melhor resistência, flexibilidade, agilidade e disposição física cobrem maior importância, e passar a gostar de esporte em função de seu bem estar. Na prática, o sujeito pode também modificar a percepção de si, pois, tendo diminuído a importância do modelo, permitir-se-á apreciar a genuinidade de seus movimentos.

Procura de motivação em interesses acessórios na esperança de que novas percepções, oriundas da experiência, possam modificar o sentimento inicial: a aproximação de um esporte com a finalidade de manter um relacionamento social, por exemplo, pode fazer com que os ganhos à saúde física paulatinamente cobrem maior importância que os entraves imagéticos iniciais.

A conjugação das duas estratégias anteriores: e claro que estas ilustrações são hipotéticas e que numa situação real os processos são tão complexos que seria impossível identificar com certeza a estratégia adotada ou sequer afirmar que possa tratar-se de apenas uma. O que a psicologia analítica identifica é uma ênfase dada a algum tipo de abordagem em função do tipo psicológico do sujeito (JUNG, 2009). É, contudo, importante reter que a recondução de posicionamentos sentimentais é possível por meios diversos, desde que o sujeito disponha, para o efeito, de uma boa motivação.

No século XVIII, em suas Cartas sobre a educação estética, Friedrich Schiller (1963, p. 56) havia notado que “a educação do sentimento (…) é a necessidade mais urgente de nosso tempo” e, ao igual que Baumgarten, não desconhecia a necessidade de articular a irracionalidade sentimental com as faculdades racionais, a fim de integralizá-las numa direção conjunta ao invés de procurar suprimir uma das duas.

2.2 Variação nº2 - appassionatto

Quando um sentimento é suficientemente intenso como para provocar alterações no funcionamento dos órgãos internos, a atividade orgânica adiciona-se à intensidade sentimental provocando uma descarga energética que, como afirmei anteriormente com base na psicologia analítica, chama-se emoção. Este fenômeno também é de fácil observação na experiência musical. O simples fato de gostar ou não de uma música já é um posicionamento sentimental, no entanto, a gama é muito maior e também mais complexa. Como sugerem as expressões utilizadas nas partituras e a experiência corrobora, uma experiência musical pode suscitar paixão, alegria, tristeza, coragem, melancolia, luxuria, euforia, solenidade, etc. Por outra parte, salvo raríssimos distúrbios, sob efeito musical é impossível evitar alterações orgânicas. A frequência cardíaca tende a sintonizar-se com a pulsação da música e ocorrem liberações hormonais e peptídicas que estimulam e favorecem a movimentação do corpo (JOURDAIN, 1998). Mesmo aqueles que não gostam, não sabem ou não se permitem dançar, enquanto a música soa tamborilam com os dedos ou, involuntariamente, balançam o pé. Por outras palavras, a experiência musical provoca e conduz descargas emocionais.

Um professor é também objeto de julgamentos sentimentais. A indiferença, a simpatia ou a antipatia que seus estudantes lhe devotam são mostras da diversidade sentimental que sua presença provoca. E, mesmo no caso de provocar indiferença, dispõe também de muitos meios de despertar emoção. O sentimento de revolta perante a obrigatoriedade de assistir sua aula ou a imposição de um instrumento de avaliação, por exemplo, são experiências suficientes para fazer com que os sentimentos dos alunos se vejam potencializados por alterações orgânicas internas.

Há, no entanto, tradicionalmente, uma grande diferença entre a experiência musical e a experiência de sala de aula. Na primeira, a emoção se dirige a consumações ambientais, coletivas e criativas. Ambientais porque a música depende das condições acústicas e perceptivas do lugar em que é praticada. Não é igual cantar debaixo do chuveiro do que num descampado. Naturalmente tendemos a registros graves e vozes de meio corpo no ambiente reverberante do banheiro; enquanto que preferimos registros agudos e vozes cheias e fortes num lugar sem reverberação.

Por outro lado, as realizações musicais são sempre coletivas. Mesmo quando cantamos a sós, há em nossa imaginação instrumentos acompanhantes, vozes correlatas, reações e intervenções externas que nos obrigam a ajustar nossa interpretação. Numa prática musical de conjunto, cada um dos participantes tem sua forma particular de assimilar e executar sua parte; porém, a música só “funciona”, é dizer, somente é envolvente, quando cada indivíduo encontra, assume, pratica e ajusta sua parte em respeito e complementaridade das outras partes.

Essas relações de ajuste complementar entre as partes são sempre dinâmicas. Uma música nunca é executada duas vezes da mesma maneira. Mesmo que se trate da mesma peça, tocada pelos mesmos músicos, no mesmo local, as condições espaço temporais e, portanto, as perceptivas, estão em constante mutação e exigem novos ajustes, isto é, novas soluções criativas. Todo músico que interpreta muitas vezes uma mesma peça descobre novos recursos e possibilidades; paulatinamente adquire espontaneidade para ornamentá-la, improvisar variações, fazer arranjos e novas orquestrações.

Infelizmente, na sala de aula as possibilidades de consumação emotiva são frequentemente restritas. Acredito que isto se deve à natureza parcial do conhecimento racional que é oferecido na educação formal. Desde que o conhecimento racional desconhece sua dependência e necessidade articulatória com seus substratos e faculdades irracionais, resulta em informação rígida, alheia e incapaz de ajuste. Por exemplo, em muitas escolas do nordeste brasileiro ensina-se que no inverno faz frio e, aproveitando a neve, Papai Noel visita as crianças deslizando em seu trenó. Ora, o nordeste brasileiro é próximo ao equador, portanto, faz calor o ano inteiro. O natal, que no hemisfério norte corresponde com o inverno, no hemisfério sul acontece no verão e, mesmo assim, Papai Noel visita a região equipado para enfrentar baixas temperaturas e deslizando seu trenó sobre a neve artificial dos centros comerciais. A emoção da sala de aula não alcança consumação ambiental a falta de diálogo. A razão se encontra tão satisfeita com seu plano de aula e com o volume de conhecimentos que acredita possuir, que faz caso omisso dos sinais perceptivos que poderiam ajudá-la a contextualizar suas informações. Por sua vez, diante da impossibilidade de investir a energia emocional em um objeto conexo com o ambiente, isto é, em algo que faça sentido racional e experiencialmente, muitos estudantes resignam-se ao torturante esforço de memorizar informações esquizoides, até o dia em que deverão regurgitá-las para efeito de avaliação.

A consumação emocional no coletivo não é muito diferente. Contrário à experiência musical na qual cada participante, incluso quem só escuta ou dança, exercita uma parte em observação, respeito e ajuste contínuo perante as outras, na sala de aula, apesar dos inumeráveis estudos que o desaconselham, ainda domina o estigma do instrutor que transfere, para receptáculos vazios, conhecimentos testados e consagrados. É evidente que um professor que acredita possuir conhecimentos inquestionáveis não observa, nem respeita, nem se ajusta às perspectivas de outrem. Mais uma vez as motivações emocionais dos educandos morrem carentes de diálogo, desta vez não entre o conhecimento e seu ambiente, mas entre os agentes que poderiam, em conjunto, exercitar as partes do objeto a fim de restituir-lhe sua experiencialidade. Às vezes, há que reconhecê-lo, em nome desse estigma, os próprios alunos rejeitam o professor que os exorta a pensar com ele.

Poder-se-ia pensar que a imagem do professor autoritário perante um grupo de educandos passivos e obedientes corresponde à imagem do Maestro regente de uma orquestra. A olhos desavisados poderia parecer que seu papel consiste em supervisionar a correta execução da obra; aliás, poder-se-ia acreditar que sua autoridade provém do fato de ser ele o único músico da orquestra que se remete à partitura geral: o objeto consagrado e inquestionável que se encontra em jogo. Contudo, a realidade da orquestra contém sutilezas que alteram significativamente essa visão. Longe de fiscalizar a reprodução literal do que está escrito nas partituras, o Maestro procura coordenar as múltiplas interpretações que provém de cada músico na orquestra. A partitura geral é uma guia para o Maestro, de forma alguma é o objeto que cada um dos presentes almeja. O objeto, que por isso é um objeto em jogo, é resultado dos esforços coordenados entre todos ativos.

Esta é outra parte do neologismo da OCDE que gostaria de elogiar. A noção de individualidade resulta do embate do sujeito com objetos externos; dentre eles, altamente significativos e condicionantes são os nossos semelhantes (PIAGET, 1990). Isto significa que um indivíduo só tem noção de si enquanto parte de uma teia social, coletiva; se bem a energia emocional é endógena, sua consumação depende, em grande parte, de sua articulação coletiva. Socioemocional supõe que não basta a descarga emocional, mas que é preciso conduzi-la à sua realização no coletivo.

Devo insistir no que expliquei anteriormente, o resultado do esforço conjunto e coordenado dos músicos da orquestra nunca é igual. O mesmo Maestro, com a mesma partitura e a mesma orquestra, apresenta resultados diferentes em concertos diversos. Isto é fácil de constatar na simples comparação de duas gravações que reúnam essas condições de semelhança. É uma experimentação valiosa, pois ela prova que o objeto relacional entre o Maestro e a orquestra, como entre o professor e os estudantes, não consiste na literalidade da partitura geral ou na recitação da informação em pauta, respectivamente; mas em sua reatualização criativa. Concentrar-se em repetir a fórmula do sucesso anterior é tempo perdido. Como vimos, as condições espaço-temporais estão em constante mutação e obrigam a novos ajustes em cada interpretação. Insisto, a obra de referência é a mesma, mas em cada circunstância os diálogos ambiental e coletivo observam condições diferenciadas e a reciprocidade entre os participantes vê-se obrigada a encontrar novas vias. Há novos matizes e destaques, novos ornamentos e inflexões, simplesmente porque se responde a também novos estímulos e condições. No dizer de López Quintás (2010), desenvolver a capacidade de ajustar criativamente nossas interações socioambientais é tornar-se responsável, isto é, capaz de responder adequada e atualizadamente às sempre mutantes situações da existência.

2.3 Variação nº3 - sognante

Gostaria de chamar a atenção para a articulação entre faculdades racionais e irracionais que reiteradamente tenho aludido, pois acredito que na análise dessa articulação possa residir minha contribuição para a empreitada da educação socioemocional. Como procurei explicitar, a emoção é uma descarga energética endógena, em resposta a condições socioambientais capazes de mobilizar-nos. Como qualquer energia, a emoção precisa de escoamento e, canalizada a soluções sinérgicas pode tornar-se uma força criativa; no caso contrário, seu represamento envolve sempre um forte risco destrutivo (JUNG, 2002). Ora, uma canalização eficaz procura garantir continuidade em todas as regiões a perpassar, portanto, penso que, mesmo que a fonte emocional seja irracional, a canalização da energia emocional deve estar articulada com a razão. Dito de outra forma, não é possível desenvolver competências socioemocionais sem reconhecer sua interdependência com as competências cognitivas.

Um músico que compõe de forma completamente intuitiva, isto é, irracional, muitas vezes tem ideias envolventes; não obstante, geralmente suas composições carecem de desenvolvimento. São aquelas encantadoras melodias breves que nos deixam a impressão de uma promessa inacabada ou, então, aquelas intermináveis tagarelices de notas musicais onde, uma vez por outra, passa flutuando uma breve inflexão melódica que, por um instante, captura nossa atenção. Perceber isto nas programações midiáticas contemporâneas é muito fácil. Basta se perguntar quantas canções conhecemos apenas pelo refrão, dado que o resto da composição está ali só para conduzi-lo ou para, de alguma forma, preencher o tempo entre suas repetições. Aliás, quantas dessas composições apenas se limitam à cínica repetição de uma frase curta e evidente?

Mas o contrário também é desapontador. Um músico que compõe excessivamente apegado a feitos analisados e extraídos de composições famosas, ou que converte em regras absolutas as recomendações de outros músicos, produz obras gramaticalmente corretas, porém desinteressantes para qualquer indisposto a obrigar a atenção a uma proposta “puramente intelectual”.

Grandes compositores de diversas épocas e lugares concordam em dizer que a inspiração, aliada à prática sistematizada, ao conhecimento de um amplo repertório e ao esforço do trabalho reflexivo são condições incontornáveis para a composição musical (JOURDAIN, 1998). Ora, a inspiração é muitas vezes referida como impossível de explicar justamente porque consiste em procedimentos irracionais. Cabe dizer que algumas abordagens neurológicas, psicológicas e filosóficas têm se debruçado sobre estes processos e a eles voltaremos em seguida. Por sua vez, a reflexão e o repertório são recursos racionais que se aliam à inspiração no campo da prática. Uma música envolvente e bem estruturada só é possível na articulação prática de faculdades racionais e irracionais. Minha proposta, como de fato anunciei anteriormente, é que esta articulação é necessária em qualquer campo de atividade humana.

Longe de mim dizer que não existe isso que é chamado de inspiração; pelo contrário. Nós a encontramos como força propulsora em todo tipo de atividade humana, não sendo, de forma alguma, peculiar aos artistas. Mas essa força só é colocada em ação através de um esforço, e o esforço é o trabalho... O sentido musical não pode ser adquirido ou desenvolvido sem exercício. Em música, como em qualquer outra coisa, a inatividade conduz, aos poucos, à paralisia, à atrofia das faculdades (JOURDAIN, 1998, p. 225, grifos meus).

A percepção, fonte de todo aprendizado depende de nossos sentidos que são receptáculos orgânicos. Uma descarga emocional é provocada pelo julgamento sentimental do percebido, potencializado pela movimentação dos órgãos internos, é dizer por uma resposta também orgânica. Em suma, o ambiente estimula os órgãos perceptivos e provoca uma resposta dos órgãos internos. Nos animais irracionais, este fluxo é transparente e determina seus comportamentos, porém, a situação não é a mesma quando o animal é psiquicamente fragmentado e o fluxo emocional deve atravessar também um complexo consciente. É mister levar em conta que, nos seres irracionais, o sentido do fluxo estimulo-percepção-resposta é predeterminado pelas condições em que ocorre; nos humanos, no entanto, a possibilidade de também julgar racionalmente as coisas pode alterar ou incluso represar o sentido do percurso emocional. Como vimos no início do texto, a razão é incapaz de apreender a totalidade de um fenômeno, pelo que uma boa parte dele permanece orgânico, subliminar. Se a razão, oligarquicamente nega-se a reconhecer o caráter fragmentário de sua percepção, o fluxo emocional encontrará uma descontinuidade infranqueável e ficará represado. Nesse caso, a represa, alimentando-se de associações afins, fortalecer-se-á no inconsciente até formar um complexo que disputará a energia psíquica necessária a outros processos. Como resultado, o sujeito se mostra apático, irresiliente, inconstante e depressivo (JUNG, 1990). Se, pelo contrário, a razão se esforça por reconhecer o parentesco entre os materiais subliminares e os percebidos na consciência, o fluxo emocional pode ser restituído e a resposta ao ambiente formulada. É a esse momento que a inspiração “jorra”, pois seu canal foi aberto. É claro que para esse feito a razão deve ser instrumentada: o repertório, a sistematização da prática e a disciplina reflexiva são as ferramentas da mente criativa à procura de sua fonte (JUNG, 1971). Mas há ainda um parâmetro determinante. Falamos aqui de um percurso, e percurso é movimento. Ora, o movimento somente é possível no contínuo espaçotempo, e esse contínuo é prático, pois é dinâmico. O sentido articulado entre racional e orgânico precisa, na prática, ajustar-se às constantes mudanças do ambiente a fim de que a energia emocional possa ser eficazmente investida, caso contrário, como exaustivamente defendeu Dewey (1980), a experiência não será consumada e será, portanto, incapaz de enriquecer a torrente experiencial que dá sentido à existência do sujeito.

Na estética de Baumgarten (1993), a articulação de sentido entre a vida consciente do sujeito e sua existência orgânica, individual e coletiva, chama-se sensus e o ajuste constante desse sentido às condições espaçotemporais perspicacia. A experiência criativa de diálogo e ajuste entre o sujeito e seu meio é a beleza (BAUMGARTEN, 1993). Em que momento, lugar e contexto a estética voltou sua atenção para a frivolidade das aparências é assunto que tenho desenvolvido em outros trabalhos; o que nos interessa aqui é que a marginalidade da educação sensitiva (a estética em sua proposta original), seguida de outras propostas como a educação progressiva de Dewey, que tem semeado uma longa tradição educativa que hipertrofia as competências cognitivas, com as consequentes compensações orgânicas que atualmente alarmam a Organização Mundial da Saúde e inquietam a OCDE ao perceber os custos da atrofia emocional.

Como disse, os fundamentos históricos da hipertrofia da razão acompanham a história da economia de mercado. E enquanto as estratégias formativas institucionais continuem voltadas à manutenção dessa economia, em sua dinâmica atual, não há possibilidades lícitas de inverter o quadro socioemocional; simplesmente porque, como constatamos em múltiplos e dramáticos cenários, essa forma de economia é incapaz de dialogar com o ambiente. Não há como articular sentidos existenciais a não ser na estreiteza de sua lógica imanente. Isto, por outro lado, não significa que os humanos devamos mudar nossa organização planetária da noite para o dia, isso é impossível; significa apenas que devemos permitir que nossa capacidade, inata, de ajuste, recupere seu vigor e nos ajude a encontrar soluções que, como qualquer solução criativa, ainda não conhecemos e não podemos prever.

3. CODA (Considerações finais)

No sentido que atualmente damos ao termo, fazer música significa organizar sons num espaço temporal. Mas os sons que reconhecemos como musicais não existem na natureza, são produtos culturais dado que provêm de artífices instrumentais, técnicas como o canto ou abstrações e manipulações de ruídos ambientais, geralmente gravadas por meios magnéticos ou digitais. Isto significa que fazer música é levar nossas produções culturais, civilizatórias, ao encontro dinâmico com o fundamento da organicidade universal, que é o tempo (LÉVI-STRAUSS, 2010). Mais ainda, esse encontro, para ser musical, deve simultaneamente fazer sentido para todas e cada uma de suas partes.

É, pois, este um modelo que permitiria nossos avanços civilizatórios em constante diálogo e ajuste coletivo e ambiental. Qualquer desajuste vindo de uma das partes seria sentido coletivamente como uma dissonância, a qual, também coletivamente, ver-se-ia conclamada à sua harmonização, pois a harmonia depende da disposição interativa de todas as partes. A harmonia não resulta de um plano administrativo racional; como disse Stravinsky, a inspiração, fonte irracional, joga aqui um papel igualmente importante. Isto simplesmente porque, repito, boa parte da percepção do conjunto escapa à razão. Destarte, o modelo não pode ser sistematizado apenas cognitivamente, há que praticá-lo para que nossa irracionalidade orgânica também possa apreendê-lo.

Fazer música, no sentido estrito do termo, é, pois, preparar-se à prática de um modelo dinâmico que, simultaneamente, nos âmbitos cognitivo e socioemocional, dispor-nos-á à cooperatividade, altruísmo, organização, disciplina e ética, por serem competências coletivas; tanto quanto à perseverança, resiliência, criatividade, autoestima e motivação, por serem consequências da articulação de sentido. Evidentemente, há que dizê-lo, a prática de alguns gêneros contemporâneos de música racional, empenhada em destruir sentidos por considerá-los ultrapassados, desacordes com os anseios existencialistas de total emancipação individual, não oferece as perspectivas que aqui descrevo.

O livro A república de Platão (2000) é uma sofisticada reflexão encaminhada a evidenciar uma articulação como a que aqui proponho, não é por acaso que o filósofo concedeu generosa atenção à discussão sobre a mousiké, geralmente traduzida por música, como fundamento educativo para seu projeto político e econômico. Mas há uma diferença importante entre o que atualmente entendemos por música, cujo termo na época era mousiké techné, e a mousiké à qual Platão se referia. O sufixo iké indica que o termo se refere às coisas relacionadas com o radical da palavra, no caso, mousa, que em português conhecemos por musa (PETERS, 1974). O que hoje entendemos como a prática de organizar sons no tempo, na época significava literalmente “assuntos de musas” ou, como o próprio Platão define, um “comércio inteligente com as musas” (2002, p. 110). Acredito que a ideia da musa como mulher atrativa que por seus encantos inspira a criatividade do artista tenha sido criada no período de síncrese greco-romana (KURY, 2009); a análise de textos e alegorias platônicas como a do livro VII, da República, a famosa alegoria da caverna, levame, no entanto, a reconhecer na musa o símbolo da canalização libidinal, nos termos em que Jung, na psicologia analítica, descreve essa função (2002, p. 30 - 32). Não há espaço neste trabalho para detalhar a análise simbólica da musa, devo assim limitar-me a destacar que, em consonância com o que descrevi anteriormente, a canalização libidinal tem por objeto a articulação de sentido, a fim de direcionar a energia psíquica a investimentos sinérgicos e, portanto, eficazes. Decorre desta perspectiva uma abertura prática não menos interessante. E é que os assuntos de musas não se limitam ao sentido que damos hoje à música. Filhas da memória arcaica, a titânide Mnemósine, as musas articulam sentido no relacionamento de dispositivos mnemônicos arcaicos - arquétipos - com experiências atuais. Por outras palavras, a canalização energética das musas articula o passado arcaico com a experiência presente, donde projeta energia criativa para o futuro. O que tento evidenciar é que a articulação de sentido que venho discutindo, e que emparento com a canalização libidinal da psicologia analítica, é uma articulação temporal. Destarte, os recursos práticos das musas, em vista da canalização de energias psíquicas, incluem a música no sentido atual porque, como sabemos, é uma arte temporal, os sons musicais são organizados no tempo; mas não se restringem a ela. As musas também fazem rimas, dançam e revivem versos épicos. Fazer poesia, dança, teatro e música são assuntos de musas, pois todos eles organizam materiais culturais em espaços temporais. Celebrar o casamento da cultura com o tempo, enquanto fundamento de organicidade universal é, no sentido platônico, fazer música.

Para os gregos do período clássico, o símbolo da racionalidade era o deus Apolo; mas Apolo era também o reitor das musas, sem as quais não apenas seus dotes artísticos, como também seu papel oracular em Delfos ver-se-ia comprometido. Trata-se de um Deus da razão em relação de interdependência com os substratos arcaicos e experiências que as musas organizam, conduzem e projetam criativamente. Um Deus da razão que, para sê-lo, depende de sua articulação com o irracional.

Na escola, um livro didático que fala de técnicas de arte ou, pior, de estilos e biografias de artistas famosos, não é capaz de suprir os estudantes experiencialmente. Por sua vez, um programa de brincadeiras descompromissadas na aula de artes, artes desajeitadas que recuperam sucatas ou torturantes festivais que exibem aos pais os dotes artísticos das crianças não articulam essas experiências com sistemáticas racionais. A aula de artes na escola poderia ser a chave de desenvolvimento das competências socioemocionais em articulação com as competências cognitivas, desde que fosse de fato conduzida como uma prática que exige essa articulação. As vantagens são muitas, mas confiramos por enquanto atenção às seguintes três, que considero centrais:

Por ser seu objeto uma dinâmica harmônica, a prática de artes produz descargas emocionais e conduze-as a um jogo equilibrado de inter-relações coletivas.

A satisfação, individual e coletiva, numa prática artística, requer o desenvolvimento de habilidades sistemáticas e intelectuais, ao tempo que permite a convivência de diversos graus e tipos de destreza.

Este modelo experiencial de dinâmicas artísticas pode servir de modelo a qualquer área técnica e/ou intelectual, fazendo com que competências socioemocionais e cognitivas se desenvolvam juntas e articuladas.

Em suma, limitar-se a decifrar as notas de uma partitura não resulta em música; mas colocar muita emoção em notas que não sabemos ler não é uma solução melhor. Fazer música em segredo não é satisfatório; como aderir às fanfarras da moda a fugir da solidão, tampouco o é. A história moderna tem super-valorizado a leitura das notas e alguns de seus agentes têm feito música em segredo; contudo, hoje percebemos que esse jogo pode ser muito mais amplo, intenso e efetivo, pois tem a vocação de comportar o todo. Parabéns àqueles que descobriram que está na hora de dar corpo, de equilibrar o cognitivo, pelo desenvolvimento de competências socioemocionais.

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3Disponível em: <www.oecd.org/pisa/>. Acesso em: 07 ago. 2014.

Recebido: 20 de Maio de 2015; Aceito: 23 de Março de 2016

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