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Educação e Filosofia

Print version ISSN 0102-6801On-line version ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.31 no.62 Uberlândia May/Aug 2017  Epub Mar 09, 2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n62a2017-p1011a1032 

Artigos

Interdisciplinaridade: da simplificação ao pensamento complexo

Interdisciplinarity: from simplification to opening

Interdisciplinariedad: de la simplificación al pensamiento complejo

Gionara Tauchen* 

Altair Alberto Fávero** 

André Martins Alvarenga*** 

*Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/ RS). Moçambique. Professora do Instituto de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: giotauchen@gmail. com.

**Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humnas (IFCH) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade de Passo Fundo. E-mail: favero@upf.br

***Doutor em educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professor de Ciências Exatas da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: andrealvarenga@unipampa.edu.br


Resumo

O presente artigo objetiva discutir a insatisfação epistemológica decorrente dos limites disciplinares e colocar em relevo princípios epistemológicos que podem nos ajudar na autoprodução do ensino que intenciona contribuir com o desenvolvimento do pensamento interdisciplinar, sustentando as seguintes teses: a) as interações disciplinares podem ser potencializadas pelo diálogo, mas é por meio da postura epistemológica dialógica e da aprendizagem intersubjetiva que produzimos o tensionamento disciplinar, incluindo/excluindo as contradições; b) a interdisciplinaridade, no plano das atividades de ensino, não é um atributo ontológico, mas uma emergência epistêmica pragmática. O estudo é de natureza qualitativa, de base hermenêutica. Concluímos que as condições de interação disciplinar podem ser organizadas pela produção do lugar; pela diferença criadora dos diferentes elementos (disciplinas) e pelas inter-relações entre os sujeitos que compartilham as necessidades de compreensão, de religar o que foi desconectado, expressando que no ensino encontramos um lugar para a complexa convivialidade humana.

Palarvas-chave: Interdisciplinaridade; Dialógica; Intersubjetividade; Pensamento complexo

Abstract

This article aims to discuss the epistemological dissatisfaction arising from disciplinary boundaries and highlight epistemological principles that can help us in the self-production of teaching that intends to contribute to the development of interdisciplinary thinking, support the following theses: a) disciplinary interactions can be leveraged through dialogue, but it is through dialogical epistemological stance and intersubjective learning that disciplinary tension is produced, including/excluding the contradictions; b) interdisciplinarity, in terms of teaching, is not an ontological attribute, but a pragmatic epistemic emergency. The study is qualitative, hermeneutic-based. We conclude that the interaction disciplinary conditions can be arranged by the production of the place; by the creative difference of the different elements (subjects) and the inter-relationships among individuals who share the understanding, to reconnect what has been disconnected, showing that at the school, a place for the complex human conviviality can be found.

Keywords: Interdisciplinarity; Dialogical; Intersubjectivity; Complex thinking

Resumen

El presente artículo tiene como objetivo discutir la insatisfacción epistemológica derivada de los límites disciplinares y resaltar los principios epistemológicos que nos pueden ayudar en la autoproducción de la enseñanza, la cual pretende contribuir con el desarrollo del pensamiento interdisciplinar, sustentando las siguientes tesis: a) las interacciones disciplinares pueden ser potencializadas por el diálogo, pero es por medio de la postura epistemológica dialógica y del aprendizaje intersubjetivo que producimos el tensionamiento disciplinar, incluyendo/ excluyendo las contradicciones; b) la interdisciplinariedad, en el plano de las actividades de enseñanza, no es un atributo ontológico, sino una emergencia epistémica pragmática. Este estudio es de naturaleza cualitativa, de base hermenéutica. Se concluye que las condiciones de interacción disciplinar pueden ser organizadas por la producción del lugar, por la diferencia creadora de los diferentes elementos (disciplinas) y por las interrelaciones entre los sujetos que comparten las necesidades de comprensión, de atar lo que fue desconectado, expresando que en la enseñanza encontramos un lugar para la compleja convivencia humana.

Palabras clave: Interdisciplinariedad; Dialógica; Intersubjetividad; Pensamiento complejo

Considerações iniciais: oceanos de desassossegos

A Universidade conserva, memoriza, integra, ritualiza uma herança cultural de saberes, idéias, valores; regenera essa herança ao reexaminá-la, transmiti-la; gera saberes, idéias e valores que passam, então, a fazer parte da herança (MORIN, 2008, p. 81)

A universidade, pelo mundo afora, diversificou-se em modelos e funções paradoxais: “adaptar-se à modernidade científica e integrá-la, responder às necessidades fundamentais de formação, mas também, e sobretudo, fornecer um ensino metaprofissional, metatécnico” (TAUCHEN, 2014, p. 82). Como espaço de múltiplas culturas, não conseguiu vivificar o movimento de comunicação transcultural: o religioso opõe-se à razão, as ciências da natureza às sociais, o sujeito ao objeto. Produzimos e transmitimos a herança cultural, formando pessoas em disciplinas artificialmente delimitadas que, em suas atividades sociais, vivenciam problemas complexos e demandas de integração e de tensionamento disciplinar.

Parafraseando Morin (2008), o desafio não é apenas modernizar a cultura, mas, também, “culturalizar a modernidade”. A pressão superadaptativa que atordoa a universidade - demandas econômicas, sociais, técnicas, especializadas, administrativas, entre outras - leva-a a adequar o ensino e a pesquisa às leis de mercado, da produção, da divisão disciplinar, provocando a senilidade das estruturas e dificuldades de interação entre as pessoas, os conhecimentos e as ações que produzem.

Pombo (2003, p. 4) analisa que, apesar de necessária, a especialização foi realizada por meio de grandes sacrifícios, tanto culturais quanto das “novas formas de enquadramento institucional da actividade científica. Ela levou a uma institucionalização do trabalho científico absolutamente devastadora e de que estamos hoje a sofrer as consequências”. Considera a ciência uma grande instituição constituída por comunidades cindidas e competitivas, fragmentadas e enclausuradas nas próprias especificidades. Neste cenário, Nicolescu (1997) nos adverte que o aumento dos saberes disciplinares e a consequente especialização promoveram barreiras à comunicação e à compreensão humana. Destaca, o autor, que a partir da metade do século XX, alguns setores perceberam a necessidade de vínculos entre as diferentes disciplinas, resultando na proposição da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade, entrando timidamente em certas universidades, mas expressando que “a reforma do pensamento exige a reforma da Universidade” (MORIN, 2008, p. 83).

Hoje, no Brasil, a interdisciplinaridade está presente na organização curricular dos cursos de graduação e de pós-graduação, nos currículos da Educação Básica, na pesquisa e na produção do conhecimento, no contexto midiático, empresarial e tecnológico (POMBO, 2003; 2005), sendo de uso comum “muito embora com concepções ou significados diferentes, em função notadamente dos níveis e da finalidade com que a mesma é empregada” (ALVARENGA et al., 2011, p. 27) (JAPIASSU, 2006; FAZENDA, 2002; 2013). Essa diversidade de entendimentos e intenções leva Pombo (2003, p. 2) a concluir que “o resultado traduz-se por uma enorme cacofonia. A palavra é ampla demais, quase vazia. Ela cobre um conjunto muito heterogêneo de experiências, realidades, hipóteses, projectos”. Nesta “enorme cacofonia”, concordamos com Paviani (2014, p. 7) quando diz que “nem todos os filósofos, cientistas e pedagogos acreditam no conceito de interdisciplinaridade”, pois assim como ela “pode ser praticada sem ser assim nomeada”, há situações em que muitos “pretendem praticá-la e, de fato, nada produzem de interdisciplinar”.

No entanto, acreditamos que esta diversidade é produtiva, esperançosa e comporta horizontes de possibilidades, conforme discutiremos na segunda parte deste artigo. Pensamos com Paviani (2014, p. 7) que o problema “não está apenas na noção de interdisciplinaridade, mas no estatuto do conhecimento, nas divisões, classificações, sistematizações e modos de produção e de transmissão do conhecimento”.

Para Lenoir e Hasni (2004, p.1), podemos analisar a existência de três conceitos de interdisciplinaridade, considerando as bases culturais de tais movimentos: a) de origem europeia e, mais especificamente, francesa, voltado para a dimensão epistemológica, com caráter mais reflexivo e crítico; b) anglo-americano, orientado pela lógica instrumental e, por isso, mais voltado para os aspectos metodológicos; c) brasileiro, “se inscribe en la perspectiva fenomenológica, privilegia las dimensiones humanas y afectivas, y expresa una lógica subjetiva dirigida a la búsqueda del sí”. (cf. LENOIR, Y.; HASNI, A. 2004, p. 1). Ambos os conceitos, segundos os autores, são complementares e mutuamente necessários.

Alvarenga et al. (2011, p. 13) apresenta a interdisciplinaridade como campo de conhecimento em construção, destacando os desafios teóricos, metodológicos e técnicos vinculados à pesquisa, entendendo que “não se trata, pois, de superação do conhecimento disciplinar, sob o qual se funda tal modelo, mas de reconhecer a pertinência e a relevância de outro modo de fazer ciência, de gerar conhecimento”. Neste sentido, são importantes os esclarecimentos de Lenoir e Hasni (2004, p. 2), para quem o conceito de interdisciplinaridade está vinculado, histórica e epistemologicamente, ao conceito de disciplinaridade, mas, “sin embargo, en el campo de la educación, se trata de una disciplinaridad escolar cuyo significado y cuyos elementos constitutivos difieren de la disciplinaridad científica”.

Santomé (1998, p. 70) entende que a finalidade da interdisciplinaridade é “recompor ou reorganizar os âmbitos do saber, através de uma série de intercâmbios que na verdade consistem de recombinações construtivas que superam as limitações que impedem o avanço científico”. Gusdorf (1983, p. 100-101), discutindo a cultura científica e as disputas de poder, também considera que a desordenada proliferação das ciências e a consequente fragmentação provocam uma “anarquia epistemológica tão grave quanto a anarquia moral e social característica da cultura contemporânea”.

Neste sentido, destacamos as importantes contribuições de Leis (2011, p. 112), que sugere que evitemos definições abstratas da interdisciplinaridade, pois acabam funcionando como “camisas de força” e explica: “enquanto as disciplinas possuem uma tradição epistemológica consolidada, no campo dos estudos interdisciplinares não existem regras predeterminadas que possam ser aplicadas rigidamente ao processo de avaliação”. O autor sugere que um dos obstáculos à interdisciplinaridade são as idiossincrasias, que envolvem os sujeitos, principalmente nas ciências sociais e humanas, em discussões intermináveis sobre temas que são polissêmicos e que comportam significados diversos. Neste sentido, sugere que os estudos interdisciplinares sejam considerados como “formas de conhecimento não paradigmáticas” (LEIS, 2011, p. 112-113), pois a pretensão de colocar “ordem” na “desordem”, homogeneizando os estudos interdisciplinares ou propondo uma definição unívoca do conceito, atenta contra a prática da interdisciplinaridade, “por tratar-se de uma proposta que, inevitavelmente, é feita a partir de algumas culturas disciplinares existentes”.

Assim, com base nessas reflexões iniciais, este artigo tem como objetivo abordar a insatisfação epistemológica decorrente dos limites disciplinares e colocar em relevo princípios epistemológicos que podem nos ajudar na autoprodução do ensino que intenciona contribuir com o desenvolvimento do pensamento interdisciplinar. Pretendemos, ainda, construir argumentos para sustentar as seguintes teses: a) as interações disciplinares podem ser potencializadas pelo diálogo, mas é por meio da postura epistemológica dialógica e da aprendizagem intersubjetiva que produzimos o tensionamento disciplinar, incluindo/excluindo as contradições; b) a interdisciplinaridade, no plano das atividades de ensino, não é um atributo de uma condição ontológica, mas uma emergência epistêmica pragmática. Por isso, não há professores interdisciplinares, mas pensamentos que podem organizar-se mais ou menos por posturas epistemológicas dialógicas que potencializam compreensões interdisciplinares.

O estudo é de natureza qualitativa, de base hermenêutica (GADAMER, 2007, 2008; HERMANN, 2002). Entendemos que o caráter interpretativo da hermenêutica fortalece a produção de sentidos e as possibilidades de autocompreensão, enquanto busca compreender o mundo objetivado, ampliando horizontes e espraiando outras possibilidades de intervenção no mundo. Compreender, na perspectiva de Gadamer (2008), significa que podemos pensar e ponderar o que o outro pensa, em um processo histórico que abre outras possibilidades de reflexão. Por outro lado, admite que somos determinados pela história e pela comunidade linguística. Assim, a compreensão, no âmbito da hermenêutica, envolve um processo em que se inter-relacionam preconceitos ou pré-compreensões, historicidade e aplicação.

A hermenêutica apresenta-se como uma possibilidade de desconstruir a racionalidade, que se preocupa mais com as certezas e as verdades. Conforme escreve Hermann (2002, p. 25), “o problema fundamental da hermenêutica é a busca de sentido e a interpretação. A interpretação ultrapassa o texto escrito e se refere a uma manifestação vital que afeta as relações dos homens entre si e com o mundo”. Assim, a experiência hermenêutica convoca o sujeito a dar-se conta dos próprios pré-conceitos, dos juízos prévios, encontrando a própria historicidade no interior da tradição.

Arquipélagos de pensamentos

Mais terrível do que qualquer muro, pus grades altíssimas a demarcar o jardim do meu ser, de modo que, vendo perfeitamente os outros, perfeitissimamente eu os excluo e mantenho outros (PESSOA, 2006, p. 241).

Se as demandas interdisciplinares, da atualidade, decorrem, ao mesmo tempo, dos limites e das potencialidades disciplinares, a que nos referimos como disciplina? A polissemia de entendimentos não está presente apenas nos estudos interdisciplinares, mas também na categoria disciplina. Pombo (2003) sugere, pelo menos, três grandes significados: como ramo do saber, componente curricular e conjunto de normas.

Notadamente, a organização disciplinar, como ramo do saber, desenvolveu-se com as universidades modernas, com o Positivismo de forma acentuada e nos seus desdobramentos no século XX, por meio da pesquisa científica. A história das disciplinas está inscrita, portanto, na história da sociedade e das instituições, nos seus tempos e espaços. Como categoria organizadora, a disciplina “institui a divisão e a especialização do trabalho e responde à diversidade das áreas que as ciências abrangem” (MORIN, 2005, p. 105), sendo sua autonomia decorrente da “delimitação das fronteiras, da linguagem em que ela se constitui, das técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias”. Não decorre, portanto, apenas do conhecimento interno, mas também de um conhecimento externo. Por isso, Morin (2005) sugere que não basta estar por dentro de uma disciplina para conhecer os problemas aferentes a ela. Se considerarmos a organização de um campo disciplinar como um paradigma, por exemplo, e que a organização deste é orientada pelo pensamento simplificador, “significa dizer, ao mesmo tempo, que o paradigma de simplificação escapa a qualquer compreensão pelo pensamento simplificador que gera. O paradigma da ciência clássica não permite tomar consciência da noção de paradigma” (MORIN, 2005, p. 290, grifos do autor). Ou seja, as fronteiras e os operadores cognitivos que contribuem para a estabilidade interna de um sistema de ideias ou de uma disciplina são insuficientes para promover seu próprio tensionamento. Por isso, é preciso estar ciente do problema do paradigma.

Neste sentido, é importante destacar que, na obra A estrutura das revoluções científicas, Thomas Kuhn (2011, p. 13), ao abordar a formação das tradições de investigação e o(s) conceito(s) de paradigma, expressa-o, entre outras definições, como “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Morin (2005) redefine o conceito na obra O método 4, atribuindo-lhe um caráter semântico, lógico e ideo-lógico. Para Morin (2005, p. 209),

um paradigma contém, para todo discurso sob a sua influência, os conceitos fundamentais ou as categorias essenciais de inteligibilidade, ao mesmo tempo que o tipo de relações lógicas de atração/repulsão (conjunção, disjunção, implicação ou outras) entre os seus conceitos ou categorias.

Com base nessas compreensões, podemos dizer que o paradigma impera e orienta a organização dos nossos pensamentos porque institui os operadores cognitivos e as relações lógicas que governam, de forma imaterial, as concepções e ações realizadas sob seu império. O paradigma que orienta a ciência moderna caracteriza-se, basicamente, pela simplificação, fundado em uma racionalidade que opera a organização do pensamento a partir dos pilares da ordem, disjunção, redução e lógica clássica. Este paradigma é denominado por Morin (2005, 2007a, 2007b) de simplificador, pois “põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A ordem se reduz a uma lei, a um princípio” (MORIN, 2007a, p. 59). Ou seja, ordem, nesta perspectiva, é tudo o que é repetição e constância, coação e determinação. No processo de simplificação fragmenta-se e separa-se o que está ligado (disjunção) e unifica-se o que é diverso, diferente e divergente (redução), mobilizando, na organização do pensamento, além desses princípios, a lógica clássica.

Morin (2005, p. 212) explica que “uma lógica institui a ordem e a regra computacional de qualquer pensamento e qualquer sistema de ideias”. Ou seja, o conjunto de regras lógicas orienta os sistemas de ideias e teorias, e os indivíduos que compartilham e estão submetidos a essas teorias operam segundo essas regras. A lógica da modernidade, que nasceu na Grécia antiga, com Aristóteles, “incide sobre a identidade, a dedução e a indução, que garantem a evidência, a coerência e a validade formal das teorias e discursos” (MORIN, 2005, p. 2012). Três princípios inseparáveis constituem o centro dessa lógica clássica: “identidade (A é A); não contradição (A não é A e não A ao mesmo tempo); terceiro excluído (não existe um terceiro termo T [T de Terceiro] que seja, ao mesmo tempo, A e não A → A é A ou não A)” (ALVARENGA et al., 2011, p. 16).

Absolutizada, a lógica clássica tornou-se um alicerce para a ciência moderna, estruturando uma visão de mundo coerente e inteiramente acessível ao pensamento (disciplinar). Contudo, tudo o que excedesse essa coerência, foi colocado para fora da lógica, do mundo, da realidade.

Assim, o pensamento e as construções teóricas efetuaram-se logicamente pela dedução e indução. A primeira expressa o procedimento que retira as conclusões necessárias de premissas prévias, ou seja, do universal ao particular. A segunda, parte dos fatos particulares para chegar aos princípios gerais. A indução acabou se tornando o esteio mais “seguro” para a produção dos campos disciplinares1, pois a partir das observações, das regularidades, das repetições, tem formulado leis universais que as traduzem. Para Morin (2005, p. 214), “o espírito científico reforçou a indução ligando-a à probabilidade, a qual, no início deste século, salvaguardaria o determinismo, substituindo o seu antigo caráter mecânico por um caráter estatístico novo”. De fato, a ciência não cessou de matematizar-se ao longo do seu desenvolvimento e especialização. Conforme

Morin (2007a, p. 10),

qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica); hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções-chaves); estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios “supralógicos” de organização do pensamento.

Estes princípios de organização do pensamento, ancorados na matematização2, formalização e lógica binária, orientaram nossas visões de mundo sem que, por vezes, tivéssemos o entendimento sobre tais operações. Na pesquisa, separamos sujeito e objeto, objetividade e subjetividade, conteúdo e forma, quantidade e qualidade; no ensino, teoria e prática, ensinar e aprender, professor e aluno, ensino e pesquisa. Não há dúvida, contudo, que esta lógica permitiu enormes avanços científicos.

No entanto, esta ciência elucidativa e conquistadora apresenta-nos marcas nocivas que se referem ao “conhecimento que produz, à ação que determina, à sociedade que transforma” (MORIN, 2008, p. 16). A ciência “libertadora” é, também, excludente, segregadora e meio de subjugação. Por isto, precisamos, como ponto de partida, dispor de pensamentos que nos permitam compreender a complexidade intrínseca à madureza e à glacialidade da ciência, bem como as decorrências e possibilidades emergentes para a educação e o ensino.

Constatada essa insuficiência da lógica clássica, Morin (2005, p. 235) afirma que “precisamos de uma lógica maleável ou fraca e uma concepção metalógica (racionalidade aberta) e supralógica (paradigma da complexidade)”. Para tanto, sugere a dialógica, que não é uma lógica nova e nem dispensa a lógica clássica, mas um modo de utilizar a lógica em movimento de conjunto. “A dialógica não supera as contradições radicais, considera-as como insuperáveis e vitais, enfrenta-as e integra-as no pensamento, o qual então utiliza a lógica sem se deixar subjugar por ela” (MORIN, 2005, p. 240). A dialógica pode ser entendida como uma unidade complexa entre duas lógicas complementares e antagônicas que se completam e se combatem. A dialógica, embora inspirada na dialética hegeliana, distingue-se. “Em Hegel, as contradições encontram uma solução, superam-se e suprimem-se numa unidade superior. Na dialógica, os antagonismos persistem e são constitutivos das entidades ou dos fenômenos complexos” (MORIN, 2007c, p. 301).

Assim, entende-se que a contradição é decorrente das resistências do mundo à lógica, isto é, “a contradição vale para o nosso entendimento, não para o mundo” (MORIN, 2005, p. 241). O mundo constitui-se de antagonismos complementares, indissolúveis, que o nosso pensamento, operando por meio da lógica clássica, traduz em contradições. “Com efeito, todo conhecimento é tradução, e a contradição é o modo pelo qual se traduzem, aos olhos da nossa razão, os buracos negros nos quais desmoronam as nossas coerências lógicas” (MORIN, 2005, p. 241).

Na lógica clássica, o imperativo universal do terceiro excluído deriva da disjunção que, além de separar o sujeito pensante do objeto entendido, coloca como “princípio de verdade as ideias ‘claras e distintas’”(MORIN, 2007a, p.11). Para o pensamento complexo, o terceiro excluído vale para casos simples nos quais, por exemplo, se define se um ser vivo é animal ou vegetal, mas há outros casos em que é preciso abordá-lo em função da complexidade. “O terceiro excluído, necessário apenas ao pensamento analítico, deve ser alternativamente excluído e incluído no pensamento analítico/sintético, no pensamento organizacional, no pensamento complexo” (MORIN, 2005, p. 246). O pensamento complexo não se fecha na disjunção e, por isso, permite incluir/excluir o terceiro por meio da dialógica: “duas posições contrárias estão necessariamente ligadas, mesmo se opondo” (MORIN, 2005, p. 246).

A disjunção contribuiu para isolar as ciências umas das outras e, “dentro delas (física, biologia, ciências humanas), as disciplinas umas das outras, recortando, de maneira abstrata e arbitrária, o objeto de cada uma na malha solidária do real” (MORIN, 2005, p. 276) e a maneira de remediar esta disjunção foi uma outra simplificação: “a redução do complexo ao simples (do biológico ao físico, do humano ao biológico)” (MORIN, 2005, p. 276). O princípio da disjunção, aliado ao princípio da redução, dificulta a percepção dos “vínculos e da solidariedade entre os elementos de uma realidade complexa, produzindo igualmente a invisibilidade do global e do fundamental” (MORIN, 2007b, p. 117). Por isso, em nível das ideias, nosso entendimento é de que, operando com as mesmas lógicas, mesmo em campos disciplinares diferentes, somos incapazes de compreender uns aos outros. “As concepções de mundo excluem-se entre elas e evidentemente umas não veem mais do que os erros e ilusões das outras” (MORIN, 2007b, p. 117).

O pensamento complexo, para Morin (2005, p. 248), “salva a lógica como higiene do pensamento e transgride-a como mutilação do pensamento”, conforme representamos a seguir:

Fonte: os autores

Figura 1: Pensamento que coloca em interação diferentes lógicas 

A lógica clássica, soberana na construção dos campos disciplinares, institui a ordem e as regras computacionais3 ao pensamento, isto é, a lógica comanda o pensamento. Na perspectiva da complexidade, “a lógica deve estar subordinada ao pensamento que se lança na incerteza” (MORIN, 2005, p. 254), pois o pensamento pode colocar em ação diferentes lógicas, mas não se reduz à lógica em ação.

É a partir dessa linha de interpretação que, apoiando-se nos estudos de Alvarenga et al. (2011) sobre a pesquisa interdisciplinar, passamos a problematizar suas decorrências, também para os processos de ensino:

consideramos os fenômenos complexos não como passíveis de serem estudados, de maneira ampla ou em sua integralidade, pelos recursos disponíveis por pesquisadores solitários, com formação centrada de maneira exclusiva no arsenal de disciplinas específicas e, por vezes, dominando tão somente uma dada perspectiva teórico-metodológica ou um dado paradigma de investigação (ALVARENGA, 2011, p. 58).

As fronteiras disciplinares, como sistemas de ideias, são demarcadas, entre outros aspectos, pela linguagem. Por isso, “precisamos pensar circularmente que a sociedade faz a linguagem que a faz, que o homem faz a linguagem que o faz e fala a linguagem que o exprime”(MORIN, 2005, p. 199). A linguagem organiza-se e é organizada em função das associações com a lógica e com as formas de organização do pensamento. É ativada e ativadora de paradigmas, categorias, esquemas, formas de pensamento, pois “lógica e linguística são duas máquinas em uma, íntimas e profundamente integradas uma na outra, mas irredutíveis uma a outra” (MORIN, 2005, p. 200).

Por isso, acreditamos que, nos contextos de ensino, a organização de pensamentos interdisciplinares demanda sistemas de interações de diferentes lógicas pelo medium da linguagem e da aprendizagem intersubjetiva. Não se trata de aceitar ou compreender a “outra concepção, o outro pensamento, trazendo-o para o nosso universo epistêmico, ou seja, não o compreendendo” (MORIN, 2005, p. 290). A compreensão recíproca exige a percepção e a compreensão do que comanda a lógica, o discurso, os conceitos, as teorias, a prática cotidiana, isto é, dos paradigmas. “É uma condição de sobrevivência da humanidade, pois é uma condição de verdadeira tolerância, nem ceticismo mole ou frio relativismo, mas compreensão” (MORIN, 2005, p. 290).

Ilhas de possibilidades

A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objeto torna-se realmente outro, porque o tornamos outro (PESSOA, 2006, p. 96).

Parafraseando Morin (1997), podemos dizer que, até agora, sabemos que o conhecimento é mal conhecido e que conhecemos mal, que é fragmentado e que ignora o que desconhece e, também, o que conhece. Aceitar essa confusão e incerteza pode transformar-se em estratégia quando assumidas suas virtudes. Se entendemos que duas lógicas diferentes, duas disciplinas, com duas posições reconhecidas como verdadeiras, uma e outra isoladamente, que se negam mutuamente, podemos abrir

“a possibilidade de conhecer essas duas vertentes como as duas faces de uma verdade complexa; é revelar a realidade principal, que consiste na relação de interdependência entre noções que a disjunção isola ou opõe” (MORIN, 1997, p. 21).

Trata-se de abrir a porta da compreensão e da investigação dessa relação.

A esperança e o desafio estão, como afirma Morin (1997), na possibilidade de transformar círculos viciosos em círculos virtuosos. Para tanto, sugere reaprender a aprender, colocando os saberes em ciclo, isto é, articulando pontos de vista disjuntos do saber em um processo de espiral ativa, produzindo mudanças por meio das interações, ou seja, das ações recíprocas. As interações, para o pensamento complexo, supõem: a) elementos que podem encontrar-se; b) condições de encontro; c) natureza dos elementos; e d) inter-relações (associação, combinação, comunicação...). Para que ocorram interações são necessários encontros e para que ocorram encontros, são necessárias a desordem e a diversidade. Ou seja, retomando a compreensão expressa no início deste texto, referente à polissemia de entendimentos sobre a interdisciplinaridade, entendemos que esta pode ser condição potencializadora dos tensionamentos disciplinares, pois “a interacção torna-se assim a noção-placa giratória entre desordem, ordem e organização” (MORIN, 1997, p. 54).

Essa mudança implica a modificação dos núcleos organizadores dos campos disciplinares, isto é, “trata-se de uma transformação no modo de pensar, do mundo do pensamento e do mundo pensado” (MORIN, 2005, p. 283). Não sugerimos, contudo, o rompimento dos campos disciplinares, mas o seu tensionamento, pois a interdisciplinaridade vincula-se à disciplinaridade. Como nos diz Paviani (2014, p. 7-8), “na realidade, a verdadeira interdisciplinaridade é uma defesa das disciplinas e não sua eliminação”, pois seu potencial epistemológico se dá quando ela consegue oferecer “a compreensão, o limite e a função exata e adequada das disciplinas”, Ou seja, preservar as diferentes áreas que foram historicamente constituídas e consolidadas e, a partir destas referências, criar possibilidades de interação e religação dos saberes; que os campos disciplinares, por meio da modificação dos seus núcleos organizadores, passem a operar por meio de uma lógica maleável ou fraca, como sugere Morin (2005); e que sejam sempre considerados os tempos e espaços dos sujeitos envolvidos nesta construção.

O conceito de tensionamento, embora mobilizado para pensar possibilidades interdisciplinares no campo educacional, também é utilizado em outras áreas, tais como a Filosofia, a Psicologia e a Física Teórica, expressando uma polissemia de sentidos, tais como, flexibilidade, envergadura e distensão. Segundo Brusotti (2011, p. 36), na área das ciências naturais, o termo tensão

designa grandezas físicas distintas, quando se refere, por exemplo, à tensão mecânica ou à tensão elétrica; trata-se de conceitos rigorosamente circunscritos, mas cada um a seu modo. As variedades de tensão mecânica (as tensões de cisalhamento ou corte, de pressão e de empuxo) - em corpos elásticos (como tendões e cordas de arcos), em líquidos (a pressão da água represada) ou gases (a “capacidade de expansão” de vapores) - assim como as variedades de tensão elétrica (o relâmpago como uma descarga repentina de uma nuvem carregada de eletricidade, entre outros exemplos).

Ainda segundo Brusotti (2011), na perspectiva de Nietzsche, a tensão é sempre uma força ou uma representação dela. Nietzsche (1990) considera a tensão como característica de uma razão imaginativa que abarca tensões contrárias: o universal e o singular, o estruturado e o desestruturado, isto é, antagonismos complementares. Siemens (2013, p. 431) explica que

“na ontologia relacional da vida de Nietzsche, vida são apenas relações de tensão, atração-repulsão, ação-resistência, comando-obediência entre forças sem substância; e tensão é o modo pelo qual as relações se formam e se transformam”.

De acordo com o exposto, se considerarmos as áreas e/ou disciplinas como campos opostos/discordantes, seu tensionamento poderá transformar o conflito destrutivo em ordem construtiva, criando condições para a produtividade e a criatividade. Ou seja, negar o pluralismo significa, sob o jugo da uniformidade, aniquilar o poder criativo das interações. Neste sentido, Siemens (2013, p. 434) explica:

“à redução da tensão se segue, em primeiro lugar, uma redução da diversidade, de modo que ‘a igualdade e a uniformidade, de longe, prevaleçam’; e, em segundo, uma redução do poder criativo ou produtivo - uma espécie de ‘eutanásia, inteiramente improdutiva’”.

Portanto, a partir do pensamento complexo, a diversidade e os antagonismos, entre os elementos constituintes de um sistema, são importantes para ampliar as compreensões deste e para possibilitar suas emergências. Desse modo, é necessário construir condições de possibilidade para a dialógica, pois comporta a ideia de que os antagonismos podem ser reguladores e estimuladores. A dialógica proporciona a religação de conceitos e de ideias que, em princípio, são antagônicas, mas que são simultaneamente complementares e proporcionam a religação entre conhecimentos diversos, estabelecendo relações entre as partes e o todo, no ensejo de alcançar a compreensão (re)integradora dos fenômenos. Nesse sentido, pode-se perceber que os conceitos de dialógica em Morin e de tensionamento em Nietzsche aproximam-se e nos ajudam a pensar os processos interdisciplinares, pois ambos possuem suas definições pautadas na interação/tensionamento de elementos antagônicos.

Considerações finais: lugares em construção

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros (PESSOA, 2006, p. 174).

Ao longo deste texto, colocamos em relevo alguns princípios do pensamento complexo que nos auxiliaram na construção de argumentos vinculados à nossa primeira tese: a) as interações disciplinares podem ser potencializadas pelo diálogo, mas é por meio da postura epistemológica dialógica e da aprendizagem intersubjetiva que produzimos o tensionamento disciplinar, incluindo/excluindo as contradições. Decorrente desta afirmação, importa-nos, ainda, pensar sobre os tempos e os espaços para esta aprendizagem intersubjetiva, articulando-a com a nossa segunda tese: b) a interdisciplinaridade, no plano das atividades de ensino, não é um atributo de uma ontologia, mas uma emergência epistêmica pragmática. Por isso, não há professores interdisciplinares, mas pensamentos que podem organizar-se mais ou menos por posturas epistemológicas dialógicas que potencializam compreensões interdisciplinares. Então, o que significa, para nós, sugerir a interdisciplinaridade como estratégia epistemológica para os contextos de ensino? Que condições de possibilidade podemos vislumbrar para esta aprendizagem intersubjetiva?

Situando nossas compreensões nos contextos de ensino, as instituições escolares e universitárias são os espaços reconhecidos para o desenvolvimento da nossa formação4. “Entretanto, a existência do espaço garante a possibilidade da formação, mas não a sua concretização” (CUNHA, 2008, p. 184). Os espaços são potenciais, mas precisam ser “recheados” com atividades a serem desenvolvidas. Assim, Cunha (2008, p. 184) explica que “a dimensão humana é que pode transformar o espaço em lugar. O lugar se constitui quando atribuímos sentido aos espaços, ou seja, reconhecemos a sua legitimidade para localizar ações, expectativas, esperanças e possibilidades”. Ou seja, atribuímos sentidos e significados subjetivos e culturais que ultrapassam a dimensão física do espaço. Legitimamos intersubjetivamente a condição de lugar.

Nesta perspectiva, precisamos construir lugares de reconhecimento do outro, na legitimidade dos significados de quem o ocupa. Implica considerar que os lugares são preenchidos por subjetividades, que se constituem e são constituídas, nos movimentos dos tempos, das culturas, das experiências, dos paradigmas. Então, nosso primeiro movimento, é de construção deste lugar interdisciplinar nos espaços de ensino. Uma instituição que oferta, por exemplo, um curso de graduação interdisciplinar, assegura um espaço, um locus cultural, mas não, necessariamente, um lugar de formação interdisciplinar. Este será construído pelo reconhecimento e interação com o outro.

Cunha (2008, p. 185) explica, ainda, que “o espaço se transforma em lugar quando os sujeitos que nele transitam lhe atri buem significados. O lugar se torna território quando se explicitam os valores e dispositivos de poder de quem atribui os significados”. A definição de território está permeada por relações de poder, que podem ser observadas nas relações entre diferentes campos disciplinares e paradigmas. A ocupação de um território revela intencionalidades, confronto de forças e necessidade de estabilidade. Assim, entendemos que, no âmbito das disciplinas escolares, entendidas como territórios de poder, é legítima a disputa sobre o que, por que e como organizar o ensino, mas é no tensionamento dos diferentes territórios que encontraremos as condições para a dialógica.

Assim, as condições de interação dos elementos que podem encontrar-se será organizada pela produção do lugar; pela diferença criadora dos diferentes elementos (disciplinas) e pelas inter-relações entre os sujeitos que compartilham as necessidades de compreensão da relação entre teoria e prática, de “religar o que foi desconectado, de problematizar o que foi dogmatizado e questionar o que foi imposto como verdade absoluta” (THIESEN, 2008, p. 551), expressando que no ensino encontramos um lugar para a complexa convivialidade humana. É deste movimento que decorre a interdisciplinaridade, ou seja, não a concebemos como uma metodologia, como um programa a ser seguido, mas como uma emergência5 decorrente da dialógica, do tensionamento e das interações dos sujeitos que produzem e se regeneram nos complexos lugares do ensino.

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1Adotamos a noção de campo dos estudos de Bourdieu (2004), que vincula as disciplinas científicas a um capital científico, a regras e a disputas de naturezas diversas. Para o autor, “qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta tanto em sua representação quanto em sua realidade” (p. 29).

2Em seu Um discurso sobre a ciência, Santos (1997, p. 14-15) destaca que “a matemática fornece à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria”. Trata-se de um processo de matematização do mundo, pois “o livro da natureza está inscrito em caracteres geométricos” e assim, “conhecer significa quantificar” e “o que não é quantificável é cientificamente irrelevante”.

3A ideia de computação vincula-se a organização comunicante/informacional do sujeito. Para Morin (2008, p. 318), “todo ser vivo, mesmo o menos complexo, é um indivíduo dotado de aparelho de computação. Esse aparelho é radicalmente diferente dos computers artificiais que são construídos por outrem, recebem seu programa de outrem e operam para outrem”.

4O que não significa assumir um conceito estreito de formação, restrito aos espaços formais e aos efeitos de um currículo, mas de colocar em relevo condições de possibilidade institucionais.

5O conceito de emergência, aqui mencionado, significa “uma qualidade ou propriedade nova produzida ou gerada a partir da organização de um todo, em relação às qualidades e propriedades das partes isoladas deste todo” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 209).

Recebido: 05 de Novembro de 2015; Aceito: 01 de Setembro de 2016

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