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Educação e Filosofia

Print version ISSN 0102-6801On-line version ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.31 no.62 Uberlândia May/Aug 2017  Epub Mar 09, 2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n62a2017-p1033a1054 

Artigos

A interpretação de Benveniste sobre as Categorias de Aristóteles

Benveniste’s interpretation about Aristotle’s categories

L’interprétation de Benveniste sur les Catégories d’Aristote

Flávia Santos da Silva* 

Marcio Chaves-Tannús** 

*Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: flaviasantosbr@hotmail.com

**Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Lógica, Filosofia da Ciência e Filosofia da Linguagem do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: mctannus@ufu.br


Resumo

As Categorias de Aristóteles, sobre o estudo do termo e dos diferentes gêneros do ser, têm provocado uma série de discussões e interpretações no meio científico, tanto na Filosofia como em outras disciplinas a ela relacionadas. A esse respeito, Émile Benveniste escreve o artigo “Catégories de pensée et catégories de langue”, em 1958. Esse texto, por sua vez, foi lido por alguns especialistas da Filosofia e recebeu interpretações. Dentre elas, Lallot e Ildefonse (2002) afirmam que Benveniste defende um tipo de determinismo linguístico e Pellegrin e Crubellier (2007), que a relação entre língua e pensamento é posta por ele apenas em termos gramaticais. Desta maneira, neste trabalho, temos o objetivo de examinar essas duas interpretações, comparando-as com o próprio texto de Aristóteles, a fim de discutir alguns problemas postos pela tradição por oportunidade da leitura desse autor.

Palavras-chave: Aristóteles; Benveniste; Categorias; Língua; Mundo

Abstract

The book Categories from Aristotle, about the study of the term and the different genres of beings, has caused a series of discussions and academic interpretations, both in Philosophy and in other disciplines related to it. Concerning this point, Émile Benveniste writes an article named “Catégories de pensée et catégories de langue” in 1958. This text was read by some specialists in the realm of Philosophy and has received some different interpretations. Among them, Lallot and Ildefonse (2002) affirm that Benveniste defends a type of linguistic determinism and Pellegrin and Crubellier (2007) say that the relation between thought and language is conceived by him in terms of grammar. In this article, we aim at analyzing both interpretations, comparing them to Aristotle’s book itself in order to discuss some problems promulgated by the tradition.

Keywords: Aristotle; Benveniste; Categories; Language; World

Résumé

Les Catégories d’Aristote, sur l’étude du terme et des différents genres de l’être, suscite beaucoup de discussions et interprétations dans le milieu scientifique, dans la Philosophie aussi que dans les autres disciplines qui ont un rapport avec elle. À propos de cela, Émile Benveniste écrit l’article “Catégories de pensée et catégories de langue” en 1958. De son côté, ce texte a été lu par des spécialistes de la Philosophie et il a réçu quelques interprétations. Parmi celles-là, Lallot et Ildefonse (2002) assurent que Benvenise soutient un type de déterminisme linguistique et Pellegrin et Crubellier (2007) disent que la relation entre la langue et la pensée se fait seulement en termes grammaticales chez Benveniste. De cette manière, on a l’objectif de discuter ces interprétations, en les comparant avec le texte même d’Aristote pour faire un examen minutieux de quelques problèmes posés par la tradition, présents au moment de la lecture de cet auteur.

Mots-clés: Aristote; Benveniste; Catégories; Langue; Monde

Introdução

Em “Catégories de pensée et catégories de langue”, publicado primeiramente no quarto número da revista “Les Études Philosophiques” em 1958 e, posteriormente, no primeiro tomo de “Problèmes de Linguistique Générale” em 1966, Benveniste faz um estudo sobre as Categorias de Aristóteles.

Esse seu trabalho rendeu algumas interpretações na Filosofia, dentre elas, a de Lallot e Ildefonse (2002), os quais afirmam que Benveniste defende um tipo de determinismo linguístico, e a de Pellegrin e Crubellier (2007), que reconhecem que esse autor não desconsidera a relativa independência do pensamento com relação à língua, embora julguem que ele trate da questão apenas em termos gramaticais.

De qualquer forma, ambos os autores colocam Benveniste na posição que eles denominam gramatical ou linguística, que se relaciona à corrente teórica que considera as categorias como termos e conceitos, conforme as tradições filosóficas mencionadas por Simplício (apudPELLEGRIN; CRUBELLIER 2007, p. 73-74), segundo o qual as categorias foram lidas de três maneiras: como termos (nominalismo), seres (realismo) ou conceitos (conceitualismo), cada uma dessas correntes implicando consequências diversas entre si.

Assim sendo, neste artigo, temos o objetivo de mostrar que Benveniste não discute se as categorias são ontológicas ou linguísticas, mas se são do pensamento ou da língua. Isso faz com que ele esteja dentro da tradição e, ao mesmo tempo, destoe dela porque traz algo de novo para a discussão feita até então.

Esse novo, porém, nos revela questões muito importantes sobre as falhas que a tradição ainda conserva na leitura de Aristóteles, o que, por sua vez, mostra como, de um lado, Benveniste se distancia do cerne da questão sobre as categorias e como, de outro lado, seus comentadores não compreenderam a amplitude de compreensão que esse distanciamento traz.

Para tal, faremos um estudo do próprio Aristóteles, em “Catégories” traduzido por Tricot; de Pellegrin e Crubellier (2007) em “Introduction aux catégories” na introdução do livro “Catégories. Sur l’interprétation”; e de Lallot e Ildefonse (2002), “Les catégories et la langue grecque”, no livro “Catégories”. Em seguida, analisaremos “Catégories de pensée et catégories de langue”, de Benveniste, em contraposição aos comentários tecidos por esses estudiosos e à própria obra de Aristóteles.

As “Categorias” de Aristóteles

Segundo Pellegrin e Crubellier (2007, p. 70), pode-se estabelecer uma ligação entre as Categorias e a dialética na medida em que essa não é uma mera discussão, mas um método útil para o estabelecimento das premissas das ciências filosóficas, sem a qual não teria sido possível pensar uma doutrina das categorias que, segundo a tradição, é a porta de entrada para as outras obras lógicas de Aristóteles. Esse autor define as categorias como as coisas significadas por cada uma das expressões seguintes:

As expressões sem nenhuma ligação significam a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o lugar, o tempo, a posição, a possessão, a ação, a paixão. É substância, para dizê-lo em uma palavra, por exemplo, homem, cavalo; quantidade, por exemplo, medida de dois cotovelos, medida de três cotovelos; qualidade: branco, gramático; relação: duplo, metade, maior; lugar: no Liceu, no Fórum; tempo: ontem, o ano passado; posição: ele está deitado, ele está sentado; possessão: ele tem calçados, ele tem armas; ação: ele corta, ele queima; paixão: ele foi cortado, ele foi queimado. (ARISTOTE, 2004, p. 21 - 22).1

No capítulo quatro de “Categorias”, Aristóteles deixa claro que as categorias são ontológicas, dado que se referem à substância, à quantidade, à qualidade, à relação, ao lugar, ao tempo, à posição, à possessão, à ação e à paixão. Em outras palavras, elas são os gêneros do ser. O mundo possui espécies ou partes, as quais são seres particulares, como o conjunto dos homens, ou modos particulares de ser, como o conjunto dos gramáticos, que podem se organizar em grupos segundo suas propriedades. Esses grupos são os gêneros.

Por exemplo, as partes significadas pelas expressões “ontem”, “hoje” e “amanhã” se incluem dentro do gênero “tempo” por possuírem a propriedade de indicar as partes de uma linha contínua em que os eventos se desenrolam:

“Quanto à linha, é uma quantidade contínua, pois é possível conceber um limite comum em que suas partes se tocam [...]. O tempo e o lugar relevam também desse tipo de quantidade. O tempo presente, com efeito, relaciona-se, ao mesmo tempo, com o passado e com o futuro.” (ARISTOTE, 2004, p. 36).2

Aristóteles utiliza as noções geométricas de ponto e de linha para explicar o tempo. O ponto é o limite em que duas semi-retas se encontram, assim como a linha é o limite em que duas superfícies se encontram. Como o tempo é um tipo de quantidade, é contínuo e pode ser mensurado, ele se constitui como um gênero específico em que o ponto, considerado como o presente, é o lugar de encontro entre o passado e o futuro.

O problema é que, para expressar esse gênero do ser, é necessário fazer uso de expressões da língua: “As expressões sem nenhuma ligação significam [...] o tempo [...].” (ARISTOTE, 2004, p. 21).3 É por meio da língua que conseguimos significar aquilo que é puramente ontológico. O tempo existe no mundo como ser. Entretanto, não é possível aceder a esse ser diretamente: precisamos nomeá-lo “tempo” para significá-lo e compreendê-lo. O tempo é, pois, uma categoria ontológica significada como “tempo” na língua portuguesa.

Suas partes também precisam ser significadas pela língua. Por isso, expressões sem nenhuma combinação significam os atributos temporais: “[...] tempo: ontem, o ano passado[...].” (ARISTOTE, 2004, p. 22).4 Os termos sem combinação são as palavras ou expressões ditas fora de um enunciado, por exemplo, “ontem” e “o ano passado”. Por isso, elas não negam nem afirmam nada de alguma coisa; apenas indicam as propriedades possíveis de algo. O termo sem combinação “ontem” indica a parte da linha imediatamente anterior ao ponto em que o presente se encontra com o passado, mas nada afirma ou nega, por exemplo, sobre a duração ou momento em que um evento se passou.

Para tal, é necessário que esse termo entre em combinação com outros em um enunciado, por exemplo: “Choveu ontem”. Nesse enunciado, afirma-se algo sobre um evento que teria ocorrido e isso permite saber se ele é verdadeiro ou falso. Consequentemente, apenas os termos em combinação permitem negar ou afirmar, dizer o verdadeiro ou o falso. As categorias, que são termos sem combinação, não afirmam nem negam, não dizem o verdadeiro nem o falso. Elas simplesmente expressam as características predicáveis de alguma coisa:

Nenhum desses termos neles mesmos e por eles mesmos afirma ou nega algo; é apenas pela ligação desses termos entre si que se produz a afirmação ou a negação. Com efeito, qualquer afirmação e qualquer negação, ao que parece, é verdadeira ou falsa, enquanto que, para expressões sem nenhuma combinação, não há o verdadeiro nem o falso: por exemplo, homem, branco, corre, é vencedor. (ARISTOTE, 2004, p. 22-23).4

Assim, embora as categorias sejam ontológicas, Aristóteles explana que elas precisam ser significadas por expressões sem combinação. Dessa maneira, Aristóteles utiliza dois recursos para definir as categorias: (i) ele diz o que elas são: as coisas significadas sem combinação e (ii) ele utiliza a enumeração e a exemplificação: “As expressões sem nenhuma ligação significam [...] o tempo [...]. É substância, para dizê-lo em uma palavra, por exemplo, homem, cavalo; [...] tempo: ontem, o ano passado; [...].” (ARISTOTE, 2004, p. 22).5

Na primeira parte da definição, ele diz o que as categorias são, o que as expressões sem combinação, nesse caso, significam, enumerando a substância, a quantidade, a qualidade, o tempo, entre outros. Tomando a coisa enumerada por sujeito, é possível compreender o que são as categorias: invertendo “as expressões sem nenhuma combinação significam o tempo” por “o tempo é significado pelas expressões sem nenhuma combinação”, fica explícito que as categorias (no exemplo, o tempo) são as coisas significadas pela língua. A coisa tempo recebe, na e pela língua, a expressão sem combinação “tempo” para ser significada.

Na segunda parte da definição, ele não diz o que são as categorias, mas exemplifica. Com relação à categoria tempo, utilizando como modelo o mesmo modo de defini-lo como o foi a substância, temos: “é tempo, para dizê-lo em uma palavra, por exemplo, ontem, o ano passado”. De “é tempo [...] ontem”, temos: “ontem é tempo”. O ponto de contato entre o passado e o presente, também, designa algo que é tempo. Essa parte, que é um ser, faz parte do gênero tempo, que é ontológico. No mundo, a parte ontem está dentro do gênero tempo. E isso acontece independentemente da vontade humana. Entretanto, é necessário “dizê-lo em uma palavra” para que esse processo possa ser compreendido pelo homem: “tempo é ontem”. Notemos bem que “ontem” aí não é a coisa “ontem”, mas a palavra que significa a parte “ontem” do mundo e que torna a categoria tempo discernível pela razão.

Relacionando as duas partes da definição, poderíamos fazer as seguintes formulações: (i) o tempo é significado pelas expressões sem nenhuma combinação e (ii) o tempo é, para dizê-lo em uma palavra, por exemplo, ontem. Isso permite tirar a conclusão de que Aristóteles defende que as categorias são ontológicas, mas que necessitam ser significas pelas expressões da língua para serem compreendidas. Sem as expressões da língua, o homem não consegue significar o gênero “tempo” nem a parte “ontem” desse gênero.

Apesar de as categorias designarem seres que existem independentemente da língua, sua relação com a língua é estreita, posto que não é possível referir-se a elas sem as expressões linguísticas. Entretanto, isso não abre a possibilidade de que a natureza das expressões seja subsumida na das categorias ou vice-versa. As categorias, de natureza ontológica, têm natureza diversa dos termos, de natureza linguística. Assim, elas são diferentes dos termos, mas podemos referir-nos às categorias por meio de termos ou expressões justamente porque as categorias necessitam ser significadas pela língua para que a sua natureza de coisa discreta se explicite e seja comunicável. Não é possível simbolizar as categorias do mundo sem as expressões e termos sem combinação da língua.

Assim sendo, a formulação do enunciado “tempo é ontem” não implica que a categoria tempo seja, ela mesma, o termo “tempo” ou o conceito que ele veicula, mas que essa categoria tem que ser simbolizada pela palavra “tempo” porque o ser necessita da língua para ser expresso. Além do mais, isso não implica que a espécie ontem seja, ela mesma, essa expressão linguística. A palavra “ontem” é um recurso que possibilita que essa coisa seja tratada como discreta pela razão humana. Consequentemente, o tempo não é a palavra “tempo” e o ontem não é a palavra “ontem”. Tanto o gênero quanto a espécie existem no mundo por si mesmos. A língua é a forma que os significa, somente.

E é justamente nesse ponto que começa toda a discussão sobre se as categorias são entes, conceitos ou nomes, o que problematizamos a seguir. É possível que alguns comentadores de Aristóteles não tenham percebido que ele utiliza as expressões linguísticas apenas para se referir às categorias; por isso, houve o equívoco de tomar aquilo que é essencialmente ontológico por gramatical ou conceitual.

A recepção das Categorias

Embora a palavra “categoria” apareça apenas quatro vezes ao longo do livro, a tradição julgou por bem nomeá-lo sob esse título porque ele resumiria a ideia veiculada na obra. Do grego kategorein, significa “tornar algo visível”, “afirmar algo”, o que, por extensão, designa tecnicamente “predicar”, “afirmar algo de alguma coisa”. Assim, a tradição defende que as categorias se referem às propriedades que podem ser predicadas das coisas do mundo.

É, como dissemos, nesse ponto que começa a discussão, na Antiguidade, sobre o fato de as categorias serem termos, conceitos ou seres, o que Simplício, no século VI d.C., comenta em seu texto escrito em grego, mas mais conhecido sob o título latino “In Aristotelis Categorias commentarium”. O mesmo em “Prolegomena et in Categorias commentarium”, de Olimpiodoro, que faz uma divisão similar e cita alguns de seus predecessores: Porfírio em “Isagogè” defenderia que as categorias são termos; Herminus, suposto professor de Alexandre de Afrodísias, que elas são coisas e este seu discípulo, que elas são conceitos (PELLEGRIN; CRUBELLIER, 2007, p. 73-74).

Esse debate começa a tomar corpo e a se configurar como correntes teóricas específicas a partir da Idade Média: nominalismo, conceitualismo e realismo, os quais Pellegrin e Crubellier (2007, p. 73-74) discutem a partir do objeto de cada uma dessas perspectivas: os phônai haplai, os conceitos e os entes, respectivamente, sobre o que explanamos a seguir.

Segundo o nominalismo, as categorias são os termos ditos sem combinação, isto é, sons significantes (phônai haplai) que indicam, por eles mesmos, uma substância, uma qualidade, uma ação, entre outras. Apenas quando estão em combinação, em um enunciado, pode-se afirmar ou negar algo de alguma coisa. Segundo o conceitualismo, as categorias seriam conceitos, que é aquilo que se apreende a partir do contato com os entes. E, para o realismo, as categorias se referem àquilo que se diz de um sujeito, mas não estão nesse sujeito, portanto, elas indicariam os entes.

Para os autores que leram Aristóteles na modernidade, a tendência é classificar as categorias segundo a interpretação ontológica ou a interpretação gramatical/linguística. Nessa última, são incluídos ambos os pontos de vista de que as categorias são termos e de que são conceitos. Isso nada mais é que uma maneira de retomar a leitura do próprio Simplício, tida como mediana justamente porque, para ele, as categorias são “os termos simples que significam as coisas enquanto são significantes e não enquanto pertencem ao simples domínio da enunciação.” (SIMPLÍCIO apudPELLEGRIN; CRUBELLIER, 2007, p. 74)6, o que não seria diferente da posição de Alexandre de Afrodísias.

Sobre isso, Pellegrin e Crubellier (2007, p. 74) comentam que “Os ‘conceitos’ (noêmata), com efeito, não são formas de pensamento puro, mas o que apreendemos nas coisas por meio das palavras.”7. As categorias são compreendidas, então, como os significados das expressões linguísticas apreendidos a partir das coisas do mundo e, por isso, poderiam ser organizadas segundo as funções gramaticais de substantivo, adjetivo, verbo, entre outros. Em outras palavras, na interpretação gramatical da modernidade, há a retomada do conceitualismo, mas também do nominalismo.

Isso decorre do fato de que os intérpretes, já na Antiguidade, começaram a fazer uma relação da lista das categorias com as classes gramaticais. A esse respeito, Simplício questionou aqueles que defendiam que elas eram apenas termos por meio do fato de Aristóteles não ter incluído conjunções, artigos, negações e os vários tipos de flexões em sua lista (LALLOT; ILDEFONSE, 2012, p. 25). Em outras palavras, sua visão é a de que as categorias eram algo a mais que meras classes gramaticais, por isso, defendia que elas eram termos e conceitos ao mesmo tempo, o que se defende na interpretação gramatical/ linguística atual.

O problema é que, como vimos no item anterior, as categorias não são os significados das expressões, mas o que as expressões significam, isto é, as coisas do mundo significadas pela língua. Dizer que as categorias são significados é conferir-lhes natureza linguística, o que elas não possuem. Desta maneira, Lallot e Ildefonse (2002, p. 23) alertam para o fato de que a interpretação linguística não pode ser subsídio para concebermos as “Categorias” como uma obra de linguística - aliás, isso seria anacrônico.

Entretanto, eles defendem que não podemos ignorar que a língua grega é tratada a cada página dessa obra a tal ponto que a desconsideração desse fato levaria ao esvaziamento da essência própria às “Categorias”. Por isso, esses autores se propõem a “[...] saber se e em que medida devese admitir que a doutrina aristotélica das categorias é tributária do fato de que Aristóteles falava e pensava em grego.” (LALLOT; ILDEFONSE 2002, p. 23)8. Vejamos bem que aqui Lallot e Ildefonse fazem a relação entre língua e pensamento, o que já é uma extensão da interpretação mediana, de que as categorias são termos e conceitos ao mesmo tempo:

Para isso, reportemo-nos à abertura do capítulo 4, em que as dez categorias são apresentadas como o que significa (sêmainei) ‘o que se diz (sem combinação)’. Então, os ‘significados’ são os objetos do tratado, mas não são os significados de quaisquer significantes (gestos, imagens, códigos diversos): são os significados do que ‘se diz’ e, para falar deles, o meio mais direto é de recorrer a seus significantes linguísticos, as palavras da língua. (LALLOT; ILDEFONSE 2002, p. 23).9

Notamos que esses autores sustentam que o fato de as categorias serem “apresentadas como o que significa” o que se diz sem combinação implicaria que elas fossem os significados de certos termos ou expressões, os quais, por serem aquilo que se diz, fariam com que esses conceitos tivessem que ser mediados pela língua necessariamente. É possível notar, também, que esses autores se utilizam da linguística moderna para explicar essa relação, a saber, a teorização do linguista Ferdinand de Saussure por meio dos termos “significado” e “significante” e da noção de Semiologia expressa por “gestos, imagens, códigos diversos”. Mas a definição das categorias é feita de maneira equivocada e o uso da terminologia saussuriana agrava ainda mais a questão.

Como vimos no item anterior, Aristóteles abre o quarto capítulo afirmando que “As expressões sem nenhuma ligação significam a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o lugar, o tempo, a posição, a possessão, a ação, a paixão.” (ARISTOTE, 2004, p. 21-22). Em outras palavras, as categorias não “são apresentadas como o que significa o que se diz sem combinação”, conforme afirmam Lallot e Ildefonse (2002), mas, ao contrário, são aquilo que é significado pelo que se diz sem combinação: “As expressões sem nenhuma ligação significam a substância [...]”, segundo Aristóteles, as categorias não são os conceitos que significam os termos, mas as coisas que são significadas por esses termos.

Consequentemente, objeto do tratado não são os significados, mas as coisas elas mesmas, bem como suas propriedades. Desta feita, não faz sentido dizer que “os ‘significados’ são os objetos do tratado, mas não são os significados de quaisquer significantes (gestos, imagens, códigos diversos): são os significados do que ‘se diz’” (Cf. LALLOT; ILDEFONSE, 2002, p. 23), posto que a causa de as categorias não poderem relacionar-se com os significados de outros sistemas semiológicos não é o fato de elas serem os significados da língua, mas o fato de elas nem ao menos serem significados. Elas são entes e atributos desses entes.

Além desse problema na leitura do texto de Aristóteles, também vemos problemas no uso da terminologia saussuriana. Em primeiro lugar, gestos, imagens e códigos diversos não são significantes porque os significantes são imagens acústicas, não podendo, portanto, ser visuais, como ocorre nos gestos ou nas imagens. Ainda,

“[...] [as categorias] são os significados do que ‘se diz’ e, para falar deles, o meio mais direto é de recorrer a seus significantes linguísticos, as palavras da língua [...]”. (Cf. LALLOT; ILDEFONSE, 2002, p. 23)

- ora, as palavras da língua não são os significantes. As palavras são os signos colocados em emprego e os signos decorrem da união de significantes (imagens acústicas) e significados (conceitos genéricos), não apenas dos significantes.

Enfim, Lallot e Ildefonse apresentam as categorias de maneira problemática tanto do ponto de vista do conteúdo do texto de Aristóteles quanto da compreensão da teoria de Ferdinand de Saussure. Apesar disso, concluem que Aristóteles toma emprestado da língua grega o que lhe parece mais conveniente para representar certos conceitos: a ideia de essência é representada pelo termo “ousia”, a de quantidade por “poson”, a de qualidade por “poion”, a de relação por “pros ti”, a de lugar por “pou”, tempo por “pote”, estar em uma postura por “keisthai”, ter por

ekhein”, agir por “poiein” e sofrer por “paskhein” (LALLOT; ILDEFONSE, 2002, p. 23-24). E esses conceitos poderiam ser relacionados a funções gramaticais específicas:

Frente a esses dados, podemos admitir simplesmente que o autor das Categorias, partindo de uma lista de conceitos preexistente (essência, relativo, qualificado, encontrar-se em uma postura, etc.), ‘cai’, para ilustrá-los, sobre os significantes gramaticalmente diferenciados que a língua lhe oferece e que se apresentam como sendo bons significantes para dizer o que há a dizer, para significar segundo as categorias. Esse ponto de vista é claramente o que sugere o texto mesmo do capítulo 4: 1) enunciado da lista das dez categorias e 2) ilustração das categorias uma a uma por palavras gregas, emprestadas a diversas classes gramaticais. (LALLOT; ILDEFONSE, 2002, p. 25)10.

Nessa única citação, há tantos problemas na maneira como esses autores se utilizam da linguística atual para explicar o funcionamento das categorias que não há espaço suficiente para dissertamos sobre eles. Repetimos, porém, que não está claro no texto de Aristóteles que as categorias sejam conceitos. O que está claro é que elas são coisas. Consequentemente, o fato de Aristóteles servir-se das palavras gregas para simbolizar esses entes e suas propriedades não implica que as categorias devam ser organizadas segundo classes gramaticais. Elas não têm natureza linguística. O empréstimo que se faz das listas das categorias a diversas classes gramaticais não é de Aristóteles - é uma interpretação posterior e decorre de uma leitura desatenta de seu texto.

De qualquer forma, Lallot e Ildefonse, como Pellegrin e Crubellier, incluem Benveniste nessa corrente gramatical e cada um tenta explicar por que ele relacionaria pensamento e língua no seu texto. A seguir, tentaremos mostrar que o trabalho de Benveniste não é o de meramente repetir nem os autores antigos nem os medievais e fazer uma simples relação das categorias com as classes gramaticais, por isso, a relação que ele faz entre língua e pensamento tem outras consequências que não as explicitadas pelos autores acima.

A recepção da leitura de Benveniste

Benveniste começa “Catégories de pensée et catégories de langue” evidenciando a questão de que, ao mesmo tempo em que a realidade da língua é inconsciente nos locutores por possuirmos apenas “[...] uma consciência falha e fugitiva das operações que utilizamos para falar.” (BENVENISTE, 1966, p. 63)11, as operações do pensamento “[...] recebem expressão na língua.” (BENVENISTE, 1966, p. 63). 13 Com isso, ele quer refutar a tese de que a língua é expressão do pensamento.

Adiantando sua argumentação, prestemos atenção para o fato de que dizer que a língua é expressão do pensamento é diferente de dizer que o pensamento recebe expressão na língua. O fato de o pensamento receber expressão na língua significa que:

‘O que queremos dizer’ ou ‘ou o que temos no espírito’ ou ‘nosso pensamento’ ou de algum nome que o designemos é um conteúdo do pensamento, muito difícil de ser definido em si, a não ser por caracteres de intencionalidade ou como estrutura psíquica, etc. Esse conteúdo recebe forma quando ele é enunciado e somente assim. (BENVENISTE, 1966, p. 63-64).12

O pensamento, pois, tem de ser enformado em língua para que ele seja transmissível. Consequentemente, ele não pode se dissociar da língua nem transcendê-la no que concerne à transmissibilidade, isto é, à atividade de veicular sentidos socialmente. Isso poderia levar à interpretação de que o pensamento é dependente da língua.

Entretanto, “A forma linguística é, então, não apenas a condição de transmissibilidade, mas, primeiramente, a condição de realização do pensamento.” (BENVENISTE, 1966, p. 64)13. Notemos bem que Benveniste utiliza o termo “réalisation” - a língua é [...] la condition de réalisation de la pensée.”, em outras palavras, não é que o pensamento não tenha existência sem a língua, ele só não se realiza, não se coloca em emprego ou não se torna transmissível sem a língua: o pensamento só pode ser materializado na língua.

Deste modo, Benveniste aborda a questão das Categorias de Aristóteles de maneira distinta de como se havia feito antes na tradição: não a partir da discussão se elas são ontológicas ou linguísticas, mas se elas são do pensamento ou linguísticas. Esse deslocamento, entretanto, faz com que ele se afaste ainda mais do centro que define as categorias.

Afirmando que as categorias são “[...] a lista de conceitos a priori que, segundo ele [Aristóteles], organizam a experiência. (BENVENISTE, 1966, p. 65)”,14 fica claro que sua posição se aproxima do conceitualismo, embora seja diferente da variante transmitida pela tradição por sequer considerar a possibilidade de as categorias serem coisas ou atributos das coisas. Entretanto, como vimos, as categorias não são conceitos, mas as próprias coisas. As categorias não são conceitos que organizam a experiência. Elas são as coisas existentes na própria experiência e que, conforme a cultura e a estrutura particular de cada língua, podem ser simbolizadas segundo este ou aquele conceito e, a partir disso, ser enformadas em língua.

Para esse autor, as categorias se dispõem como dados elaborados e apresentados de maneira objetiva, constituindo-se “[...] simplesmente como o inventário das propriedades que um pensador grego julgava predicáveis de um objeto [...]. (BENVENISTE, 1966, p. 65)”.15 Notemos bem que Benveniste utiliza o termo “simplement” porque considera “[...] essas categorias sem a preocupação com a tecnicidade filosófica[...]. (BENVENISTE, 1966, p. 65)”.16

De qualquer forma, foi a tradição que viabilizou a interpretação de que as categorias sejam predicados ou propriedades. A começar pelo termo “categoria” atribuído à obra de Aristóteles:

Os comentadores foram levados a sublinhar o paradoxo que fez chamar “Categorias” um texto no qual o termo aparece apenas quatro vezes. Mas se isso é, lexicalmente falando, estritamente verdadeiro, é necessário destacar que o termo kategoria está de certo modo presente por meio dos empregos de seu verbo parônimo kategorein. [...] Não foi preciso forçar muito um sentido comum, e compreendido por todos, para se chegar ao sentido técnico de “predicar”, “afirmar alguma coisa de algo”. (PELLEGRIN; CRUBELLIER, 2007, p. 71).17

O problema foi justamente esse: a conclusão rápida que os eruditos tiraram da leitura da obra de Aristóteles, sentido-se aptos a nomeá-la como “Categorias”, como se Aristóteles estivesse tratando de categorias, de predicados que são afirmados de alguma coisa, em outras palavras, como se a palavra “predicado” estivesse designando uma realidade gramatical e não atributos de seres extralinguísticos. A questão toda é que ele não escreve sobre predicados linguísticos - o conceito gramatical de predicado ainda não havido sido desenvolvido -, mas sobre os atributos das coisas, os predicados ontológicos. Tanto o é que, no início do quarto capítulo desse texto, ele nem ao menos utiliza esse termo para se referir à substância, à qualidade, à relação, etc.

Em outras palavras, a obra Categorias é sobre as substâncias e seus predicados, no sentido dos atributos dessas coisas, mas muitos homens da alta erudição julgam pertinente dissertar sobre os entes esboçados em Aristóteles como se fossem predicados gramaticais. Isso se dá porque essa interpretação já está engessada na tradição. Consequentemente, outros homens eruditos, tais quais Benveniste, ao debruçar-se sobre a questão, acabam falhando no seu projeto de aprofundá-la, porque o termo “categorias” entra automaticamente no processo de leitura como sendo da ordem linguística, desvirtuando o centro de entendimento da obra, que tem relação com os seres do mundo, não com a língua.

Tendo reconhecido esse problema em Benveniste, é possível, porém, reconhecer falhas na leitura que tanto Lallot e Idelfonse, como Pellegrin e Crubellier, fazem de Benveniste. Para esse autor, como vimos, as categorias são as propriedades predicáveis de um objeto. Entretanto, não são categorias de pensamento, mas “[...] categorias fundamentais da língua na qual ele [Aristóteles] pensa.” (BENVENISTE, 1966, p. 66)18 ou “[...] uma classificação emanando da língua mesma. (BENVENISTE, 1966, p. 66)”19. Assim, Benveniste disserta minuciosamente sobre cada categoria, explanando o porquê seriam categorias linguísticas, sobre o que citamos apenas o parágrafo que resume tudo isso:

Podemos agora transcrever em termos de língua a lista das dez categorias. Cada uma delas é dada por sua designação e seguida de seu equivalente: “ousia” (“substância”), substantivo; “posón”, “poión” (“qual; em qual número”), adjetivos derivados de pronomes, do tipo lat. qualis e quantus; “pros ti” (“relativamente ao que”), adjetivo comparativo”; “pu” (“onde”), “poté” (“quando”), advérbios de lugar e de tempo; “khesthai” (“estar disposto”), médio; “hékhen” (“estar em estado”), perfeito; “poién” (“fazer”), ativo; “páskhen” (“sofrer”), passivo. (BENVENISTE, 1966, p. 70).20

Assim, as seis primeiras categorias são nominais; as quatro últimas, verbais. Observemos, porém, que Benveniste não está simplesmente fazendo uma transcrição das categorias em termos linguísticos, como afirmam Pellegrin e Crubellier (2007, p. 72). Ele vai além da relação entre as categorias e classes gramaticais para afirmar que “É o que podemos dizer que delimita e organiza o que podemos pensar.” (BENVENISTE, 1966, p. 70)21. Isso poderia nos fazer levar a entender que Benveniste defende um tipo de determinismo linguístico, conforme asseveram Lallot e Ildefonse (2002, p. 26).

A noção de determinismo linguístico está atrelada à ideia de língua particular, idioma. No texto de Benveniste há a afirmação de que a “[...] tabela de predicados [categorias] nos informa, então, antes de tudo, sobre a estrutura de classes de uma língua particular.” (BENVENISTE, 1966, p. 70),22 isto é, as categorias são as propriedades que Aristóteles teria inferido a partir do que a língua grega viabiliza. Daí, a interpretação de Lallot e Ildefonse de que, para Benveniste, as categorias seriam um mero reflexo da língua grega. Entretanto, esse autor também estabelece que:

[...] o pensamento adota, em todos os lugares, os mesmos modos de raciocínios em qualquer língua que ele escolha descrever a experiência. Nesse sentido, ele se torna independente, não da língua, mas das estruturas linguísticas particulares. (BENVENISTE, 1966, p. 73). 23

As categorias teriam relação com a língua grega, mas o pensamento não é dependente de estruturas linguísticas particulares, ou seja, o pensamento não é dependente de um idioma em específico. Benveniste (1966, p. 73) aconselha compreender o intelecto como virtualidade e dinamismo, ao invés de quadro e estrutura. Isso faz com que o pensamento seja a virtualidade que é posta em emprego no quadro da língua, ou ainda, o dinamismo enformado na estrutura de uma língua.

Vejamos a diferença no emprego de “da língua” e “de uma língua”. Uma língua é uma estrutura, um idioma, uma língua particular, por exemplo, o português, o chinês, o grego, o italiano, entre outros, como também suas regras gramaticais particulares (as estruturas linguísticas). Ao passo que a língua é o sistema que contém as leis de funcionamento de todos os idiomas, por isso, é universal (BENVENISTE, 2012, p. 83). Essa universalidade implica, pois, que ela não esteja baseada nos termos de uma gramática, posto que a gramática é sempre constitutiva de uma língua particular, mas de leis de funcionamento, a saber: a arbitrariedade do signo, a mutabilidade e imutabilidade, a significação, a negação e diferenciação, entre outras leis que, por exemplo, Saussure postula no “Cours de linguistique générale”.

Consequentemente, não há determinismo linguístico, tal como o entendem os críticos de Benveniste, na leitura que ele faz de Aristóteles, posto que, embora as categorias sejam os predicados emanando da língua grega pela qual Aristóteles pensava, o pensamento é independente das línguas particulares. A língua grega teria permitido a Aristóteles conceber as categorias, mas outra língua também o teria, pois o pensamento é dependente do sistema, das leis gerais de funcionamento que permitem ao homem simbolizar o mundo. O sistema não engessa o pensamento em estruturas gramaticais específicas; ao contrário, ele viabiliza apenas a distinção entre uma ideia e outra. Essa distinção pode se materializar nas mais diversas formas gramaticais nos idiomas.

Benveniste exemplifica essa questão dissertando sobre o verbo ser em grego. Ele declara que a língua grega tornou a definição de “ser” objetivável, permitindo que se fizesse uma reflexão a cerca de sua definição, embora não tivesse orientado a uma ou outra definição de “ser” (BENVENISTE, 1966, p. 71). Em outras palavras, a língua (sistema) serve para tornar o pensamento discernível e, servindo de base para as línguas (estruturas), faz com que, por exemplo, “[...] a estrutura linguística do grego predispunha a noção de ‘ser’ a uma vocação filosófica.” (BENVENISTE, 1966, p. 73)24. Vejamos bem: a língua grega “predispunha” a noção de “ser”, não a “determinou”.

Assim sendo, quando Pellegrin e Crubellier (2007, p. 71) afirmam que, para Benveniste, “O pensamento parece, com efeito, desfrutar de uma liberdade de criação que a língua não tem; ele pode, de outra parte, pretender uma universalidade que a língua não poderia reivindicar.”25, eles não conseguem compreender que a noção de língua nesse autor implica sistema. Como a língua é sistema de todas as línguas, ela também possui uma universalidade.

A universalidade que a língua confere ao pensamento, no entanto, não conduz a uma homogeneização. O sistema não possui gramática, apenas leis de diferenciação. A distinção de ideias que o sistema viabiliza, quando enformada em uma língua particular, será submetida às características próprias da gramática correspondente. Por isso, todas as línguas são diferentes entre si e, com isso, permitem que os homens também veiculem cultura de maneira distinta em cada sociedade.

Considerações finais

A distinção entre categorias de pensamento e categorias de língua não é só uma diferenciação entre língua e pensamento, mas, mais especificamente, entre pensamento, sistema e estrutura. Lallot e Ildefonse, assim como Pellegrin e Crubellier, compreenderam a língua como estrutura quando Benveniste afirmou que o pensamento é dependente da língua, o que gerou distorções na compreensão de sua teorização.

Quando Benveniste declara que o pensamento é dependente da língua e que as categorias emanam da língua grega, não se pode tirar daí a ideia de um determinismo linguístico, tal como o afirmam Lallot e Ildefonse, dado que a palavra “determinismo”, assim como a entendem, estaria necessariamente associada às especificidades gramaticais de um idioma, enquanto que, para Benveniste, o pensamento é independente dos idiomas. A língua grega apenas teria fornecido condições propícias à lista particular das categorias elaborada por Aristóteles e não a teria determinado.

Além do mais, não se pode deduzir disso uma suposta falta de universalidade da língua, como afirmam Pellegrin e Crubellier, uma vez que a língua, sendo sistema, contém leis gerais de funcionamento, as quais não engessam o pensamento, mas, ao contrário, permitem a heterogeneidade entre as culturas.

De qualquer maneira, esses comentadores de Benveniste leramno de maneira inadequada, mas Benveniste também leu Aristóteles inadequadamente. Embora a substância, a qualidade, a quantidade, o tempo, etc., só possam ser concebidos e expressos por meio da língua, eles são não apenas atributos passíveis de ser tratados como predicados gramaticais dos nomes das coisas, mas são as características das coisas ou as próprias coisas, tais como existem na realidade. Sem a língua, não é possível simbolizar essas coisas. Entretanto, isso não pode nos levar a afirmar que as categorias sejam compreendidas como o efeito do que é simbolizado, como se fossem os conceitos derivados das coisas. As categorias não são o efeito, elas são parte da própria causa.

O problema que Benveniste discute em sua obra é a impossibilidade de o homem ter acesso à coisa ela mesma, dado que os entes necessitam do intermédio da língua para se tornarem perceptíveis como discretos. O acesso às coisas é sempre indireto. Entretanto, isso não pode levar à afirmação de que as categorias sejam os predicados das coisas emanando de uma língua particular. A qualidade “branco”, por exemplo, existe no mundo independentemente da língua, embora apenas possamos tentar compreender o que é o branco e falar sobre o branco por meio dela.

Referências

ARISTOTE. Catégories. Sur l’interprétation. Traduction de Pierre Pellegrin et Michel Crubellier. Paris: Flammarion, 2007. [ Links ]

______. Catégories. Traduction de Frédérique Ildefonse et Jean Lallot. Paris: Seuil, 2002. [ Links ]

______. Catégories. De l’interprétation. Traduction de J. Tricot. Paris: J. Vrin, 2004. [ Links ]

BENVENISTE, E. Catégories de pensée et catégories de langue. In: ______. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1966. p. 63-74. [ Links ]

______. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1966. [ Links ]

______. Dernières leçons: Collège de France 1968 et 1969. Paris: Gallimard: Seuil, 2012. [ Links ]

LALLOT, J; ILDEFONSE, F. Introduction. In: ARISTOTE. Catégories. Paris: Seuil, 2002. p. 9-53. [ Links ]

PELLEGRIN, P; CRUBELLIER, M. Introduction aux catégories. In: ARISTOTE. Catégories. Sur l’interprétation. Paris: Flammarion, 2007. p. 51-87. [ Links ]

1Neste texto, todas as traduções são nossas. Optamos por fazê-las a partir de uma versão francesa, dado que ela é clássica. Se o leitor quiser consultar o texto grego, conferir bibliografia citada nas referências. Original: “Les expressions sans aucune liaison signifient la substance, la quantité, la qualité, la relation, le lieu, le temps, la position, la possession, l’action, la passion. Est substance, pour le dire en un mot, par exemple, homme, cheval; quantité, par exemple, long-de-deux-coudées, long-de-trois-coudées; qualité: blanc, grammarien; relation: double, moitié, plus grand; lieu: dans le Lycée, au Forum; temps: hier, l’an dernier; position: il est couché, il est assis; possession: il est chaussé, il est armé; action: il coupe, il brûle ; passion: il est coupé, il est brûlé”.

2“Quant à la ligne, c’est une quantité continue, car il est possible de concevoir une limite commune où ses parties se touchent [...]. Le temps et le lieu relèvent aussi de cette sorte de quantité. Le temps présent, en effet, tient à la fois au passé et au futur.”

3“Les expressions sans aucune liaison signifient [...] le temps [...].” 4 “[...]temps: hier, l’an dernier [...].”

4“Aucun de ces termes en lui-même et par lui-même n’affirme, ni ne nie rien ; c’est seulement par la liaison de ces termes entre eux que se produit l’affirmation ou la négation. En effet, toute affirmation et toute négation est, semble-t-il bien, vraie ou fausse, tandis que pour des expressions sans aucune liaison il n’y a ni vrai ni faux : par exemple, homme, blanc, court, est vainqueur.”

5“Les expressions sans aucune liaison signifient [...] le temps [...]. Est substance, pour le dire en un mot, par exemple, homme, cheval; [...]; temps: hier, l’an dernier; [...].”

6“les termes simples signifiant les choses en tant qu’ils sont signifiants, et non en tant qu’ils appartiennent au simple domaine de l’énonciation.”

7“Les ‘concepts’ (noêmata), en effet, ne sont pas des formes de pensée pure, mais ce que nous saisissons dans les choses au moyen des mots.”

8“[...] savoir si et jusqu’à quel point on doit admettre que la doctrine aristotélicienne des catégories est tributaire du fait qu’Aristote parlait et pensait en grec.”

9“Reportons-nous pour cela à l’ouverture du chapitre 4, où les dix catégories sont présentées comme ce que signifie (sêmainei) “ce qui se dit (sans combinaison)”. Ce sont donc des ‘signifiés’ qui sont l’objet du traité, mais ce ne sont pas les signifiés de n’importe quels signifiants (gestes, images, codes divers): ce sont les signifiés de ce qui “se dit”, et, pour parler d’eux, le moyen le plus direct est de recourir à leurs signifiants linguistiques, les mots de la langue.”

10“Face à ces données, on peut admettre simplement que l’auteur des ‘Catégories’, partant d’une liste de concepts préexistante (essence, relatif, qualifié, se trouver dans une posture, etc), ‘tombe’, pour les illustrer, sur les signifiants grammaticalement différenciés que lui offre sa langue, et qui se trouvent être de bons signifiants pour dire ce qu’il y a à dire, pour signifier selon les catégories. Ce point de vue est clairement celui que suggère le texte même du chapitre 4: 1) énoncé de la liste des dix catégories, 2) illustration des catégories une à une par des mots grecs, empruntés à diverses classes grammaticales.”

11“[...] une conscience faible et fugitive des opérations que nous accomplissons pour parler.” 13 “[...] reçoivent expression dans la langue.”

12“‘Ce que nous voulons dire’ ou ‘ce que nous avons dans l’esprit’ ou ‘notre pensée’ ou de quelque nom qu’on le designe, est un contenu de pensée, fort difficile à définir en soi, sinon par des carctères d’intentionnalité ou comme structure psychique, etc. Ce contenu reçoit forme quand il est énoncé et seulement ainsi.”

13“La forme linguistique est donc non seulement la condition de transmissibilité, mais d’abord la condition de réalisation de la pensée.”

14“[...] la liste des concepts a priori qui, selon lui, organisent l’expérience.”

15“[...] simplement comme l’inventaire des propriétés qu’un penseur grec jugeait prédicables d’un objet [...].”

16“[...] ces catégories sans préoccupation de technicité philosophique [...].”

17“Les commentateurs se sont plu à souligner le paradoxe qui a fait appeler “Catégories” un texte dans lequel ce terme n’apparaît que quatre fois. Mas si cela est, lexicalement parlant, strictement vrai, il faut faire remarquer que le terme kategoria est en quelque sorte présent à travers les emplois de son verbe paronyme kategorein. [...] Il n’y a pas eu à beaucoup forcer un sens commun, et compris par tout le monde, pour arriver à ce sens technique de “prédiquer”, “affirmer quelque chose de quelque chose.”

18“[...] des catégories fondamentales de la langue dans laquelles il [Aristote] pense.”

19“[...] une classification émanant de la langue même.”

20“On peut maintenant transcrire en termes de langue la liste des dix catégories. Chacune d’elles est donnée par sa désignation et suivie de son équivalent: “ousia” (“substance”), substantif; “posón”, “poión” (“quel; en quel nombre”), adjectifs dérivés de pronoms tu type du lat. qualis et quantus; “pros ti” (“relativement à quoi”), adjectif comparatif; “pu” (“où”), “poté” (“quand”), adverbes de lieu et de temps; “khesthai” (“être disposé”), moyen; “hékhen” (“être en état”), parfait; “poién” (“faire”), actif; “páskhen” (“subir”), passif.”

21“C’est ce qu’on peut dire qui délimite et organise ce qu’on peut penser.”

22“[...] table des prédicats nous renseigne donc avant tout sur la structure des classes d’une langue particulière.”

23“[...] la pensée adopte partout les mêmes démarches en quelque langue qu’elle choisisse de décrire l’expérience. En ce sens, elle devient indépendante, non de la langue, mais des structures linguistiques particulières.”

24“[...] la structure linguistique du grec prédisposait la notion d’‘être’ à une vocation philosophique.”

25“La pensée semble, en effet, jouir d’une liberté de création que la langue n’a pas; elle peut, d’autre part, prétendre à une universalité que la langue ne saurait revendiquer.”

Recebido: 19 de Janeiro de 2016; Aceito: 26 de Outubro de 2017

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