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Educação e Filosofia

Print version ISSN 0102-6801On-line version ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.31 no.62 Uberlândia May/Aug 2017  Epub Mar 09, 2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v31n62a2017-p1249a1280 

Artigos

Trajetórias, memórias e legitimação de vidas letradas na educação de adultos

Trajectories, memories and legitimation of literate lifes in adult education

Trayectorias, memorias e legitimationes de vidas letradas em la educación y formación de adultos

Rómina Mello Laranjeira* 

*Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Minho. Professora Auxiliar Convidada da Universidade do Minho. E-mail: romello.laranjeira@gmail.com


Resumo

Neste artigo apresenta-se uma análise de modos de reconstrução das identidades letradas de adultos inscritos em processos de reconhecimento, validação e certificação de competências, no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades (2005 - 2010), em Portugal. Seguindo os contributos dos Novos Estudos de Literacia (STREET, 1984; BARTON; HAMILTON, 1998), analisa-se fragmentos de histórias de vida relativos às literacias de dois sujeitos e caracteriza-se as identidades letradas construídas ao longo da vida. Dos fragmentos analisados emergiram objetos, tempos, espaços e funções da práticas letradas dos sujeitos. A análise evidencia que as literacias assumem, por um lado, novos modos de existência na história de vida que os sujeitos escrevem no âmbito da certificação de competências. Por outro lado, a entrevista constitui igualmente um momento de (re)interpretações das literacias vividas. O processo de reconhecimento contribui para a reconstrução de identidades letradas, na medida em que os sujeitos validam discursivamente trajetórias de vida.

Palavras-chave: Literacia/letramento; Identidades; Histórias de vida; Educação e formação de adultos

Abstract

This article presents an analysis of ways of reconstructing literate identities of adults enrolled in the Recognition of Prior Learning Processes, within the context of the New Opportunities Initiative (2005-2010) in Portugal. Employing the New Literacy Studies (STREET, 1984; BARTON; HAMILTON, 1998) as a framework, this article seeks to analyse the life history fragments that concern the literacies of two subjects and to characterize the literate identities lifelong buildup. From these fragments’ analysis, objects, times, spaces and functions of the literate practices of the subjects emerged. The result highlights that those literacies assume, on the one hand, new ways of being within the life history the subjects write as part of the recognition process; on the other hand, the interview allows for and indeed becomes a moment of (re)interpretation of their lived literacies. As the subjects discursively validate their life paths, the recognition process is seen as having made a valid contribution in the reconstruction of the literate identities.

Keywords: Literacy; Identities; Life histories; Adult education and training

Resumen

En este artículo se presenta un análisis de modos de reconstrucción de las identidades letradas de adultos inscritos en procesos de reconocimiento, validación y certificación de competencias, en el ámbito de la Iniciativa Nuevas Oportunidades (2001-2010), en Portugal. Siguiendo las contribuciones de los Nuevos Estudios de Letramento (STREET, 1984; BARTON; HAMILTON, 1998), se analizan fragmentos de historias de vida relativos a los letramentos de dos sujetos y se caracterizan las identidades letradas construidas a lo largo de la vida. De los fragmentos analizados han emergido objetos, tiempos, espacios y funciones de las prácticas letradas de los sujetos. El análisis evidencia que las literacias asumen, por un lado, nuevos modos de existencia en la historia de vida que los sujetos escriben en el ámbito de la certificación de competencias. Por otro lado, la entrevista construye igualmente un momento de (re) interpretaciones de las literacias vividas. El proceso de reconocimiento contribuye a la reconstrucción de identidades letradas, en la medida en que los sujetos validan discursivamente trayectorias de vida.

Palabras clave: Letramento; Identidades; Historias de vida; Educación y formación de adultos

1. Contextualização

A 14 de dezembro de 2005, sob a alçada da Agência Nacional da Qualificação, é implementada a Iniciativa Novas Oportunidades (2005 - 2010), do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, como objetivo “alargar o referencial mínimo de formação até ao 12º ano de escolaridade para jovens e adultos”1 e certificar um milhão de ativos até 2010.

A Iniciativa Novas Oportunidades (INO) dividiu-se emdois grandes eixos: o Eixo “Jovens” e o Eixo “Adultos”. Este último integrava modalidades de educação e formação que iam desde o Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), nível básico e secundário, até modalidades de qualificação profissional.

As entidades que se podiam constituir como Centros Novas Oportunidades (CNOs), aos quais os adultos se deviam dirigir para frequentar estes processo, eram de natureza diversa: centros de formação profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional, estabelecimentos de ensino básico e secundário públicos e privados, autarquias, associações, empresas, outras entidades formadoras acreditadas, como universidades.

A partir de 2006-2007, os CNOs começaram a proporcionar igualmente ofertas de certificação de nível secundário, quer nos processos RVCC, quer nos Cursos de Educação e Formação de Adultos (CEFA), para adultos com o 9º ano de escolaridade ou 18 anos de idade (PORTUGAL, 2007).

Na Portaria nº 370/2008, de 21 de maio, aquela que regula a criação e o funcionamento dos CNOs, encontra-se delimitado o seu propósito:

a atividade dos Centros Novas Oportunidades abrange adultos com idade igual ou superior a 18 anos sem qualificação ou com qualificação desajustada ou insuficiente face às suas necessidades e às do mercado de trabalho, que não tenham completado o 1º, 2º ou 3º ciclo do ensino básico, ou ensino secundário, ou que não tenham dupla certificação (PORTUGAL, 2008, p. 2899).

Historicamente, o caminho percorrido na Educação e Formação de Adultos, em Portugal, foi, inicialmente, o da preocupação com a alfabetização da população até, mais recentemente, à valorização de mais certificação e qualificação, resultantes, segundo o discurso oficial, das exigências do mercado de trabalho extremamente competitivo e marcadamente global em que estamos inseridos. A lógica de mais qualificação, mais empregabilidade e, consequentemente, melhores condições de vida dava os primeiros sinais e deparamo-nos com um confluir de interesses em diversos setores e sistemas ou subsistemas de ensino.

A INO significou uma aposta fortemente estruturada e pensada, segundo o discurso oficial, na “qualificação dos portugueses”, nomeadamente na necessidade de melhorar as suas competências literácitas, cujos baixos níveis de literacia supostamente demonstram.2

Estas medidas não podem, contudo, ser entendidas sem a referência ao facto de que a uma escala internacional, não estritamente europeia, podermos igualmente sinalizar marcos essenciais com as mesmas orientações políticas. Primeiro, verificamos o intuito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de promover uma Aprendizagem ao Longo da Vida para Todos (OCDE, 1996). Segundo, também em 1996, o relatório de Jacques Delors para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), intitulado Educação: Um Tesouro a Descobrir, que defendia a relevância do desenvolvimento das competências de comunicação, contribuindo para que as pessoas pudessem exercer, em consequência, uma cidadania mais ativa e consciente. Terceiro, a Comissão Europeia declarou que, esse mesmo ano, seria o Ano Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2000). Observase, assim, a adoção da expressão “Aprendizagem ao Longo da Vida” ao invés de “Educação para Todos” em várias instâncias organizacionais e políticas nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, percebendo-se que esta linguagem traduz uma nova ordem educacional marcada pela sociedade do conhecimento ou sociedade da informação (ANTUNES, 2008; FIELD, 2006).

Verificamos, por isso, que à semelhança do que podemos assistir em outros contextos europeus, tais como o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Suécia (ANDERSSON; FEJES, 2005; BROOKFIELD, 2004; FIELD, 2006; JARVIS, 1993), o paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida implicou, a nível nacional, novas iniciativas estruturadas, por exemplo, no balanço de competências e de aprendizagens adquiridas ao longo da vida, como acontece com o processo de RVCC. A origem e a natureza destes processos devem ser entendidas no âmbito do sistema de decisão europeu de políticas públicas, bem como ao nível das instituições e organizações internacionais que impulsionam as políticas públicas nacionais e que, de qualquer modo, não são apenas transposição das normas europeias ou fora do espaço europeu, atuando antes como efeito de recontextualizações.

É neste seguimento que devemos compreender o surgimento de estratégias, planos e programas nacionais, com vista à criação de meios para promover a qualificação de adultos:

O Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) assume como grande desígnio estratégico a qualificação dos portugueses e das portuguesas, valorizando o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a inovação, bem como a promoção de níveis elevados e sustentados de desenvolvimento económico e sócio-cultural e de qualificação territorial, num quadro de valorização da igualdade de oportunidades e, bem assim, do aumento da eficiência e qualidade das instituições públicas.3

No âmbito do QREN e, mais especificamente, no Eixo II do Programa Operacional de Potencial Humano (POPH), denominado “Adaptabilidade e Aprendizagem ao Longo da Vida”, demarca-se o horizonte que pode abrir aos adultos um conjunto de novas oportunidades de aprendizagem:

O principal objectivo [é] o reforço da qualificação da população adulta activa - empregada e desempregada. Este Eixo tem, igualmente, como objectivos o desenvolvimento de competências críticas à modernização económica e empresarial, bem como contribuir para a adaptabilidade dos trabalhadores.4

A educação e formação dos adultos que não concluíram a escolaridade obrigatória sofreu, como descrito, nos últimos anos, profundas transformações em grande parte devido à INO, nomeadamente no eixo de qualificação da população ativa (adultos, empregados ou desempregados, sem a escolaridade obrigatória).

A INO veio, assim, dar um impulso diferente à educação e formação de adultos, ao nível da extensão da rede nacional de CNOs. Segundo o discurso oficial, estes centros eram potencialmente a “porta de entrada” dos adultos ativos “desqualificados” para uma segunda oportunidade na vida, no que diz respeito à possibilidade de reverem conhecimentos e saberes práticos. Os CNOs sofreram um alargamento notório de seis centros, em 2000, para quase 460 em funcionamento, em 2011.5

Segundo os textos oficiais, este

segundo eixo de intervenção da Iniciativa Novas Oportunidades tem como principal objectivo a elevação dos níveis de qualificação de base da população adulta. As acções que aqui se acolhem dirigem-se a pessoas com mais de 18 anos que não concluíram o 9º ano de escolaridade ou o ensino secundário, tendo em vista aumentar as suas qualificações de base.6

A aposta na qualificação dos portugueses, ao nível da “educação e formação de jovens e adultos”, segundo o Estado, surgiu, em primeira instância, como “educação de segunda oportunidade” “para quem abandonou ou pode vir a abandonar a escola, para quem não teve ocasião de a frequentar ou para quem, numa perspectiva de valorização pessoal ou profissional, a pretende vir a frequentar” (ELLIOT, 2009).

Oficialmente, o público-alvo desta “segunda oportunidade” englobou, então, todos aqueles que não tinham “qualificações suficientes”, tendo em conta as exigências do seu contexto de vida e da sociedade à qual pertencem. O “sistema de recuperação” iria permitir que os adultos tivessem a possibilidade de ver reconhecidas as competências adquiridas ao longo da vida em contextos formais, informais ou não formais. Por outro lado, a aposta também na dupla certificação permitia alargar os horizontes profissionais e culturais das pessoas, quer para aqueles com baixas qualificações ou nenhumas, quer para outros que pretendessem enveredar por diferentes caminhos profissionais. O público-alvo desta iniciativa caracterizou-se por incluir adultos pouco escolarizados, ou seja, pouco qualificados, segundo o discurso oficial, e, também por isso, limitados na procura de ofertas de emprego.

Os baixos níveis de escolaridade dos portugueses são, grosso modo, vistos como um entrave ao desenvolvimento económico, social e cultural do país: “o atraso que nos separa dos países mais desenvolvidos radica, em grande medida, no insuficiente nível de qualificação da população portuguesa”.7 Consequentemente, os destinatários desta política pública ficam associados, na génese da iniciativa, ao “atraso” do país. Se, por um lado, a motivação é, segundo o discurso oficial, possibilitar uma “segunda oportunidade” a estas pessoas, criar-lhes novas oportunidades de prosseguir estudos, propiciar condições para a educação e formação ao longo da vida “essenciais à moderna economia do conhecimento em que vivemos”,8 por outro lado, as motivações e as consequências que estão na base deste desiderato podem ter um efeito perverso, ou seja, os cidadãos pertencentes ao grupo de pessoas abrangidas por estas políticas públicas de educação de adultos são explicitamente considerados desqualificados à luz do discurso oficial.

Neste sentido, “a responsabilização individual pela ‘competência’ ou pela ‘incompetência’ manifestada implica concomitantemente a rasura dos factores relativos às condições de geração do capital cultural dos sujeitos” (ELLIOT, 2009), o que anula a dimensão social e marca profundamente a (auto)imagem dos sujeitos, como veremos adiante.

Diagnósticos desta natureza são frequentemente apoiados em relatórios e estudos apresentados pelo discurso oficial como justificativos da criação da INO. Com efeito, esta representação pode ser atestada em várias fontes9: desde os indicadores da evolução das qualificações da população em Portugal, ao défice de qualificações, às taxas de abandono escolar precoce, ao conhecido relatório da OCDE, publicado em 2005, Economic Policy Reforms - Going for Growth.

2. O Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências

Desta forma, o processo de RVCC transformou-se rapidamente numa das formas de certificação de adultoscom maior adesão em Portugal, quer seja a nível escolar (básico ou secundário) ou profissional. Sustentado no reconhecimento e na valorização de competências adquiridas ao longo da vida, em contextos formais, não-formais e informais, o processo de RVCC apoia-se no balanço dessas competências e experiências adquiridas nos seus diversos contextos de atuação (pessoal, profissional e social). Para o reconhecimento e a validação de tais competências e aprendizagens, o adulto elabora um portefólio de reflexão que tem como base de referência um dispositivo denominado Referencial de Competências-Chave (RCC), estruturado por Áreas de Competências-Chave (ACC), a saber: Cidadania e Empregabilidade; Matemática para a Vida; Linguagem e Comunicação; Tecnologias da Informação e Comunicação, Língua Estrangeira (Inglês ou Francês), no nível básico (ALONSO et al., 2000); Cidadania e Profissionalidade; Sociedade, Tecnologia e Ciência; Cultura, Língua e Comunicação, no nível secundário (GOMES, 2006).

A concretização do processo de RVCC é mediada através da elaboração e reunião de elementos de vária índole: redação da história de vida; documentos pessoais de identificação que comprovem experiências de vida, competências ou formações frequentadas; trabalhos realizados no âmbito das ACC; elementos da Formação Complementar (FC); reflexão final sobre o processo de RVCC e informações de natureza vária sobre o processo, incluindo o contrato celebrado entre o CNO e o candidato a certificação. Estes elementos são os materiaisque constituem esse portefólio, no âmbito do qual o formando é (ou não) validado parcial ou totalmente. Até 2013, esse portefólio era submetido ao parecer de um avaliador externo e defendido em sessão pública perante um júri qualificado10. Para que se fique com uma perspetiva de tal processo, veja-se o esquema apresentado no QUADRO 1.

Fonte: Autoria própria, 2017

Quadro 1 Estrutura do processo de RVCC 

O balanço de competências ancora-se e dele faz depender, de forma bastante significativa, as competências de leitura e escrita dos adultos. Dito de outra forma, a literacia estrutura fortemente estes contextos, visto que “as práticas de literacia assumem um duplo estatuto: o de meio e fim das aprendizagens” (DIONÍSIO; CASTRO; SILVA, 2013, p. 157).

A baixa escolarização aparece, mais uma vez, associada à falta de qualificações e, consequentemente, à falta de competências também literácitas. Dado que uma das características que define por natureza o ser humano é a linguagem verbal, ou seja, não apenas, mas também, a capacidade de ler e escrever, a correlação entre falta de escolaridade e falta de competências, ao nível da leitura e da escrita, é praticamente impossível de evitar (HANNON, 2005).

Concordamos, por isso, com Signorini (1998, p. 143), quando afirma:

o foco na diferença em relação a determinado padrão tem sempre como principal efeito a desqualificação do falante e do seu desempenho, tanto em relação à identidade social que ostenta, ou que lhe é atribuída [...] quanto em relação à função que pretende desempenhar - falar, agir, decidir em nome de um grupo. E essa desqualificação se dá através da (re)constituição, mesmo que negativo, de bordas e fronteiras que separam e diferenciam lugares e funções na ordem sociopolítica estabelecida e que são mapeadas a nível simbólico pela linguagem, não só mas sobretudo pela linguagem verbal.

Esse “determinado padrão”, tal como afirma a autora, pressupõe a mestria de competências de leitura e escrita, tidas como níveis a atingir e capacidades cognitivas isoladas. Contudo, o nosso entendimento é de que compreender a literacia é apreender as formas de participação sociocultural dos sujeitos, ou seja, os processos, e não apenas os produtos, sendo imperativo um conhecimento dos contextos em que ela tem lugar - o social, o cultural, o histórico.

3. A literacia como prática social

Reconhecida, na esteira de Street (1984), a existência de modelos autónomos e de modelos ideológicos na conceptualização da literacia, estribados na menor ou maior relevância que conferem à sua contextualização nas práticas sociais, é no segundo tipo que situamos o nosso olhar teórico. Perfilhamos, então, de um quadro teórico-concetual ancorado nos Novos Estudos de Literacia, em que sobressaem, entre outros, os trabalhos de Barton e Hamilton (1998), Barton (1994), Gee (1994), Soares (2000) e Street (1984).

Nesta perspetiva, não olhamos a literacia como referida a um conjunto de competências de natureza técnica do sujeito; antes entendê-la-emos como prática que se encontra social e culturalmente inscrita e que se caracteriza pela complexidade, seja ela estabelecida a partir das relações sociais que a sustentam ou que estrutura, seja dos espaços e tempos que a podem caracterizar, seja, ainda, dos objetos sobre os quais se constitui. O conceito de literacia servirá, então, para referir o conjunto dos eventos “text-and discourse-based that characterizes contemporary semiotic societies and economies”, compostas por “a vast range of sites, locations and events that entail print, visual, digital and analogue media” (FREEBODY; LUKE, 2003, p. 183).

A adoção de uma posição como esta, numa investigação como aquela que desenvolvemos, coloca no seu centro as práticas de literacia dos adultos que, ao longo da vida, foram fator de constituição das suas identidades letradas.

O conceito de identidade tem sido objeto de investigação pelas mais diversas áreas do saber, desde a sociologia, à psicologia, à educação. São diversas as influências teóricas e disciplinares nos estudos de identidade (BAUMAN, 2005; CASTELLS, 2007; COUPLAND; GWYN, 2003; DUBAR, 1997; GIDDENS, 1997). Tratando-se de um conceito de grande complexidade, o que aqui importa é a assunção de alguns princípios teóricos, sobretudo tendo em conta a perspetiva adotada em relação à literacia como prática social. Podendo, então, a noção de identidade englobar diversos e diferentes aspetos, concordamos com Blommaert (2005, p. 203) relativamente a alguns sentidos básicos: “the ‘who and the what you are’ is dependent on context, occasion, and purpose, and it almost invariably involves a semiotic process of representation: symbols, narratives, textual genres such as standard forms and the CV”.

Pretendemos, por isso, compreender como adultos, sujeitos da nossa pesquisa, se identificaram nos papéis que, ao longo da vida, desempenharam. A identidade envolve, nesta dinâmica de interações, um processo de diferenciação, de distinção, de atribuição, de desempenho/performance (BLOMMAERT, 2005), ou seja, a identidade implica e constitui um modo de identificação social (WORTHAM, 2006).

Importa-nos, assim, considerar a identidade enquanto “performance” situada num determinado espaço e tempo social, historicamente condicionado. Do estudo das práticas de literacia irá emergir um conjunto de imagens e expressões no discurso dos sujeitos que facultarão um conhecimento situado sobre as suas identidades letradas. O nosso intuito é analisar as identidades letradas adotadas num determinado contexto discursivo e também discursivamente reproduzido - a entrevista.

4. Procedimentos metodológicos

Nesta pesquisa, adotámos uma metodologia qualitativa de recolha e análise de dados. Para o efeito, através de entrevistas semi-estruturadas, solicitámos aos sujeitos descrições do seu passado e do seu dia a dia atualmente, bem como a narração de um ou mais episódios da sua experiência de vida que os tivessem marcado na construção da sua identidade letrada, até ao momento de entrada no processo de RVCC. Mais particularmente, através de questões divididas em três grandes esferas de atução (a família, a escola e a vida para lá da escola), um sujeito narrou oralmente a outro - o investigador - momentos significativos e representativos das suas práticas letradas ao longo de vida, incluindo a descrição de um dia típico atualmente.

Neste universo de investigação, alinhamos com estudos que disponibilizam instrumentos metodológicos no âmbito da análise biográfica (BERTAUX, 1997; DELORY-MOMBERGER, 2004; DOMINICÉ, 1990; NÓVOA, 1995). Empreendemos um movimento hermenêutico que, no particular, nos permite analisar e interpretar trajetórias individuais de construção do sujeito letrado. Na medida em que se trata também de interpretações dos sujeitos de experiências vividas, que são agora oralmente narradas (DELORY-MOMBERGER, 2004), estamos conscientes do facto de os sujeitos não devolverem a sua vida de forma neutra. De qualquer forma, consideramos a narrativa com contornos biográficos extremamente útil por valorizar as próprias práticas, as suas lógicas, idiossincrasias e conexões. É assim que conseguimos aceder aos mundos letrados que estes sujeitos foram construindo ao longo das suas vidas e que poderão estar em situação de reconstrução ou transformação pelo envolvimento no processo de RVCC.

Não pretendemos que os fragmentos apresentados sejam representativos de categorias analisadas, mas antes que signifiquem pela sua exemplaridade e individualidade. Partindo da assumpção de que “individuals cannot be understood as having fixed identity that is ontologically prior to their position in the social world” (ELLIOTT, 2009, p. 124), advogamos, por isso, a necessidade de conhecer os meandros sociais destes sujeitos, perspetivando os eventos de literacia cuja participação ao longo da vida permitiu a construção de uma identidade letrada única e singular. Ainda segundo Elliott, “the notion of a unified self is mistaken; the self is better understood as multiple and continually under construction rather than being a fixed set of characteristics or traits” (ELLIOTT, 2009, p. 124). Daí que os fragmentos da história de vida destes sujeitos adquiram um sentido e significado próprios no movimento discursivo em que nos empenhamos ao darmos conta desse processo múltiplo (variado e polifacetado) de construção da identidade letrada dos sujeitos.

Uma vez que este recorte metodológico se revela pertinente

para a autocompreensão do que somos, das aprendizagens que construímos ao longo da vida, das nossas experiências e de um processo de conhecimento de si e dos significados que atribuímos aos diferentes fenômenos que mobilizam e tecem a nossa vida individual/coletiva (SOUZA, 2006, p. 27).

Consideramos que apresentar os fragmentos da história de vida dos sujeitos seria a melhor forma de dar voz às trajetórias individuais que, de outra forma, poderiam ficar anuladas e invisíveis.

Expomos, em particular, o caso de duas formandas por serem exemplares da multiplicidade de práticas letradas que constituem as suas vidas e, ainda assim, não serem, na sua perspetiva, consideradas como legítimas e/ou válidas socialmente. Na apresentação de cada caso, selecionámos uma citação emblemática do significado do processo de RVCC e, de seguida, destacamos dados sociográficos relevantes para a compreensão do contexto pessoal. A divisão em três partes (“Memórias”, “O presente” e “O processo de RVCC”) justifica-se pela pertinência desses três grandes momentos que correspondem aos cortes temporais que considerámos exemplificativos das etapas significativas da vida desses sujeitos.

5. A construção do eu letrado - fragmentos de histórias de vida 5.1 Alice - “é completar um sonho”, 45 anos, empregada fabril

A mais velha de 4 irmãos, Alice é oriunda de uma família de baixa escolarização. O pai era lavrador e a mãe doméstica. Abandonou a escola porque queria ser independente financeiramente, mas era boa aluna. Hoje, é mãe de uma menina adolescente e pretende abrir um negócio com o marido relacionado com horticultura. Concluir o 9º ano é um sonho tornado realidade.

Memórias

Cresceu numa família de 4 filhos, o pai foi emigrante e depois trabalhou na lavoura; a mãe era doméstica. A avó materna, também doméstica, vivia com ela. Segundo Alice, em casa não se lia muito. O pai gostava muito de livros religiosos e, ainda hoje, lê muito sobre religião. Antigamente, tinha o costume de comprar o jornal ou ler sempre, mas, hoje em dia, é assinante de um jornal local (Correio do Minho). No Natal, lembra-se de o pai presentear sempre cada um dos filhos com um “livrinho”. Enquanto foi emigrante, trazia presentes do estrangeiro quando vinha visitar a família, sempre acompanhados de um livro. Quando eram pequenos, tinham o hábito de se sentarem à lareira, e os mais velhos - a avó e a mãe - contavam histórias.

De todos os irmãos, Alice era a que realmente gostava de ir para escola “aprender”. Ao contrário dos colegas, sempre foi calçada, levava um lanche, com pão e fiambre, situação quase única. Pelo facto de o pai ter emigrado, a situação financeira da família não era tão má como a das outras pessoas que viviam na “miséria”.

O seu percurso escolar foi sempre positivo e com bom aproveitamento, tendo chegado a ser dispensada do exame final do 9º ano pelas “notas boas”. Passava sempre de ano, mas com negativa a Inglês porque uma amiga não tinha aula nesse horário e desafiava-a para a brincadeira. Contudo, como tinha classificações elevadas nas outras disciplinas, conseguia, ainda assim, obter bons resultados finais.Lembra-se de ler os livros obrigatórios na escola, como Os Lusíadas. Normalmente, comprava os livros porque tornava-se complicado frequentar a biblioteca da escola. “Tinha de preencher uma ficha grande” e só podiam requisitá-los em casa por um ou dois dias. Desde sempre, sentiu um gosto particular por História.Adorava as “perguntas de desenvolvimento” que uma professora colocava nos testes. Fora da escola, teve formação de escutismo para dirigente, o que lhe ocupava todos os fins de semana. Tinham de preparar as reuniões, quando era dirigente dos lobitos. A certa altura, também se envolveu no grupo coral, tendo permanecido até hoje. Tal como o pai, é muito católica, participando com frequência em atividades litúrgicas. Abandonou os estudos, contra a vontade do pai; mas, por “burrice” e por não querer “andar sempre a pedir dinheiro aos pais”, decidiu que tinha de começar a trabalhar para se tornar independente.

O primeiro emprego foi o de costureira e é, atualmente, chefe de linha, sendo responsável por um grupo de funcionários. Ao longo do seu percurso profissional, refere que nunca teve formação técnica ou especializada.

O presente

Acorda a correr. Trata da filha, com 10 anos, deixa o almoço pronto para o marido e entra na fábrica às 8h30, saindo às 17h40.

No trabalho, após o pedido da uma encomenda, tem de ler e analisar a ficha técnica para compreender como é feita cada peça. A seguir, indica a cada trabalhadora o que cada uma vai produzir, sendo então necessário fazer diferentes tipos de cálculo. Por último, com a peça pronta, avalia-se a produção na quantidade e qualidade. No final da jornada de trabalho, uns dias vai buscar a filha à escola, outros não, seguindo-se a preparação do jantar, para 6 pessoas, e do almoço do dia seguinte para o marido.

Finalmente, “trata da casa”. Ao sábado, “é o correrio pior”. Ocupa o dia a levar e a buscar a filha às várias atividades: futebol, escuteiros, catequese e piscina. À noite, a Alice ainda tem ensaio de canto na igreja, um coro misto a quatro vozes. Quando chega a casa, está um pouco com o marido a ver televisão.

Por gostar de ler revistas e livros, chegou a assinar a Reader Digest durante muitos anos, mas agora as despesas com a filha são muitas e já não é possível. Quanto à leitura, “às vezes não sossega enquanto não acaba um”. Se está muito interessada num livro, muitas vezes lê até às duas da manhã, durante a semana e, ao sábado de manhã, entre as 7h e as 9h, porque se “dá ao luxo” de ficar na cama um pouco a ler. Prefere romances históricos e policiais. Os livros são comprados ou oferecidos por uma cunhada que também gosta muito de ler. No Natal, compram sempre livros uma à outra. Essa cunhada trabalha noutra cidade e, quando estão juntas, trocam livros entre si: ela traz emprestados do seu trabalho no hospital e Alice leva alguns dos seus.

Um livro de que gostou particularmente foi Equador, de Miguel Sousa Tavares, e ficou desiludida com a série “porque o livro era muito mais rico e não tem nada a ver uma pessoa ver na televisão e ler um livro. (…) Sentia-me mais integrada na época com o livro e imaginar melhor as coisas do que na série. Não gostei nada”.

O envolvimento com as leituras no universo da Igreja Católica começou muito cedo. Havia falta de leitores e o padre considerou que Alice lia bem e entoava bem as frases. Houve ocasiões em que não preparava a leitura. Atualmente, de acordo com a escala de leitores, o padre distribui os textos aos domingos, para que a leitura seja preparada durante a semana.

Dizendo-se uma pessoa extremamente sensível, afirma que “aquilo é ficção” (referindo-se aos livros que habitualmente lê), mas que mesmo assim “mexe” muito consigo e, por vezes, fá-la refletir sobre questões de cidadania e de “justiça” que falta no mundo, referindo-se, por exemplo, a textos sobre crianças abandonadas.

Acompanha de perto os estudos da filha que sofre de doença grave. Alice descreve-a como “muito perfeccionista” e como uma adolescente que “guarda as coisas para ela”. A mãe sente a necessidade de dar apoio, mais pelo lado emocional, dado que a filha é muito boa aluna.

Como gosta de escrever, muitas vezes, “apanha” receitas da televisão. Tem o hábito de escrever em guardanapos de papel, enquanto está na cozinha a tratar do jantar e a “pôr pensamentos que vêm à ideia”.

O processo de RVCC

Entre fevereiro e março de 2009, inscreveu-se no CNO e concluiu o processo em Abril de 2010. Demorou, por isso, sensivelmente um ano para obter a certificação de nível B3 (9º ano).

Tomou conhecimento desta oportunidade através do Presidente da Junta de Freguesia que divulgou a informação e a motivou a “meter-se nas novas oportunidades”. Refletiu que seria bom “retomar os estudos”.

Na primeira sessão de esclarecimento, ficou a compreender que “não iam dar o canudo” sem esforço nenhum, afirmando-o com algum orgulho. Compreendemos no discurso de Alice que tem necessidade de frisar várias vezes que “ali”, naquele CNO em particular, o processo é exigente, o que nos permitiu concluir a sua necessidade de legitimação. Alice acrescentou mesmo que “as pessoas têm uma ideia destorcida do que é as Novas Oportunidades”.

Aprecia participar em conversas, sobretudo no círculo de amigos, debater vários assuntos porque não gosta de se sentir de lado.Considera, por isso, importante “obter o conhecimento” para estar mais à vontade e poder interagir.

O seu objetivo era acabar o 9º ano e chegar ao 12º ano. Pretende “ganhar conhecimento”, sobretudo de Inglês e de TIC. Para Alice, foi muito importante as formadoras terem-na “convencido” de que a sua vida é repleta de aprendizagens.

Nas sessões de reconhecimento de LC com a formadora “aprendiam a escrever a escrita, leitura, coisas que já tinha esquecido, por exemplo, o discurso direto, indireto, gramática”. Alice enumerou, com bastante detalhe e numa linguagem técnica, os conteúdos sobre os quais se tinha debruçado com as formadoras: “desde a interpretação de textos, às interrogativas, passando pelos verbos no passado e no presente. (…) Abrangeu um bocado de Português”.

Ao nível da escrita, adquiriu conhecimentos novos. Na leitura, houve mais um aprofundamento de conhecimentos, enquantona oralidade sente-se mais à vontade, afirmando já não ser preciso “estar a pensar” nas palavras.

A escrita da história de vida e a elaboração do portefólio concretizaram-se através de uma circulação de textos entre diversas pessoas. O profissional de RVC11 indicava os temas a desenvolver, de acordo com a história de vida de Alice, e esta, por sua vez, ia mostrando os textos à medida que a narrativa se ia desenvolvendo. No final deste processo, tinham lugar as correções e os ajustamentos necessaries para “desenvolver tudo ao pormenor”.

Esta constante (re)escrita de textos permitiu-lhe compreender, de uma outra forma, que tem “uma vida com valor”. Foi um processo que a levou a refletir sobre variados aspetos da sua vida, sobre “todos esses percursos” e, sobretudo, o que eles significam aprendizagens o que lhe deu confiança em termos pessoais porque “foi o ter tido reconhecimento por outras pessoas”, que são formadas, “que têm mais conhecimento e que acham que eu também tenho”. Também em relação aos formadores, expressou o seu contentamento pelo tipo de relacionamento estabelecido: “havia uma relação de respeito, amizade, camaradagem”.

Alice foi extremamente crítica quanto ao facilitismo procurado por alguns dos seus colegas: “as pessoas estão preparadas é para conseguir o certificado e não ficarem a saber”. No seu entender, algumas delas reconhecem que “têm dificuldades, que não sabem, mas não estão para ter tempo a ir aprender”. Alice considera que “quem lê tem muito menos dificuldades do que quem não lê”, acrescentando, inclusive, que “nota-se muito a diferença, e até do raciocínio”. Foi neste momento que percebemos que alguma da segurança que, por um lado, adquiriu com a realização do processo, e por outro, demonstrou no seu discurso ao longo da entrevista, adveio claramente desta sua convicção.

Para Alice, estas modalidades de educação de adultos são “espetaculares” e permitiram-lhe a sua “aventura de aprender”. Sente-se outra pessoa, uma “pessoa melhor”. O culminar da sua realização foi o tomar conhecimento de que tinha a certificação total. Tudo isto deu-lhe outro ânimo, de tal modo que pensa atualmente abrir um negócio próprio com o marido. A transformação de Alice ao nível da sua identidade foi notória para nós quando terminou a entrevista, afirmando: “tive uns anos que parei. Agora não, agora sou eu”.

5.2 Filomena - “Se realmente a cabeça funcionar, sou capaz de ir até à universidade”, 49 anos, auxiliar de ação educativa

Vinda de uma família de 5 filhos, Filomena é casada e tem um filho. Aos 12 anos parou de estudar e fez um curso de cabeleireira. Trabalhou durante 20 anos, mas por motivos de saúde, não pôde continuar nessa profissão e teve várias ocupações ao longo dos anos. Pretende obter uma certificação profissional de 12º ano e dar um novo rumo à sua vida.

Memórias

Filomena tem memórias muito boas da infância e adolescência. O pai, funcionário de uma empresa pública, quase todos os dias lia o jornal aos filhos.

A mãe, doméstica, era analfabeta, mas conhecia os números. Em casa não havia muitos livros nem “muito dinheiro para eles”. Ouvia-se muito a rádio, sobretudo folhetins e notícias, porque não tinham televisão. O pai contava muitas histórias antes de irem dormir.

No Natal, a empresa onde o pai trabalhava oferecia livros aos filhos dos funcionários e eram esses livros os únicos livros lidos durante o ano, em voz alta, para todos ouvirem. Quando aprendiam a ler, eram os filhos que liam para o pai e os irmãos. Muitas das histórias eram lidas mais do que uma vez porque não havia assim tantos livros. Para a altura, até “viviam bem”.

Anos mais tarde, a fim de trabalhar, foi para o Porto morar com uns tios, mas o pai fê-la prometer que ia continuar a estudar, o que nunca aconteceu.

Na escola não considera ter sido “uma aluna brilhante”, embora tenha aprendido sempre bem. Frequentou o ensino primário sempre com a mesma professora e o 2º ciclo pela tele-escola. De memórias negativas da escola ainda recorda com “revolta e injustiça” uma situação específica que acontecia várias vezes. Havia meninos que vinham de aldeias vizinhas a pé, chegavam muito molhados com a chuva, no Inverno, e a professora batia-lhes por chegarem atrasados. Ainda hoje não se conforma com isso.

Aos 11 anos foi catequista, mas abandonou porque não concordava com algumas “coisas”. Sempre criticou o facto de se “rezar sem saber o significado do que se está a dizer”. Numa associação local, quando tinha 16-17 anos, fez teatro amador, uma prática que já vem de família.

Depois de 20 anos a trabalhar como cabeleireira, emigrou para o Luxemburgo, onde trabalhou num restaurante, durante pouco tempo, e também como auxiliar numa clínica de saúde. Sempre teve muita formação técnica como cabeleireira (as “reciclagens”), e quando esteve no Luxemburgo, na clínica de saúde, também teve formação especializada. As formações eram essenciais para estar atualizada relativamente a produtos, procedimentos e, igualmente, na parte comercial.

Por volta dos 37 anos, quando estava emigrada, começou a sentir falta de construir a sua família. Foi para os Estados Unidos passar férias, onde o namorado residia, e decidiram casar. Em virtude de doença grave, não pôde continuar a trabalhar como cabeleireira. Era suposto ficar nos Estados Unidos apenas seis meses, mas acabou por ficar quatro anos (numa situação ilegal porque não conseguia aprovação para dupla nacionalidade nem autorização para residente). Nesse espaço de tempo, nasceu o filho.

Entretanto, voltou a trabalhar em Portugal, numa empresa de hotelaria e turismo. Começou como empregada de limpeza, depois passou a desempenhar tarefas na área do escritório. Com a situação financeira do País, a empresa fechou e foi despedida. Esteve, por isso, desempregada, mas tem agora uma ocupação temporária como auxiliar numa escola pública.

Em muitos dos empregos que teve, ao longo da vida, não se sentiu realizada por não ter “o lado criativo” de que tanto gostava enquanto cabeleireira, mas conseguiu sempre encontrar aspetos positivos e adaptar-se às situações e dificuldades que lhe foram surgindo.

Filomena gosta muito de escrever e recorda que, desde muito pequena, queria ser cabeleireira. Sempre gostou de escrever e o filho perguntava-lhe muitas vezes: “Ó mãe, porque é que também fazes as minhas cópias?”, e Filomena explicava que receava deixar de saber escrever. Encontrou assim essa forma de praticar a escrita.

Sempre leu a revista Visão e, hoje em dia, também gosta da Sábado. No último ano, fez uma formação de TIC (uso de Word e internet) porque só depois disso queria ter acesso à internet em casa. O filho reclamava: “os meus colegas vão todos à internet”, ao que Filomena respondia “e tu vais aos livros que temos em casa. E vais ver, o cheiro dos livros é muito bom”.

Na sua perspetiva, é o que realmente a “tem safado” porque “senão ficava burrinha”. Filomena encontra pessoas com a mesma escolaridade que ela e com muitas dificuldades em “preencher um papel”, mas considera que é devido à leitura e à sua curiosidade que não encontra os mesmos obstáculos com o texto escrito.

Quando vivia em Nova York, praticamente sem saber falar inglês, munia-se de um mapa e dos horários dos transportes públicos e corria a cidade toda. Perdia-se, às vezes, mas conseguia fazer-se entender com o seu inglês rudimentar e o francês que “falava bem”.

O presente

Acorda às 7h15 e liga o rádio para ouvir as notícias. Prepara os pequenos-almoços e os lanches, e acorda depois o filho que segue para a escola. Filomena trabalha até às 16 horas. No fim do dia, dependendo das tarefas que tem de fazer, dedica algum tempo a momentos de lazer ou trata de burocracias. Caso contrário, vai para casa. O momento que tem para si, em que gosta muito de ouvir música e ler, é entre o meio da tarde e o jantar, antes do filho chegar a casa, ou à noite, depois deste dormir. Quando o filho chega a casa, falam do dia na escola e jantam por volta das 19h30. Por volta das 20h15, o filho tem autorização para ver um pouco de televisão ou “mexer nas músicas” no computador. Depois é “deitar e dormir”. Aos sábados, o filho estuda guitarra elétrica.

Atualmente, lê todo o género de livros, mas sobretudo romances de literatura portuguesa e brasileira. Também gosta de ensaios, por exemplo, sobre história e sexualidade. Compra muitos livros que vêm com as revistas “a bons preços”. O filho não gosta de ler, embora Filomena sempre tivesse lido histórias para ele “mesmo em bebé”. A paixão do filho é mesmo a música.

O processo de RVCC

Inscreveu-se no CNO em Junho de 2009 e iniciou o processo em Novembro do mesmo ano, tendo-o concluído em Março de 2010.

Teve conhecimento da INO através de uma sobrinha, da informação na televisão e do “passa a palavra”. Entendeu que precisava do 9º ano “o mais rápido possível”, e portanto, escolheu o processo de RVCC. Filomena pretende obter mais tarde certificação de 12 º ano, de preferência com vertente profissional.

No momento em que foi entrevistada, Filomena tinha redigido o seu autoretrato, salientando que ainda não tinha começado a escrever a história de vida toda. Estava receosa e “não sabia se ia conseguir” ter a certificação. Frisou que foi muito “gratificante” a fase inicial em que reuniu documentos (escritos e fotográficos) sobre a sua vida, tendo chegado a chorar uma vez. Nesse processo de coleta dos documentos, de (re)escrever a história de vida e outros textos que iam sendo solicitados pelos formadores, Filomena foi sempre bastante autónoma e teve espaço para mostrar o seu lado assertivo e opinativo, também traduzido no seu olhar vivo e efusivo.Referiu com grande alegria que aprendeu “a estar outra vez na sala de aulas”.

Em LC, nas tarefas para casa, teve de “falar e escrever sobre um livro”. Para Filomena isso não foi nada difícil porque sempre leu muito e escolheu um livro de Fernando Namora. Foi à sua estante, pegou no livro e escreveu um resumo, um comentário e a ficha bibliográfica. Também desenvolveram outros trabalhos sobre outro género de textos: a notícia e o texto publicitário. No que diz respeito à escrita da história de vida, o modo de trabalho é o mesmo que encontrámos no caso de Alice: “foi desenvolver (...) tirar mais dum lado, tirar noutro (...) risco daqui, risco acolá”.

Tenha-se em conta que estes textos e estas tarefas de literacia foram produzidos em duas sessões de grupo e os produtos foram inseridos no portefólio, não tendo havido correção. Só mais tarde, no dia do Júri, Filomena veio a encontrar-se com os formadores, tendo então conhecimento da avaliação do seu desempenho.

6. Domínios, finalidades e objetos de literacia

Numa perspetiva em que a leitura e a escrita são práticas situadas, “literacy is primarily something people do; it is an activity, located in the space between thought and text” (BARTON; HAMILTON, 1998, p. 3). Os mesmo autores argumentam que “like all human activity, literacy is essentially social, and it is located in the interaction between people” (BARTON; HAMILTON, 1998, p. 3).

Os fragmentos de histórias de vida aqui apresentados pretenderam dar conta precisamente da forma como essas práticas letradas se desenrolaram ao longo da vida, até ao momento de entrada no processo de RVCC. O nosso intuito foi desvelar os tempos e lugares dessas práticas de leitura e escrita, que foram constituindo e mapeando as identidades letradas de Alice e Filomena.

É pertinente, neste momento, evocarmos o conceito de domínios de prática como “structured, patterned contexts within which literacy is used and learned” (BARTON; HAMILTON, 1998, p. 10). Pudemos, então, observar que nos domínios familiar, religioso, educativo e profissional encontramos atividades que não são acidentais, mas que antes configuram modos próprios e repetitivos de existência e de ação. Por exemplo, na rotina do dia a dia, tanto Alice como Filomena, participam e seguem de perto os estudos dos filhos. Leem, escrevem com eles, corrigem, fazem perguntas sobre o que estudam, chegando mesmo, no caso de Filomena, a acompanhar o filho nas cópias para manter o hábito de escrever com correção. Também no seu dia a dia, tanto Alice como Filomena dedicam um tempo e um espaço à leitura por prazer. Alice aos sábados de manhã, Filomena depois de o filho se ir deitar, durante a semana. Ambas têm uma rotina deliberadamente estruturada para o tempo que podem dedicar à leitura recreativa, no seio das tarefas familiares. Relativamente ao espaço religioso, Alice refere que o Padre da Igreja entrega antecipadamente textos para serem lidos na Missa para, assim, se poder preparar a leitura. Quanto aos momentos da infância, ambas referem o hábito de receber livros pelo Natal; o pai de Alice trazia-os do estrangeiro. A empresa onde o pai de Filomena trabalhava oferecia livros aos filhos dos funcionários nesta quadra.

Observamos, por isso, que para Alice e Filomena, a leitura e a escrita cumprem diversas finalidades, consoante os contextos em que tais práticas se inserem. A vida de Alice e de Filomena encarregou-se de patrocinar certas literacias em detrimento de outras. A leitura e a escrita servem fundamentalmente para entretenimento, trabalho, utilidade, reflexão, religião, apoio escolar, cultura geral. Essas mesmas práticas ocorrem em variados espaços e tempos, desde o quarto, à lareira da infância, à cozinha, no horário de fazer o jantar, à sala de aula, à missa até às ruas de Nova York. Também os objetos, referidos pelas próprias, em torno dos quais se constituem estas práticas atestam a variedade de artefactos literácitos: livrinhos oferecidos pelo pai, livros escolares de leitura obrigatória, livros de História, notas para reuniões, fichas técnicas de peças de vestuário, fichas bibliográficas, livros, revistas, romances históricos, policiais, suspense, receitas, guardanapos, estórias de terror, a revista Visão, Sábado, Correio do Minho e ainda o correio eletrónico.

Tal como outros trabalhos já salientaram, a leitura é uma prática mais “generalizada, comparativamente à escrita”, sendo que as práticas de escrita servem sobretudo para “tratar de situações do dia a dia” (DIONÍSIO; CASTRO; SILVA, 2013, p. 162).

Ainda que identifiquemos uma tal vasta gama de práticas, no entender de Alice foi necessário o reconhecimento dos formadores “que têm mais conhecimento e que acham que eu também tenho” para que sentisse que tem “uma vida com valor”.

Também Filomena, que, além de Português, fala bem Francês e algum Inglês, tinha dúvidas quanto às suas capacidades, tendo referido na entrevista que, no início, “não sabia se ia conseguir”. Filomena não se considera “de todo iletrada”, mas julga que o 9º ano do filho não se pode comparar ao seu - “ele tem muito mais conhecimento” -, revelando o valor que atribui à escola e ao conhecimento que aí se adquire como não tendo o mesmo valor que o seu.

Os colegas de Filomena, durante o processo, tinham dificuldades porque “não têm hábitos de leitura (...) mesmo livros, jornais, notícias”. Para Filomena, “se a pessoa estiver informada, pode pensar por si”. Percebemos, assim, a importância que a leitura tem para si, no sentido de a considerar uma fonte legítima de conhecimento, nomeadamente quando se trata de determinados objetos de leitura: livros, jornais, revistas. Além disso, tratando-se de uma leitura informada, a pessoa adquire autonomia intelectual, aspeto importante para Filomena que valoriza, por estas razões, a função informativa da leitura e não tanto a recreativa ou de lazer. Este processo “vale muito a pena”, nas suas palavras, para as pessoas pela “satisfação pessoal” que lhes traz, mesmo que “não aprendam nada”, concluiu.

Na sequência do exposto, a participação de ambas em certos, e não outros, eventos de literacia confere-lhes determinada identidade letrada. O processo de RVCC assume particular relevância na reconstrução da identidade letrada dos sujeitos, mostrando, uma vez mais, que a relação entre literacia e autoimagem é por demais evidente. Alice chegou mesmo a frisar que se sentia “uma pessoa melhor”. É, de facto, esta noção de “pertença” (JONES; KRZYZANOWSKI, 2008, p. 9) a um novo grupo que altera o conceito de si. Assim, compreendermosas literacias dos indivíduos significa entender que existem “modos socialmente ‘preferidos’ e legitimados” (SILVA; GUIMARÃES; DIONÍSIO, 2012, p. 14) de interagir com os textos. No entender de Alice e Filomena, os seus modos não eram suficientemente legítimos. A certificação e o simbolismo da obtenção do diploma de 9º ano proporcionou-lhes essa valorização e até legitimação da vida que tiveram. A sua identidade letrada reveste-se de novos significados porque as práticas em que se envolvem, durante o processo de RVCC, são práticas mais escolarizadas de lidar com os textos, e logo, mais valorizadas socialmente. Nesse sentido, as literacias dominantes (STREET, 1984) são verdadeiramente aquelas que estão em causa porque é pela assunção da ausência dessas práticas ao longo das suas vidas que se autodesvalorizam e desacreditam, inclusive ao nivel do eu. As literacias vernáculas, muitas vezes, literacias ocultas, não são institucionalmente reconhecidas e, logo, são tidas como pouco válidas.

Ora, o processo de RVCC, por permitir um amplo movimento de reflexividade, curiosamente também a partir da escrita, revela aprendizagens passadas que transformam o sujeito no presente. O processo de escrita da história de vida, orientado também pelo profissional de RVC, torna-se catártico e é precisamente através dele que igualmente decorrem transformações ao nível da identidade letrada dos adultos ao modificarem as perceções sobre si próprios. Sabendo que os formadores são uma peça fundamental neste jogo de textos, de correções, de circulação de textos e documentos, percebemos que, de facto, mesmo que de forma indireta, contribuem para alterar a identidade letrada dos adultos12.

O sujeito como que aprende no presente ao consciencializar-se sobre aquilo que aprendeu no passado. Este processo dinâmico entre “quem foram” e “quem são” como sujeitos, e paralelamente como sujeitos letrados, reconfigura a sua identidade letrada. É, portanto, esta dimensão processual quesobressaiu no nosso estudo.Os efeitos destas ações pedagógicas são, de facto, profundos ao nível do ethos dos sujeitos, realçando a relação entre literacia e valorização pessoal.

Concluindo, constatamos que tanto a família como a escola significaram múltiplas experiências de práticas de literacia e tiveram efeitos diversos nos sujeitos. Houve igualmente experiências de natureza profissional, e outras para além do trabalho, em que os textos tiveram maior ou menor relevância. Mas, em ambos os casos, observamos a existência de uma multiplicidade de práticas letradas. Contudo, nem por isso valorizavam ou legitimavam as práticas e os eventos de literacia em que sempre participaram. Mesmo que, como no caso de Filomena, houvesse consciência da diversidade e riqueza dos seus hábitos de leitura e escrita.

7. Considerações finais

No âmbito do processo de RVCC, os sujeitos desenvolvem novas literacias e novas práticas sociais, na medida em que elas têm como escopo a reflexão das competências adquiridas ao longo da vida. (Re)descobrem que têm competências para “fazer coisas” com diversos tipos de material escrito (porque isso foi acontecendo ao longo da vida); sentem-se “mais letrados” por verem essas práticas reconhecidas; e desenvolvem ainda a sua consciência linguística, adquirindo, inclusive, alguma metalinguagem. No caso de Alice e Filomena, podemos afirmar que atravessaram um processo de reconstrução da sua identidade letrada, no sentido de uma expansão dos domínios em que atuam e de uma consciencialização mais profunda do que significa participar em práticas letradas.

Interessou-nos salientar essa variedade de contextos, de modalidades e de formas de apropriação das relações com os textos, sendo possível assim depreender quem são hoje como sujeitos letrados e quais as modificações que eventualmente sofreram com a frequência de um processo de natureza educativa.

Pretendemos também destacar a diversidade e a riqueza de cada um destes percursos individuais, a diversidade inclusive biográfica e os contextos múltiplos de construção do sujeito letrado.

Pudemos observar, igualmente, crenças mais distantes de um modelo ideológico, pelo facto de haver uma sobrevalorização de versões autónomas do conceito de literacia e, consequentemente, de práticas de literacia.

É a legitimação, materializada na certificação, que lhes conferiu novas identidades e que nos permite compreender como a mudança e a literacia comportam uma dimensão social. Assim, por um lado, o reconhecimento e a certificação transformam o sujeito e as suas práticas e, por outro lado, complementarmente, o sujeito transforma o contexto social, na medida em que as suas práticas literácitas sofrem mudanças.

Um elemento importante que completa este processo de legitimação é a noção de pertença, como vimos, a um novo grupo proporcionada pela certificação. Com efeito, sentem-se menos excluídos por terem voltado a estudar, assumindo o certificado também na sua concretude material um simbolismo social de enorme importância. Da nossa análise, ganha particular relevância a associação entre o conceito de si e o nível de escolaridade dos sujeitos, sendo de sublinhar a alteração que se processa a este nível após a certificação. Constatamos que a literacia é um complexo de competências de leitura e escrita, de comportamentos, de valores, de crenças, de saberes, social e individualmente alicerçados.

Este entrecruzamento de relações, papéis e dimensões entre o individual e o social cria um contexto favorável à reconstrução da identidade letrada dos sujeitos. É, portanto, através da escrita, ou seja, do uso da linguagem que reconhecem eventos de literacia em que participavam, sobre os quais refletem criticamente, vivendo, assim, um processo de reconstrução identitária no presente.

Por fim, revelou-se pertinente compreender que as práticas de literacia precisam de “patrocínios” institucionais, contextuais, pessoais, não ocorrendo, por isso, à margem do social (BRANDT, 2001). Por um lado, os sujeitos têm determinadas experiências de literacia ao longo da vida, e não outras (sobretudo práticas não dominantes e menos legitimadas), e, por outro lado, as práticas distinguem-se entre grupos e entre indivíduos também pelos “patrocínios” disponíveis ao longo da vida. Estas modalidades de educação de adultos constituem, sem dúvida, uma segunda oportunidade fundamental para a reconstrução do eu e do apaziguar do sentimento de vergonha pessoal e social, quase sempre silencioso.

Apesar da importância destas ações pedagógicas, acima de tudo para os sujeitos aos quais se destinam, e num momento em que é sublinhada a importância crucial de uma lógica de aprendizagem ao longo da vida nos diversos níveis locais, regionais, nacionais e internacionais, constatamos que, ao mesmo tempo, em Portugal, voltamos a assistir à ausência de uma política pública de educação de adultos devidamente estruturada. Por força de alterações políticas e governamentais, tem-se verificado um período de indecisão sobre o que fazer no âmbito da educação e formação de adultos.

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1Disponível em: <www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf> Acesso em: 20 fev. 2016.

2Segundo os indicadores de 2010, 10,3% da população residente, com 15 ou mais anos, não tinha escolaridade. A taxa de abandono precoce da educação e formação rondava os 28%. Disponível em: <www.ine.pt> e <www.pordata.pt>. Acesso em: 20 fev. 2016.

3Disponível em: <www.qren.pt>. Acesso em: 20 fev. 2016.

4Disponível em: <www.qren.pt>. Acesso em: 20 fev. 2016.

5Através da Portaria 135-A/2013, de 28 de março, extinguem-se os Centros Novas Oportunidades e criam-se os Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional. Não só a validação de competências passou a ser quantitativa, como deixou de haver a intervenção de um avaliador externo e do júri, tendo sido criadas provas de avaliação. Muitos dos CNOs fecharam, e havia, em 2013, cerca de 203 centros em situação de estrangulamento por aguardem financiamento.

6Disponível em: <www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016.

7Disponível em: <www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016.

8Disponível em: <www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016.

9Disponível em: <www.oei.es/quipu/portugal/novas_oportunidades.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016.

10Para uma caracterização da estrutura atual, veja-a a nota de rodapé número 5.

11O profissional de RVC é quem orientava o processo na globalidade, estabelecendo uma articulação entre todos os formadores e o adulto. Atualmente esta figura designa-seTécnico de orientação, reconhecimento e validação de competências.

12Noutros trabalhos analisámos mais detalhadamente a influência dos formadores na transformação da identidade letrada dos adultos, bem como as transições nas identidades dos formadores (muitos deles professores), sobretudo na dimensão profissional, pelo facto de terem começado a trabalhar num contexto educativo não escolar.

Recebido: 12 de Março de 2016; Aceito: 18 de Janeiro de 2017

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