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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.64 Uberlândia jan./abr 2018  Epub 20-Set-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n64a2018-03 

Dossiês

Dossiê Reinscrever o conhecimento escolar no território do comum: uma introdução

Sentidos de público e comum nas políticas curriculares: que efeitos na definição de conhecimento escolar?

Public and common sense in curricular policies: what are the effects on the definition of school knowledge?

Sentidos de público y común en las políticas curriculares: ¿Qué efectos tienen en la definición de conocimiento escolar?

Carmen Teresa Gabriel* 

*Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: carmenteresagabriel@gmail.com. Apoio: CNPq.


Resumo

Em diálogo com a abordagem discursiva pós-fundacional, o objetivo deste artigo é investigar como a articulação entre conhecimento escolar, escola pública e currículo comum vem sendo mobilizada nos debates em torno da construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A análise permitiu apontar, a despeito do posicionamento em relação à necessidade ou à pertinência dessa proposta curricular específica, estabilidades na definição de conhecimento escolar em meio às lutas pela significação dos significantes comum e público que adjetivam respectivamente currículo e escola nos textos analisados. O artigo acena para outras possibilidades abertas para a definição desses termos e para a articulação entre os mesmos, deslocando assim, o foco da reflexão da defesa ou da crítica a esse documento para a importância de continuar operando com esses significantes tanto para a produção da leitura política do campo curricular quanto para a afirmação de um sentido de escola pública democrática.

Palavras-chave: Conhecimento escolar; Escola pública democrática; Abordagem pós-fundacional; BNCC

Abstract

In dialogue with the post-foundational discursive approach, the objective of this article is to investigate how the articulation between school knowledge, public school and common curriculum has been mobilized in the debates about the construction of the National Curricular Common Base (NCCB). In spite of the positioning in relation to the necessity or the pertinence of this specific curricular proposal, the analysis allowed to point stabilities in the definition of school knowledge amid the struggles for the signification of the common and public signifiers that respectively adjectivate curriculum and school in the texts analyzed. The article points to other possibilities opened to the definition of these terms and to the articulation between them, thus displacing the focus of the defense or criticism reflection to this document for the importance of continuing to operate with these signifiers both for the production of political reading of the curricular field as well as for the affirmation of a sense of a democratic public school.

Keywords: School knowledge; Democratic public school; Post-foundational approach; NCCB

Resumen

En diálogo con el enfoque discursivo posfundacional, el propósito de este artículo es investigar la relación entre conocimiento escolar, escuela pública y plan de estudios común, se ha utilizado en los debates sobre la construcción de la Base Nacional Común Curricular (BNCC). El análisis permitió señalar, a pesar del posicionamiento con relación a la necesidad o pertinencia de la propuesta curricular específica, estabilidades en la definición de conocimiento escolar, en medio a las disputas por la significación de los significantes común y público que califican respectivamente a plan de estudio y escuela en los textos estudiados. El artículo apunta hacia otras posibilidades planteadas para la definición de estos términos y la articulación entre los mismos, desplazando así el foco de la reflexión de la defensa o la crítica de este documento para la importancia de continuar operando estos significantes, tanto para la producción de la lectura política del campo curricular como para la afirmación de un sentido de escuela pública y democrática.

Palabras clave: Conocimiento escola; Escuela pública y democrática; Enfoque posfundacional; BNCC

As questões sobre conteúdo e objetivo da educação são portando questões fundamentalmente políticas. Deixar uma resposta a essas questões a cargo das forças do mercado - e todos sabemos como os mercados podem ser manipuladores para assegurar seu próprio futuro - priva-nos da oportunidade de ter uma voz democrática na renovação educacional da sociedade (BIESTA, 2013, p. 42-43, grifos nossos).

A instituição escolar se encontra hoje no entrelaçamento de diferentes polêmicas e demandas evidenciando o lugar político que lhe é historicamente atribuído na construção de um projeto de sociedade. Sob suspeita, a escola tem sido alvo de críticas contundentes sobre a sua capacidade ou eficácia em cumprir suas funções de “qualificação”, “socialização” e “subjetivação” (BIESTA 2012)1. Significada no âmbito do discurso educacional hegemônico, como estando ‘em crise’, essa instituição tem sido alvo de estudos e políticas curriculares inscritos em diferentes matrizes teóricas que buscam oferecer alternativas para superar essa situação. Nesse contexto, a questão do ‘conhecimento escolar’ legitimado para ser objeto de ensino-aprendizagem na educação básica se encontra em meio ao fogo cruzado das lutas travadas pela democratização da escola pública, percebido ora como a panaceia universal para todas as mazelas da educação básica, ora como a fonte de todos os seus males. Na análise aqui pretendida, não se trata de retomar a defesa de uma ou outra dessas percepções mas sim, de evidenciar, nos textos curriculares trazidos para a análise, tanto as articulações discursivas nas quais o significante ‘conhecimento escolar’ se inscreve quanto os seus efeitos sobre as operações discursivas hegemônicas das quais os múltiplos significados atribuídos a esse significante resultam. Uma melhor compreensão desse recorte ou enfoque pressupõe por sua vez explicitar, ainda que de forma bastante breve, o quadro de inteligibilidade no qual sua própria pertinência se justifica.

Em diálogo com as contribuições da abordagem discursiva pós-fundacional (LACLAU, 1990, 2005, LACLAU, MOUFFE, 2004, MARCHART, 2009, RETAMOZO, 2009, 2011) este artigo aposta na potencialidade heurística dessa interlocução teórica para a produção de leituras políticas no campo educacional que incidem diretamente nos diferentes projetos de escola pública democrática em disputa na nossa contemporaneidade.

Reconhecendo que “toda configuração social é uma configuração discursiva” (LACLAU, 1990, p. 100), que “a totalidade é a condição de significação” (LACLAU, 2005 p. 94) e “a contingência, a precariedade, a indeterminação e o paradoxo como dimensões ontológicas do social” (MENDONÇA, 2009, p. 154), essa postura epistêmica oferece uma caixa de ferramentas que permite assumir em nossas análises a provisoriedade e incompletude das definições produzidas contingencialmente em meio às lutas políticas pela significação e simultaneamente o poder e a força política das palavras “com as quais damos sentido ao que somos e o ao que nos acontece” (LAROSSA, 2002, p. 21). Trata-se de investir na potência do termo discurso, em particular no fato justamente de ele permitir uma forma de enfrentamento das complexas relações entre pensamento e realidade, sujeito e objeto, simbólico e material

Nessa perspectiva o discurso não é percebido como uma operação mental, ideal, em oposição à ação ou à realidade. Ele é relacional e da ordem do material. Uma categoria que une palavras e ações a partir da radicalização das críticas endereçadas às análises essencialistas que operam com a ideia de fundamentos últimos e metafísicos, trazendo para reflexão no campo das ciências sociais a dimensão ontológica sem reafirmar contudo, posições anti-fundacionistas 2. A compreensão desse argumento é importante para evitar alguns equívocos. Não se trata de buscar um sentido último, mais verdadeiro ou oculto das palavras articuladas em um texto quando analisamos algum discurso. O desafio é justamente ficarmos no nível das palavras, reconhecendo, ao mesmo tempo, que ao fazê-lo não se está só com as palavras. Afinal, como afirma Burity (2008), se não há ação social sem significação, toda significação está inserida - ainda que de forma instável e provisória - em um discurso, isto é, na materialidade do dito. Ao elegermos, entre as abordagens discursivas disponíveis, aquelas que enfatizam o deslocamento da compreensão da linguagem do texto para a linguagem da tessitura do real, incorporamos a compreensão da textualidade para além da linguística. Nessas análises a linguagem sociologiza-se e politiza-se.

Na ordem social desigualmente estruturada na qual vivemos a relação com o conhecimento, entendida como relação com o mundo e com os outros se estabelece em meio às relações assimétricas de poder. Na defesa de um projeto de construção ou consolidação de sociedade democrática o lugar que é ou deve ser atribuído à escola para o estabelecimento desse tipo de relação é temática recorrente na pauta da agenda política educacional contemporânea. Que currículo para qual escola pública democrática? Para que servem as escolas públicas? O que queremos fazer nas escolas públicas? Como combater a desigualdade da distribuição do conhecimento, considerado um bem cultural comum e simultaneamente afirmar a diferença percebida como instituinte da própria noção de escola pública democrática? Essas e outras questões têm atravessado o debate educacional, produzindo e organizando os argumentos que sustentam diferentes interesses que participam do jogo político.

O diálogo com a abordagem discursiva pós-fundacional oferece elementos para redimensionar esses questionamentos em processos políticos mais amplos. Com efeito, essa perspectiva ao operar com a radicalização da crítica às leituras essencialistas - por meio da problematização da ideia de essência ou fundamento único e metafísico capaz de definir per si as coisas - sonhos e pedras - desse mundo - permite recolocar no jogo político da linguagem qualquer termo ou significante mobilizado em contextos discursivos específicos. Essa radicalização faz emergir a potência analítica de categorias como “relação”, “articulação”, “fronteira” ou “corte radical” que passam a exercer uma função discursiva incontornável nos processos de significação, garantindo a própria possibilidade de significação a partir da produção simultânea de uma cadeia hegemônica de equivalência em um sistema diferencial e de um antagônico que passa a funcionar como exterior constitutivo dessa mesma cadeia. Assim, nesse quadro de inteligibilidade, qualquer processo de significação faz trabalhar a aporia da impossibilidade e da necessidade de toda definição, isto é, a tensão entre o reconhecimento das múltiplas e infinitas possibilidades abertas em todo processo de significação e a necessidade de selecionar, fixar em meio a essa pluralidade, uma das possibilidades como forma de entrar na luta política, por meio da produção da fronteira que define provisoriamente o que é / está sendo/ interessa que seja/ e o que não é / não está sendo/ não interessa que seja. Fazer trabalhar essa aporia não significa, no entanto, negar ou buscar superar essa tensão, e sim reconhecer que na luta política qualquer fechamento ou fixação de sentido é sempre provisório e contingencial e como tais esses sentidos podem ser consolidados, estabilizados, hegemonizados ou desfixados, desestabilizados por meio do deslocamento das fronteiras na tentativa da produção de outras hegemonias e antagonismos.

Quando se aposta na defesa da importância da formação para a cidadania no âmbito a escola pública como uma das condições de garantia de uma sociedade democrática, que sentidos de cidadania, escola pública e democracia são mobilizados? Quais sentidos são hegemonicamente fixados? Do mesmo modo, a postura epistêmica aqui privilegiada autoriza indagar como são produzidas, nesses debates, as articulações entre “cidadania e conhecimento escolar”, “escola pública-currículo escolar” que envolvem lutas pela significação do termo “democracia”.

Como deixa entrever o título atribuído a este texto o seu objetivo é produzir uma análise política do campo curricular a partir do entendimento dos processos de significação que mobilizam e articulam os termos conhecimento escolar, público e comum. A escolha desses termos não é aleatória. Entendo que essas três palavras, ainda que possam ser colocadas “sob rasura”, na perspectiva defendida por Stuart Hall (2000), continuam sendo incontornáveis para a entrada no debate político educacional da atualidade. Interessa-me mais particularmente explorar a articulação entre esses três termos tal como vem sendo mobilizada em uma política curricular específica envolvendo a produção de uma base nacional comum curricular - a BNCC3.

Para compor o acervo empírico deste estudo foi selecionado um conjunto de textos relacionados diretamente aos debates em torno da construção desta base. A escolha desta política específica se justifica além da sua atualidade, pelo fato de ela se apresentar como um terreno propício para a análise da articulação discursiva entre os três termos aqui privilegiados.

O texto está organizado em duas seções. Na primeira, o foco consiste em interpretar as fixações hegemonizadas para os termos em destaque nos diferentes textos curriculares sobre a BNCC analisados. Interessa-me sublinhar - a despeito do posicionamento político e epistemológico em relação à necessidade ou à pertinência dessa proposta curricular específica - os efeitos na definição de conhecimento escolar das lutas pela significação dos significantes comum e público(a) que tendem a adjetivar respectivamente currículo e escola nesses debates. Na segunda seção a análise busca problematizar tais fixações acenando para outras possibilidades abertas para a definição desses termos e para a articulação entre os mesmos, deslocando assim, o foco da reflexão da defesa ou da negação desse documento para a importância de continuar operando com esses significantes para a produção de uma leitura política do campo curricular que não abra mão da afirmação de um projeto de escola pública democrática.

Público, comum e conhecimento escolar: que articulações no debate curricular sobre a BNCC?

Esta seção apresenta - em consonância com o enfoque teórico-metodológico privilegiado - uma leitura política sobre os processos de significação envolvendo as articulações entre os significantes comum, público e conhecimento escolar que emergem no debate curricular contemporâneo, a partir da análise de um conjunto de 10 (dez) textos de naturezas diferentes4, selecionados para compor o seu acervo empírico. O propósito em reunir e apropriar-me dessas diferentes escritas na sua globalidade foi mapear ou capturar os fluxos de sentido que atravessam a discussão sobre a construção de uma escola democrática por meio da mobilização dos significantes anteriormente mencionados. Isso significa colocar o foco da análise menos nos sentidos de um ou outro desses termos fixados em cada um desses textos, do que nos processos de significação em disputa em tempos de “crise da escola pública democrática”. O trabalho de interpretação aqui proposto não pretende fazer uma síntese dos principais argumentos desenvolvidos nesse debate curricular, tampouco identificar grupos de interesse que disputam a hegemonia de um sentido particular de “escola da educação básica de qualidade”. Assim, para fins de tratamento empírico, optei por produzir outra intertextualidade ou interdiscursividade na qual as diferentes vozes/autorias tendem a se (con)fundir. Embora mantenha vínculos estreitos com um ou mais dos textos analisados a tessitura textual aqui produzida é outra, em função do recorte privilegiado5. Desse modo, o presente texto, não apresenta uma preocupação em garantir uma recomposição fidedigna das ideias ou argumentos desenvolvidos nos diferentes textos selecionados

Esse acervo empírico é percebido pois, como um contexto discursivo onde entendimentos de conhecimento escolar, público e comum são mobilizados e disputados na formulação, consolidação e /ou problematização de uma política curricular específica que, por sua vez participa, na estabilização de sentidos particulares de sociedade democrática. Inicio apontando os sentidos hegemonizados para os significantes público e comum no debate do campo educacional sobre essa proposta curricular e em seguida exploro os efeitos sobre a fixação de um sentido particular de conhecimento escolar.

Em termos do significante público, uma primeira imersão no material empírico permite ressaltar a presença de um paradoxo que consiste no uso recorrente desse significante e simultaneamente a rarefação, nesses debates, de uma reflexão sobre o seu significado. Mobilizado para adjetivar significantes - como escola, educação, ensino, sistema, financiamento, investimento, agente(s), sujeitos políticos, recursos, audiência, consulta, servidores, magistério, poder, políticas, caráter, gestão, bem, administração - o termo público(s)/a(s) emerge na discussão sobre a BNCC como portador de um valor universal positivo associado à democracia e simultaneamente um objeto em crise, ameaçado, desvalorizado pela privatização dos sistemas de ensino e que portanto, como tal precisa ser para uns, superado, para outros, defendido.

Interessante observar que em ambos os casos a definição do termo público se faz por meio da produção de uma relação antagônica com o significante privado em meio à luta pela significação de um sistema de ensino da educação básica de qualidade. Seja para apontar as potencialidades da instituição escolar, seja para sublinhar suas fragilidades os debates se organizam em torno da distinção público/privado. Para os que interessam investir em um sentido particular de sistema de ensino de qualidade a partir da superação das fragilidades, “o caráter público da educação, e sua ineficiência, funciona como exterior constitutivo que cria uma rede de demandas em torno de reformas marcadas pela lógica do mercado. A hegemonia da nova forma de sociabilidade é garantida pela expulsão das antigas formas de gestão da educação como bem público” (MACEDO, 2014, p. 1538). Para aqueles que o investimento e a gestão pública da educação são condição e garantia de qualidade no /do ensino, os argumentos em defesa da coisa pública ou da res pública tendem a se pautar na ideia abstrata e universal de público, “oposta a um domínio do privado, visto por sua vez como o reino da particularidade e da diferença” (MOUFFE, 1997, p. 66).

Sem negar a importância da função discursiva do par antagônico público/privado nas disputas pela significação de uma escola pública democrática, caberia perguntar se esse arranjo discursivo tal como hegemonizado nos debates da BNCC poderia ou deveria ser reformulado, e de que forma. Dito de outra maneira, em que outros sentidos da interface público-privado, é possível investir na luta pela afirmação de um sistema de ensino democrático? Isso pressupõe, talvez, problematizar a fronteira hegemônica entre público e privado - ao invés de negar a força política da articulação entre os dois termos. Que elementos ou unidades diferenciais são mobilizadas e articuladas nas cadeias de equivalência definidoras dos significantes público e privado respectivamente no debate sobre a BNCC? O que é expelido para fora dessas cadeias?

O termo comum é outro significante de forte presença no contexto discursivo analisado. Além desta palavra estar grafada no próprio nome do documento, ela ocupa um lugar crucial nos debates e embates em torno do mesmo. Um dos sentidos mais mobilizados para esse significante e que tende a se hegemonizar no campo da discursividade em foco consiste a fixá-lo como oposto à ideia de singularidade, pluralidade e diversidade reativando tensões clássicas - como universal/particular, igualdade/dife-rença, individual/coletivo que atravessam e o campo educacional há décadas. Nessa perspectiva, o significante comum se inscreve em uma cadeia equivalencial da qual participam termos como único, idêntico, padronização, homogeneização, expelindo para fora termos como diferença, desigualdade, diversidade, pluralidade, singularidade, heterogeneidade que passam a ocupar o lugar de seu exterior constitutivo. A hegemonização desse sentido particular de comum pode ser identificada nos argumentos desenvolvidos tanto pelos formuladores como pelos críticos da BNCC. Para os primeiros o investimento nessa cadeia de equivalência em torno do termo comum se sustenta tantos por argumentos de ordem política como epistemológica. No que diz respeitos aos argumentos políticos, trata-se de reforçar a importância de uma base curricular comum para a construção de uma escola democrática de maneira que “todos” tenham o direito de aprender conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum (MEC/BNCC, 2017, p. 8). Uma formação de base comum é vista assim, como uma estratégia para garantir a equidade nos processos de ensino-aprendizagem em uma sociedade desigual, injusta e plural, por meio da definição de um conjunto de elementos - competências, saberes, valores - considerado como imprescindíveis e validados como objetos de ensino para garantir as aprendizagens essenciais (MEC/BNCC, 2017, p. 7) na educação básica.

Do ponto de vista epistemológico esses argumentos se inscrevem nos debates curriculares que envolvem a interface currículo-conhecimento-cultura-poder assumindo posições que oscilam entre a afirmação de perspectivas universalistas e a relativização parcial das mesmas. Na perspectiva que investe na articulação entre os significantes comum e universal em uma mesma cadeia de equivalência, os argumentos em defesa da BNCC ignoram ou não reconhecem os efeitos no próprio processo de aprendizagem do apagamento ou da subalternização “de grupos que não são contemplados nesses currículos com seus saberes, histórias, culturas” (COSSIO, 2014, p. 1587). No caso da assunção de perspectivas que reconhecem a presença da diversidade ou pluralidade na cultura escolar, os argumentos tendem a mobilizar processos de significação que diferenciam semanticamente os termos base e currículo. Nessa lógica a “relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular pode ser assim definida: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diverso” (MEC/BNCC, 2017, p. 8).

Nos argumentos formulados pelos críticos da BNCC, esse mesmo sentido hegemonizado de comum é problematizado e considerado como inadequado para qualificar processos formativos em sociedades democráticas e plurais. “Muitas experiências com currículos de base comum têm dificuldades de nutrir uma visão multicultural de formação, uma vez que não contemplam as diversidades vivas das experiências e relações socioculturais” (MACEDO; NASCIMENTO; GUERRA, 2014, p. 1558). Essa fixação do sentido de comum que subjaz a defesa de currículos homogeneizantes (SÜSSEKIND, 2014, p. 1522) desvaloriza a diferença, não reconhece sua legitimidade epistêmica, nega a potência da perspectiva da alteridade no processo formativo. “Dito de outra maneira a diferença, num comum que a apaga, é desconsiderada e tornada mesmidade, gerando desigualdade, exclusão, desvio, in-adequação, in-disciplina, in-capacidade, invisibilidade e inexistência” (SANTOS, 1999).

A articulação comum-idêntico-homogêneo é usada para nomear ora aquilo que é ou deve ser ensinado-aprendido na educação básica, ora a comunidade educacional formada pelos sujeitos posicionados como alunos/as dessa etapa do sistema de ensino, negando as singularidades de suas trajetórias individuais, bem como de seus pertencimentos culturais. Esse uso ambivalente faz parte de estratégias de hegemonização, por meio de produção de políticas curriculares, cuja abrangência extrapola os limites do campo educacional. O que está em jogo é o projeto de sociedade, objeto de disputas permanentes e sempre aberto a múltiplas possibilidades. Não é por acaso que os autores, críticos da formulação de uma base nacional curricular comum, essas estratégias reforçam a “noção de currículo como documento escriturístico, ou como arma social (entendida como fator de homogeneização dos conhecimentos) que por isso mesmo tem o poder de aprofundamento de uma linha abissal já existente, no sentido dado por Boaventura Sousa Santos” (SÜSSEKIND, 2014, p. 1517).

Contrariamente ao tratamento dado ao termo público nesses debates, onde não foi possível identificar vestígios de disputas pela sua definição, outros fluxos de sentido de comum emergem nesse campo de discursividade, reafirmando a incompletude de qualquer processo de significação. Entre esses fluxos destaca-se o sentido de “comum como o dado humano da invenção cotidiana (das diferenças que nos igualam) como praticantes deste cotidiano” (SÜSSEKIND, 2014, p. 1522). O termo comum não é significado em oposição à diferença, mas como sendo necessariamente uma comunidade de diferentes (SÜSSEKIND, 2014, p. 1522). Retomarei esse argumento na segunda seção, por ora interessa-me focalizar os processos de significação que fixam o sentido de conhecimento escolar nos debates sobre a BNCC,

A interpretação desse conjunto de textos permitiu identificar algumas cadeias de equivalência que contribuem para estabilizar um sentido particular de conhecimento escolar a despeito do posicionamento político-epistemológico em relação a BNCC. Uma primeira observação diz respeito ao fato da escassez da presença do termo escolar para adjetivar conhecimento nesse conjunto de textos. A expressão conhecimento escolar é usada pelos formuladores da terceira versão da BNCC em apenas duas passagens e é empregado igualmente mais duas vezes nas articulações produzidas nos demais textos analisados. No âmbito do documento da BNCC essa expressão aparece no processo de significação do termo competência: “a noção de competência é utilizada no sentido da mobilização e aplicação dos conhecimentos escolares, entendidos de forma ampla (conceitos, procedimentos, valores e atitudes)” (BNCC, 2017, p. 16). Em uma outra passagem desse mesmo documento entendo que o conhecimento escolar pode ser organizado de diferentes maneiras, essa expressão é associada a ideia de objeto de conhecimento (MEC/BNCC, 2017). “Respeitando as muitas possibilidades de organização do conhecimento escolar, as unidades temáticas definem um arranjo dos objetos de conhecimento ao longo do Ensino Fundamental adequado às especificidades dos diferentes componentes curriculares” (BNCC, 2017, p. 27). Em relação aos textos acadêmicos essa expressão é empregada tanto para reiterar a crítica à “ideia de currículo como instrumento de controle e homogeneização dos conhecimentos escolares” (SUSSEKIND, 2014, p. 1518) presente na BNCC quanto para sublinhar a função principal da instituição escolar qual seja: a produção de conhecimento escolar (MACHADO, LOCKMANN, 2014, p. 1605).

Na maioria das vezes, no entanto, o significante conhecimento é acionado ora sem nenhuma adjetivação - áreas de conhecimento, multiplicidade de conhecimentos. hierarquia de conhecimentos, outros conhecimentos, objetos de conhecimento, expectativas de conhecimento, homogeneização de conhecimentos, território de conhecimentos, estrutura de conhecimento, conhecimentos da experiência, campo do conhecimento, redes de conhecimento, hierarquia de conhecimentos - ora adjetivado com outro termo que escolar - conhecimentos disciplinares, conhecimento curricular, conhecimentos válidos, conhecimento legítimo, conhecimento conceitual, conhecimento científico, conhecimento oficial, conhecimento construído, conhecimentos selecionados, conhecimento moderno, conhecimento mínimo, conhecimento verdadeiro, conhecimentos alternativos, conhecimentos novos, conhecimento-regulação, conhecimento-emancipação, conhecimento comum e universal.

Essa observação não traduz uma preocupação retórica. Essas ausências e profusão de variações indicam mecanismos discursivos que funcionam como estratégias de participação nas lutas pela significação que não se reduzem à definição de conhecimento escolar. A pouca ou nenhuma precisão conceitual da expressão conhecimento escolar faz parte do jogo político, permitindo sua apropriação pelos diferentes grupos de interesse que participam desse debate, bem como sua inscrição em diferentes cadeias equivalências de termos como público ou comum, no caso do recorte deste texto.

Nessa linha de análise, importa evidenciar os sentidos fixados sobre a BNCC para as interfaces “conhecimento (escolar)-público” e ”conhecimento (escolar)-comum”. Essas diferenciações de terminologia empregadas para o significante conhecimento se alimentam e reforçam os sentidos hegemonizados para público e comum tal como explicitado anteriormente.

A associação entre conhecimento (escolar) e público está ausente nesse campo da discursividade, não se apresentando com uma articulação potente para a sustentação dos argumentos na defesa ou na crítica à BNCC. Essa constatação é ainda mais instigante quando se constata a presença recorrente destes termos na defesa, formulada pelos críticos da BNCC, de uma educação pública, de uma escola pública ou sistema educacional público. Não faltam os alertas sobre a desvalorização e privatização dos sistemas públicos de ensino e seus atores em diversas dimensões (parecer da ANPED e da ABdC), bem como a defesa de uma gestão democrática do ensino público, do direito universal à educação pública, gratuita, e laica, de qualidade (MACHADO, LOCKMANN, 2014, p. 1605). A construção coletiva efetiva de um sistema público de educação para todos, democrático e de qualidade é percebido como condição indispensável para “a construção real de uma Educação Básica, pública e gratuita de qualidade (...) capaz de melhorar a qualidade da educação pública e ampliar as conquistas democráticas da sociedade (MACHADO, LOCKMANN, 2014, p. 1605). Prevalece nessas críticas a “noção de que a educação é um bem público e, como tal, precisa ser gerido” (MACEDO, 2014, p. 1545). O que é considerado como um bem público é a educação e não o conhecimento escolar. Que efeitos sobre a própria definição do significante conhecimento (escolar) quando não o inscrevemos nos processos de significação de público? Que possibilidades são ignoradas ou apagadas para pensar politicamente o campo curricular quando não exploramos essa articulação?

Em relação à interface conhecimento (escolar) e comum, percebe-se um investimento maior, seja pelos formuladores desse documento, seja pelos seus críticos. Embora a definição de conhecimento (escolar) como bem comum não apareça com muita força, são acionados nesse debate outros mecanismos discursivos que mobilizam sentidos de conhecimento nos processos de significação do significante comum. Entre esses mecanismos destaca-se os processos de diferenciação entre temos como conhecimentos, conhecimento escolar, conteúdos, saberes, habilidades, competências, experiências, valores, ciência, culturas.

Quando o foco da critica é a hegemonização da articulação comum-único-homogêneo-universal, e à exceção de um texto que faz uso da expressão conhecimento comum ou universal (COSSIO, 2014, p. 1587) o termo conhecimentos sem adjetivação tende a ser acionado no plural e significado de forma positiva. Nesse debate currículos, quando abissais, são denunciados por demonizarem, desperdiçarem a experiência, por des-historicizarem, por se tornarem monocultores e invisibilizarem outros conhecimentos em detrimento de um comumúnico (SANTOS, 2010), por ensurdecerem camadas de vozes (AOKI, 2005) que se amontoam nas salas de aula. (SÜSSEKIND, 2014 p. 1525). Aponta-se igualmente que a desejável diversidade, fundamental ao projeto de nação democrática expresso na Constituição Brasileira e que se reflete na LDB/1996, não é reconhecida na proposta da BNCC, na medida em que nesta está subentendida a hegemonia de uma única forma de ver os estudantes, seus conhecimentos e aprendizagens, bem como as escolas, o trabalho dos professores, os currículos e as avaliações, imprópria à escola pública universal, gratuita, laica e de qualidade para todos (parecer da ANPED e da ABdC). Lutamos contra algo que nos assusta, que é a defesa, a partir desta seleção de conhecimentos disciplinares, da ideia de um currículo nacional, desconsiderando a multiplicidade de conhecimentos decorrente da pluralidade de modos de compreender o mundo e de nele intervir, de desejos e intenções, derivada de uma pluralidade também de atores sociais do país, na escola e fora dela (parecer da ANPED e da ABdC).

Em outros momentos, o termo conhecimento é definido e valorizado, nesse campo da discursividade, em oposição ao significante conteúdo que parece condensar tudo aquilo contra o qual se quer lutar. Afinal, qualquer proposta curricular precisa considerar as adversidades e diversidades locais - de ordem étnica, cultural, social, política e econômica - e individuais, relativas a interesses e capacidades de aprendizagem, e aos direitos de respeito aos conhecimentos construídos antes e fora da escola, para além dos direitos de aprendizagem de conteúdos prescritos fora do universo social dos alunos e organizados sem levar em conta que estes são, e precisam ser, sujeitos de suas aprendizagens.(idem). Nesse sentido, e indo além, é importante assinalar que, em tempos de ruptura e questionamento dos campos disciplinares em todo o mundo, a construção de uma Base Nacional Comum Curricular a partir, e somente orientada por conteúdos definidos por especialistas em diferentes áreas do conhecimento é uma proposta natimorta. (...) percebemos na BNCC uma lógica em que a seleção de conteúdos proposta é tida como capaz de dar conta do planejamento curricular, desconsiderando que essa seleção é arbitrária e produzida em meio a relações de poder em virtude das quais se exclui muitos outros conhecimentos possíveis de serem ditos e, muitas vezes, necessários de serem tratados. Consequentemente, qualquer proposta curricular precisa considerar as adversidades e diversidades locais - de ordem étnica, cultural, social, política e econômica - e individuais, relativas a interesses e capacidades de aprendizagem, e aos direitos de respeito aos conhecimentos construídos antes e fora da escola, para além dos direitos de aprendizagem de conteúdos prescritos fora do universo social dos alunos e organizados sem levar em conta que estes são, e precisam ser, sujeitos de suas aprendizagens.(idem).

O significante conhecimento curricular é também acionado de forma positiva ao ser associada a ideia de conhecimento contextualizado e historicamente e como tal capaz de contribuir para a construção de uma sociedade solidária. (MEC/BNCC, 2017, p. 18).

Essa orientação induziu à concepção do conhecimento curricular contextualizado na realidade local, social e individual da escola e do seu alunado (...) (MEC/BNCC, 2017, p. 9). Esse entendimento de conhecimento contextualizado capaz de lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, se contrapõe à concepção de conhecimento desinteressado e erudito entendido como fim em si mesmo (MEC/BNCC, 2017, p. 17).

A tessitura analítica produzida nessa primeira seção a partir dos fragmentos discursivos extraído do conjunto de textos selecionados permitiu vislumbrar alguns nichos interpretativos sobre a articulação discursiva entre os significantes conhecimento escolar, público e comum que dificultam, no meu entender, fazer trabalhar algumas aporias presentes no campo curricular. Com efeito os fluxos de sentidos hegemonizados nos debates tendem a reafirmar determinadas dicotomias - público/ privado, conhecimento / conteúdo, universal/ particular, comum/ singular - negando ou subalternizando outros processos de significação para os significantes em foco - conhecimento escolar, público, comum.

Posicionar-se teoricamente em relação às múltiplas e contingentes definições da articulação conhecimento é uma forma de entrar nos debates curriculares contemporâneos reconhecendo o potencial político do momento da reativação da contingência que nos autoriza pensar a abertura para outras definições possíveis. A próxima seção abordará outras possibilidades, reconhecendo o potencial político e epistemológico desse enfrentamento nas lutas pela significação de escola pública democrática.

Outras articulações possíveis entre público, comum e conhecimento escolar

O problema político não é aquele do bem comum, mas aquele do bem público. Ou ainda: politicamente, somente o bem público é um bem comum (TASSIN, 1991, p. 36).

O entendimento de conhecimento escolar como elemento incontornável no debate político educacional contemporâneo (GABRIEL, CASTRO, 2013) exige a explicitação do sentido particular desse significante no qual temos investido em nossas pesquisas. O diálogo com a abordagem discursiva pós-fundacional tem possibilitado enfrentar teoricamente essa questão, permitindo explorar alguns mecanismos discursivos que são mobilizados no processo de significação/definição deste termo. Fazendo o movimento inverso da primeira seção, apresento em linhas gerais uma possibilidade de enfrentamento teórico em relação à definição de conhecimento escolar e em seguida algumas articulações discursivas disponíveis entre público e comum que os colocam em uma mesma cadeia de equivalência e oferecem outras portas de entrada e de participação nas disputas políticas que envolvem o processo de construção dos currículos escolares.

A escolha desse enfoque reafirma a importância atribuída ao contexto discursivo - instituição escolar - lócus no qual o conhecimento, que nos interessa focalizar, é pensado, definido, produzido, organizado, compartilhado, ensinado e aprendido. Entendemos que disputar pois, um sentido de escola pública democrática pressupõe participar também dos processos de significação em torno do significante conhecimento. Definir escola como um espaço onde podem ser estabelecidas relações singulares e potentes com o conhecimento, implica em atribuir tanto ao conhecimento quanto à relação com ele estabelecida uma função discursiva importante nesse processo de definição. De modo semelhante, entendemos que no âmbito dos processos de significação do termo conhecimento, torna-se importante investir na sua articulação com a escola, quando se trata de pensar a formação na educação básica. Dito de outra maneira, importa inscrever o processo de definição do conhecimento no universo do escolar, isto é, de um sentido particular de escolar no qual interessa apostar.

Como já anteriormente mencionado, na perspectiva pós-fundacional atribuir sentidos ou definir é um ato político que ocorre em um sistema de diferença onde qualquer fechamento de sentido é visto como impossível e necessário. O reconhecimento dessa aporia como sendo a própria dinâmica da produção e atribuição de sentidos autoriza a radicalizar e operar com a ideia de contingencia e precariedade na produção de toda ordem discursiva. Nessa dinâmica, é possível identificar três operações intelectuais - diferenciar, objetivar e universalizar - que são constantemente mobilizadas, de forma articulada, nas lutas pela significação em torno de qualquer processo de significação.

Em textos anteriores (GABRIEL, 2013; 2015; 2016; GABRIEL; MORAES, 2014) venho trabalhando com o entendimento de que o ato de diferenciar remete diretamente à função da lógica do político. É essa lógica que permite pensar quando e como se produz a operação hegemônica que estabelece, em meio ao jogo da linguagem, o que é / está sendo e o que não é/está sendo fixado como conhecimento escolar, a partir da produção de fundamentos contingenciais. A lógica da diferenciação é, pois, uma lógica relacional contingencial e provisória e da ordem do político que é produzida em meio à hegemonização de sentidos particulares e à produção de antagonismos. Compreender os processos de diferenciação desse termo é uma tarefa teórica e política que pressupõe trabalhar na fronteira das suas definições contingenciais. Afinal, por que, por exemplo, estabelecer e manter fronteiras definidoras de escola em que de um lado estejam os conteúdos disciplinares demonizados e acusados como o responsável pela permanência de uma escola engessada, arcaica, tradicional, sem interesse, conservadora, daltônica e no polo antagônico, a cultura dos alunos, dos excluídos, dos oprimidos, silenciados nos bancos dessas instituições? Ou ainda: Quem ganha com a insistência de formulações discursivas que investem em práticas articulatórias que colocam o conhecimento escolar como momento de uma mesma cadeia produzida pela equivalência de termos como conteudismo, elitismo, neoconservadorismo, cientificismo, eurocentrismo, significados como antagônicos à construção de uma escola democrática, mais justa, menos dogmática? (GABRIEL, 2015). A diferenciação entre conhecimento e conteúdo escolar presente no campo da discursividade analisado na seção anterior não fortaleceria esse tipo de fronteira? Que outras possibilidades de significar conhecimento escolar ou disciplinar que não os associe exclusivamente ora ao “conhecimento dos poderosos”, ora ao “conhecimento poderoso” (YOUNG, 2007) estão disponíveis? A primeira expressão significa conhecimento escolar como um conhecimento homogeneizador e opressor, alheio às demandas de diferença que interpelam as escolas em nosso presente. A segunda expressão - “conhecimento poderoso” - embora possa ser lida como uma reafirmação da potencialidade política e epistemológica do conhecimento escolar garantindo seu lugar nas lutas pela significação quando o que está em jogo é a construção de uma escola democrática - tal como formulado e sustentado teoricamente por Young (2007) o coloca como algo exterior ao sujeito que o produz, ensina ou aprende, enfraquecendo o argumento em defesa de sua potencialidade.

Esse tipo de interrogação nos remete à segunda operação intelectual mencionada: a objetivação que envolve simultaneamente questões relacionadas à representação do real e à ideia de verdade, bem como a articulação entre ambas. Quais os efeitos de sentidos de objetividade são veiculados e hegemonizados nas teorias sociais para a compreensão do significado de conhecimento escolar? Que entendimento de verdade o significante escolar nos debates curriculares contribui para fixar? Que sentidos da articulação objetividade e verdade são fixados pelos processos de definição de conhecimento escolar?

De uma maneira geral, a ideia de objetividade esteve longo tempo associada a um índice de confiança de fidelidade do objeto à realidade. O sentido de verdade, por sua vez, remetia à possibilidade de verificação do grau de adequação do fato à realidade. Em síntese, um conhecimento considerado verdadeiro era igualmente significado como objetivo, isto é, fiel ao real. A ideia de objetividade se articula, nesses casos, à de neutralidade, que é vista como garantia da possibilidade de produção de conhecimentos verdadeiros. Não é por acaso que em meio à articulação, em uma mesma cadeia equivalencial, de termos como verdade, neutralidade, objetividade e realidade que se construiu a definição hegemônica de ciência moderna.

Nas discussões curriculares, a articulação discursiva entre realidade-objetividade-verdade tende a ser mobilizada sem maiores questionamentos, mesmo após a intensificação do que ficou conhecido, desde a segunda metade do século XX, como uma crise paradigmática, permitindo a emergência de outras definições e entendimentos para esses termos. Os efeitos dessa crise no campo educacional podem ser observados nas críticas contundentes formuladas e acumuladas no âmbito da teorização curricular crítica. Essas teorizações foram e são importantes para questionar a hegemonização e legitimidade de certos conhecimentos disciplinares em detrimento de outros. Elas permitiram a desnaturalização dos conhecimentos escolares, trazendo para o centro do debate as questões de poder e seus efeitos sobre os processos de objetivação do conhecimento escolar. Desde então, esse enfraquecimento do estatuto de objetividade desse tipo de conhecimento tem suscitado debates e polêmicas sobre a sua natureza epistemológica. Ao invés de insistirmos em classificar ou em negar a possibilidade de classificação do conhecimento escolar como verdadeiro e objetivo tal como significado em uma cadeia equivalencial até então hegemônica, não seria mais produtivo analisar os dispositivos que produzem a fronteira da mesma, reativando o seu sentido político, trazendo a lembrança da contingência de toda ordem social produzida?

Essa persistência de um padrão de objetividade na escola me parece um indício potente para nos debruçarmos sobre os dispositivos discursivos que o reproduzem nesse contexto específico. Não se trata de negar qualquer possibilidade de objetivação, mas de compreender que ela é produzida em meio a jogos da linguagem. O adjetivo escolar imprime no termo conhecimento um compromisso com o valor de verdade cujo sentido precisa ser igualmente reativado após as críticas radicais às perspectivas essencialistas. Como operar com esse tipo de conhecimento sem mobilizar sentidos de objetivação e de verdade?

Definir, na abordagem pós-fundacional, é tanto diferenciar como objetivar, isto é, produzir um corte antagônico na cadeia indefinida de equivalências, visto como condição para que o processo de significação se efetive ainda que contingencial e provisoriamente. Afinal, como afirma Laclau e Mouffe (2004), o antagonismo é a possibilidade e limite de qualquer possibilidade de objetivação. Desse modo, a definição de conhecimento escolar pressupõe a produção de uma cadeia equivalencial entre diferentes elementos - conteúdos, habilidades, competências, valores, habilidades, linguagem - bem como um corte antagônico que produz e expulsa para fora dessa cadeia outros tantos elementos definidores do não conhecimento escolar.

A última operação lógica destacada nos remete ao entendimento e mobilização da tensão universal e particular nos debates curriculares. Uma breve análise na literatura especializada da área permite apontar a multiplicidade de sentidos atribuídos ao termo universal, que por sua vez, intervém diretamente no sentido atribuído à tensão mencionada.

Entendido como sinônimo de abrangência, o termo universal tem sido utilizado nas lutas políticas para garantir o acesso a todos aos direitos considerados universais. Em outras formulações, esse termo aparece articulado com significantes como a-histórico ou comum antagonizando com os sentidos de contingência e particular. Esses entendimentos do termo universal tendem a ser mobilizados para se contrapor às demandas de diferença que interpelam as instituições de ensino. Como vimos na seção anterior, a resistência a construção de uma base nacional curricular comum nos debates políticos contemporâneos reativa essa definição de universal.

O diálogo com o pensamento pós-fundacional ajuda a repensar essa tensão e seus efeitos na definição do conhecimento escolar. Nessa perspectiva, a universalidade e a plenitude são inalcançáveis se mostrando sempre pela sua ausência. Esse entendimento redimensiona o termo universal e permite pensá-lo com uma função indispensável no jogo de linguagem. Nessa abordagem, é a própria relação entre universal e particular que é hegemônica, e não um possível conteúdo a ele vinculado, ainda que provisoriamente. Isso implica a necessidade de considerar a importância de manter em nossas análises, a dimensão universal, mas articulá-la de modo distinto com o particular. A articulação entre universal e particular é, pois, uma relação política conflituosa que, ao invés de tentarmos superá-la, o que precisamos é aprender a participar desses conflitos como expressão do debate democrático.

Pensar o universal como horizonte desvinculado de um conteúdo particular permite deslocar as fronteiras que tendem a significá-lo ora como “solução”, ora como “problema”. Desse modo, o universal aparece como condição de possibilidade para pensar a própria tensão entre perspectivas universalistas e particularistas, permitindo afirmar que é somente renunciando a toda prerrogativa epistemológica fundada na pretensa posição ontológica privilegiada de uma verdade universal que o grau de validez atual do conhecimento válido a ser ensinado pode ser seriamente discutido (GABRIEL; CASTRO 2013). Esse tipo de renúncia abriria a possibilidade de deslocarmos e ampliarmos a cadeia de equivalência que qualifica o conhecimento escolar legitimado incluindo assim, nessa lógica, outros saberes, até então excluídos desse sistema de significação, como válidos a serem ensinados.

Fixar um sentido de conhecimento escolar a partir da mobilização das três operações intelectuais - diferenciação, objetivação e universalização - na pauta pós-fundacional permite simultaneamente desestabilizar as articulações discursivas hegemônicas mobilizadas no debate sobre a construção de uma base nacional curricular comum que mobilizam esse significante e deixar aberto a possibilidade de outras múltiplas e infinitas definições.

Não se trata aqui de oferecer argumentos para a defesa desta base ou qualquer outra base curricular comum. Defendo que produzir outros sentidos para o conhecimento escolar oferece a possibilidade de podermos continuar pensando com os termos comum e público na reflexão política sobre currículo, escola ou currículo escolar, sem que isso signifique uma necessária “escolha de Sofia” entre uma escola pública democrática plural e um currículo comum universal que nega a diferença como instituinte do escolar.

Em quais outros sentidos de público e comum apostar que não reduza por um lado, a ideia de uma escola ou sistema público de ensino a uma oposição ao termo privado sem questionar as operações hegemônicas que estabelecem esse antagonismo? Afinal é possível pensar um sentido de comum capaz de se instituir em um espaço público como a escola sem que isso signifique o apagamento das diferenças da comunidade escolar, tampouco o investimento na valorização da mesmidade ou da neutralidade do conhecimento validado como objeto de ensino-aprendizagem nas escolas da educação básica?

O enfrentamento dessas questões implica em explorar em um primeiro momento de forma separada os processos de significação nos quais se tecem os sentidos de cada um desses dois termos e em seguida as possibilidades abertas para a sua articulação. Como nos convida pensar Tassin (1991)

A relação do comum ao público pode ser assim elucidada através de duas interrogações conjuntas: como se passa do comum para o publico? Que comunidade se institui a partir de um espaço público? Assim, talvez poderemos definir o regime de comunidade - o que há de comum, ou em comum, ao qual obedece uma sociedade cuja dimensão política se expressa antes de tudo pela implementação de uma res publica (TASSIN 1991, p. 23, tradução livre) .

Tassin (1991) identifica duas cadeias de condensação do sentido de comunidade que disputam os processos de hegemonização do próprio sentido de espaço comum. A primeira associa comunidade a ideia de comunhão, de unidades diferenciais que se fundem em um corpo único. Essa articulação entre comum-fusão-união reafirma o mito de uma comunidade substantiva orgânica que se define a partir da destruição de todo espaço público. Esse último podendo ser definido justamente como “aquilo que mantem a comunidade distante de ela mesma” (TASSIN, 1991, p. 24). Ao contrário do entendimento de comunidade-comunhão que opera com a ideia de membros de um mesmo corpo social, isto é, um espaço onde seus membros são percebidos como integrantes de um todo identitário e substantivo (comunidade de fiéis, de irmãos, de camaradas, de patriotas), o espaço público se define como espaço de mediação, de distanciamento, de dispersão e de difusão com força suficiente para desviar os indivíduos de toda adesão massiva em nome de uma identificação comunitária, instituindo e garantindo desse modo, uma possível comunicação. Mas esse sentido de espaço público, exercendo a função discursiva de exterior constitutivo do sentido de comunidade-comunhão não corre o risco de negar por completo a possibilidade de pensarmos qualquer dimensão de um comum que não se reduzisse a um conjunto de unidades diferenciais dispersas indiferente ao devir da comunidade entendida como espaço de engajamento político e de responsabilidade ética?

A outra cadeia de condensação em torno da significante comunidade, de que nos fala Tassin, remete à ideia de comunidade política, permitindo pensar outras possibilidades de definição do comum de forma articulada com o espaço público. O espaço é público quando ele não é mais comum, ou melhor, quando ele não mais se inscreve em uma comunidade-comunhão tendencialmente próxima. Ele emerge entre o que separa os indivíduos, os mantêm em uma exterioridade de uns em relação aos outros e em uma exterioridade de cada um em relação ao conjunto. Isso significa, como sugere Tassin (1991), pensar o espaço público como uma articulação de intervalos ao invés de uma relação de distância. Intervalos que articulam sem englobar nem tampouco integrar. Assim, como nos incita pensar esse mesmo autor, falar de domínio público significa operar com uns topos da pluralidade, da diferença que se institui como um “comum” que não se funda ou se justifica em nenhuma noção de comunidade originária e que recusa, por princípio, toda ideia de comunhão final. Nessa perspectiva, a questão do “comum” se define pela relação entre domínio público e mundo comum, sendo a primeira condição do segundo. Como afirma Tassin:

(...) o mundo comum é fenomenologicamente irredutível. Mas ele não é dado: nem natural, tampouco inocente. Nós não nascemos nesse mundo: nascemos somente em mundos que são tais - mundos - por causa do mundo que eles não são (TASSIN, 1991, p. 35).

A articulação entre espaço público e mundo comum pressupõe introduzir nessa cadeia os significantes visíveis e visibilidade. O domínio público é esse espaço de visibilidade, o lugar da emergência do mundo no sentido que sem esse espaço o mundo não poderia aparecer como comum. A heterogeneidade é um elemento constitutivo do domínio público e é somente nesse sentido que ele pode ser nomeado como comum. Do mesmo modo, “o bem público não pode ser apanágio de nenhuma comunidade particular, não pode consistir na afirmação e na preservação de uma pretensa identidade comunitária: ele é a preservação do espaço político e da visibilidade que dá lugar a um mundo comum” (TASSIN, 1991, p.36).

Biesta (2013) nos oferece igualmente elementos para pensar outros arranjos discursivos para a interface conhecimento escolar-público-comum, a partir da reflexão de “duas maneiras diferentes de compreender o que poderia significar estar, viver com outros”, isto é, “duas formas de comunidade que propiciam uma entrada para a comunicação” (BIESTA, 2013, p. 95): a “comunidade racional” e a “outra comunidade” ou “a comunidade dos que não têm nada em comum” que segundo este autor “não devem ser compreendidas como duas comunidades separadas, tampouco como duas opções entre as quais podemos escolher” (BIESTA, 2013, p. 94).

A primeira expressão - ”comunidade racional” - é utilizada por Biesta para nomear um grupo constituído de vários indivíduos que compartilham uma linguagem comum, uma estrutura conceitual comum e falam como agentes racionais, isto é, como representantes do discurso comum. Isso significa que nessas comunidades o que importa é o que é dito e não quem diz. Desse modo somos intercambiáveis, porta vozes do que tem que ser dito. Importa sublinhar que essa compreensão não nega a importância dessa comunidade na medida em que ela “torna possíveis certos modos de falar e agir” (BIESTA, 2013, p. 95). A segunda expressão - comunidade que não tem nada em comum - tem a ver “com agir num espaço público, o espaço onde estamos com os outros, ou nos termos de Bauman com os estranhos” (BIESTA, 2013, p. 88).

Essas breves notas sobre outras possibilidades de definir conhecendo escolar e pensar articulação entre público e comum se apresentam como potentes para repensar as articulações discursivas hegemonizadas nos debates sobre a BNCC apontadas na seção anterior.

Se concordarmos com Masschelin e Simons (2015), para quem a escola é o lugar no qual o mundo comum é tornado público, visível para as novas gerações, o desafio consiste, então, em pensar na fronteira definidora do conhecimento escolar de forma a possibilitar essa visibilidade. Afinal “o que é digno de ser designado um bem comum, o que passa no teste de amor pelo mundo e assim, o que vale a pena liberar para o estudo e a prática e para a formação das pessoas”? (MASSCHELIN; SIMONS, 2015, p. 162). Isso significa pensar o conhecimento escolar como um bem público e como tal plural, heterogêneo, visível e sempre aberto a outras e novas configurações. Passível, pois, de ser compartilhado, herdado e relançado.

Assim, ao invés de focalizarmos em nossas análises a seleção de conhecimentos escolares a partir de critérios que se preocupem em adequá-los às demandas formuladas em termos de políticas de identidade como garantia da construção de uma escola democrática, por que não investirmos em estratégias que garantam a presença da diferença que nos articula e nos define como pertencentes a um mundo comum? Para Bauman, “a chance do companheirismo humano depende dos direitos do estranho, e não da resposta à questão sobre quem tem o direito de decidir - o estado ou a tribo - quem são os estranhos (BAUMAN, 1995 apudBIESTA, 2013, p. 89). Um currículo comum poderia ser assim pensado como um currículo do domínio público, um currículo que se inscreveria entre comunidades racionais e a comunidade dos que não tem nada em comum, entre a importância do que é dito, trazido para ser compartilhado, o que é intercambiável, visível e de quem diz, fala com sua própria voz. E isso não se traduz em conteúdos mínimos, tampouco se define necessariamente por meio de uma base comum composta de conhecimentos escolares percebidos como de objetos de conhecimento que assegurem as supostas aprendizagens essenciais. O que precisa estar sempre na mesa de negociações é justamente a vontade política de assumir o papel crucial da escola pública na garantia da manutenção de um mundo comum, plural, aberto onde é sempre possível recomeçar.

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1Para Biesta (2012) essas três funções justificam a existência da instituição escolar. A função de qualificação consiste em proporcionar conhecimento, habilidades e entendimento e também, quase sempre, disposições e formas de julgamento que permitam aos sujeitos escolarizados “fazer alguma coisa”. Importa sublinhar que essa função, não se limita à preparação para o mundo trabalho. Afinal, a ação de "proporcionar conhecimento e habilidades" carrega um potencial político que pode ser explorado tanto no sentido de manutenção como de subversão de uma ordem social hegemônica. A socialização diz respeito “as muitas formas pelas quais nos tornamos membros e parte de ordens sociais, culturais e políticas por meio da educação” (BIESTA, 2012, p. 818). A função de subjetivação funciona em oposição à função de socialização na medida em que para esse autor: "não se trata precisamente da inserção de recém-chegados às ordens existentes, mas das formas de ser que sugerem independência dessas ordens (...)" ( BIESTA, 2012, p. 819).

2Importa sublinhar que essa postura epistêmica é anti-essencialista mas não é anti-fundacionista. Se, neste último, nega-se a possibilidade de qualquer fundamento subjacente à identidade ou ao 'ser das coisas', no caso da perspectiva pós-fundacional é um sentido particular de fundamento que é questionado. A crítica a um fundamento último, metafísico sobre o qual se apoiariam as definições, não apaga, por completo, a ideia de fundamento, condição para que a definição aconteça, mas altera seu status ontológico. É nesse contexto que emerge a ideia de fundamento contingente, reconhecido como inexorável na luta política travada em meio aos múltiplos processos de significação.

3No debate político educacional contemporâneo temos assistido a reatualização de demandas de construção de uma base comum curricular como condição para a melhoria da qualidade da educação das escolas brasileiras. Essas demandas já estavam presentes no artigo 26 da Lei de Diretrizes e bases promulgada em 1996 e desde então, vêm se articulando e produzindo outras normatizações e alimentado conflitos em torno da possibilidade e necessidade da construção de um currículo comum nacional. Recentemente, com a entrada em vigor do Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos (2014-2024) as demandas em prol de uma centralização curricular são revigoradas em torno da defesa da construção de uma Base Nacional Curricular Comum traduzindo a força dessas articulações políticas no cenário educacional brasileiro. Em setembro de 2015 foi apresentada a primeira versão do documento da BNCC pelo MEC tornando-se objeto de muita polêmica tanto no que concerne o seu processo de construção quanto a sua finalidade política e epistemológica. Desde então foram disponibilizadas três versões do documento. Considerando os objetivos da análise pretendida, não cabe aqui uma análise comparativa dessas três versões. Este texto trabalha com a versão mais atual, apresentada em abril de 2017.

4Trata-se assim, de 1 (um) documento oficial (parte introdutória da terceira versão da BNCC p 5-29, publicada em abril de 2017), 1 (um) parecer ou exposição de motivos sobre a BNCC produzido conjuntamente pela ANPED/Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação e pela ABdC/Associação Brasileira de Currículo em novembro de 2015 e 8 textos acadêmicos que compõem o dossiê sobre essa temática coordenado por Elizabeth Macedo e Maria Luiza publicado em 2014 no periódico - Revista Eletrônica e-Curriculum. Esses textos estão discriminados nas referências bibliográficas e foram selecionados por tratarem diretamente dessa política. Embora esse periódico não tenha sido o único a ter organizado recentemente um dossiê com essa temática, ele foi escolhido por apresentar um vínculo claramente expresso com os estudos curriculares como indicam tanto o título da revista como o projeto editorial no qual é possível ler: “a Revista Eletrônica Científica e-Curriculum é fruto de esforços de pesquisadores no campo do Currículo (...). A revista traz ao debate temas candentes das tendências de construção dos currículos no mundo globalizado”. Longe de pretender mapear de forma exaustiva o debate político-acadêmico sobre a BNCC, o conjunto de textos selecionados representa uma pequena amostra dessa produção recente com o intuito de delimitar um campo da discursividade no qual se inscrevem as lutas pela significação trazidas neste texto como objeto de reflexão.

5O presente texto não apresenta, pois, uma preocupação em garantir uma recomposição fidedigna das ideias ou argumentos desenvolvidos nos diferentes textos selecionados. O resultado do entrelaçamento desses 10 (dez) é uma tessitura analítica na qual se integram fragmentos discursivos, alguns sob a forma de citação direta. Optei pelo uso da fonte em itálico como recurso gráfico para diferenciar esses fragmentos do resto da escrita.

Recebido: 06 de Novembro de 2017; Aceito: 23 de Maio de 2018

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