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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.65 Uberlândia mayo/agosto 2018  Epub 21-Sep-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n65a2018-10 

Artigos

Para pensarmos a prática da pesquisa em Educação

To think research practice on Education

Pour penser la pratique de la recherche en Éducation

Fausto dos Santos Amaral Filho* 

*Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Pesquisador do PPGED em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). E-mail: faustodossantos@outlook.com


Resumo

A partir da distinção epistemológica entre ciências humanas e ciências da natureza, busca-se compreender as especificidades próprias da pesquisa em educação. Para tanto, além de Aristóteles, o presente artigo recorre fundamentalmente a Descartes e a Kant. Buscando compreender que o campo de investigação em educação, não pertencendo à objetivação dos entes naturais, mas antes àquilo mesmo que nos constitui, as múltiplas possibilidades de ser, é no horizonte da linguagem, intrinsecamente polissêmica, que devemos praticar as nossas pesquisas. Ainda que, a cada passo, tenhamos que ir construindo o nosso próprio caminho (método).

Palavras-chave: Pesquisa em Educação; Método; Linguagem; Polissemia

Abstract

Starting from the epistemological difference between Human Sciences and Natural Sciences, we look for understanding specificities of research in educational area. With this purpose, the present text invokes Descartes and Kant, besides Aristotle. The conclusion is that it must be in the horizon of language - intrinsically polysemic - that we must “practice” our investigations. Looking for understanding that the investigation field doesn’t belong to natural entities, but belongs to what constitute us - multiple possibilities of being. Although, for each step, we have to build our own way (method).

Keywords: Educational research; Method; Language; Polysemy

Resumée

En partant de la distinction épistémologique parmi des sciences humaines et sciences de la nature, l’objetctif est de comprendre les spécificités propres de la recherche en éducation. Pourtant, au-delà d’Aristote, le présent article recourt fondamentalement à la Descartes et à la Kant. Cherchant à comprendre que le champ de la investigation en éducation, n’appartenant pas à la objectivation des êtres naturelles, mais avant même à ce que nous constitue, les multiples possibilités d’être, c’est dans l’horizon de la langage, intrinsèquement polysémique, qu’on doit faire recherches. Encore que, à chaque pas, il faut que nous allons enconstruis notre propre chemin (méthode).

Mots-clés: Recherche en Éducation; Méthode; Langage; Polysémie

Como sabemos, já Aristóteles fazia uma distinção entre esferas distintas do conhecimento, quando em sua Ética a Nicômaco, subsidiária da ciência maior, a Política, afirmava que o mundo propriamente humano - aquele sobre o qual recai a Ciência Política (Ética) - pertence ao horizonte do nómos, não ao da físis1. Com o que, o modo próprio de pensar o propriamente humano diferirá radicalmente do modelo de pensamento produzido pelas ciências apodícticas. Afinal, “nem todo o conhecimento é demonstrativo” (ARISTÓTELES, III, 72b). Por isso o estagirita nos adverte que seria insensato exigir do político, para efetivar a sua ciência, a mesma estrutura cognitiva que se exige do matemático para efetivar a sua.2 Reconhecendo, assim, o quanto de obscuridade e incertezas permeiam o modo adequado de se pensar a vida humana, onde o “comércio da palavra é o laço” (ARISTÓTELES, 1253a, p. 12) que a produz, não a certeza cognoscitiva apodíctica.

Porém, ainda que tais distinções entre o modo próprio de ser das ciências humanas e das ciências da natureza, como se pode ver com Aristóteles, seja uma questão vetusta, já estando lá no princípio do pensamento ocidental, é a partir da Modernidade que ela se torna crucial e adquire os contornos através dos quais é pensada hodiernamente. Ainda que seja apenas no século XVIII que tais ciências adquiram, por assim dizer, direito de cidadania, reunidas sob o nome próprio com o qual as conhecemos hoje: ciências humanas.3 Aliás, se pensarmos bem, nome até engraçado este: ciências humanas. Pois, dito assim, até parece que pode existir alguma ciência que não seja humana. No entanto, sabemos que, historicamente, as referidas ciências são assim adjetivadas relacionando-as por oposição às ciências exatas, ditas também, ciências da natureza, hoje preferencialmente, denominadas de ciências empírico-formais. Ciências estas que, ao fim e ao cabo, delimitadoras do padrão de cientificidade, acabam por ser o modelo a partir do qual as ciências humanas se constituem, ou seja, “em relação às ciências naturais” (DILTHEY, 2010, p. 28). Relação esta que, indelevelmente, marca profundamente a historicidade dos modos próprios de ser das ciências humanas. Tentemos esclarecer como.

Para tanto, já que se falou aqui que a questão das ciências humanas se torna crucial na Modernidade, vejamos o que se passa no princípio da Modernidade. Para nos ajudar, creio que começamos bem se começamos, como se diz que teria começado a própria Modernidade, com Descartes.

Ora, não erramos em dizer que o principal motivo pelo qual Descartes entrou para a história do pensamento foi por ter-nos deixado como herança, como aquilo que constantemente deve ser pensado, a questão do método. A partir de Descartes, o fato de se ter um método passa a ser o critério para se atingir o científico. Pois, para o filósofo, o método é o que permite justapor ao bom senso, ou seja, a racionalidade comum a todos os seres humanos, a possibilidade de unificação das diversas perspectivas do pensamento através de regras que delimitem indubitavelmente o campo da certeza, estabelecendo a distinção entre o falso e o verdadeiro. A partir de então, o método passa a ser “necessário para a procura da verdade” (DESCARTES, 1985, p. 23), como atesta o título da Regra IV.4 E isso não apenas para o filósofo, mas para toda uma tradição do pensamento na qual, certamente, queiramos ou não, estamos inseridos.

Mas deixemos que o filósofo nos diga, ele mesmo, o que é que entende por método: “Entendo por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exatamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso e, sem desperdiçar nenhum esforço da mente, mas aumentando sempre gradualmente o saber, atingir o conhecimento verdadeiro de tudo o que será capaz de saber” (DESCARTES, 1985, p. 24).

Como se vê, o método não promete pouco! Seguindo a delimitação do seu caminho (regras), podemos chegar a conhecer a verdade de tudo aquilo que somos capazes de conhecer. A julgar pelo caso do próprio filósofo, tudo é tudo mesmo, o que deve incluir, evidentemente, ou no caso necessariamente, o conhecimento de Deus. Dito de outro modo, o princípio ontológico que confere a realidade do mundo; ele próprio o absolutamente claro e distinto, capaz, portanto, de clarear e distinguir todo o resto.5 Mas qual é a característica desta verdade para que ela seja atingível através do método? Ora, para Descartes a verdade se estabelece através de juízos indubitáveis. Para tanto, o juízo deve mostrar de modo claro e distinto aquilo que ele diz.

Certo, mas como assim?, alguém ainda poderia dizer. Ora, pois, da mesma forma que julgamos claros e distintos os juízos matemáticos. Simples assim como quando dizemos que algo é tão certo quanto 1+1=2. Até mesmo porque, com certeza, é este, o matemático, o pano de fundo sobre o qual está alicerçado o conceito de verdade para Descartes6. Prova disso é que o próprio método é concebido primariamente como um meio próprio para se desvendar questões da geometria e da álgebra. Afinal, de todos os ramos do conhecimento, inclusive a filosofia,7 para o filósofo, ao seu tempo, “somente os matemáticos conseguiram encontrar algumas demonstrações, quero dizer, certas razões claras e evidentes” (DESCARTES, s/d, p. 41). Podemos perceber claramente como o filósofo concebe inicialmente seu método como uma espécie de aprimoramento daquelas ciências que engloba: tanto a lógica, quanto a geometria e a álgebra.8 No entanto, depois de aplicar o dito método positivamente na resolução dos problemas inerentes a geometria e a álgebra, Descartes parece compreender a verdadeira utilidade das ciências matemáticas, que antes dizia não compreender9: ser o modelo padrão de toda espécie de conhecimento, mormente o filosófico. Pois, sendo filósofo, para Descartes filosofia é, ao fim e ao cabo, ciência dos fundamentos de tudo aquilo que é, donde todas as outras ciências vão buscar os seus princípios.

Pois bem, para o fim proposto a nós, para que não o percamos de vista, ou seja, pensarmos a prática da pesquisa em educação, cabe ressaltar o modo pelo qual a questão do método se instaura no princípio da Modernidade, tomando como padrão do conhecimento verdadeiro, e, portanto, científico, o matemático.

No entanto, a coisa não pára por aí. Vejamos como Kant pode nos ajudar a compreender o vir-a-ser da nossa questão.

Para nós que passamos antes por Descartes, quando começamos a ler a Crítica da Razão Pura pelo seu Prefácio,10 logo percebemos, no mesmo tom queixoso, a mesma percepção entre os dois filósofos: diferentemente da lógica, da matemática e da física, o destino da filosofia “não foi até hoje tão favorável que permitisse trilhar o caminho seguro da ciência” (KANT, 1994, p. 18). Kant identifica o porquê: se a filosofia não trilhou o caminho seguro da ciência, evidentemente, foi pela inadequação do seu método.11 Ora, se de fato o pensamento de Kant pode ser pensado, como o próprio filósofo pensou, como um avanço em relação a Descartes, não deixemos de perceber que, se há um avanço, este se dá, a princípio, em direção ao mesmo, havendo apenas um redirecionamento do caminho,12 não a troca do seu pavimento. Pois, ainda que Kant pretenda estar fazendo uma “revolução completa” no modo do pensar filosófico (metafísico), a dita revolução continua a ser pensada “segundo o exemplo dos geômetras e dos físicos”(KANT, 1994, p. 23), sem esquecermos dos químicos, também.13

Tal revolução Kantiana seria o redirecionamento da relação cognitiva que se dá entre sujeito e objeto. Se até então, nesta relação, conhecer seria uma espécie de abstração por parte do sujeito das características essenciais do objeto, para o filósofo, conhecer é, inversamente, a adequação da intuição do objeto às características cognitivas essenciais do sujeito. Dessa maneira, redirecionando o caminho percorrido em meio ao processo cognitivo, tal como teria feito Copérnico, Kant pretende ter desvendado a razão pela qual os resultados da filosofia não terem seguido o caminho seguro da ciência, diferentemente da física, por exemplo.14

Pensemos, de maneira simples, um pouco nisto que acaba de ser dito: são os resultados de um determinado campo do saber que determinam a sua cientificidade.15 Qual o resultado de uma questão da física? Ora, a resolução de uma questão da física só comporta um resultado, aquele que, assim sendo, acaba por ser exato. E é assim, pela sua exatidão, que tal resultado pode ser reconhecido como universal e necessariamente válido. Mas, se é assim, para Kant, se os conhecimentos obtidos pela física-matemática são necessariamente universais, isto só pode se dar por tais conhecimentos não estarem fundamentados na empiria, mas por partirem de princípios a priori, ontologicamente anteriores a qualquer experiência possível. Mas o que garante a prioridade de tais princípios? Justamente o caráter de necessidade e universalidade dos princípios.16 Para nosso filósofo, “necessidade e rigorosa universalidade são, pois, os sinais seguros de um conhecimento a priori e são inseparáveis uma da outra” (KANT, 1994, p. 38). Dessa maneira, os princípios a priori nos quais se fundamenta o conhecimento da física são os princípios que regem a própria condição de possibilidade de toda experiência sensível (física) - os conceitos de tempo e espaço -, ou seja, são princípios do entendimento da própria sensibilidade e, portanto, sempre se dão acompanhados daquilo mesmo que principiam, a intuição sensível. É por isso que os conhecimentos da física não se dão nunca sobre meros conceitos, mas antes, em relação necessária com as intuições correspondentes aos conceitos no mundo fenomênico. E é justamente daí, da intrínseca relação entre conceito (entendimento) e intuição (sensibilidade),17 que toda e qualquer ciência que mereça este nome tira a exatidão dos seus resultados, e de onde, para Kant, conhecimento será algo somente possível do mundo fenomênico.18 Ou seja, daquelas entidades que, percebidas dentro dos limites impostos pelos conceitos de tempo e espaço, possuem propriamente o caráter da objetualidade. Só é objeto, em estrito senso, o ente que se submete as determinações do sujeito. Dito de outra forma, e nas palavras do próprio Kant:

A razão, tendo por um lado os seus princípios, únicos a poderem dar aos fenômenos concordantes a autoridade de leis e, por outro, a experimentação que imaginou segundo esses princípios, deve ir ao encontro da natureza, para ser por essa ensinada, é certo, mas não na qualidade de aluno que aceita tudo o que o mestre afirma, antes na de juiz investido nas suas funções, que obriga as testemunhas a responder aos quesitos que lhe apresenta. (KANT, 1994, p. 18)

Está aí, descrito pelo filósofo, o método adequado para toda e qualquer ciência. Ao fim e ao cabo, o método das ciências empírico-formais. Aquelas que, partindo de uma hipótese (conceito), sujeitam a natureza (intuição) a agir de acordo com aquilo que foi afirmado na hipótese. Se a intuição corresponde ao conceito, ou seja, se o objeto age exatamente como o sujeito o obriga a agir, temos então um conhecimento legítimo. Dito novamente por Kant, é “que a razão só entende aquilo que ela mesma produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta” (KANT, 1994, p. 18). Dessa maneira, o dito objeto tende a dizer apenas aquilo que o sujeito quer ouvir. Daí que, na cotidianidade da pesquisa, geralmente ouvimos a orientação do professor: você tem que dominar o seu objeto!

Mas será que na prática da pesquisa em educação chegamos de fato a dominar assim o nosso objeto? Será que ele é passível de tal dominação? E, sendo este o caso, é para isto que pesquisamos as questões relativas à educação? Ao fim e ao cabo, para dominar o ser humano? Como sabemos, pode ser que sim, pode ser que não. Ainda com Kant, tudo depende da forma como encaramos o nosso dever.

Ora, evidentemente que o objeto das ciências humanas e, assim, da prática da pesquisa em educação, o ser humano, é um objeto. Pois é algo que está inserido fenomenicamente no âmbito daquilo que os conceitos de tempo e espaço delimitam. É neste sentido que dizemos que somos um ser fisiológico e, assim sendo, também estamos expostos à precisão da mecânica da causalidade. No entanto, para Kant, concomitantemente, somos seres racionais e, com isto, pertencemos tanto ao mundo sensível, quanto ao inteligível. Porém, ainda que pertençamos a dois mundos, devemos nos identificar com o racional que há em nós, e, portanto, como habitantes do inteligível, pois, ao fim e ao cabo, é ele - o racional - que nos define. Nas palavras do próprio filósofo:

Por tudo isso é que um ser racional deve considerar-se a si mesmo como inteligência (isto é, não pela parte de suas forças inferiores), não como pertencente ao mundo sensível, mas ao inteligível; ter, portanto, dois pontos de vista dos quais pode considerar-se a si próprio e reconhecer leis do uso de suas forças e, por conseguinte, de todas as suas ações. (KANT, 2011, p. 85)

Assim, se considerarmo-nos sob o ponto de vista da nossa pertença ao mundo sensível, como um objeto qualquer, estamos submetidos às determinações da causalidade e, assim, como qualquer outro objeto, podemos ser dominados. Porém, como ser racional, do ponto de vista do inteligível, “a independência das causas determinantes do mundo sensível (independência que a razão tem sempre de se atribuir) é a liberdade”. (KANT, 2011, p. 85) Pelo que, o ser humano, sendo um ser racional, é fundamentalmente livre. Liberdade esta que vivenciamos na prática do nosso dia a dia como um fato da própria razão, a lei moral. O fato de, diante do reino das possibilidades, devermos necessariamente fazer escolhas. Necessitamos determinar nossa vontade por causa desta liberdade. Portanto, se a liberdade é a causa da nossa vontade, só ela mesma é capaz de determiná-la como um princípio.

Dessa maneira, justamente por estar solto no âmbito da liberdade, movendo-se no horizonte das possibilidades, o ser humano, se não pode exatamente tudo, pode muito, inclusive, não se auto-realizar livremente. Sempre uns podem reduzir os outros à simples meios para consecução dos seus próprios desejos. Tratando-os, assim, como coisas e não como pessoas.19 Inclusive, eu mesmo posso me ver como uma espécie de coisa, incapaz de determinar livremente a minha própria vontade. Não é por outro motivo que a lei moral para Kant se impõe não como aquilo que é, mas como um dever ser, algo que só pode ser realizado na atualização constante de um fim. Fim este que é o próprio homem enquanto ser racional e, portanto, livre.20

Pois bem, se é assim, se aquilo que determina a prática da existência humana é a liberdade, podemos pensar que é a liberdade que deve determinar o conhecimento produzido pelas ciências humanas, mormente pela educação. Afinal, geralmente não concordamos com o fato da educação possuir, justamente, um caráter libertador? Por que, então, haveríamos de dominar o nosso objeto?

Kant parece ter compreendido algo que devemos levar em conta. Sem deixar de lado a tradição cartesiana, que, como vimos, toma o aritmético como padrão de conhecimento, antes pelo contrário, reforçando-o, o filósofo de Koningsberg delimita o campo axiomático de tal padrão aos limites do mundo fenomênico. Aquele mundo no qual a todo conceito corresponde necessariamente, no mínimo, uma intuição sensível. Dito de maneira mais simples, ao mundo físico. Não é por nada diferente que a ciência paradigmática de todo processo cognitivo para Kant é a Física. Já vimos isto.

Mas então, se é assim, se conhecer é apenas e tão somente aquilo que envolve a possibilidade da determinação exata (aritmética) das coisas, como é que nós, nas ciências humanas, podemos chegar a conhecer o ser humano, se àquilo que o determina, o conceito de liberdade, não corresponde intuição sensível alguma? Pois sabemos que:

A liberdade é uma mera ideia cuja realidade objetiva de modo algum pode ser exposta segundo leis naturais e, portanto, em qualquer experiência possível; por conseguinte, posto que jamais se lhe pode subpor um exemplo nem analogia alguma, nunca pode ser concebida nem sequer conhecida. (KANT, 2011, p. 91)

Portanto, podemos pensar que, para Kant, fica claro que o método de conhecimento das ciências naturais não tem como ser empregado quando o que se quer conhecer é a dimensão propriamente humana da vida. E, antes de pensarmos que por isto, por não se enquadrarem nos estreitos limites do conhecimento científico, as questões mais propriamente humanas, como as listadas pelo filósofo: liberdade, imortalidade da alma, Deus - podemos incluir aí amor, justiça, felicidade, educação -, perdem o seu valor, antes pelo contrário, é propriamente ao mundo daquilo que mais vale para nós que tais conceitos se referem. É para legitimar o valor de tais conceitos que Kant escreve a Crítica da Razão Prática. Mostrando-nos que os limites impostos pelo padrão de conhecimento científico não impõem limites para que continuemos a tentar compreender as questões propriamente humanas. Até mesmo porque, já está claro, não é através do método das ciências naturais que chegamos ao conhecimento daquilo que vale para o ser humano. Pois, para o filósofo, o que vale propriamente para o ser humano se dá no uso prático da razão, que, sendo antes de tudo um uso da razão, se realiza necessariamente em meio a legitimidade do uso das faculdades cognitivas inerentes a si. Dessa maneira, aquelas questões que mais propriamente interessam ao ser humano, ainda que não possam ser conhecidas cientificamente, não fogem do espectro cognitivo da racionalidade, antes pelo contrário. Até mesmo porque, embora Kant conceba dois usos completamente distintos da razão, conforme interesses diversos: um dizendo respeito ao conhecimento de objetos (teórico), o outro relativo à determinação da vontade (prático)21, para o iluminista, a dita razão é sempre una, pois “só encontra plena satisfação numa unidade completamente sistemática dos seus conhecimentos”. (KANT, 1989, p.106) Talvez porque seja um só e o mesmo aquele que, além de ter seus desejos, também conhece objetos. Esse mesmo sobre o qual se debruça a pesquisa em educação, o ser humano.

Com Kant, parece que voltamos, de alguma forma, a Aristóteles: à percepção de que a investigação das questões propriamente humanas não comporta a mesma metodologia apropriada para a investigação do mundo natural. Pois que se parte da compreensão de que, embora o ser humano faça parte do mundo natural, não é este que mais especificamente corresponde ao seu ser, àquilo que ele propriamente é. Somos evidentemente seres fisiológicos, contudo, “se o fisiológico fosse o fundamento do humano deveria haver, por exemplo, moléculas de despedida”. (HEIDEGGER, 2001, p. 179)

Aquilo que dimensiona a existência humana, como encontros e despedidas, por exemplo, não pertence ao campo do naturalmente calculável. Bem como, a educação.

Ora, mas não é justamente por isto que “críticas de diferentes naturezas foram feitas entre nós a esses modelos quantificadores”, (GATTI, 2001, p. 74) “e os estudos com dados quantitativos foram praticamente banidos” (GATTI, 2001, p. 74) dos nossos cursos de pós-graduação? Pelo que, hodiernamente o que predomina nas pesquisas é o modelo qualitativo, ou seja, “aquelas metodologias que não se apóiam em medidas operacionais cuja intensidade é traduzida em números”. (GATTI, 2001, p. 74)

Sim, o mais provável é que sim. Que a referida distinção entre modelo quantitativo e qualitativo tenha surgido para dar conta das exigências do conhecimento daquilo que determina o propriamente humano. Contudo, “os problemas não são poucos, tanto de um lado quanto de outro”, e isto não apenas por conta da “precária formação que tivemos ou temos, para uso e crítica tanto dos métodos ditos quantitativos como dos qualitativos”. (GATTI, 2001, p. 76) Talvez a própria distinção não seja muito boa e, portanto, partindo-se dela, não se possa chegar a bons resultados. Pois a suposta distinção entre modelos, ocultando a intrínseca relação entre o quantitativo e o qualitativo, instaura uma oposição entre ambos, instando o pesquisador a seguir um modelo ou o outro. Como se quantidade e qualidade fossem coisas opostas por contradição.22 Inclusive, bem especificamente, em relação ao dito objeto de estudos das ciências humanas. Certamente que são as palavras que nos conduzem, por isso o cuidado que temos que ter ao usá-las. Pois são elas que, ao fim e ao cabo, direcionam a práxis.

Para o pesquisador em educação, só há uma forma de encontrar o seu dito objeto de estudos, indo ao mundo. Mundo este que, necessariamente, só pode ser o mundo tal qual aparece para nós, ou seja, o mundo fenomênico da empiria. Cujos dados, evidentemente, não podemos desprezar. Quantificar o mundo é uma das qualidades que mais apreciamos em nós mesmos. Pois é ela que nos dá certezas sobre nós e nos abre a possibilidade de controlar o quantificado, de, como já foi dito, dominar o objeto. Quantificação esta que, não custa ressaltar, não é apenas e tão somente estabelecida através dos números, mas, sobretudo, pela lógica predicativa, ou seja, por aquela linguagem que recai especificamente sobre qualidades. Ela mesma possuidora dos seus próprios quantificadores (todo, nenhum, algum). Com o que, parece ficar mais do que evidente que a dita distinção entre o qualitativo e o quantitativo, mantendo-nos na superficialidade dos acontecimentos, não só não nos ajuda a pensar as questões relativas à pesquisa em educação, mas, concomitantemente, em muito pouco auxilia a sua prática.

Contudo, como também já foi de alguma forma indicado, nas ciências humanas, mormente em educação, não podemos confundir o conhecimento do humano com a sua dominação. No caso, pode ser o caso, que a dominação do humano até atrapalhe o seu conhecimento, ou até mesmo já revele um profundo desconhecimento em relação a ele, ou, até mesmo, uma profunda má vontade. Pois, se levamos em conta que a liberdade realmente é um fato determinante na constituição da existência humana, para lembrarmos a linguagem kantiana, só dominamos os outros quando os tratamos como coisas, como objetos, como meios, não como fins em si mesmos, ou seja, como sujeitos. Porém, ao fim e ao cabo, uma das nossas possibilidades mais próprias é a coisificação do outro. No entanto, prestemos atenção neste fato: tanto para podermos tratar os outros como objetos ou como sujeitos temos que pressupor a liberdade. É neste sentido que a Educação, se de fato lhe cabe o epíteto de ciência, só pode ser uma ciência ética,23 e, portanto, se podemos seguir a percepção inicial de Aristóteles, política por princípio. Principalmente se entendemos que ética, aqui, se refere fundamentalmente àquilo que pensamos a partir do fato da liberdade. Fato este compreendido como o jogo que se dá entre as possibilidades do ser que somos e a sua efetiva realização. Sendo que política, então, se refere ao lugar onde o referido jogo se realiza.

É por isso que, se de fato pode haver um caráter libertador na educação, também é fato que a educação também pode ser propícia à dominação daqueles que envolve. Pois tudo aquilo que envolve a educação, inclusive a dita Pesquisa, já pressupõe, no seu início, o uso da liberdade e, portanto, uma decisão. Indicador, sobretudo, daquilo que se quer do ser humano. A educação é aquilo que se exige do outro, sendo que o outro, neste caso, é sempre um si-mesmo.

É por tudo isso que o primeiro passo para iniciarmos uma pesquisa em educação é a decisão sobre o modelo de cientificidade que seguimos. Será que ainda pensamos que as ciências empírico-formais são o modelo para as ciências humanas? E, se não o são, como atingir o grau de objetividade que o conceito de ciência frequentemente exige? E mais, será que a dita objetividade é de fato passível de ser requerida quando o que se estuda pertence ao âmbito daquilo que mais propriamente nos faz humanos? Ao fim e ao cabo, será que a educação pode ser considerada realmente uma ciência? Será que isto realmente lhe convém?

Ora, tudo depende do valor semântico com o qual queremos denominar a educação referindo-se a ela como uma ciência. Certo é que, dependendo do que nós mesmos nos autorizarmos a chamar de ciência, e, portanto, do modelo cognoscitivo com o qual resolvermos nos comprometer, a pesquisa em educação decide, antes de tudo, se deseja o predomínio da dominação, ou se opta pela liberdade na ação dos sujeitos que engloba. Pois, se seguimos os princípios epistemológicos das ciências empírico-formais, quer estejamos plenamente conscientes disso ou não, o mais que podemos fazer é aplicar o padrão da objetivação das coisas aos sujeitos de nossas pesquisas, e assim, convenientemente, termos a prazerosa sensação de que dominamos o nosso objeto. Contudo, se não é essa a nossa vontade, mas se ainda queremos resguardar a produção de um discurso que seja intersubjetivamente válido24 e tomamos previamente a decisão pelo amplo horizonte das possibilidades múltiplas de efetivação da humanidade, o que devemos fazer? Qual será a nossa prática?

Ora, podemos continuar pensando, sobretudo em nós mesmos. E, pensando, podemos logo perceber que aquilo que efetiva as múltiplas possibilidades de ser humano é a linguagem.25 Os antigos gregos já sabiam disso: ánthropos kaì zóon lógon, o homem é o animal que fala. É a linguagem que institui o mundo propriamente humano.26 Toda a linguagem - é preciso dizer -, e não apenas uma forma específica do seu uso.

Mas por que é preciso dizer isto? Ora, se o primeiro passo para a consecução de uma pesquisa em educação passa pelo reconhecimento de que os princípios nos quais se fundam as ciências empírico-formais não são plenamente apropriados para a compreensão das dimensões propriamente humanas, é justamente porque a linguagem na qual se fundamentam as referidas ciências não se apropria das múltiplas possibilidades do ser-humano, recusando-as antes, desde o princípio. Como assim?

Ora, a linguagem que fundamenta as ciências empírico-formais é a linguagem lógica, aquela na qual um significante só pode ter um único significado apenas. Tendo por princípio, portanto, a monossemia das palavras. É por isto que desde Platão todo discurso com pretenção epistemológica começa sempre pela definição, a restrição semântica das palavras para que cada qual só possa dizer sempre o mesmo, tendo assim, um único valor semântico, o lógico. É por isto que o Mestre da Academia, mesmo antes de expulsar os poetas da sua cidade ideal, já brigava com eles desde os seus primeiros diálogos. Pois, para instaurar uma sociedade que rompesse com a tradição mítica, ou seja, para produzir a possibilidade de um outro mundo, seria preciso, por princípio, uma outra linguagem capaz de se opor à linguagem poética, cujo princípio repousa na polissemia. É assim que, em oposição política ao mundo vigente da linguagem polissêmica, pode-se dizer que Platão funda a possibilidade de uma linguagem efetivamente oposta àquela vigente e, assim, capaz realmente de fundar um outro mundo, contrário àquele de então. Não mais fundado na polissêmia das palavras, mas antes, na restrição monossêmica dos seus usos. O lógos greco-ocidental, antes de ser metafísico, é, sobretudo, político. Fruto primeiro da consecução de um desejo, não da fundamentação de um saber.27

A linguagem poética, não se opondo à polissemia, antes pelo contrário, aconhendo-a desde o princípio, não se opõe ao princípio possibilitador da própria linguagem. Se um significante só pudesse ter um único significado apenas, ao fim e ao cabo, ter-se-ía que ter, na consequência do que foi dito, uma palavra distinta para cada entidade que habitasse o mundo. Algo, evidentemente, difícil de se realizar. A linguagem se torna possível justamente pela economia do seu princípio: o fato de um único significante poder abarcar uma pluralidade de significados possíveis.

Portanto, se somos linguagem, “significantes em busca de significado” (STEIN, 2001, p. 70), somos, tal qual a linguagem que nos engendra, seres fundamentalmente polissêmicos. Aquilo que nos funda é a multiplicidade das possibilidades de ser. E por isso, se o que desejamos com as ciências humanas é conhecer o homem tal qual ele é, tem-se que partir do reconhecimento de que, seja o que for o humano, aquilo que ele é pode ser de muitos modos. Tanto quanto serão variados os modos de conhecê-lo.

Porém, ainda que sejam variados tanto os modos de ser, quanto de conhecer o humano, todas as suas possibilidades se constituem em meio a linguagem. Neste caso, aquilo que nos diferencia é o mesmo que nos unifica. Justamente porque aquilo que instaura a linguagem é por princípio a polissêmia. É só em meio a diversidade que podemos falar propriamente de algo comum.

Dessa maneira, se ainda é preciso falar em método na pesquisa em educação, rendendo votos à Modernidade que nos criou, o caminho que devemos seguir é efetivamente o caminho da linguagem. Pelo que, a educação, se é uma ciência, uma ciência ética, como já afirmamos aqui, a sua realização é hermenêutica. Buscando nas palavras o desvelamento das suas possíveis significações.28 Neste sentido, ao invés do dominínio de um objeto, é a escuta do outro que estabelece efetivamente a pesquisa em educação. É no deixar ser do outro que ele prórpio pode revelar-se. Se aquilo que queremos é realmente conhecê-lo, e não subjugá-lo, evidentemente. Assim, pesquisar envolve sempre a compreensão de uma possibilidade de nós mesmos. A ampliação do nosso eu, não o reforço de um ego.

No entanto, agora que vamos chegando ao nosso final, bem que podemos frustar aqueles que esperam de nós um direcionamento, a clara especificação dos passos metodológicos que uma pesquisa em educação deve seguir, assim, ordenadamente como em Descartes: primeiro, segundo, terceiro, quarto. Ora, se recusamos este dito modelo de racionalidade, é claro que não podemos fazer o mesmo. Assim, ao que parece, aparentemente temos pouco a oferecer, principalmente para aqueles que pensam que a compreensão do ser humano possa se dar assim como na referida tradição, de maneira clara e segura, tal qual acontece quando fazemos um cálculo matemático.

Porém, se para todo caminhar é decisivo o primeiro passo, na medida em que pode determinar o sentido para o qual nos direcionamos, talvez já tenhamos feito alguma coisa ao, dando o primeiro passo, ressaltarmos as dificuldades, ou até mesmo as ilusões epistemológicas com as quais se depara aquele que decide iniciar uma pesquisa em educação, mormente para quem pensa que a educação pode ser um fator decisivo para a efetivação da liberdade humana.

O mais provável para nós é que, no momento, seja a poesia que possa nos dar algum indício sobre o método mais apropriado para a pesquisa em educação, mostrando-nos, desde o princípio, uma das caracteristicas fundamentais do caminho que temos a seguir:

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar

(Antonio Machado)

Referências

MACHADO, Antonio. Campos de Castilla. Madrid: Ediciones Cátedra, 1989. [ Links ]

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1“As ações boas e justas que a ciência política investiga parecem muito variadas e vagas, a ponto de se poder considerar a sua existência apenas convencional, e não natural” (ARISTÓTELES, 1094b, p. 15).

2“os homens instruídos se caracterizam por buscar a precisão em cada classe de coisas somente até onde a natureza do assunto permite, da mesma forma que é insensato aceitar raciocínios apenas prováveis de um matemático e exigir de um orador demonstrações rigorosas” (ARISTÓTELES, 1094b, p. 25).

3Quando, a partir do século XVIII, surgiu a necessidade de encontrar um nome comum para esse grupo de ciências, elas foram denominadas sciences morales ou ciências humanas (ciências do espírito), ou por fim, ciências da cultura” (DILTHEY, 2010, p. 27).

4Não que a questão do método só apareça agora, depois de Descartes, na história do pensamento. Já podemos encontrá-la, mutatis mutandis, nos Diálogos de Platão.

5“E isso porque, em primeiro lugar, o que a pouco tomei como uma regra, isto é, que as coisas que nós concebemos muito claras e distintas, são todas verdadeiras, apenas é certo porque Deus é ou existe, porque é um ser perfeito e tudo quanto em nós existe nos vem dele” (DESCARTES, s/d, p. 74).

6“A conclusão a tirar de tudo o que precede é que não se deve aprender apenas a Aritmética e a Geometria, mas somente que, na procura do reto caminho da verdade, não há que ocupar-se de objeto algum sobre o qual não se possa ter uma certeza igual às demonstrações da Aritmética e da Geometria” (DESCARTES, 1985, p. 17).

7“Quanto à filosofia, direi somente que, vendo que já era cultivada pelos espíritos mais excelentes que já existiram em numerosos séculos, mas que, entretanto, ainda não continha nada que não fosse objeto de discussão e por isso duvidoso, não era eu bastante presunçoso para esperar sair-me mais felizmente do que os outros” (DESCARTES, s/d, p. 22).

8“Essa foi a causa de considerar eu ser necessário achar um novo método que, englobando as vantagens das três, estivesse isenta dos seus defeitos” (DESCARTES, s/d, p. 39).

9“Agradavam-me, especialmente, as matemáticas, pela exatidão e a evidência dos seus raciocínios, mas não entendia ainda qual a sua real utilidade e, acreditando que apenas servissem para artes mecânicas, admirava-me de que, sendo as suas bases tão sólidas, tão firmes, nada de mais elevado se tivesse sobre elas edificado” (DESCARTES, s/d, p. 20).

10O Prefácio da Crítica da Razão Pura aqui referido é o Prefácio da Segunda Edição, de 1787.

11“Não há dúvida, pois, que até hoje o seu método tem sido um mero tateio” (KANT, 1994, p. 19).

12“A tarefa desta crítica da razão especulativa consiste neste ensaio de alterar o método que até agora seguiu” (KANT, 1994, p. 23).

13“Esta experimentação da razão pura tem grande analogia com o que os químicos, por vezes, denominam redução e em geral processo sintético” (KANT, 1994, p. 22).

14Cabe ressaltar que a física, na qual pensa Kant, é a física newtoniana. “Kant adota a física de Newton sem, no entanto, abandonar a teoria clássica da ciência, na qual havia se formado. Ele aceita a mecânica newtoniana, porém a interpreta através da idéia racionalista de ciência. Isto é decisivo: para Kant, a física newtoniana é algo mais que uma mera generalização de dados empíricos ou uma descrição matemática feliz e conveniente dos fenômenos que poderia, eventualmente, eventualmente ser corrigida no futuro; ela é um conhecimento que implica caráter universal e necessário” (PORTA, 2002, p. 109).

15“Só o resultado permite imediatamente julgar se a elaboração dos conhecimentos pertencentes aos domínios próprios da razão segue ou não a via segura da ciência” (KANT, 1994, p. 15).

16Em primeiro lugar, se encontramos uma proposição que apenas se possa pensar como necessária, estamos em presença de um juízo a priori (...). Em segundo lugar, a experiência não concede nunca aos seus juízos uma universalidade verdadeira e rigorosa, apenas universalidade suposta e comparativa (por indução) (...). Portanto, se um juízo é pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, de tal modo que nenhuma exceção se admite como possível, não é derivado da experiência, mas é absolutamente válido a priori” (KANT, 1994, p. 38).

17“Sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado” (KANT, 1994, p. 89).

18“O nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito, das quais a primeira consiste em receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda é a capacidade de conhecer um objeto mediante estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira é-nos dado um objeto; pela segunda é pensado em relação com aquela representação (como simples determinação do espírito). Intuição e conceitos constituem, pois, os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem conceitos sem intuição que de qualquer modo lhe corresponda, nem uma intuição sem conceitos podem dar um conhecimento” (KANT, 1994, p. 88).

19“Os seres, cuja existência não assenta em nossa vontade, mas na natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, um valor meramente relativo, como meios, e por isso denominam-se coisas, ao passo que os seres racionais se denominam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não deve ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio”. (KANT, 2011, p. 59)

20“Agora eu afirmo: o homem - e, de uma maneira geral, todo o ser racional - existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim”. (KANT, 2011, p. 58)

21“O interesse do seu uso especulativo consiste no conhecimento do objeto (Objekt) até aos mais elevados princípios a priori, o do uso prático na determinação da vontade, em relação ao fim último e completo”. (KANT, 1989, p. 139)

22“É preciso considerar que os conceitos de quantidade e qualidade não são totalmente dissociados, na medida em que de um lado a quantidade é uma interpretação, uma tradução, um significado que é atribuído à grandeza com que um fenômeno se manifesta (portanto é uma qualificação dessa grandeza) e, de outro, ela precisa ser interpretada qualitativamente, pois sem relação a algum referencial não tem significação em si”. (GATTI, 2001, p. 74) “A dicotomia, quantitativo-qualitativo, como julgamento de valor científico, não se sustenta”. (GATTI, 2012, p. 30)

23O que para nós, que já lemos a nota 3 deste nosso texto, não é nenhuma novidade, pois já sabemos que um dos primeiros nomes do que hoje chamamos de ciências humanas foi sciences morales.

24“Abre-se a questão sobre se os nossos interlocutores, especialistas de outros campos, estão compreendendo e podem articular as contribuições que oferecemos com nossos estudos”. (GATTI, 2012, p. 14)

25“Um pensamento é ele mesmo uma proposição na linguagem do pensamento, mantendo um vínculo estreito com o signo proposicional. Assim como um signo proposicional só constitui uma proposição dotada de significado se é projetado sobre o mundo por um pensamento, também uma relação entre elementos psíquicos só é um pensamento (e não, por exemplo, uma dor de cabeça) se constitui uma projeção de um signo proposicional. Os pensamentos não são entidades que estão além da linguagem, e a linguagem não é um simples meio para a transmissão de um processo pré-linguístico do pensamento”. (GLOCK, 1998, p. 273)

26“A reviravolta lingüística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta é momento necessário constitutivo de todo e qualquer ser humano”. (OLIVEIRA, 1996, p. 13)

27Para uma ampliação do que foi dito aqui sobre Platão, pode-se ver: AMARAL FILHO, 2008.

28Procurou-se evitar ao máximo o uso do termo hermenêutica. Contudo, aqui está ele. Evitou-se o dito termo por, já estando incorporado ao idioma escolar, pode ser o caso de alguém vir a pensar que aqui estamos optando por uma corrente metodológica, assim como quem deixa outra corrente de lado, como, por exemplo, a dialética materialista. Pois, geralmente, quem pensa assim a hermenêutica, pensa-a como uma ferramenta capaz de desvendar a interpretação correta de um texto. O uso que fazemos do termo hermenêutica aqui, nada tem a ver com uma suposta possibilidade de correção interpretativa, quer seja de textos, quer daqueles que os produzem. Mas, muito mais propriamente, queremos referenciar com tal termo a consequência de termos assumido uma determinada posição em relação a nós mesmos, os seres humanos, conforme já falamos com a voz de Ernildo Stein, o fato de nos considerarmos, ao fim e ao cabo, “significantes em busca de significado”. (STEIN, 2001, p. 70)

Recebido: 30 de Janeiro de 2017; Aceito: 22 de Agosto de 2017

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