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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.65 Uberlândia maio/ago 2018  Epub 21-Set-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n65a2018-14 

Artigos

René Schérer e a Filosofia da Educação: primeiras aproximações

René Schérer et la Philosophie de l’Éducation: premières approches

René Schérer and Philosophy of Education: first approaches

Sílvio Gallo* 

*Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: gallo@unicamp.br.


Resumo

Este artigo efetua um “sobrevoo” (no sentido conceitual de Deleuze e Guattari) sobre a obra do filósofo francês contemporâneo René Schérer com o objetivo de procurar os traços ali presentes de uma Filosofia da Educação. Elege três eixos ou pivôs na heterogeneidade da obra: a problematização da infância; uma política da hospitalidade; o anarquismo como marca de um pensamento aberto, rebelde e inovador para, a partir deles, traçar os contornos desta Filosofia da Educação. Apresenta a noção de “dispositivo pedagógico”, que promove uma infantilização das crianças. Na contramão deste processo, o filósofo propõe uma “infância maior”, que se afirma por si mesma, sem tutelas. Uma Filosofia da Educação pensada neste registro só pode ser tomada como abertura, expressão de um pensamento errante e anárquico, sem princípios (fundamentos) e sem transcendência. A proposta de uma educação que não seja pura condução, mas um “caminhar junto” com as crianças.

Palavras-chave: Filosofia da Educação; René Schérer; Dispositivo pedagógico; Infância; Devir-criança

Résumé

Cet article fait un «survol» (au sens conceptuel de Deleuze et Guattari) sur le travail du philosophe français contemporain René Schérer avec le but d’y chercher les traces d’une philosophie de l'éducation. Trois axes ou pivots sont élus dans l'hétérogénéité de l’oeuvre: la problématisation de l’enfance; l’hospitalité comme principe politique; l’Anarchisme comme marque d'un esprit ouvert, rebelle et innovant. L’article présente la notion de «dispositif pédagogique», qui produit un effet d’ infantilisation des enfants et, en contraposition, l’idée d’une «enfance majeure», sans tutelle. Une philosophie de l'éducation pensée dans ce cadre ne peut être considéré que comme une ouverture, l'expression d'une pensée errante et anarchique, sans principes et sans transcendance. La proposition d'une éducation qui ne soit pas la conduite des enfants par les adults, mais un « co-ire » entre les adultes et les enfants.

Mots-clés: Philosophie de l'éducation; René Schérer; Dispositif pédagogique; Enfance; Devenir-enfant

Abstract

This article makes a “flyover” (in the Deleuze and Guattari’s conceptual sense) on the work of contemporary French philosopher René Schérer in order to look for the traces of a Philosophy of Education. Elects three axes or pivots on the heterogeneity of his work: the questioning of children; the hospitality as a political principle; Anarchism as a mark of an open mind, a rebellious and innovative thinking, and draws the contours of a Philosophy of Education. It introduces the notion of “pedagogical device”, which promotes an infantilization of children. Against this process, the philosopher proposes a “major childhood”, which states itself without guardianships. A Philosophy of Education thought this context can only be taken as openness, expression of a wandering and anarchic thought, unprincipled (with no foundations) and without transcendence. The proposal of an education that is not pure driving, but a “walk together” with the children.

Keywords: Philosophy of Education; René Schérer; Pedagogical device; Childhood; Becoming-child

René Schérer é professor emérito do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris 8 e, embora tenha hoje mais de 90 anos de idade, segue trabalhando, oferecendo um seminário de doutorado anualmente, escrevendo e publicando. Seu livro mais recente, Petit Alphabet Impertinent, foi publicado em 2014. De uma geração de filósofos franceses que teve expoentes como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, com os quais conviveu e trabalhou, ele é, porém, bem menos conhecido entre nós.

Como veremos a seguir, Schérer é autor de uma obra razoavelmente vasta, tendo publicado quase 30 livros sobre variados temas, bem como foi responsável por edições comentadas de textos de autores como Charles Fourier e Edmund Husserl, além de artigos, entrevistas e textos de conferências. Dentre os temas abordados, alguns deles tangenciam problemas educativos, outros o focam mais diretamente, como seu livro Émile Perverti, no qual vemos um intenso diálogo com Rousseau e o intento de propor um processo educativo em direção bastante distinta daquela preconizada pelo mestre do século XVIII. O objetivo central deste texto, resultado de uma pesquisa recente, é percorrer essa obra, balizando-se em uma pergunta: seria possível identificar nesse conjunto múltiplo e mais ou menos caótico uma Filosofia da Educação? Ou, em outras palavras, seria possível delinear os contornos do que seria uma Filosofia da Educação na obra de Schérer?

A resposta, desde já anunciada como positiva, será trabalhada ao longo do texto.

Alguns aspectos de uma vida que se faz obra filosófica

René Schérer nasceu em 25 de novembro de 1922 na pequena cidade de Tulle, no interior da França, irmão mais novo de Jean-Marie Maurice Schérer, o conhecido cineasta da nouvelle vague Éric Rohmer. Obteve seu baccalauréat em 1939 e entre esse ano e 1943 desenvolveu estudos superiores em Clermont-Ferrand e em Lyon. Entre 1943 e 1947 foi aluno da Escola Normal Superior de Paris, onde obteve a licença e um mestrado em Filosofia, tendo obtido sua agrégation em Filosofia também em 1947. Até 1950 foi professor na Argélia e retornou à França para ensinar no Liceu de Montpellier, onde permaneceu até 1954. Entre 1955 e 1960 foi pesquisador independente junto ao CNRS em Paris, tendo sido professor em liceus parisienses entre 1960 e 1968.

Schérer defendeu sua tese de doutorado em Filosofia em 1966 na Universidade de Paris (Sorbonne), com o título Structure et fondement de la communication humaine; essai critique sur les théories contemporaines de la communication. Começou sua carreira universitária na Universidade de Tours (1968-1969) e em 1969 foi “recrutado” por seu amigo François Châtelet, que junto com Foucault era responsável pela composição do Departamento de Filosofia do Centro Universitário Experimental de Vincennes, que viria a constituir a Universidade de Paris 8. Nesse departamento, em que foi colega de Foucault e de Châtelet, além de Deleuze, Badiou, Rancière, dentre outros, permaneceu até sua aposentadoria em 1990, quando recebeu o título de “professor emérito”. A aposentadoria, porém, não significou o encerramento de suas atividades acadêmicas, uma vez que permaneceu frequentando a universidade, participando de eventos e, especialmente, dando um seminário para doutorado (aberto a demais interessados) a cada ano.

O filósofo René Schérer jamais escondeu sua condição homossexual. Em 1962, professor de liceu, conheceu um aluno, então adolescente: Guy Hocquenghem (1946-1988), com quem manteria uma relação amorosa até sua morte. Foram companheiros amorosos, mas também no pensamento e na militância. Escreveram juntos várias obras, algumas delas sobre o tema do homossexualismo, e militaram na FHAR (Front homosexuel d'action révolutionnaire - Frente Homossexual de Ação Revolucionária). A posição de Schérer, porém, foi sempre contra a constituição e prática do casal como forma de vida; inspirado em Charles Fourier e em sua crítica ao familialismo, uma das posições que defende é a de que os homossexuais estariam em condições de romper com a noção burguesa de família. Haveria, portanto, a potência de um devir-revolucionário no estilo de vida homossexual, minando a estrutura moral burguesa, em lugar de reafirmá-la.1

Ao percorrermos a obra publicada de Schérer, destacam-se vários temas e perspectivas: afinado com a tradição filosófica acadêmica francesa, realizou estudos sobre filósofos, como Husserl, Heidegger, autores que também traduziu, e Deleuze, de quem foi colega de departamento; estudos sobre o pensamento de Charles Fourier, autor que recolocou em circulação no meio intelectual francês a partir da década de 1970; obras dedicadas à questão da infância; livros sobre estética e filosofia da arte; e obras voltadas para o pensamento anarquista contemporâneo.2 Dentre as dezenas de livros que publicou, apenas um foi traduzido e publicado no Brasil: Infantis: Charles Fourier e a infância para além das crianças (Autêntica, 2009).

Constantin Irodotou, ao comentar a obra de Schérer em um seminário realizado na Universidade de Paris 8 em novembro de 2011, escolheu o tema da alma como ponto em torno do qual gravita seu pensamento. Mas o que mais chama a atenção é o jogo linguístico que utilizou para marcar seu pensamento como uma espécie de errância filosófica, na contramão da lógica de um pensamento sistemático, ao grafar seu sobrenome como Sch-errer. Em suas palavras:

René Schérer fala da alma e não é a primeira vez. Ouso dizer - e engajo-me em demonstrar - que toda sua obra pode ser lida como uma errância em busca da alma. Desde o início, a errância contradiz o sistema. Não há um sistema schereriano. Há, sim, eixos, pivôs, caminhos, sempre à margem. (IRODOTOU, 2013 apud CANY; ROBVEILLE, 2013, p. 24)

Desses eixos, pivôs ou caminhos errantes, destaco três, os mais chamativos na composição de uma Filosofia da Educação e, portanto, mais importantes para esse trabalho: a problematização da infância; uma política da hospitalidade; o anarquismo como marca de um pensamento aberto, rebelde e inovador.

A obra de Schérer é marcada por uma defesa da sexualidade da criança e suas implicações no processo educativo. No livro Emílio Pervertido - relações entre a educação e a sexualidade (publicado originalmente em 1974 e com uma reedição em 2006) defende que a educação é perversa, por recusar-se a enfrentar seriamente a problemática da sexualidade infantil, e aponta que ela produz uma “infantilização” das crianças. Contra esse processo, coloca o conceito deleuziano de devir-criança.

Schérer produziu uma noção crítica de infância e de sua conformação pela pedagogia moderna. Defendeu que a infância é uma invenção do adulto e que só pode ser pensada em relação à “adultidade”. Para ele, a infância deve ser pensada como “movimento”, no rastro de Charles Fourier. Porém, as instituições educativas operam em uma direção contrária; como afirmou em uma conferência feita na Universidad Internacional de Andalucía em dezembro de 2006,

“[...] não é possível conceber uma educação e uma pedagogia infantil sem pensar ao mesmo tempo na completa transformação da ordem social, uma vez que todas as instituições educativas objetivam, ao contrário, imobilizar a expansão do movimento passional. Deste modo é que [Fourier] chegou a esta conclusão que concerne, a um só tempo, à infância e aos estudos pedagógicos” (SCHÉRER, 2009b, p. 212)

Enfim, a exploração conceitual da infância por Schérer, que encontra no conceito deleuziano de “devir-criança” uma expressão importante, fundamenta sua afirmação de que vivemos na modernidade uma “perversão da pedagogia”, que se ocupa do infantil apenas como modo de atingir a idade adulta. O que nos leva a perguntar: o que seria, em sua concepção, uma pedagogia não pervertida, que tomasse a criança como movimento, como devir? Seria possível uma tal pedagogia? Ou ela seria, por si mesma, uma espécie de contradição em termos?

Outro conceito presente em seu pensamento e que ganhou centralidade em sua obra é o de “hospitalidade”, que ele trata como uma ética e como uma erótica. Segundo o autor, na antiguidade a hospitalidade era tomada sob a égide de uma divindade (daí o título de um de seus livros, Zeus hospitaleiro) e modernamente apresenta-se numa perspectiva jurídica, tendo sido pensada por Kant como o princípio fundamental de um Direito internacional. A reflexão de Schérer sobre o tema, que se entrecruza com produções de seu colega Jacques Derrida, assume uma perspectiva mais contemporânea, como presidindo um processo de subjetivação tanto individual quanto coletivo, que visa substituir o medo frente ao estrangeiro pela alegria em seu acolhimento.

O que se defende aqui é que o conceito de hospitalidade, tal como trabalhado por Schérer, constitui uma filosofia política. Sua exploração conceitual deu-se como uma forma de opor resistência à xenofobia crescente na França nas décadas de 1980-1990, tanto que ele concluiu o livro Zeus Hospitalier, publicado em 1993, com uma alegoria da deusa Hospitalidade falando aos franceses, criticando a ideia de uma “nacionalidade de sangue” e dando vivas à “invasão” dos estrangeiros, anunciando o tempo dos hóspedes, em que cada um será uma espécie de “hóspede do hóspede”. Nesse mesmo livro, lemos:

Torna-te aquilo que és; Eu é um outro. A virtude da hospitalidade bebe dessas duas fórmulas simples e inesgotáveis, divisas de nossa modernidade.

Elas formam um apelo a uma hospitalidade permanente, sem reservas e sem limites, de nossas casas, de nossas pátrias, de nossas almas, de nossos corpos. (SCHÉRER, 2005, p. 226)

A filosofia política da hospitalidade abre uma perspectiva utópica (no sentido de algo a ser perseguido e realizado) de um cosmopolitismo que vai se tornando possível pelo processo de globalização, compreendido por Schérer como uma “desterritorialização universal”, que torna possível uma “cidadania do mundo”, para além das fronteiras físicas.

Enfim, um terceiro eixo. Em alguns de seus últimos trabalhos, Schérer dedicou-se a pensar o anarquismo, não como sistema político, mas como aquele princípio que inspira a liberdade de pensamento filosófico. Em sua visão, o anarquismo não se apresenta como um sistema político existente ou que possa ser definido em si mesmo; ao contrário, trata-se de um princípio que atravessa toda ação política e todo pensamento filosófico, de maneira mais ou menos intensiva. O anarquismo proposto por Schérer não está mais ligado a reivindicações individualistas, mas é concebido no contexto de uma nova sociabilidade, gestada no mundo dilacerado de nossos dias, apontando para uma nova forma de comunitarismo, centrado na hospitalidade.

Pensamento errante: em torno de um anarquismo filosófico

Conforme foi afirmado anteriormente, o pensamento de Schérer não é de modo algum sistemático; ele está mais para uma errância criativa que para a construção de um sistema explicativo. Ele próprio pronunciou-se a esse respeito:

[...] Se fosse absolutamente necessário dar uma legitimação e uma coerência ao meu pensamento, eu o situaria ali, do lado desta zona indeterminada, deste fundo obscuro onde os opostos se reencontram sem que se possa dizer como. E, sobretudo, sem que seja indispensável pesquisar como [os opostos se juntam].

[...]

Essa ausência de sistema em meu pensamento se liga, no fundo, a isso de que encontrei a melhor expressão em Fourier: um estilo “ambiente e fragmentado”, correspondente à dominância da paixão dita “alternante” ou “borboleteante”: mover, mudar. Eu fiz apenas incursões, propus pontos, sem insistir.

[...]

O que eu gosto, é de procurar ver, de desenhar uma ideia. Mas demonstrar, completar e complicar é muito pesado e me cansa. De fato, penso que serei feito por uma obra coletiva, mais que individual. Isso é o que, em certos casos, foi tentado em Vincennes ou de modo geral em 1968 [...] E o que há de pior é que aqueles que advogaram a morte do sujeito e o impessoal foram os que fizeram as maiores obras individuais. Há aí, claro, um paradoxo criador, mas é ainda assim um paradoxo em que a ideia de criação coletiva foi abolida. É absolutamente necessário ser si mesmo, é isso que é sufocante. Esmagador. É necessário sair disso. (SCHÉRER; LAGASNERIE, 2007, p. 202-203)

Essa mesma dimensão, destacada no pensamento, podemos encontrar na prática didática de Schérer. Quando ele comenta sua atuação como professor na Universidade de Paris 8, destaca sempre esse aspecto de busca coletiva, de construção de um pensar por si mesmo como resultado do trabalho de um grupo que se dedica a um tema. Por isso, sempre recusou a forma da “aula magistral” (que não foi abandonada por muitos, como por Deleuze, por exemplo), em função de uma aposta no “seminário”, um trabalho sempre aberto e coletivo. A forma didática do seminário permite, segundo ele, essa exploração e experimentação coletiva do pensamento que, ao mesmo tempo, possibilite que cada um pense por si mesmo, autonomamente.

A abertura ao novo, esse “borboleteamento” (termo que Schérer toma de Fourier) entre as ideias e conceitos, a recusa de um pensamento como sistema levou o filósofo, em seus últimos escritos, a explorar o que ele denominou de um “anarquismo filosófico”.

O anarquismo filosófico defendido por René Schérer (que ele também denomina um “anarquismo tensorial”, que investe nas tensões, ou como um “anarquismo diferencial”) é uma forma de exercitar o pensamento e possui duas bases com as quais ele dialoga: Emmanuel Levinas e François Châtelet.

De Levinas, Schérer toma a ideia presente na obra Autrement qu’être - ou au-delà de l’essence de uma anarquia como ausência de princípio. Levinas busca o sentido etimológico grego de an-arché (não-princípio), no contexto da discussão com a fenomenologia de Husserl, que coloca a consciência como fundamental na percepção do outro e de si mesmo. Para ele, a “an-arquia”, a ausência de princípio é justamente a possibilidade de saída dessa filosofia da consciência, lançando-nos mais para a direção do outro do que para nós mesmos. É a relação com o outro, compreendida para além da clássica percepção da fenomenologia da doação de sentido, que possibilita a saída dessa espécie de “prisão da consciência”.

[...] É minha responsabilidade pelo outro que é o por da relação, o significado mesmo da significação que significa no Dizer antes de se mostrar no Dito. O um-pelo-outro - isto é, o significado mesmo da significação! - Não que o “além” seja mais longe que tudo isso que aprece ou que está “presente na ausência” ou “manifestado por um símbolo”. Isso seria, ainda, submeter-se a um princípio, dar-se na consciência. O que conta aqui é a recusa de deixar-se aprisionar ou domesticar por um tema. O movimento, indo “além”, perde seu significado próprio, faz-se imanência, desde que o logos interpele o além, o investido, o presente e o exponha, seguindo que sua não manutenção na proximidade e exterioridade absoluta, sem medida comum com o presente, não edificável em si, sempre “já no passado” - sobre o qual o presente retarda - sobre o “agora” que essa exterioridade inquieta ou obseda. Esta forma de tornar inquietante o presente sem se deixar investir pela αρχη da consciência, estriando de raios a clareza do ostensível, nós denominamos traço. Anarquicamente a proximidade é assim uma relação com uma singularidade sem a mediação de princípio algum, de nenhuma idealidade. Concretamente, a esta descrição corresponde minha relação com o próximo, significado distinto da famosa “doação de sentido”, pois a significação é esta relação mesma com o próximo, o um-por-outro. (LEVINAS, 2013, p. 158-159)

Na reflexão de Levinas, a anarquia não se apresenta como desordem, mas como uma ordem outra, para além do logos. É o logos que a percebe e a denuncia como desordem, na medida em que ela escapa de sua lógica. Mas é justamente aí que reside o interesse por essa ausência de princípio, que não aceita a consciência como princípio: ela se apresenta como uma “perturbação do ser” e uma abertura de possibilidades.

Mas a an-arquia não é, com efeito, a desordem oposta à ordem, como a defecção do tema não é um pretendido retorno a um “campo de consciência” difuso, precedendo a atenção. A desordem não é senão uma ordem outra e o difuso é possivelmente tematizável. A anarquia perturba o ser para além dessas alternativas. Ela interrompe o jogo ontológico que, precisamente enquanto jogo, é consciência onde o ser se perde e se reencontra e, assim, se ilumina. (LEVINAS, 2013, p. 159-160)

Enfim, a anarquia filosófica de Levinas como afirmação de uma ausência de princípio - da consciência tomada como princípio - permite uma efetiva relação com o outro, que desenha uma ética para além de qualquer lógica ou ontologia.

De Châtelet, Schérer toma a ideia da anarquia como ausência de transcendência. Ele cita uma entrevista de 1975, na qual Châtelet afirmava que:

Anarquia não é ausência de organização, é ausência de transcendência, recusa em impor de qualquer maneira o que seria um princípio de funcionamento que fosse prévio ao funcionamento real... A ideia de interioridade é a transcendência por excelência. (CHÂTELET apudSCHÉRER, 2008, p. 39)

De modo que seriam dois os eixos básicos do “anarquismo filosófico” proposto por Schérer: ausência de princípio e ausência de transcendência. Um pensamento que se recusa aos pressupostos, mas que se faz experimentação no ato mesmo de pensar, sem o apelo àquilo que está fora, àquilo que é fundante. Podemos dizer, assim, que é a afirmação de um pensamento da imanência pura, que experimenta o pensar no ato mesmo de sua construção. Para falar com Deleuze, parece ser possível afirmar que o anarquismo filosófico tal como pensado por Schérer seria o exercício de um “pensamento sem imagem”,3 seguindo o apelo que encontramos em Diferença e Repetição.

Assim, na esteira do exercício do pensamento como prática de um anarquismo filosófico, perseguir os traços de uma Filosofia da Educação presente no pensamento e na obra de René Schérer significa pensá-la não como sistema e como proposição de uma forma de educar; ao contrário, significa pensá-la no âmbito da crítica, da denúncia de um estado de coisas perpetuado pela modernidade, o que o filósofo caracterizou como um “dispositivo pedagógico”, e no convite a uma construção coletiva de elementos que possam conectar-se e reconectar-se, produzindo novos panoramas, novas possibilidades. A educação pensada, vivida e praticada como devir e abertura.

Uma Filosofia da Educação?

Após fazer um “sobrevoo”4 pela obra filosófica de René Schérer, parece ser possível identificar os traços de uma “Filosofia da Educação” em seu pensamento. Ela se desdobraria em torno dos seguintes pontos:

  • A análise da “perversão” operada pela escola sobre a criança, através de um “dispositivo pedagógico” que infantiliza.

  • A busca da criança para além da infância: a criança que se manifesta na rua, longe da escola e das instituições.

  • A defesa da sexualidade da criança, que não pode ser negada e nem reduzida a uma “sexualidade infantil”.

  • A afirmação da possibilidade de um “aprender nômade” para além da escola, que se manifestaria num anarquismo filosófico como prática do pensamento autônomo.

Nessa Filosofia da Educação, um conceito chave é o de “dispositivo pedagógico”. Ora, sabe-se que Foucault propôs o conceito de dispositivo, falando primeiramente em “dispositivo de sexualidade” e depois aplicando-o a outros campos, mas nunca chegou a falar em dispositivo pedagógico. Para compreender a ideia de dispositivo, vejamos uma explicação esquemática apresentada pelo próprio filósofo:

O que eu tento descobrir sob esse nome é, primeiramente, um conjunto decididamente heterogêneo, que comporta discursos, instituições, arranjos arquitetônicos, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em resumo: do dito, tanto quanto do não dito, eis os elementos do dispositivo. O dispositivo propriamente é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos.

Em segundo lugar, o que gostaria de descobrir no dispositivo é exatamente a natureza do laço que pode existir entre esses elementos heterogêneos [...] Em terceiro lugar, por dispositivo entendo uma espécie - digamos - de formação, que, em um dado momento histórico, teve por função maior responder a uma urgência. O dispositivo tem, pois, uma função estratégica dominante. (FOUCAULT, 2014, p. 45)

Dispositivo pedagógico seria, pois, aquilo que provoca a união do conjunto de linhas de forças muito heterogêneas que tornam possível o campo educativo. Temos ali toda uma arquitetônica das escolas, que se reproduz em todos os espaços; um conjunto de discursos pedagógicos que pontificam sobre o que é e como educar; coleções de leis que regulamentam os processos educativos; uma miríade de práticas que vão sendo inventadas e exercitadas por professores em suas salas de aula; toda uma moralidade social que se constrói em torno da educação; a institucionalização das práticas, assim como as instituições pedagógicas propriamente ditas, isso para ficar apenas nos elementos principais dessa heterogeneidade. Cada dispositivo, afirma Foucault, responde a uma urgência, a uma dada problemática; no caso, aquela enunciada pela educação moderna, pensada como formação dos seres humanos para viver nas sociedades democráticas. O dispositivo está inscrito em um dado jogo de poder, que implica em produção de saberes, e desempenha um papel estratégico. Qual a estratégia do dispositivo pedagógico?

No prefácio escrito em 2006 para a reedição do livro Émile perverti (publicação original de 1974),5 Schérer escreveu que:

O centro de nosso sistema, de nosso “dispositivo” pedagógico, como dizia Michel Foucault, em relação à infância, é certamente essa distância exigida, essa criminalização em proporções desmedidas, inéditas, de qualquer gesto, de qualquer toque. (SCHÉRER, 2006, p. 10)

O filósofo denuncia que hoje a relação do adulto com a criança é marcada pelo distanciamento; qualquer aproximação pode ser interpretada como pedofilia e ser imediatamente criminalizada. Mas essa distância exigida nas relações seria reflexo apenas de transformações culturais que foram se cristalizando na forma de leis? Para Schérer, não; para ele, isso faz parte de um processo mais amplo, relativo ao contexto das relações dos adultos com as crianças. A esse amplo processo ele propõe chamar, na esteira de Foucault, de dispositivo pedagógico da infância. Em outra obra Schérer apresenta uma ideia precisa de tal dispositivo; trata-se da:

Colocação em funcionamento de um observatório, o estabelecimento de um terreno artificial de observação dos fatos e dos gestos da criança na sua integralidade. É a descrição das relações, em Rousseau, entre Emílio e o preceptor, que parece-me ser o esquema mais claro. Pois Emílio exemplifica o dispositivo da “educação negativa”, que consiste em deixar a criança livre para se desenvolver, mas nas condições de um meio previamente reservado pelo pedagogo. Rousseau insiste: o perigo vem sempre de fora. Por isso intitulei meu primeiro livro sobre a infância Emílio pervertido.” (SCHÉRER; LAGASNERIE, 2007, p. 149-150)

Vê-se, então, que o dispositivo pedagógico prepara e implementa uma “infantilização da criança”. Schérer afirma que a infância é um conceito criado pelos adultos que, em lugar de nos permitir conhecer e compreender a criança, nos afasta dela, pois o que nos dá a conhecer é uma imagem da criança de acordo com os contornos e as formas definidas de antemão pelo adulto. Infantilizar a criança é conformá-la a um conceito definido pelo adulto. E tal conformação é levada a cabo por isso que ele denomina dispositivo pedagógico da infância. Mesmo em Rousseau, com a defesa de uma “educação negativa”, que estaria pautada na livre expressão da natureza da criança, o que vemos é seu desenvolvimento moldado pelo preceptor, pelo adulto, através da “mão invisível” do dispositivo pedagógico.

Segundo Schérer, a criança moderna (assim como a contemporânea) é definida por uma “pedagogização integral”: ela não pode ser compreendida senão como objeto de processos educativos. Aí está o cerne da “perversão pedagógica” denunciada por ele. Se hoje se fala contra a perversidade do adulto na relação com a criança, uma vez que qualquer contato físico pode ser identificado como “pedofilia”, o filósofo inverte o fluxo e anuncia que a perversão está é na conformação da criança, que é infantilizada, tendo negados seus desejos e sua sexualidade, por uma visão construída pelos adultos e imposta a ela.

E a pedagogização decorrente do dispositivo pedagógico é integral, atravessa todo o meio social. De nada adiantaria defender, por exemplo, uma “desescolarização”; não é apenas na escola que o sistema de infantilização opera, ele está disseminado pelas instituições. O dispositivo pedagógico está de tal modo espalhado pelo sistema social, que a pedagogização integral não deixaria de atuar.

Em lugar de atacar a escola, trata-se de atacar uma “ideologia pedagógica” em seu conjunto; a luta seria por liberar as crianças desse dispositivo e dessa ideologia. Tendo escrito Émile Perverti na época de grande circulação das ideias de Illich sobre a desescolarização da sociedade, Schérer procurou mostrar que não bastava atacar a escola e mesmo aboli-la; o inimigo é outro, mais amplo e, mesmo por isso, mais perigoso.

Não é apenas a escola contemporânea, com seu imenso aparelho administrativo, que está em jogo. Se não víssemos mais que a escola, poderíamos pensar em uma “sociedade sem escolas”, que não faria mais do que reconduzir, no que concerne à educação da criança e sua relação, hoje em dia um frasco de tinta, à sexualidade, as mesmas taras. A luta contra a escola-instituição é boa, mas é necessário retornar, através dela, ao cerne do discurso inaugural no qual ela se justifica que, não sendo estritamente escolar, é muito mais pedagógico. Através da escola, é a ideologia pedagógica no seu conjunto que precisa ser visada, ainda que os ridículos retardados da instituição façam com que talvez os pedagogos se rebelem contra ela em nome de um ideal que ela apenas traiu.6 (SCHÉRER, 2006, p. 21-22)

Se não basta atacar a escola, haverá forma de enfrentar o dispositivo pedagógico em sua abrangência? Segundo Schérer o sistema precisa ser atacado,

Porque me parece incontestável que todas as sociedades modernas e contemporâneas se encontraram frente a um fracasso pedagógico, nutriram a ilusão pedagógica sem poder chegar a encontrar um modo equilibrado ou harmônico, segundo a terminologia de Fourier, de viver com sua infância. O modo não pedagógico, seria este “caminhar junto”, que são os diversos “agenciamentos” apresentados em Co-ire, um “ir com”.7 (SCHÉRER; LAGASNERIE, 2007, p. 148)

Schérer afirma que os adultos infantilizam a criança, tornando a infância algo menor, que precisa ser educado para tornar-se adulto. Colocam-se as crianças na forma da infância para que elas possam realizar o modelo do ser adulto, através de um processo de crescimento balizado pelos processos educativos. Inspirado na filosofia de Charles Fourier, ele defende uma inversão desse esquema, propondo uma “infância maior”, que se define por si mesma e não por uma conceituação adulta.

Se tomarmos essa via de uma afirmação da criança por ela mesma e nela mesma, além de qualquer processo de infantilização pelo dispositivo pedagógico, não se trataria então de educar a infância, mas de com ela produzir encontros e agenciamentos, um caminhar em conjunto, um “ir junto” com as crianças, sem imposições de modelos. Seria ainda possível, em tal contexto, falar em “educação”? Que “condução” seria essa, que não impõe o caminho, mas o constrói junto, ao mesmo tempo em que se trilha?

Traçando uma linha de fuga à pedagogização integral e ao dispositivo pedagógico, Schérer recorre aos conceitos de Deleuze e Guattari de “blocos de infância” e de “devir-criança”, como investimento no minoritário, como a possibilidade de qualquer transformação. De forma que afirmar uma “infância maior” é também, por mais que possa parecer paradoxal, afirmar um devir minoritário, um “devir-criança”. E Schérer foi certamente quem mais desenvolveu esse conceito, apenas apontado por Deleuze e Guattari.

Para Schérer, esse conceito possibilita sair do registro da infância pensada pelo adulto, de modo especial na tradição da Pedagogia e da Psicologia, com suas noções evolutivas:

O devir-criança instala-se, instala-nos no distanciamento: distanciamento absoluto em relação a qualquer forma de devir-adulto, do devir familial para o qual ela se limita a ser um único período da infância, evolutivo, aquele que conduz à idade adulta; e um único destino final, aquele que o transforma em sujeito, que lhe serve de “estrutura”. Pensar o devir criança, pensar a infância a partir dele, em sua esfera, é rejeitar o acervo de ideias, os pesados grilhões e disfarces impostos à infância pela tradição pedagógica e psicológica, bem como pelo universo psicanalítico com seus estágios, suas transferências, suas castrações, sua subordinação da infância a uma significação única, à verticalidade de uma única ereção. (SCHÉRER, 2009a, p. 193)

A afirmação da criança através desse conceito não significa, porém, uma visão da infância como inocência, como pureza:

Deleuze garante, também, o devir-criança contra a ideia do retorno a uma infância que seria inocência. O devir, ao contrário, é a escapada, a linha de fuga da infância: não num sonho que seria apenas o substituto, a compensação das frustrações do real - que, pedagogicamente, conviria fazer com que ele retornasse -, mas num distanciamento que lhe permita forjar as armas para a luta. “Máquina de guerra” contra os adultos, estratégia. (SCHÉRER, 2009a, p. 206)

Ao contrário da afirmação ingênua da inocência, o devir-criança é uma arma de luta, possibilidade de pensar e agir de outros modos, fora dos modelos impostos pelos adultos. De forma que se abre inclusive para os adultos que queiram resistir ao dispositivo pedagógico, tomando essa linha de fuga e produzindo um devir-criança que lhes permita ir além de sua condição adulta imposta ao longo de suas vidas. O devir-criança constitui-se, assim, como uma abertura de horizontes e possibilidades para um trabalho educativo que se coloque à margem da pedagogização moderna. Por isso, ele se constitui como um dos pivôs8 de uma Filosofia da Educação pensada por Schérer.

Para concluir: linhas de fuga de uma Filosofia da Educação

Em seu Petit alphabet impertinent Schérer reservou a letra “E” para a palavra emancipação. Sua exploração conceitual parte de uma exploração do sentido etimológico da palavra mainmise, que não tem uma tradução direta ao português. Segundo ele, o sentido da palavra é capturar, prender, segurar com a mão, colocar (mise) a mão (main). Emancipação seria, assim, escapar a esse tipo de captura, fazer retirar a mão que está pousada sobre alguém. E aponta que, após uma emancipação dos escravos, uma emancipação dos povos e da emancipação das mulheres, resta ainda um grupo a emancipar-se: as crianças.

A criança é, sem dúvida, um dos últimos e aguardar uma forma de emancipação, certamente difícil de ser adquirida, uma vez que, precisamente, seu estatuto na sociedade contemporânea é marcado pela minoridade. O “não emancipado” está, forçosamente, sob tutela.

A criança vê-se mantida (maintenu) no interior de um estatuto de minoridade.

Será que, na continuidade de uma emancipação dos escravos, de uma emancipação dos povos que, estando submetidos à tutela de estrangeiros e que cada vez mais reclamaram sua emancipação sob a forma de direito à nacionalidade dos colonizados, será que, após a emancipação das mulheres, seria possível entrever uma emancipação da criança? (SCHÉRER, 2014, p. 24)

A provocação de Schérer certamente não é pequena; seríamos capazes de pensar a criança em modo maior, fora do estatuto de menoridade e sob tutela permanente? Teríamos condições de pensar a criança emancipada da tutela adulta? Que educação e que pedagogia seria desdobrada de uma tal condição? São perguntas que pedem uma exploração e um tratamento por uma Filosofia da Educação contemporânea.

Mas um alerta é necessário. Ainda que defenda a liberação da criança da tutela do adulto, pensar a infância como “infância maior”, Schérer não romantiza nem idealiza a criança, como é comum vermos em muitos estudos sobre a infância. Ele não afirma uma “inocência” inerente à criança, uma “bondade natural” ou qualquer coisa parecida, que poderia ser corrompida pelo adulto, sendo, portanto, necessária a constante vigilância e proteção das crianças. Elas possuem seus próprios desejos, inventam seus próprios modos de pensar, experimentam o mundo e agem. As crianças, vivendo em grupo sem a tutela dos adultos, organizam seus próprios “bandos” e muitas vezes podem ser vistas como pequenos bandidos, pois se colocam “fora da lei”, uma vez que a lei é invenção adulta. O problema é que estão o tempo todo sendo enquadradas pela infantilização adulta, pelas engrenagens do dispositivo pedagógico e dificilmente podemos ver crianças nessas condições.

A emancipação da criança prevê um trabalho educativo de outra ordem, que se coloque como resistência ao dispositivo pedagógico moderno. Uma Filosofia da Educação pensada com René Schérer implicaria pensar o ato educativo como linha de fuga, como “co-ire”, ir junto com as crianças, não normatizando e ditando suas ações, mas aprendendo com elas, entrando, com elas, num devir-criança que abre possibilidades de investir contra o mundo adulto. Uma produção de minoridades, de invenções, de possibilidades de criação, a cada momento, para além dessa pedagogização integral da qual somos, todos, vítimas e executores ao mesmo tempo.

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1Isso, porém, não pode ser tomado de modo absoluto. Em dezembro de 2013, ao ser entrevistado por um jornalista argentino, foi-lhe perguntado se era contra ou a favor do casamento homossexual, tema que ganhou evidência na França naquele ano, com várias passeatas de ativistas contrários à legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Sua resposta foi taxativa: afirmou tratar-se de uma questão civil de igualdade de direitos. Posicionou-se contra a forma casamento e sua afirmação de um familialismo, mas evidenciando que se isso é possível aos heterossexuais, deveria ser possível também aos homossexuais, por justiça. Sendo algo possível a todos, cada um pode tomar sua própria decisão, sendo a dele próprio a de fugir deste tipo de ação que mais serve para referendar a ordem burguesa do que para perturbá-la. Posições como essa colocam em relevo a agudeza de seu pensamento, a coerência de suas posturas e a lucidez que mantém.

2Verificar, nas Referências Bibliográficas, as obras publicadas por Schérer.

3Ver, de modo especial, o capítulo 3 de Diferença e Repetição, intitulado “A imagem do pensamento”. Ali Deleuze delineia a noção de imagem do pensamento como aquilo que conforma o pensamento e nos permite pensar, mas apenas dentro dos parâmetros definidos de antemão por essa imagem do pensamento, pois é ela quem define o que é pensar, como pensar, o que é possível pensar. Por isso, Deleuze identifica as imagens do pensamento como dogmáticas, de modo que elas promovem apenas “recognição”, um pensamento do já pensado, e não um pensamento novo, virgem, criativo. Para que a criação no pensamento seja possível, Deleuze afirma ser necessário produzir um “pensamento sem imagem”.

4O sobrevoo como ato filosófico foi proposto por Deleuze e Guattari (1992, p. 33) em O que é a filosofia?, ao destacá-lo como “estado do conceito”, como se pode ver no trecho a seguir: “O ‘sobrevoo’ é o estado do conceito ou sua infinitude própria, embora sejam os infinitos maiores ou menores segundo a cifra dos componentes, dos limites e das pontes. O conceito é bem ato de pensamento neste sentido, o pensamento operando em velocidade infinita (embora maior ou menor)”.

5É importante destacar que, na publicação original de 1974, Schérer não falava em dispositivo, mas em “ideologia pedagógica”, expressão talvez mais à moda na época. Após tomar conhecimento da noção foucaultiana de dispositivo (que apareceu no primeiro volume da História da Sexualidade, publicado em 1976), Schérer reorganiza suas ideias, propondo o conceito de dispositivo pedagógico, certamente mais abrangente e preciso que a expressão utilizada anteriormente.

6Note-se no trecho citado o uso da expressão “ideologia pedagógica”, que seria depois substituída por dispositivo pedagógico, que implica em muitos mais elementos que a ideologia, pois esta estaria circunscrita ao campo discursivo.

7Schérer refere-se a um trabalho que realizou com Hocquenghem e que foi publicado no número 22 da revista Recherches, em 1976, sob o título Co-Ire: album systématique de l’enfance. Os autores fazem uso da expressão latina co-ire para denominar esse caminhar junto com a criança, sem impor a ela uma forma pré-definida pelos adultos.

8Pivô é uma expressão que Schérer toma de empréstimo a Fourier e que potencializa em seus escritos.

Recebido: 04 de Maio de 2016; Aceito: 21 de Setembro de 2016

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