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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dic 2018  Epub 22-Sep-2020

 

EDITORIAL

EDITORIAL

Fillipa Silveira* 

*Diretoria de Editoração


O presente número da Revista Educação e Filosofia traz aos nossos leitores fecundas reflexões sobre temas que passam do atual ao atualíssimo no âmbito educacional, filosófico e político. Em um momento político tão fortemente marcado pela necessidade de resistência e de reflexão com qualidade, as releituras de temas e conceitos já clássicos no domínio da educação e da filosofia são bem vindas e celebradas como excelentes instrumentos de incitação ao debate. Além disso, tentando acompanhar a exacerbação e a velocidade da dita “sociedade da informação”, alguns de nossos artigos lançam reflexões críticas sobre temas “novos”, suas “tecnologias”, e a não necessária decorrência, a partir disso, de um aprimoramento em nossa capacidade de comunicar, educar, produzir, pensar melhor.

Sem perder o rigor da análise e a precisão conceitual - risco maior das análises acadêmicas voltadas a questões hodiernas - nosso “contemporâneo” se vê representado em artigos sobre temas como decolonialidade, reprodutibilidade algorítmica, linguagem tecnocibernética. Além disso, alguns artigos nos brindam com as sempre bem vindas relações entre pensamento e arte - cinema, literatura - fusão motriz da capacidade imaginativa, tão potencialmente transformadora em termos educacionais e políticos. No fundo desses artigos, paira a dimensão estética do aprender, do pensar, do ensinar, constituindo importante ferramenta nos processos de reflexão e de engajamento, de enfrentamento do autoritarismo, do individualismo, da violência, e do embotamento da intelectualidade e da sensibilidade.

Encontramos esse espírito já no início deste volume, na entrevista com Francis Wolff, conduzida pelo professor Marcos Seneda. É sobre a “nossa” humanidade que versa o livro mais recente do filósofo francês, mas, já no início da entrevista, conhecemos um pouco mais do percurso de formação individual do autor, uma formação humanística, interdisciplinar, marcada por errâncias e encontros. Um caminho que se constitui como fecundo terreno para o desenvolvimento de uma reflexão filosófica crítica, que parte do espanto individual diante da existência, mas logo se conduz para o ver-se em um mundo, numa humanidade da qual fazer parte, e sobre a qual tecer formas de compreensão.

Na sequência, nosso volume contempla temas tradicionais como linguagem e ciência explorados sob um viés crítico. No primeiro artigo desta edição, Ivan Cunha ressalta aspectos educacionais e políticos do Círculo de Viena, célebre pelo desenvolvimento, entre as décadas de 20 e 30, de pesquisas em torno da filosofia da linguagem. De acordo com o autor, o intuito de disseminação científica caro ao grupo pode ser observado numa continuidade entre a orientação fisicalista de análise de enunciados e as redes de cooperação desenvolvidas no âmbito científico.

Nosso segundo artigo, por sua vez, interroga-se sobre a suposta neutralidade na abordagem da filosofia por meio de seus métodos de ensino. Revisitando, de um lado, a metodologia estrutural e, de outro, seus críticos brasileiros, Bruno Alexandre julga identificar o caráter dogmático implicado na referida metodologia, atribuindo à perspectiva dos críticos uma atitude, ao contrário, interrogativa.

Seguindo, de certa forma, o viés das relações entre ciências, filosofia e educação, Judikael Branco, no terceiro artigo do nosso volume, questiona as tensões implicadas entre ciência e moral, ressaltando o papel da cultura humanística por oposição à educação pautada pelo tempo e pela cultura técnico-científica.

O quarto artigo volta-se mais especificamente ao domínio da educação, trazendo uma contribuição para a discussão sobre a perspectiva estética da linguagem. Paloma Silveira e Margarete Axt argumentam sobre sua relevância nas discussões sobre a escrita criativa na formação dos profissionais da educação infantil.

Também no âmbito da educação, o quinto artigo deste número reúne discussões empreendidas num seminário de estudos sobre corpo, conhecimento e educação na obra de Michel Serres. Nesta, Alexandre Vanzuita e Marynelma Garanhani identificam uma compreensão do corpo como suporte do saber e da invenção, e do conhecimento no âmbito da educação como mestiçagem.

Nosso sexto artigo nos encaminha às relações entre filosofia, educação e cinema. A partir de contribuições da Teoria Crítica, Ana Paula Gomide tece uma discussão sobre o filme A Fita Branca, de Michael Haneke, considerando temas como a formação dos indivíduos e as bases psicossociais da personalidade autoritária. Numa discussão extremamente atual, dado o contexto político brasileiro, a autora identifica, no referido filme, as efervescências de um clima cultural propenso ao fascismo, à violência, à indiferenciação dos indivíduos e à dominação da natureza, bem como formas de reação à opressão.

O sétimo artigo partilha do tema da formação, dessa vez problematizando a questão de uma “educação para as virtudes” na teoria moral de Alasdair MacIntyre. Passando pela definição, conteúdos e objetivos da educação, o autor Marcos Rohling explora em que sentido, para o filósofo, as instituições educacionais contribuem para o enfrentamento de problemas morais contemporâneos por meio da criação de critérios de justificação moral.

O tema da indústria cultural é abordando no oitavo artigo sob o viés mais específico da cultura digital. Vânia e Antônio Zuim tecem uma crítica à chamada reprodutibilidade algorítmica na sociedade da “Internet das Coisas”, problematizando o cenário de processamento, ranqueamento e classificação de informações, controlado por grandes empresas.

Na sequência, o nono artigo tece uma análise da linguagem na obra Júlia ou a Nova Heloísa, de Jean Jacques Rousseau. Compreendendo-a como uma obra que transita entre a literatura e a filosofia, Chirley Domingues explora a riqueza da linguagem literária e metafórica de Rousseau. Entre o “dito” e o “sugerido”, a obra do autor propiciaria ao leitor uma experiência sensível, para além do alcançado pelo domínio do inteligível.

No décimo artigo deste volume, José Maurício de Carvalho discute as teses de Martin Buber sobre educação, questionando a perda, por parte da educação humanista, de seu caráter de universalidade. Isso ocorre quando o projeto pedagógico de um povo restringe a liberdade pessoal e política a uma questão de ordem individual. Esta universalidade só poderia residir num projeto de educação comunitária, com a participação ativa de todos os agentes escolares.

Eduardo Oliveira Sanches e Divino José da Silva abordam, na sequência, o tema da infância nas obras Reflexões sobre a criança, o brinquedo, a educação e Infância berlinense: 1900, de Walter Benjamin. Nos ensaios, o tratamento da “cultura da criança” envolveria memória e história, apontando para uma modificação da temporalidade e dos papéis sociais na sociedade em que a própria ideia de infância é redefinida como moderna.

A atualíssima discussão sobre decolonialidade é tratada no nosso décimo segundo artigo. Nilton Mullet Pereira e Elison Antônio Paim discutem mais especificamente as singularidades do ensino de história por meio dos chamados “temas sensíveis”, que tornam possível modificar representações, salientando o papel do ensino de história nos processos de resistência política e social. O tema do eurocentrismo, por exemplo, é abordado por meio da ênfase conferida aos aspectos ético e estético do ensinar.

No artigo O pensar compreensivo e o inflacionamento do pensar informativo na Educação, os autores Fábio César Junges, Antonio Escandiel de Souza e Adair Adams discutem um tema de também atualíssima relevância para a educação, qual seja o cenário das tecnologias predominantes nas pesquisas escolares. A qualidade da oferta de material (seja técnico ou intelectual) parece contrastar negativamente com a precariedade das interpretações desenvolvidas, revelando um enfraquecimento da própria ideia de pesquisa. Uma reflexão em forma de “conto” ergue-se contra a linguagem tecnocibernética.

Em seguida, Miguel Ahumada Cristi e Xus Martín García visitam Paulo Freire, enfatizando, já de saída, sua metodologia pedagógica como práxis política. Para enfatizá-lo, Miguel Cristi e Xus García discutem as bases teóricas, sua fundamentação, e a práxis de uma educação como liberação baseada no diálogo. Em tempos de violência ideológica e de banalização da formação - esta que deveria ser o elemento maior de nossa constituição como membros de uma cultura -, celebramos esta “visita” também como uma aliada em nossa obstinação e não aceitação do esvaziamento político das práticas educacionais, acadêmicas, de aprendizado e de produção de saber.

Nosso penúltimo artigo explora o fundo kantiano em comum, apesar do distanciamento temporal, entre o pensamento de Schiller e o de Hannah Arendt em torno da arte e da política. Daiane Eccel identifica aproximações e diferenças entre estes pensadores e o diagnóstico que fazem de seu tempo a partir de formas distintas de percepção do homem e da condição humana.

No último artigo deste volume, Paulo Borges nos convida ao inusitado encontro entre a literatura de Fernando Pessoa e uma prática milenar do budismo tibetano. O texto explora afinidades e divergências entre o Livro do desassossego e a experiência do sonho por meio da prática do yoga, abordando ainda a possibilidade de um “sonho lúcido” sustentado pelas neurociências.

Por fim, Luiz Alberto Rodrigues nos brinda com a resenha do livro Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano. O livro versa sobre a importante questão das políticas públicas e educacionais como ferramentas no enfrentamento dos sofrimentos e dramas humanos em sentido coletivo, na forma do engajamento, indo além de sua abordagem no âmbito individual.

Desejamos uma excelente leitura, e que sigamos em frente!

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