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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dic 2018  Epub 22-Sep-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n66a2018-16 

Entrevistas

Entrevista com Francis Wolff: anos de formação, Brasil, Filosofia e cosmopolitismo - em busca da nossa humanidade*

Marcos César Seneda** 

**Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor do Instituto de Filosofia (IFILO) e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFIL) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: mseneda@ufu.br


Breve apresentação de Francis Wolff

Na quarta semana de setembro de 2017, o Instituto de Filosofia (IFILO) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) recebeu o filósofo Francis Wolff para participar da XX Semana de Filosofia / I Bienal Internacional de Filosofia, cujo tema era “A propósito da humanidade”. Nessa ocasião, Francis Wolff proferiu duas conferências e concedeu a entrevista que transcrevemos a seguir.

O Professor Francis Wolff é um velho conhecido nosso, em particular da Filosofia Brasileira. Sucedendo Granger e Lebrun, ele não só ocupou a última cadeira permanente da missão francesa na FFLCH da Universidade de São Paulo, entre 1980 e 1984, como também deixou, em suas pegadas, laços acadêmicos e publicações importantes no país. Sua formação inicial se deu com Pierre Aubenque, na área de filosofia antiga, mas sua vasta erudição e experiência interdisciplinar permitiram-lhe posteriormente transitar por diversas correntes de pensamento e apresentar reflexões originais sobre a situação da filosofia no mundo atual. Definindo seu próprio trabalho, Francis Wolff destaca suas contribuições em metafísica contemporânea, antropologia filosófica, filosofia da linguagem e estética. Um exemplo dessa atividade são seus seminários de filosofia, “Les lundis de la philosophie”, em curso desde 2004, em que discute temas contemporâneos examinados sob o ângulo de argumentos estratégicos retirados da tradição filosófica.

Atualmente é “professor emérito” no Departamento de Filosofia da École Normale Supérieure de Paris. Foi também professor, dentre outras instituições, da Universidade de Reims, da Universidade d’Aix-en-Provence, da Universidade de Paris I (Panteão-Sorbonne) e da Universidade de Paris X (Nanterre). Tem muitos livros publicados sobre filosofia antiga, mas também trabalha com temas contemporâneos. Dentre seus livros traduzidos para o português e publicados no Brasil, podemos destacar: Sócrates, Aristóteles e a política, Dizer o mundo, e o recente Nossa humanidade: de Aristóteles às neurociências.

Sua última obra, Nossa humanidade: de Aristóteles às neurociências, tornou-se, para nós, da Universidade Federal de Uberlândia, um importante percurso de reflexões sobre antropologia, teoria das ciências e possibilidades do cosmopolitismo, tendo sido discutida, por professores e alunos, nas reuniões do Centro de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Interdisciplinaridade (CEPFI), nas reuniões que se estenderam de junho de 2015 a setembro de 2016, instigando inclusive a proposição dos temas que vieram a fazer parte da I Bienal Internacional de Filosofia.

Nessa entrevista, Francis Wolff nos conta sobre sua formação inicial, sobre seus professores, sobre momentos importantes que marcaram sua inflexão intelectual, relembra sua estadia no Brasil e sua participação na missão francesa, fala sobre seu último livro, e é confrontado com questões sobre o cosmopolitismo kantiano e sobre como podemos conceber nossa humanidade hoje. Trabalhados por um grande filósofo, todos esses assuntos te aguardam, caro leitor!

* * *

E&F: O senhor poderia nos dizer inicialmente qual foi sua motivação para se dedicar ao estudo da filosofia?

FW: Acho que minha primeira motivação foi conhecer e pensar “filosoficamente”, antes de começar a aprender filosofia no ensino médio. Penso que descobri - não me lembro exatamente em que circunstâncias - as Meditações Metafísicas de Descartes na idade de 14 a 15 anos. Acho que não entendi nada, mas foi uma coisa absolutamente extraordinária para mim. Porque eu tinha a impressão que mesmo considerando tudo aquilo que conta Descartes sobre a dúvida, essa possibilidade de que o mundo fosse uma ilusão, no entanto, haveria pelo menos uma coisa verdadeira: a minha existência. E eu pensava que eu tinha tido essas impressões durante a minha adolescência, e minha preocupação era a seguinte: pode ser que o mundo seja absolutamente vazio, que tudo o resto seja ilusório, e que eu seja o único habitante da Terra, mas nesse caso haveria um Deus. Não sei se isso foi determinante no fato, mas a partir do momento que estudei filosofia, era mais a partir de preocupações metafísicas, e a isso também se misturou esse tipo de pensamento de adolescente sobre a ilusão do mundo (se eu fosse louco, se tudo fosse um sonho) e isso se mesclou com preocupações religiosas (Deus existe ou não existe, qual é a causa de tudo, etc.). Resumindo, as minhas primeiras preocupações foram metafísicas, e a partir do momento em que comecei a estudar filosofia no ensino médio, eu sabia que eu deveria fazer isto, estudar filosofia depois. Eu estudei filosofia, mas na França, em geral, quando alguém tem condições de fazer estudos sérios, não passa diretamente para a universidade, não sei se você sabe. Essa pessoa entra numa classe preparatória de ensino superior de tal forma que esses são estudos literários mais gerais. Desse modo, os dois ou três primeiros anos de minha formação em filosofia não foram apenas de filosofia, foram ao mesmo tempo de literatura, história, grego, latim, etc. Depois é que fiz aquilo que chamam de vestibular, mas durante todo esse período eu não tinha dúvida que eu devia estudar filosofia. A segunda preocupação veio depois, foi a preocupação política, porque era um momento um pouco depois de maio de 68, em que estavam em pauta assuntos como marxismo, revolução, luta de classes, etc. E quando eu entrei na École Normale Supérieure, o mestre era Althusser e éramos todos discípulos de Althusser, de tal forma que era muito complicado para alguém que entrou na filosofia para pensar metafisicamente, constatar que toda a filosofia política contemporânea era anti-metafísica, ou seja, rejeitava tudo isso.

E&F: O senhor poderia nos descrever como foi a sua formação?

FW: Minha formação foi através de algo que na França se chama classe preparatória. É uma formação muito intensa, externa às universidades. São cursos normalmente muito mais seletivos, muito mais intensos, são de humanas em geral, com duração de três anos, e devem preparar para o concurso considerado o mais difícil de todos, a saber, para entrar na École Normale Supérieure. Então foi essa a minha formação: história, literatura francesa, inglês, latim, grego e filosofia. Depois disso, frequentei algo que corresponde mais ou menos à graduação, na École Normale Supérieure, onde havia dois professores famosos, sendo um muito famoso, que é o Althusser, e outro um pouco menos famoso, que se chamava Jacques Derrida.

E&F: Como era a escola quando o senhor entrou? E quem mais marcou o senhor ou quais pessoas mais marcaram o senhor naquela época?

FW: Naquela época fui muito marcado por Althusser. Hoje em dia não se pode imaginar o prestígio que ele possuía. Não sei se se pode imaginar, inclusive na França, o prestígio, a fama, nacional e internacional, que tinha Althusser nos anos 70. Era uma coisa impressionante e tinha um pensamento muito rigoroso, inclusive muito dogmático, mas era a pessoa mais aberta, mais simpática, mais gentil do mundo. Era uma coisa impressionante, porque quem não conhecia Althusser tinha uma imagem dele como um mestre absoluto, mas era tudo ao contrário. E nós não podíamos suspeitar que Althusser fosse tão gravemente doente dessa psicose maníaco-depressiva, se bem que na realidade, durante os quatro anos que fiquei lá na École Normale Supérieure, ele nunca conseguiu fazer um ano completo. De tal forma que o principal professor que eu tive lá foi Derrida. Derrida tinha duas facetas. De um lado, como professor do cotidiano, era muito bom professor, muito clássico. Eu me lembro de um curso sobre Bergson para preparação da agregação que foi muito clássico. De outro lado, havia o Derrida que começava a estar na moda. Obviamente não tinha nada a ver com Althusser, que era muito mais prestigioso. Mas ele tinha um seminário, exatamente na sala onde eu tenho meu seminário hoje, e nessa mesma sala, havia o outro seminário do Derrida, que era mais showman. Havia muito poucos alunos que frequentavam esse seminário, era mais outro público, que vinha do estrangeiro, alguns professores de liceu, psicanalistas, etc., um público totalmente diferente. Era também um lugar onde Lacan tinha feito seus seminários, depois Lacan foi para outra sala que não era da École Normale Supérieure. Então, a maioria de nós, eu diria a maioria dos alunos filósofos, não íamos aos seminários. Parecia uma coisa um tanto estranha, um pouco um show, etc. Se bem que eu, pessoalmente, sempre tive boas relações como professor com Derrida e depois eu o vi muitas vezes, inclusive fizemos várias mesas redondas sobre filosofia antiga, sua relação com Platão, etc. Tínhamos relações boas, cordiais. Mas eu nunca tive uma relação de admiração ou de dívida com relação a Derrida, ao contrário do que aconteceu com Althusser. Vou citar duas outras pessoas que me marcaram muito. Althusser, que tinha muita influência, muito “poder” na École Normale Supérieure naquela época, chamou pela primeira vez alguém para dar curso de Antropologia ou de Etnologia, um marxista, um etnólogo muito brilhante que se chamava Maurice Godelier, que voltava de uma longa estadia na Nova Guiné, com um escrito sobre um povo que se chama Baruya. Então íamos a esse seminário de Maurice Godelier, que teve sobre nós grande influência, porque tinha ao mesmo tempo o prestígio de um teórico marxista, mas era um seminário muito aberto, onde se discutia a infraestrutura econômica, a infraestrutura do parentesco, etc. E depois íamos para um café tomar para tomar um chope e discutir durante horas, e ele era muito brilhante. E tinha, ao mesmo tempo, o lado empírico, que era totalmente o contrário de Derrida, por exemplo, porque a única relação que tinha Derrida era sempre com os textos. Então Godelier era de uma abertura total, falávamos do mundo com ele e de tal forma, que, em certo momento, eu quis ser etnólogo. Mas friamente não tinha a coragem de viver numa selva durante meses ou anos, e foi exatamente naquele momento que eu descobri o ensino de Michel Foucault. Foucault eu tinha visto uma vez avant-scène. Eu assistia a uma série de aulas sobre Nietzsche, e isso me marcou muito quando fui para o Collège de France, acho que foi em 1973 ou 1974 - como eu nasci em 1950, eu tinha 22, 23 ou 24 anos. Acompanhei durante dois anos seguidos todo seu ensino no Collège de France, em particular quando ele estava preparando seu livro Vigiar e Punir, de tal forma que tive uma iluminação: não posso ser etnólogo porque não tenho coragem, mas vou fazer uma tese com Michel Foucault sobre o nascimento da etnologia no século XIX, porque ele trabalhava justamente o nascimento das ciências humanas. Então como Michel Foucault era alguém que todo mundo respeitava e que era considerado difícil de atingir, escrevi para Michel Foucault. E tinha também a fama de não aceitar teses, porque não se dava bem com doutorandos, já que no Collège de France ele não tinha obrigação de dirigir teses de doutorado. Então ele me recebeu na casa dele, discutimos muito, e aceitou finalmente. Eu fiquei muito orgulhoso de que Michel Foucault tinha aceito dirigir meu doutorado sobre o nascimento da etnologia. Comecei a ir à Biblioteca Nacional, a trabalhar os textos, os manuscritos sobre a Société des Observateurs de l’Homme, sobre todas as narrações de viagens, sobre a cronologia, todas essas coisas sobre o estudo do homem do século XVIII. Depois de seis ou sete meses passados na Biblioteca Nacional, percebi também que isso não era para mim, que eu não tinha o gênio de Michel Foucault de tornar interessantes coisas chatas, porque o gênio de Foucault é exatamente isto. Ele estava ali perto de mim na Biblioteca Nacional e passava horas a ler as coisas mais chatas do mundo, e transformava isso em coisas interessantíssimas. Então passar horas a ler coisas que não tinha o menor interesse não era para mim. Escrevi a Foucault, pedindo desculpas, e finalmente fui a Pierre Aubenque, que foi meu mestre em Filosofia Antiga. Porque eu tinha também feito um trabalho com Pierre Macherey, que era um aluno de Althusser, sobre o materialismo de Lucrécio durante o meu mestrado, e finalmente resolvi trabalhar com Aubenque sobre Aristóteles. Eu acho que eu citei os professores mais importantes que encontrei durante minha formação.

E&F: Quais são as diferenças que o senhor vê entre a formação acadêmica na França quando o senhor começou a estudar filosofia e a formação acadêmica nos dias atuais?

FW: É muito difícil de avaliar isso, porque naquela época eu estava implicado como aluno e agora estou implicado como professor. Eu diria, como primeira diferença, que naquela época havia mestre de verdade, ou seja, havia gurus. Althusser, Foucault, Derrida estavam começando. E havia brigas muito fortes, por exemplo, era inimaginável para aqueles que seguiam Foucault, como eu e outros, falar com alguém que seguia Derrida. Era ódio! Hoje as coisas são mais calmas, inclusive de vez em quando se encontram pessoas que leem os dois, que gostam dos dois - o que era uma coisa absolutamente inimaginável. Em segundo lugar, eu diria, do ponto de vista mais da relação dos professores, que naquela época quase não existia influência estrangeira, a filosofia francesa funcionava em circuito fechado. Hoje em dia, acho que as coisas estão muito mais abertas e, em particular, há filósofos franceses analíticos que não são simplesmente os discípulos dos ingleses ou dos americanos. E quase que a oposição entre filosofia analítica e filosofia continental já se apagou, muitos tentam fazer coisas que se inspiram nas duas tradições. Então eu diria que há menos gurus, mais variedade de influências, tomando de 10 ou 15 anos para cá, menos peso da história da filosofia. Há muito mais campos de filosofia voltada para a metafísica, mas não no sentido da metafísica que foi criticado no século XX, mas no sentido de questões que se voltam sobre a metafísica do tempo, das modalidades, sobre sua relação com a lógica, com a filosofia da linguagem, com a filosofia da ciência. Todas essas coisas que passavam pela leitura dos textos clássicos, hoje em dia têm uma certa autonomia em relação à história da filosofia, e essa seria a terceira diferença. Agora do ponto de vista da formação, ou seja, do ponto de vista dos alunos, eu acho que é mais ou menos a mesma coisa, ou seja, há uma bibliografia mais aberta para os alunos de hoje, mas eu também diria que a formação através dos clássicos infelizmente decaiu, o conhecimento das línguas também decaiu.

E&F: Como ocorreu o convite para integrar a missão francesa no Brasil? Como participante, como o senhor avalia a importância da missão francesa e o seu legado?

FW: Bem, acontece que quando eu saí da École Normale Supérieure, era uma época difícil para o ensino universitário porque, depois de 68, houve uma abertura das universidades e houve muitas contratações de jovens professores em 1969, 70, e 71. Por exemplo, toda a geração de Macherey, Balibar entrou na universidade naquela época. De tal forma que, para nós que chegávamos no mercado universitário, em 75 e 76, era mais muito difícil porque todos os cargos haviam sido ocupados, de tal forma que, depois da agregação, eu não tive imediatamente um posto na universidade. Eu tive um posto na École Normale Supérieure, mas de professor de 2º grau. Eu trabalhava filosofia antiga e, obviamente, foi uma boa oportunidade, porque soube através de um amigo de minha geração, que trabalhava no Consulado de São Paulo como conselheiro cultural, que havia essa possibilidade de candidatar-se para o posto porque o Gérard Lebrun estava em vias de terminar o segundo contrato de seis anos. E esse amigo me disse que o Gérard Lebrun ia passar em Paris para ver como estavam as diferentes candidaturas, porque este posto ia sair em um jornal oficial e as pessoas teriam de se candidatar. E encontrei o Gérard Lebrun, que eu não conhecia, e que era uma pessoa um pouco misteriosa, pois ninguém sabia como ou onde vivia, o que fazia ... Todo mundo conhecia os seus livros sobre Kant e sobre Hegel, mas ninguém sabia nada a respeito dele. Então eu me encontrei com ele uma ou duas vezes no Café em Paris, e mostrei as minhas duas publicações que eu tinha já de filosofia antiga. Acho que ele gostou. Não sei se ele encontrou outros candidatos, o fato é que defendeu minha candidatura no Departamento de Filosofia da USP. Mas acontece que como o Lebrun não sabia nada de administração, ele não tinha ciência de que a escolha não podia ser só do Departamento de Filosofia da USP, porque a USP dizia “nossa vaga!” e o Ministério das Relações Exteriores dizia “não, nossa vaga!”, de tal forma que havia dois processos separados, e Lebrun não sabia disso. Um dia me chamou de São Paulo e me disse: “você foi eleito ontem, parabéns, etc.”. Mas ele não sabia que havia outro processo. A sorte que eu tive é que, dentre os diferentes candidatos da parte francesa - acho que havia dois ou três que foram finalmente escolhidos para a próxima fase - constava minha candidatura como parte dos candidatos escolhidos, de tal forma que, seis meses depois, o Departamento de Filosofia da USP podia aceitar a minha candidatura porque ela fazia parte daqueles finalistas da parte francesa. Era muito confusa naquela época essa Missão Francesa, justamente por causa do fato de que ninguém sabia exatamente quem era que devia escolher um professor francês, etc. Uma coisa curiosa é que de fato eu recebia dois salários: o salário francês e o salário brasileiro. Cada mês eu tinha que ir ao Consulado para fazer um cheque exatamente do que eu tinha recebido da parte brasileira, porque eu recebia melhor da parte francesa do que da parte brasileira, mas tudo que eu recebia da parte brasileira era para o Consulado. Então era uma coisa um pouco divertida para explicar que havia esse conflito entre França e Brasil para saber de quem dependia essa Missão. Isso já anunciava o fato de que a parte francesa já não tinha o mesmo interesse nessa Missão como antes, já não sabia exatamente a que correspondia toda essa tradição, porque os funcionários do ministério mudam, etc. E assim se explica porque, quatro anos mais tarde, suprimiram essa missão permanente. Agora eu poderia falar das minhas impressões quando eu cheguei aqui. Há duas ou três coisas que me marcaram muito quando cheguei na USP. Em primeiro lugar, o fato de que quase todos os meus colegas eram francófonos, tinham feito a tese na França, salvo aqueles que eram da epistemologia ou da filosofia da ciência que tinham feito PhD nos EUA. A biblioteca de filosofia era setenta por cento francesa, e havia um excelente nível de ensino na USP, que para mim era absolutamente comparável com qualquer departamento de bom nível na França, sem dúvida. Tive uma impressão muito curiosa. Durante minha formação eu falei da influência de Althusser na minha geração, que foi a influência mais forte que tive. E a lição que tínhamos era que, para ser de “esquerda”, se tinha que fazer filosofia da ciência, porque era coisa séria. A formação era epistemologia francesa, ou seja, texto lido de uma maneira estruturada, e o resto era oposição entre a ciência e a ideologia, de tal forma que as coisas sérias eram Bachelard, Canguilhem, Foucault, ou seja, a epistemologia francesa. Porque Foucault, para nós, era um epistemólogo, não era um agitador político, de jeito nenhum, isso foi depois. De tal forma que, quando cheguei no Brasil, tive a surpresa de ver que ser de esquerda era fazer filosofia política e não filosofia da ciência, porque a direita era associada à filosofia da ciência e a esquerda era associada à filosofia política, quando na realidade, na Sorbonne - e na época, na França em geral - fazer filosofia política era associado à direita, porque era estudar Locke, Hobbes, ou seja, os teóricos do liberalismo, do capitalismo, etc. Era uma coisa curiosa, que quando eu cheguei aqui havia Marilena Chauí, Giannotti, etc, que já começavam a ser famosos aqui no Brasil porque era o fim da ditadura, mas, em relação à França, era tudo ao contrário: filosofia da ciência era associada aos gringos e filosofia política era aquilo que se devia fazer. Então essa foi uma das minhas surpresas. A outra surpresa é que me haviam dito que eu podia dar aulas em francês, e já não era possível. Quando eu cheguei era o fim da francofonia dos alunos, e quase desde o primeiro ano tive que dar aulas em português, com o português que eu tinha na época, que era muito pior que o de hoje, que já está bem enferrujado. Assim, tive que aprender muito rápido o português, para poder dar aulas pelo menos na graduação. No início dei aulas da pós-graduação, onde era mais fácil misturar um pouco o francês com o português, mas na graduação era impossível falar francês.

E&F: Tendo vivido cinco anos no Brasil, entre 1980 e 1984, e tendo vindo diversas vezes ao Brasil, como o senhor avalia comparativamente a formação filosófica no Brasil e na França?

FW: Hoje penso que não há uma grande diferença, a não ser a primeira diferença mais importante, ou seja, de que quando um aluno na França entra na faculdade, quando ingressa no primeiro ano dele de filosofia, já fez filosofia no Ensino Médio. Essa é a diferença principal, porque todos os alunos antes do baccalauréat tem que fazer filosofia: para o literário são oito horas por semana e para o científico são três ou quatro horas por semana. Então quem entra na filosofia já sabe um pouquinho de filosofia, essa é a principal diferença. A segunda diferença diz respeito ao ensino francês em geral, entre o ensino dentro da universidade e fora da universidade, que são as classes préparatoires, nas quais, conforme eu já expliquei, o ensino é muito mais intenso e muito mais geral, seja com línguas, com a literatura, com a história, etc. Normalmente os melhores estudantes têm essa formação mais geral e não unicamente filosófica, então essa seria uma segunda diferença. Mas quanto ao resto eu acho que não há muita diferença. Eu diria que a importância da filosofia francesa continua a mesma no Brasil que sempre foi, e eu diria quase mais forte no Brasil que na França. Ou seja, com uma pequena diferença temporal - mas segundo minhas impressões, que podem ser falsas -, tenho a impressão de que os autores franceses mais estudados hoje no Brasil são aqueles que eram estudados há vinte e cinco anos na França. Mas isso é normal porque há o tempo de tradução, de formação de professores que foram preparados e que agora dão aulas, etc. Então é uma pequena diferença. Mas eu acho que o mais impressionante para mim, uma coisa realmente, absolutamente impressionante, é a diferença que há entre o ensino de filosofia hoje no Brasil e o ensino que conheci nos anos 80, são duas coisas que não tem nada a ver. Quando eu cheguei em 1980, existia o Departamento de Filosofia da USP, começava o departamento de Campinas, e havia a PUC e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. O resto quase não existia. Hoje é impressionante, em 30 ou 40 anos houve uma explosão da filosofia. É um pouco diferente na França, a influência da filosofia baixou na França em relação aos anos 70, e aqui, pelo menos, a influência acadêmica subiu muito. É verdade que através de alguns professores que foram formados pela USP, por Campinas, naquele momento nos anos 80 e 90, essa foi uma grande geração que formou muitos professores. Mas é impressionante a maneira como se tem desenvolvido a filosofia por aqui.

E&F: Qual a importância do estudo de línguas para a formação filosófica? Também queríamos saber se o senhor considera que, no atual momento histórico, há uma língua que seja preeminente para a divulgação do conhecimento filosófico.

FW: Eu acho que não se pode filosofar bem, se se filosofa simplesmente na sua própria língua, porque para filosofar razoavelmente é necessário ter uma certa distância com sua própria língua, para ver o grau de tradutibilidade das palavras. Porque a gente não pode pensar com conceitos rigorosos unicamente através da própria língua. Eu gosto muito da ideia que quem conhece apenas sua língua materna não conhece a língua. Sabe falar mas não sabe o que é uma língua, e para entender o que é uma língua, tem que aprender outra língua, e sobretudo para fazer filosofia. Então eu diria que, segundo esse princípio, qualquer língua é boa, desde que nos permita ler Hume em inglês, Kant em alemão, Platão em grego, Seneca em latim. Ou seja, é boa qualquer língua que se domina suficientemente para poder ler um texto e entender que qualquer tradução é uma traição em relação ao conceito que tem o seu sentido contextual no texto, essa é a primeira resposta. A segunda resposta é a seguinte. Na agregação de filosofia na França, cada candidato tem uma prova de língua, ou seja, deve ser capaz de comentar um texto numa língua estrangeira e pode escolher entre inglês, alemão, latim, grego, árabe e há pouco foi acrescentado o italiano. Então essas são consideradas as línguas filosóficas. Hoje em dia vemos que 65% escolhem o inglês, dentre o resto, a segunda língua recai sobre essas outras três, alemão, latim e grego, somando mais ou menos 10% cada uma. Terceira observação: qual seria a recomendação? A recomendação é, repito, uma língua qualquer desde que permita ler um texto em outra língua. Agora, eu vejo que uma língua mais remota é mais formadora, porque latim e grego são mais formadores no sentido em que descobrimos através de um texto não só uma língua que é bem diferente da nossa, mas que é também reflexo de uma cultura, de uma história, de uma problematização muito diferente, de tal forma que é difícil, quase impossível ter uma boa formação filosófica sem ter, na iniciação, pelo menos os principais conceitos gregos, etc. Essa é a minha resposta.

E&F: Do ponto de vista da divulgação, o senhor acha que há alguma língua dominante hoje em dia, ou que no campo da filosofia a gente deve fazer filosofia em todas as línguas.

FW: Já respondi mais ou menos que qualquer das línguas filosóficas é boa para fazer filosofia. Ou seja, eu entendo que não há uma tradição em língua portuguesa, em língua espanhola, por exemplo, que tenha mais força histórica do que as cinco línguas que citei. Desse modo, são necessárias as traduções, que estão cada vez melhores. A diferença mais importante, como eu disse, é a que quando eu cheguei aqui, nos anos 80, quase não havia traduções, os alunos trabalhavam os textos através de extratos seletos (morceaux choisis) da coleção Os Pensadores, alguns volumes eram bem feitos, outros eram muito ruins, e quase nunca se contava com obras completas. Essa diferença, como é hoje, também é muito importante. É obvio que para as pessoas da minha geração o alemão era mais importante que o inglês, mas, hoje em dia, eu acho que dentro do quadro da filosofia contemporânea as coisas são muito mais equilibradas. Infelizmente, a maioria dos filósofos alemães de hoje dão aulas em inglês na universidade alemã, e uma boa parte deles são da tradição mais analítica, de tal forma que para ler os clássicos na Alemanha parece mais importantes o inglês, se bem que Locke, Hobbes, Bentham, etc., são muito importantes. Então eu diria que há um equilíbrio das três línguas, que são o francês, o inglês e o alemão.

E&F: No seu livro recente, Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências, o senhor esboça quatro figuras do homem, mas, explorando o reverso de cada uma dessas concepções, examina a periculosidade de cada uma. Por que a questão central de Kant na Lógica de Jäsche, “O que é o homem?”, se tornou hoje tão perigosa?

FW: O que eu faço, nesse livro, não é examinar obviamente todas as definições do homem possíveis de imaginar propostas pelas diferentes civilizações, ainda menos pelas diferentes filosofias, pois quase cada filósofo tem sua definição. Então quem busca nesse livro um exame histórico das definições do homem se engana completamente em relação ao meu projeto. O projeto era de examinar quatro momentos nos quais se entrecruzam uma revolução científica e uma espécie de concepção moral e política, e isso por dois motivos. Por trás de qualquer revolução científica há uma certa definição do homem, explícita ou implícita, que permite ver o mundo ou o próprio homem de uma certa maneira. Mas essa maneira é ao mesmo tempo causa e efeito de uma certa concepção geral moral e política. Então se entrecruzam dentro dessas quatro definições essa preocupação epistemológica e moral, de tal forma que não há definição do homem que seja inocente. É verdade que as definições que são feitas hoje são perigosas, porque qualquer dessas quatro definições tem seu próprio perigo. É óbvio que a definição que domina hoje no panorama da ciência assegura o triunfo da neurociência. A física foi a grande ciência exata no século XX, a biologia é a grande ciência que triunfa o século XXI. E tudo o que nós vivemos hoje está determinado pelas revoluções da biotecnologia. Então isso supõe um certo reducionismo da concepção do homem, uma naturalização do homem, que tem causas e consequências. Tem causas científicas, que é a revolução da neurociência, que traz uma nova concepção do homem que é a revolução cognitivista. Hoje em dia quem domina a psicologia não é mais a psicanálise, do ponto de vista da pesquisa é a psicologia cognitivista, a psicologia que se chama evolutiva, evolutionary psychology. Então essa concepção tem seus próprios perigos, que é a negação de tudo que faz a especificidade do homem. Hoje em dia, por exemplo, eu acho que o que acompanha essa revolução das neurociências é o novo paradigma cognitivista. Por um lado, há o sonho pós-humanista de, através da construção do cyborg, etc, acabar com as doenças, acabar com a animalidade do homem, acabar com a morte, etc. Por outro lado, há o animalismo, ou seja, a ideia de que não há possibilidade de distinguir uma pessoa humana de um animal. Isso não quer dizer que não devemos respeitar os animais como animais, mas eles não são pessoas, e há uma diferença moral e política muito importante entre o homem e o animal. Trata-se de uma coisa que hoje em dia já não tem nada de óbvio e de evidente, ao passo que tudo o que nós aprendemos das ciências humanas no século XX apontou o contrário: era uma construção feita a partir de uma definição do homem que supunha sua posição completa como animalidade, porque o animal estava ao mesmo tempo fora do homem e dentro do homem. Mas a humanização do homem se consolida contra sua própria animalidade. Então justamente para evitar esse perigo eu diria que devemos utilizar as diferentes figuras umas contra as outras. No momento, hoje em dia - não sei se é o caso do Brasil -, mas é o caso dos Estados Unidos e da Europa, em que domina essa nova figura naturalizada do homem, devemos defender a concepção que insista na especificidade da singularidade do homem. Mas, para quem defende hoje a concepção passada da oposição natureza/cultura, que foi a base do estruturalismo do século XX, eu diria que podemos sustentar tudo o que já foi oposto a uma concepção do homem como sujeito “assujeitado”, etc. Ou seja, tudo isso levou à crítica do sistema de direito, do direito penal, por exemplo. O direito não tem nenhuma base se aceitamos essa concepção do homem, e toda a crítica da concepção antropológica que está por trás do liberalismo clássico foi uma ferramenta muito útil para a crítica do capitalismo, no entanto, trouxe, a meu ver, a sua consequência de que era uma crítica geral das noções essenciais que eu defendi aqui, de que está na base da democracia a noção de consentimento, a noção de livre exame, etc. Então, para resumir minha consideração, qualquer resposta sobre se o homem é isto ou aquilo é perigosa, e hoje devemos saber qual é o perigo maior.

E&F: No livro Nossa humanidade, o senhor faz a seguinte observação: “E afirmamos que, em moral e em política, o humanismo universalista não disse a sua última palavra, com a condição de não procurar fundá-lo numa ‘natureza’ com a qual se meçam os seres humanos” (WOLFF, 2012, p. 19). Tendo em vista suas duas conferências na I Bienal Internacional de Filosofia da UFU, o senhor poderia comentar um pouco essa afirmação?

FW: Eu tentei mostrar através de minhas duas palestras aqui que, evidentemente, o humanismo universalista não disse a sua última palavra. É verdade que, para alguém como eu, que aprendeu a filosofia através de Althusser, cuja a obra era contra o humanismo - que era a moda daquela época -, e repetimos sempre que, por trás do universal, há sempre um interesse particular, um interesse de gênero, um interesse de classe, um interesse do explorador, que o universal não existe e etc. Essa era a língua que eu aprendi há quarenta anos atrás, isto é, não acreditar em universal, não acreditar no humanismo, o humanismo era uma invenção burguesa, as conquistas coloniais foram feitas em nome do universal, etc. Eu acho que tudo isso é falso, vou dar apenas um exemplo. Quando os escravos nas Antilhas francesas se revoltaram contra a escravidão, todos os textos ou declarações que podemos ler eram para a abolição da escravidão. Contra os brancos, que são os nossos senhores, nos revoltamos, e no mundo que queremos não haverá nem escravo nem mestre, etc. Ou seja, isso é feito em nome de um universal. Eu não conheço uma luta que eu posso defender que não seja em nome de um universal. Posso lutar contra o patriarcado, mas não é para dar o poder ao outro gênero, é para acabar com os poderes ilegítimos, e porque são ilegítimos em nome do universal: por exemplo, a igualdade de todos os seres humanos, não há motivos, não há argumentos de justiça para defender o patriarcalismo, etc. No livro que eu acabo de escrever, eu tento mostrar que o humanismo universalista tem como consequência necessária o cosmopolitismo. Por que? Pelo mesmo argumento: não há nenhuma razão pela qual uma pessoa que é branca deve ter mais que uma que é negra, que o macho deve ter mais que a fêmea, e não há motivos, pela mesma razão, para afirmar que alguém que está do outro lado da fronteira tem que ter menos do quem está deste lado. Desse modo, o mesmo argumento que alimenta e sempre alimentou todas as lutas justas é o argumento universalista, o argumento em nome do universal, e que tem por consequência o cosmopolitismo universal. Eu não vejo como se pode criticar o universal senão em nome de algo que seja ainda mais universal. Então esse seria meu argumento. Desse modo, isso me levou aqui a defender o humanismo, o que pode surpreender da parte de alguém que escreveu o livro Nossa Humanidade. Mas isso não quer dizer que eu acho que existe uma natureza humana eterna. O ser humano tem uma base sempre contextual, histórica, classista, sempre diferente. Mas do ponto de vista moral e político, devemos pensar, visar o diálogo universalista. Isso não quer dizer que podemos nos apoiar na natureza humana. Por que? Porque em nome da natureza humana - eu mostro isso através do exemplo de Aristóteles - podemos mostrar que alguns são mais homens do que outros, porque encarnam mais a natureza humana do que outros: há escravos naturais, mestres naturais, etc. E hoje em dia ocorre a mesma coisa, ou seja, o novo naturalismo de hoje é o naturalismo da neurociência, em que há o perigo de que não vejo nenhuma diferença entre o homem e uma máquina, o homem e o animal, de tal forma que, porque podemos domesticar, podemos fazer do homem qualquer coisa, isso leva - o que tentei mostrar ontem - ao niilismo, em que não há diferença entre nada e nada, de tal forma que não há nenhuma definição absolutamente definitiva, essencial, constante, eterna do homem. Mas isso não quer dizer que devemos fazer como se a humanidade não existisse, pelos motivos que são essencialmente morais e jurídicos.

E&F: Pensando na relação da Europa entre si e com os outros países do globo, o senhor considera que a ideia de cosmopolitismo educacional, jurídico e político de Kant ainda tem um papel relevante ou acredita que ela foi superada pela força de isolamento dos fatos políticos atuais?

FW: Então aqui nós devemos distinguir entre a realidade e o ideal. Eu acho que o cosmopolitismo kantiano está perdendo terreno. Na Europa conhecemos a crise dos refugiados que é uma coisa absolutamente gravíssima. O pior é que fora da Alemanha não houve nenhum movimento da esquerda humanista para abrir as fronteiras e acolher os refugiados. Isso foi para mim uma grande decepção, a inexistência de algum movimento para abrir mais as fronteiras, porque todo mundo tem conhecimento da progressão do populismo nas eleições francesas, ocorridas na semana passada, há dois dias nas eleições alemã, e na Europa do leste, Polônia, Hungria. Há um tremendo populismo, populismo traz nacionalismo, nacionalismo significa xenofobia, etc. Então eu acho que vimos isso com Brexit na Inglaterra, a vitória de Trump nos Estados Unidos, a situação política muito complicada, para não dizer mais, do Brasil. E vemos que a progressão geral dos populismos significa uma perda do ideal do cosmopolitismo, em particular, educacional. Isso não quer dizer que devemos abandonar o ideal, muito pelo contrário, para mim isso significa que cada vez mais é necessário defender esse ideal ao mesmo tempo universalista e humanista, cuja consequência, como eu disse, é o cosmopolitismo. Quais são os sinais, vamos dizer, de otimismo? Justamente o fato de que uma boa parte dos estudantes do mundo viajam. Na Europa o sistema que se chama Erasmus Mundus, que permite a cada estudante passar pelo menos um semestre em qualquer outro país da Europa - porque houve uma espécie de reestruturação do sistema universitário europeu, para que cada estudante possa fazer seu estudo mudando de país -, e isso é muito importante. Evidentemente devemos projetar isso para o mundo, tornando o Erasmus Mundus muito mais forte, porque isso é uma maneira de construir o cosmopolitismo por baixo, não o cosmopolitismo pelo alto. É esse cosmopolitismo pelo alto que não está funcionando nas Nações Unidas, a comunidade europeia está deixando muito cada um se voltar a um nacionalismo, etc. Vejamos a crise climática, esse é um sinal de pessimismo para o futuro da humanidade. Mas, ao mesmo tempo, outro sinal de otimismo seria o grupo dos climatológos mundiais, que em francês se chama Le Groupe d’experts intergouvernemental sur l’évolution du climat - GIEC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima - IPCC), formado por aqueles que, de todos os países do mundo, estão fazendo recomendações para os políticos. Então são aproximadamente mais de oitocentos representantes (tem que verificar quantos), de todos os países, que colaboram para fazer os relatórios. É uma coisa impressionante ver que o futuro da humanidade está feito independentemente das fronteiras, e que a ciência fundamental é nesse ponto totalmente independente da tecnologia e da indústria. Porque muitas vezes se fala da tecnociência, pode ser que há certos aspectos perigosos do poder da tecnociência, mas podemos ver que aqui acontece exatamente o contrário na crise do clima. Graças a uma boa parte da técnica ao serviço da indústria e graças à ciência climatológica sabemos os perigos do planeta. Não é a vitória de alguns políticos, de alguns moralistas, é a da ciência climatológica, que tem um peso cosmopolita para opor-se ao poder da indústria. Por conseguinte, eu digo, contra a mundialização, contra a globalização, o cosmopolitismo é a resposta progressista, humanista, à globalização que não é universal, porque sempre esconde interesses particulares.

*Em sua vinda a Uberlândia, na quarta semana de setembro de 2017, para participar das atividades da I Bienal Internacional de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), intitulada “A propósito da humanidade”, o professor Francis Wolff nos concedeu essa entrevista. Em nome da Revista Educação e Filosofia, o professor Marcos César Seneda preparou e conduziu os momentos dessa conversação. Transcreveram a gravação os discentes do curso de graduação em Filosofia da UFU: Laís Oliveira Rios, Lília Alves de Oliveira e Saulo Soares Silva.

Recebido: 15 de Outubro de 2018; Aceito: 12 de Dezembro de 2018

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