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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dic 2018  Epub 22-Sep-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n66a2018-01 

Artigos

Círculo de Viena: fisicalismo e a utopia da ciência unificada

Vienna Circle: physicalism and the utopia of unified science

Cercle de Vienne: physicalisme et l’utopie de la science unifiée

Ivan Ferreira Cunha* 

*Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: ivan.fc@ufsc.br


Resumo

Este artigo apresenta a continuidade entre duas propostas do Círculo de Viena: o fisicalismo, o projeto de elaboração de uma linguagem estruturada logicamente na qual todos os enunciados dos diferentes ramos da ciência podem ser formulados; e o movimento pela unidade da ciência, que visava a estabelecer uma rede de cooperação entre pessoas que adotam a atitude científica em seus trabalhos nas muitas áreas da ciência. Ao realizar tal discussão, notamos que os objetivos do Círculo de Viena encaixam-se em um contexto político e educacional de disseminação da atitude científica.

Palavras-chave: Neurath; Carnap; Fisicalismo; Utopia; Educação

Abstract

This paper presents the continuum between two of Vienna Circle proposals: physicalism, the project of elaborating a logically structured language in which all statements from the various branches of science can be formulated; and the movement for the unity of science, that aimed at establishing a network of cooperation among people who adopt the scientific attitude in their work in the many areas of science. In performing such a discussion, it is possible to notice that the aims of the Vienna Circle fit into a political and educational context of dissemination of the scientific attitude.

Keywords: Neurath; Carnap; Physicalism; Utopia; Education

Résumé

Cet article présente la continuité entre deux propositions du Cercle de Vienne: le physicalisme, le projet d’élaboration d’un langage structuré logiquement dans lequel tout les énoncés de les diverses sections de la science peuvent être formulés; et le mouvement pour l’unité de la science, qui visait à établir un réseau de coopération entre les personnes qui adoptent l’attitude scientifique dans leur travail dans les nombreux domaines de la science. En faisant une telle discussion, on peut remarquer que les objectifs du Cercle de Vienne s’inscrivent dans un contexte politique et éducatif de diffusion de l’attitude scientifique.

Mot-clés: Neurath; Carnap; Physicalisme; Utopie; Éducation

Introdução: o fisicalismo na obra de Carnap

O projeto do fisicalismo, como o encontramos na obra de Rudolf Carnap na primeira metade dos anos 1930, apresenta-se como a tese de que todos os enunciados dos diferentes ramos da ciência podem ser traduzidos em sentenças que tratam apenas de objetos físicos, corpos materiais localizáveis no espaço e no tempo. Não se trata de uma redução de todas as ciências à física, já que as leis de cada um dos campos científicos são independentes e tratam de objetos específicos de tais campos - e isso inclui a própria física, com seus termos teóricos. O que o fisicalismo propõe é que os objetos de cada uma das ciências possam ser relacionados por meio de tradução a objetos físicos construídos logicamente em uma linguagem, a chamada linguagem fisicalista (CARNAP, 1995 [1931]). Para evitar o mal-entendido da redução de todas as ciências à física, Carnap posteriormente mudou o nome de tal linguagem: ele não falaria mais de linguagem fisicalista, mas de linguagem das coisas, para enfatizar que se trata de objetos cotidianos, os corpos materiais à nossa volta (CARNAP, 1936/7, p. 466). O fisicalismo de Carnap, assim, pode ser entendido como um projeto para a construção de uma linguagem - a linguagem fisicalista. Esse projeto pressupõe a tese de que uma tal linguagem possibilitará a unificação lógica da ciência.1

Seria possível, então, construir um sistema lógico parcialmente interpretado com um sistema referencial de coordenadas espaço-temporais, e contendo a matemática, de tal modo que os enunciados da física, da química, da biologia, da psicologia, da sociologia, da economia etc. possam ser traduzidos para tal linguagem. Carnap efetivou a construção dessa linguagem em The Logical Syntax of Language (CARNAP, 2002 [1934]). Assim, de um ponto de vista lógico, seria realizado o projeto empirista de mostrar que todo o conhecimento é ligado à experiência - não à experiência de um sujeito, problemática pelo risco do solipsismo, mas à experiência intersubjetiva a respeito dos objetos à nossa volta (CARNAP, 1995 [1931], p. 52-67).2 Dessa forma, se físicos falam de elétrons e outras entidades subatômicas, isso pode ser compreendido em termos de ponteiros que se movem e leds que acendem; se psicólogos falam do processo da atenção, isso pode ser entendido em termos de mudanças de expressão facial; se sociólogos e economistas falam em socialismo, isso pode ser notado em assembleias de bairro, cooperativas e em uma distribuição mais igualitária de riquezas; se urbanistas falam em mobilidade urbana, isso pode ser entendido em termos de meios de transporte e engarrafamentos.

Desse ponto de vista, seria possível conceber a ciência como uma unidade, sem distinções absolutas entre ciências puras e aplicadas, entre ciências da natureza e do espírito, entre ciências formais e ciências factuais; todas essas áreas seriam vistas como logicamente interligadas ou, mais precisamente, como ligadas todas elas a um sistema de objetos cotidianos compreendidos de maneira lógica (CARNAP, 1995 [1931], p. 31-37). Os supostos conhecimentos que não puderem ser relacionados à experiência são caracterizados como metafísica, como enunciados que deveriam ser postos em forma artística, mas que foram indevidamente apresentados como se tivessem algum conteúdo cognitivo, como se estivessem falando algo a respeito do mundo, com a pretensão de ser ciência. O conhecimento genuíno só poderia vir da ciência empírica, daquelas porções da linguagem que se relacionam com a experiência intersubjetiva - ou então seriam parte da lógica. Ou seja, nesse quadro, o trabalho da filosofia, caso seja distinto da ciência, deve se resumir à lógica da ciência, isto é, ao trabalho de compreender as relações entre o conhecimento genuíno e a linguagem fisicalista, superando o nonsense da metafísica tradicional (CARNAP, 1931; CARNAP, 2002 [1934], p. 320-322).

Essas propostas são as mais famosas de Carnap e também do grupo do qual ele fazia parte, o Círculo de Viena. Quando estudantes deste início de século XXI têm contato com tais ideias, algumas questões costumam surgir: por que construir essa unidade da ciência, isto é, além do exercício intelectual, qual é a utilidade de uma construção artificial para unificar a ciência? Os integrantes do Círculo de Viena realmente acreditavam que o trabalho dos filósofos deveria ficar restrito à lógica da ciência? E como ficariam os estudos sobre valores, bem como a ética, a estética e a filosofia política nesse contexto? A aparente dificuldade em encontrar respostas, a tais questões, geralmente leva estudantes a considerarem as ideias de Carnap e do Círculo de Viena como restritivas demais, como propostas que estreitam a possibilidade humana. Essa visão é errônea, já que tais autores eram humanistas e pregavam valores como a tolerância, a diversidade e a pluralidade. O presente texto buscará esclarecer tais aspectos a partir da obra de Otto Neurath, outro integrante do Círculo de Viena, com quem Carnap manteve intenso debate durante os anos 1930. Seguindo também o Manifesto do Círculo de Viena, procuraremos apresentar um contexto mais amplo para o fisicalismo.

O Manifesto do Círculo de Viena

O Manifesto foi publicado em 1929 com o título Wissenschaftliche Weltauffassung e assinado pelo Círculo de Viena, embora sabidamente redigido por Neurath, Carnap e Hans Hahn. Em tal texto encontramos uma caracterização diferente da ciência. No Manifesto lemos que a concepção de mundo científica, aquilo pelo qual o Círculo de Viena trabalha, “não é tão caracterizada por teses particulares, porém muito mais pela atitude fundamental, pelos pontos de vista, pela orientação de pesquisa”. O objetivo do grupo seria o de obter a ciência unificada, ligando e harmonizando o trabalho de diferentes pesquisadores nas diversas áreas científicas. E, então, temos como consequência desse objetivo, continuando com as palavras do Manifesto,

a tônica dada ao trabalho coletivo; daí também a ênfase no intersubjetivamente apreensível; e isso dá origem a uma busca por um sistema formal neutro, por um simbolismo libertado dos escombros das linguagens históricas; e vem daí também a busca por um sistema comum de conceitos (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 86-87).

Vemos, assim, o projeto da construção da linguagem fisicalista como uma consequência de uma atitude, de uma orientação de pesquisa, de um jeito de conceber o mundo. No Manifesto se diz, então, que “buscam-se a limpeza e a clareza, e rejeitam-se as distâncias escuras e as profundezas insondáveis. Na ciência não há ‘profundezas’, tudo é superfície” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 86-87).3

Dessa forma, é possível notar no Manifesto que o Círculo de Viena defendia duas abordagens ao problema da unidade da ciência - isto é, o problema sobre como reunir a multiplicidade de coisas chamadas ‘ciências’ em um único conceito. Por um lado, temos a abordagem mais conhecida, de que os diferentes ramos da ciência poderiam ser relacionados logicamente à linguagem fisicalista, ou linguagem das coisas. Por outro lado, o que caracteriza a ciência como um todo é a atitude geral em relação ao mundo, a concepção de mundo científica, que é a tendência de procurar resolver problemas de maneira aberta, clara e direta, sem recorrer a noções obscuras. As duas abordagens são intimamente relacionadas, já que o projeto fisicalista busca a representação lógico linguística da concepção de mundo científica, pois trata-se de um esforço para mostrar que não há obscuridades na ciência, para mostrar que todo conhecimento é acessível, e que existe uma maneira científica de se lidar com todos os problemas experienciados.

O Manifesto apresenta, então, de alguns supostos problemas filosóficos que poderiam ser evitados ao adotar o ponto de vista da concepção de mundo científica; trata-se da bem conhecida oposição do Círculo de Viena à metafísica tradicional que aparece, por exemplo, na controvérsia escolástica entre o idealismo e o realismo, e no problema moderno do conhecimento a priori na ciência e na matemática (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 89-98).

Na concepção de mundo científica, como se diz no Manifesto, “‘afirmações filosóficas’ especiais não são estabelecidas, as afirmações são apenas clarificadas (…). Alguns representantes da concepção de mundo científica não querem mais aplicar a seus trabalhos a palavra ‘filosofia’, de modo a acentuar mais fortemente o contraste com os sistemas metafísicos”. O importante não é o nome utilizado, mas a produção realizada. No Manifesto afirma-se que “de qualquer maneira como se desejar descrever tais investigações, o seguinte pode ser afirmado: não existe uma filosofia como ciência fundamental ou universal ao lado ou acima das diversas áreas da ciência empírica” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 99). Portanto, segundo essa perspectiva, se vamos falar sobre relações estruturais entre os objetos, devemos fazê-lo de maneira lógico linguística, como nos trabalhos de fundamentação, ou devemos fazê-lo de maneira empírica. Isso não é uma restrição exagerada: na metafísica contemporânea é possível investigar, por exemplo, a relação entre objetos e suas partes de maneira abstrata, utilizando definições e convenções, e buscando uma compreensão lógica completa e correta de tal relação. É possível também investigar de maneira empírica como biólogos lidam com tais relações na teoria da evolução, ou como físicos o fazem na mecânica quântica, ou como ela aparece na linguagem cotidiana. Podemos, ainda, mesclar os dois tipos de investigação. Não importa se vamos chamar investigações como essas de metafísica, ou de filosofia, ou de ciência (empírica ou teórica) das relações abstratas, o fato é que o Círculo de Viena não proibiria esse tipo de estudo. Pelo contrário, qualquer esforço para esclarecer conceitos deve ser incentivado. A restrição feita pelo Círculo de Viena é em relação a entidades que não podem ser conhecidas por princípio e que acabam constituindo limitações à possibilidade humana (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 100). Voltaremos a esse ponto mais adiante.

A ideia que fundamenta esse incentivo a investigações diversas é que uma compreensão adequada da ciência poderia contribuir para a vida das pessoas, justamente por mostrar que os problemas podem ser resolvidos por meio do trabalho e da cooperação, sem mistérios insolúveis, distâncias escuras e profundezas insondáveis. Nas palavras do Manifesto, “os representantes da concepção de mundo científica se erguem sobre o chão da simples experiência humana. Eles se atêm com confiança ao trabalho de tirar do caminho os escombros metafísicos e teológicos de milênios”. O Círculo de Viena, então, propõe que nos libertemos dos resquícios dos modos de vida passados e que realizemos nossas lutas sociais e econômicas de maneira condizente com a nossa vida do presente; a tarefa proposta contribui para uma disseminação da concepção de mundo científica “na educação, na cultura, na arquitetura, e na formatação da vida econômica e social em conformidade com princípios racionais. A concepção de mundo científica serve à vida, e a vida a incorpora” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 100-101).

Neurath e as utopias como modelos da sociedade

Esse direcionamento às questões sociais e econômicas foi trabalhado por Neurath. Mesmo antes do Círculo, ele esteve envolvido em trabalhos sociais, como, por exemplo, o projeto de reformulação urbana de Viena, uma cidade que tinha sido destruída na guerra e que tinha um sério problema habitacional (NEURATH; COHEN, 1973, p. 7-29; CARTWRIGHT et al., 1996, p. 7-63; VOSSOUGHIAN, 2011). Nesse período, Neurath desenvolveu a proposta de que as ciências sociais devem elaborar utopias, arranjos sociais - projetos econômicos, habitacionais, educacionais - em larga escala, como nos textos literários da tradição utópica, em que toda uma comunidade ideal é imaginada nos mais variados detalhes. Esse processo de pensar sobre a sociedade ideal não pode ser levado adiante de maneira tecnocrática, segundo Neurath, como se os cientistas sociais possuíssem um modelo absolutamente correto e universalmente válido para certo aspecto da sociedade. A proposta de Neurath procura se afastar da tecnocracia ao exigir que todas as pessoas afetadas por uma suposta melhoria social participem do processo de elaboração e de aplicação da utopia. Diferentes perspectivas devem ser levadas em conta, de maneira democrática, sempre buscando tratar dos problemas experienciados por aquelas pessoas (NEURATH, 1979 [1919], 2004 [1920-1]; NEMETH, 1991 [1982]; CUNHA, 2014a, 2015b).

Para que se entenda melhor essa proposta, devemos apresentar a famosa metáfora do barco de Neurath, que é central em seu pensamento:4

Imagine marinheiros que, longe no mar, modificam sua embarcação desajeitada com forma circular em direção a um formato de peixe. Eles utilizam madeira encontrada à deriva, além da madeira da velha estrutura, para modificar o esqueleto e o casco da embarcação. Mas eles não podem aportar para começar do rascunho. Durante o trabalho, eles permanecem na velha estrutura e lidam com pesadas ventanias e ondas trovejantes. Ao transformar seu barco, eles cuidam para que não ocorram vazamentos perigosos. Um novo barco cresce a partir do velho, passo a passo - e enquanto ainda estão construindo, os marinheiros podem já estar pensando em uma nova estrutura, e eles não vão concordar sempre um com o outro. A tarefa toda continuará de uma maneira que não podemos sequer antecipar hoje. Essa é a nossa sina (NEURATH, 1970 [1944], p. 47).

Notamos nessa ilustração a ênfase no trabalho coletivo. Podemos notar também que a ciência, para Neurath, é um empreendimento falível: nunca estamos em condições de produzir o melhor barco que pudermos imaginar, já que precisamos lidar com o material que temos à mão e enfrentar os problemas que aparecem. Soluções que funcionaram em algum momento podem não funcionar em outra situação, ou podem simplesmente não ser mais desejáveis, uma vez que nossa utopia pode mudar. A ilustração mostra que a ciência é o caminho para melhorar nossas condições de vida, para transformar o mundo à nossa volta; mas a ciência é completamente falível, tendo que ser reconstruída o tempo todo e nunca de maneira ideal e completa, sendo como um barco que precisa ser reformado em mar aberto.

Retomando o tema da oposição à atitude metafísica e teológica, notamos que a concepção de mundo científica propõe que consideremos que a reconstrução do barco está inteiramente dentro de nosso alcance - não há em tal barco partes obscuras, que não podemos, por princípio, conhecer e modificar. Além disso, é vital que façamos a reconstrução, e que não nos resignemos diante das tempestades que aparecem.

O projeto do Círculo de Viena era uma utopia na concepção de Neurath. A ciência produziria uma sociedade melhor, mas era necessário que uma compreensão adequada da ciência fosse articulada. Tal articulação só poderia vir de discussões, de um trabalho colaborativo entre as pessoas interessadas na promoção de uma concepção adequada da ciência e na melhoria da educação e da sociedade que viria com isso. Devemos notar, entretanto, que o Círculo de Viena era um grupo bastante plural, de modo que se tomarmos as propostas de tal grupo a partir do ponto de vista de algum outro de seus integrantes, talvez os objetivos do grupo sejam vistos de maneira diferente. A proposta de Neurath, porém, oferece uma maneira de integrar todos os esforços ali reunidos.

O Mosaico Enciclopédico

Nos congressos organizados pelo Círculo de Viena, em meados dos anos 1930, Neurath articulou o Movimento pela Unidade da Ciência, seguindo os mesmos propósitos de reunir as pessoas que aderem à concepção de mundo científica. Tal movimento deu origem ao projeto da Enciclopédia Internacional da Ciência Unificada, proposta em 1935, e que começou a ser publicada em 1938 nos Estados Unidos (NEURATH, 1983 [1935]; 1983 [1936]). Inspirado nos trabalhos de d’Alembert e Diderot, Neurath propôs que fosse feito um esforço para apresentar a pluralidade de produções resultantes da concepção de mundo científica: cada um dos participantes do projeto escreveria um texto sobre os fundamentos de sua área de atuação.

O objetivo, diferentemente daquele de Diderot e d’Alembert, não era o de fornecer os princípios básicos de cada área, guiando um estudante, mas o de apresentar diferentes maneiras de se compreender a ciência - seja em geral, seja em algum ramo específico. A produção de tal obra aproximaria os adeptos da concepção de mundo científica, aquelas pessoas que adotam a atitude científica em seus trabalhos de alguma maneira; com tal aproximação, haveria um fortalecimento de tal grupo. Além disso, a obra produzida, a própria enciclopédia, serviria para divulgar a maneira científica de conceber o mundo e de resolver problemas, cumprindo o objetivo educacional de produzir uma sociedade mais científica, e caminhando em direção à sociedade melhor que Neurath tinha imaginado de maneira utópica (NEURATH, 1955 [1938]; p. 2-5; CUNHA, 2015c). Foram produzidos dois volumes com dezenove números, o que era apenas o primeiro passo no projeto original de Neurath. O fato é que a enciclopédia enfrentou diversos problemas e só adquiriu sua forma final em 1970, vinte e cinco anos após a morte de Neurath (NEURATH; CARNAP; MORRIS, 1955; 1970).

A imagem da ciência que apareceria na Enciclopédia, como Neurath explica no número de abertura, não seria a de um sistema em que todas as partes estão relacionadas de maneira uniforme. Neurath prefere a imagem de um mosaico, uma figura construída de maneira coletiva, composta por peças irregulares, sem uniformidade, que muitas vezes não se encaixam perfeitamente; mas o mosaico oferece uma visão ampla, quando visto de certa distância. A ciência, para Neurath, é algo plural - além de ser falível e em constante processo de reconstrução coletiva - e, portanto, as maneiras de se compreender a ciência são plurais e não podem ser reunidas em um sistema uniforme, como se todas as áreas da ciência e todas as maneiras de ver a ciência e cada uma daquelas áreas pudessem ser tomadas de maneira regular, como se fossem todas semelhantes.

Neurath nota que no Discurso Preliminar da enciclopédia francesa, d’Alembert se orgulhava de ter Rousseau entre seus colaboradores, ao mesmo tempo em que ressaltava que o mesmo Rousseau tinha escrito um ataque à concepção de ciência que dava origem àquela enciclopédia. Esse tipo de pluralidade é enaltecido por Neurath, que queria mostrar que a ciência era um empreendimento inclusivo, mas não totalitário (NEURATH, 1955 [1938], p. 20-21. NEMETH; ROUDET, 2005; NEMETH; STADLER, 1996; CUNHA, 2015c).

Vimos que no final dos anos 1920, o Círculo de Viena alertava para o crescimento de uma tendência metafísica e teológica na Europa, que levava as pessoas a adotar uma atitude de resignação diante dos problemas, ou a ver certas coisas como impossíveis de serem conhecidas. Ao admitir o incognoscível, as pessoas acabam por acreditar que seus problemas são insolúveis por seus próprios esforços e, assim, tendem a esperar que uma autoridade mística ou religiosa apresente uma solução definitiva aos problemas. Em meados dos anos 1930, o que se via na Europa Central é que governos totalitários aproveitaram a tendência a esse tipo de atitude, e acabaram por se apropriar do obscurantismo que ocupava as sociedades para impor medidas políticas e sociais de maneira inquestionável, como se possuíssem soluções finais e definitivas, absolutamente válidas, para todos os problemas sociais e econômicos. Trata-se da uma atitude mística similar transposta para a esfera política e social.

A luta do Círculo de Viena que se materializou no Movimento pela Unidade da Ciência, e que ganharia corpo na enciclopédia, dessa forma, era para educar cientificamente a sociedade. E essa educação deveria ser feita de acordo com uma concepção adequada da ciência, como um empreendimento humano, falível e em constante processo de reconstrução, plural, composto de peças irregulares. Uma população que compreende a ciência dessa maneira e que adota a atitude científica, recusando-se a ver no mundo mistérios incognoscíveis, profundezas insondáveis e distâncias obscuras, não aceitaria soluções pré-fabricadas apresentadas tecnocraticamente por um governo totalitário. A concepção de mundo científica ensina que a solução de um problema vem de um esforço coletivo, contínuo, plural, e falível, como no mosaico da ciência.

O fisicalismo de Carnap e a utopia de Neurath

Diante desse projeto, o fisicalismo aparece como uma ferramenta de importância fundamental: o trabalho de mostrar que todo o conhecimento científico pode ser articulado de maneira lógica, livre de ambiguidades e em relação a objetos da experiência cotidiana forneceria um padrão, um modelo a ser seguido. Se vamos propor uma melhoria social, e se queremos a participação de todos, devemos evitar fazer referência a objetos, eventos e entidades que não podem ser relacionados à experiência cotidiana intersubjetiva.

Dessa forma, o fisicalismo não é simplesmente um projeto para unificar a ciência em um sistema lógico. Trata-se também de uma maneira de mostrar como a produção dos diferentes ramos da ciência pode ser interligada por meio de uma linguagem tão livre de ambiguidades e obscuridades quanto possível. Isso só é possível, porque a ciência pode ser caracterizada pela atitude de rejeição do obscurantismo.

Poderia parecer contraditório que a ciência seja unificada em um mosaico, como vimos a partir das propostas de Neurath, sendo composta por peças irregulares sem um encaixe perfeito, e, ao mesmo tempo, que seja possível representá-la em um sistema lógico. De fato, vimos que Neurath critica as tentativas de reunir todo o conhecimento em um sistema uniforme, preferindo a ideia de uma enciclopédia. A sensação de contradição deve desaparecer, no entanto, quando notamos que o sistema lógico de Carnap não inclui as leis científicas, não servindo como um substituto para o jargão específico de cada área: cada ramo da ciência tem suas próprias leis, seus próprios termos teóricos, e o único requisito é que estes se relacionem com objetos cotidianos.

Embora tenhamos a linguagem das coisas, que formaliza as relações entre os objetos à nossa volta, a construção de Carnap conecta tal linguagem com uma infinidade de outras linguagens para os ramos específicos da ciência. A imagem resultante não é a de um sistema uniforme, mas propriamente a de um mosaico, já que cada ramo da ciência relaciona seus objetos de uma maneira particular. Esse mosaico lógico, ainda, forneceria apenas algumas peças do mosaico mais amplo da ciência unificada. De fato, na abertura da Enciclopédia, Neurath explica que a atitude científica pode se manifestar no trabalho dos cientistas, mas também na produção de filósofos e artistas; o exemplo para a filosofia feita com atitude científica é justamente a obra de Carnap, enquanto o exemplo na arte é H.G. Wells, autor de obras de ficção científica e utopias (CUNHA, 2014a).

Um mal-entendido comum a respeito do fisicalismo de Carnap é que tal projeto exibiria um padrão estrito de racionalidade que diminui a possibilidade humana, que restringe a liberdade de pensamento. Mas quando pensamos que isso faz parte de uma utopia, notamos que se trata apenas de um projeto que guia a reconstrução de nosso barco. E, dada a falibilidade característica da ciência, tal projeto não será alcançado de maneira ideal, perfeita - uma vez que não podemos atracar para realizar tal reforma, temos que seguir navegando com o material que temos à mão, e sabemos que nossa utopia vai mudar o tempo todo.

Isso é expresso no Princípio de Tolerância Linguística de Carnap, segundo o qual não cabe a nós, filósofos ou lógicos da ciência, fazer proibições, mas sempre procurar chegar a convenções sobre como formular as mais variadas formas de expressão; o princípio de tolerância estabelece que há inúmeras lógicas para determinado objetivo e que todo o trabalho reside em encontrar soluções para nossos problemas em meio a toda essa pluralidade (CARNAP, 2002 [1934], p. 51-52; RICKETTS, 2007; LISTON, 2015).

Uma analogia interessante desse aspecto apareceu no Aufbau, livro publicado por Carnap em 1928. Ele compara o processo de criar e utilizar sistemas lógicos ao uso de mapas ferroviários (CARNAP, 2003 [1928], p. 25-27).5 Quando vemos um mapa de uma ferrovia notamos que tal mapa não traz uma representação fiel da malha, mas apenas alguns aspectos que são importantes na situação em que o mapa é apresentado. Os mapas que ficam expostos em estações, por exemplo, representam o percurso dos trens muitas vezes como uma linha reta, quando, na verdade, os trilhos fazem muitas curvas. Tais mapas geralmente são fiéis à sequência de estações e às possibilidades de conexão em cada estação, mas não costumam precisar as distâncias entre uma estação e outra. Da mesma forma que um mapa, um sistema lógico não é feito para representar absolutamente todas as características do conhecimento. O objetivo dos sistemas lógicos é retratar certo aspecto de acordo com certo objetivo. Assim, cada sistema lógico, incompleto e parcial, representando algum aspecto de algum ramo da ciência contribui para a nossa compreensão da ciência. Da mesma forma que retratos epistemológicos, históricos, sociológicos, axiológicos e artísticos da ciência, cada um desses retratos mostra um aspecto do gigantesco mosaico plural da ciência unificada.

Considerações finais

Neste texto, vimos algumas propostas de Carnap, apresentadas entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1930 - particularmente a proposta do fisicalismo como um projeto para a linguagem da ciência unificada. Em seguida, foram apresentadas três questões que podem afligir estudantes que têm contato com essas ideias, e o restante do texto foi uma tentativa de responder a tais questões a partir da obra de Neurath. Voltemos agora às três perguntas.

A primeira era sobre o porquê de construir essa unidade da ciência. Vimos que o objetivo é unir as pessoas que concebem o mundo de maneira científica, fortalecendo tal grupo, e divulgando a atitude científica. Isso promoveria melhorias na sociedade por meio da educação. Neste contexto, a construção lógica serviria justamente para mostrar que não há obscuridades na ciência. A segunda pergunta era sobre a restrição da filosofia à lógica da ciência. Vimos que o Círculo de Viena considera apenas o conhecimento empírico, aquele que pode ser relacionado à experiência intersubjetiva cotidiana, e a lógica, que inclui a matemática. Assim, a única produção de conhecimento diferente da ciência seria a lógica. Isso nos leva à terceira pergunta, sobre como ficariam disciplinas filosóficas, como a axiologia, a ética, a estética e a política nesse contexto. Tais disciplinas teriam que se tornar empíricas, teriam que se afastar da metafísica e da teologia. E, então, restaria a questão sobre se o nome disso continuaria sendo ‘filosofia’.

Quando entramos em contato com os trabalhos do Círculo de Viena, vemos que se tratava de um grupo diverso que estava em regime de divisão de trabalho. Por isso, às vezes não entendemos alguma afirmação, de um ou outro autor, tomada de maneira isolada. Os aspectos políticos e educacionais de que falamos aqui aparecem principalmente nos textos de Neurath, enquanto a obra de Carnap é fortemente marcada pela lógica. Essa divisão aparece já no final do Manifesto, no trecho em que o Círculo de Viena diz que “a concepção de mundo científica fica próxima da vida do presente. E certamente é ameaçada por duras lutas e inimizades. No entanto, há muitos que não se desesperam, mas, em vista da situação sociológica presente, encaram com esperança os eventos por vir” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 100-101). Já percebendo certa perseguição por parte dos nacional-socialistas e prevendo que o problema ganharia intensidade na década seguinte (STADLER, 2007), o Manifesto continua: “naturalmente, nem todo adepto da concepção de mundo científica será um lutador. Alguns, contentes com a solidão, levarão uma vida reclusa nas encostas gélidas da lógica (…)” (HAHN; NEURATH; CARNAP, 1979 [1929], p. 101). O Círculo de Viena não conseguiu impedir o crescimento do totalitarismo nos anos 1930; isso, além da perseguição sofrida durante a guerra fria (REISCH, 2005), fez com que tal grupo ficasse conhecido quase que somente pelos trabalhos mais densamente gélidos em lógica. Porém, eles conseguiram formar uma comunidade que discute a ciência em seus mais variados aspectos. Devemos lembrar que a célebre Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn foi publicada originalmente na Enciclopédia proposta por Neurath, e editada à época por Carnap e Charles Morris.

Vimos, dessa forma, que o projeto da construção da linguagem fisicalista que serviria como jargão universal da ciência unificada se encaixa em um projeto educacional, social e político. É frequente discutirmos a questão do papel da ciência, bem como da própria filosofia, na sociedade e na educação.6 Considero que neste contexto, as propostas do Círculo de Viena podem oferecer elementos para compor reflexões interessantes. Um dos motivos para essa opinião é que a compreensão do contexto político e educacional das propostas de tal grupo aponta para o fato - muitas vezes deixado de lado, apesar de óbvio - de que a lógica, ou, melhor dizendo (no espírito do Princípio de Tolerância de Carnap), as lógicas podem nos ajudar a desfazer as aparentes obscuridades do mundo que experienciamos. Com isso, nossas ações podem se desenvolver sem a ameaça de profundezas insondáveis e enigmas indecifráveis.

Referências

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1Essa compreensão do fisicalismo que encontramos na obra de Carnap é diferente do que se entende atualmente por fisicalismo nas ciências cognitivas e na filosofia da mente - que se trata, em termos gerais, de um posicionamento a respeito do chamado problema da relação psicofísica, que toma fenômenos psicológicos como correlatos, ou totalmente redutíveis, ou explicáveis em termos de ocorrências físicas no sistema nervoso. Carnap pressupõe tal superveniência como uma questão empírica, mas alerta para o risco de cair em discussões metafísicas sobre a suposta essência dos fenômenos mentais. No entanto, seu fisicalismo é lógico linguístico (CARNAP, 2003 [1928], p. 37-39; p. 266-272).

2Anteriormente Carnap havia proposto uma construção em que o conhecimento é reduzido às vivências (Erlebnisse) elementares de um sujeito, procurando atingir os objetivos mais tradicionais do empirismo. Mas Carnap já compreendia que a linguagem fisicalista seria mais adequada para o objetivo de retratar a ciência (CARNAP, 2003 [1928], p. 94-96).

3A diferença entre essa concepção da ciência como uma atitude e outras concepções de ciência, em um debate com a filosofia da ciência mais recente, é discutida em Cunha, 2015a.

4A versão mais conhecida e discutida de tal metáfora é aquela que aparece no início dos anos 1930, quando Neurath queria ilustrar o caráter de constante reconstrução da ciência, o que faz com que nenhum enunciado científico seja irrevisável - mesmo aqueles que relatam observações (NEURATH, 1983 [1932/3], p. 92). A versão a seguir é de 1944 e apareceu num texto em que Neurath faz propostas para os fundamentos das ciências sociais. Discuto a ciência social neurathiana em Cunha, 2014b. Cartwright et al. (1996) discutem os diferentes usos que Neurath faz das diversas versões da ilustração.

5A construção lógica proposta no Aufbau não é fisicalista, embora o fisicalismo já seja apresentado ali como a melhor opção para um retrato da ciência (CARNAP, 2003 [1928], p. 94-96). O princípio de tolerância é formulado e nomeado somente em The Logical Syntax of Language, mas a ilustração dos mapas é claramente uma versão de tal princípio (FRIEDMAN, 2007).

6Versões preliminares deste texto foram apresentadas em duas ocasiões em que se discutiu o papel da ciência e da filosofia na educação: no IX Simpósio de Filosofia da Universidade Estadual de Maringá (outubro/2014, minha participação nesse evento recebeu o apoio do CNPq/PDJ); e no Ciclo de Palestras do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (setembro/2017). Agradeço os comentários recebidos nos dois eventos.

Recebido: 20 de Janeiro de 2018; Aceito: 21 de Março de 2018

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