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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dez 2018  Epub 22-Set-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n66a2018-09 

Artigos

Martin Buber e a educação

Martin Buber and the education

Martin Buber y la educación

José Mauricio de Carvalho* 

*Doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF). Professor da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e do Instituto Presidente Tancredo Neves (IPTAN). E-mail: josemauriciodecarvalho@gmail.com


Resumo

Neste artigo estudam-se as teses de Martin Buber sobre educação sem perder de vista o que lhe confere sustentação. Como pano de fundo das suas ideias pedagógicas, encontram-se reflexões gerais, pressupostos do problema estudado. Para o filósofo, a educação individualista, com ênfase na liberdade pessoal e nacional, que foi desenvolvida no ocidente no espírito da Revolução Francesa, perdeu a dimensão de universalidade. O ideal humanista se encontra em cada nação, mas quando o projeto pedagógico de um povo se resume à busca da liberdade pessoal e política, ele não alcança o humanismo universal. Ao contrário, somente quando os valores universais, tornam-se os guias do projeto pedagógico dessa nação é que ela realiza os ideais do humanismo universal. Tais ideais estariam presentes numa educação comunitária, quando todos os agentes escolares participam do processo educativo e onde todos os partícipes são protagonistas na criação da vida comunitária.

Palavras-chave: Educação; Crença; Aprendizagem; Humanismo; Projeto Pedagógico

Abstract

In this paper, are studied the Martin Buber’s theses about education and what gives it sustenance. Like background of your pedagogical ideas, are grounded general reflections, assumptions of the studied problem. To him, the individualist education, with emphasis in personal freedom and national liberty, developed in Western in the French Revolution spirit, lost the universality dimension. This ideal is found in each nation, but when the pedagogical project of a people is reduced to the pursuit of personal and political freedom, it cannot accomplish the universal humanism. On the contrary, only when the universal values become the guides of the pedagogical project of this nation, is that is can realize the ideals of the universal humanism. These ideals would be present in a community education, in which all of these school agents participate of the educative process and where all participants are protagonists in the creation of the community life.

Keywords: Education; Belief; Learning; Humanism; Pedagogical Project

Resumen

En este artículo se estudian las tesis de Martin Buber sobre educación y lo que le confiere ayuda. Como telón de fondo de sus ideales pedagógicos, se encuentran reflexiones generales, los supuestos del problema estudiado. Para el filósofo, la educación individualista, con énfasis en la libertad personal y nacional, que se desarrolló en occidente en el espíritu de la Revolución Francesa ha perdido la dimensión de universalidad. El ideal humanista se encuentra en cada nación, pero cuando el proyecto pedagógico de un pueblo se resume la búsqueda de libertad personal y política, él no alcanza el humanismo universal. Al contrario, solo cuando los valores universales se hacen los guías del proyecto pedagógico de esa nación es que ella realiza estes ideales. Ellos estarían presentes en una educación comunitaria, cuando todos los agentes escolares participan del proceso educativo y donde los partícipes son protagonistas en la creación de la vida comunitaria.

Palabras-clave: Educación; Creencia; Aprendizaje; Humanismo; Proyecto Pedagógico

1. Considerações iniciais

Martin Buber é um representante da escola fenomenológica existencial1 e autor de muitos interesses. Sua relevância para a filosofia contemporânea e diversas áreas da cultura como a educação encontra-se bem estabelecida e comentada2. No livro Martin Buber, a filosofia e outros escritos sobre o diálogo e a intersubjetividade3, suas ideias foram sistematizadas em quatro eixos: 1 - considerações sobre a vida concreta pensada como ontologia da relação; 2 - análise da vida social entendida como comunidade e estruturada entorno a uma ética humanista; 3 - hermenêutica literária utilizada no estudo das lendas hassídicas e 4 - hermenêutica histórica empregada no estudo de textos antigos como os da Bíblia.

Os estudos de Buber sobre educação, objeto deste artigo, integram o segundo eixo de interesse acima indicado, mas têm como pano de fundo seu pensamento filosófico e social. Nesse trabalho, vamos comentar as teses pedagógicas e seus fundamentos.

Para considerar as posições de Martin Buber sobre educação, temos alguns ensaios fundamentais entre os destacam-se: Los prejuicios de la juventud, conferência pronunciada em Praga, em 1935, e publicada em El humanismo hebreo y nuestro tempo, os ensaios Sionismo verdadero y falso e Sobre la educación nacional ambos publicados em Sionismo y Universalidad, antología de ensayos y discursos e Educação para a comunidade nacional, uma conferência de 1929, publicada no livro Sobre Comunidade.4

2. O pano de fundo do pedagógico

Para os fenomenólogos da existência, o ponto de partida para pensar a existência é reconhecer a vida contemporânea como uma época de dificuldade, época de guerras, de desencanto, de problemas econômicos, de revoluções, enfim, um tempo de crise. Como observa Garaudy (1966, p. 55): “Essa crise põe em causa duma vez a estrutura do ser e a condição do homem, o valor do conhecimento e a significação da história”.

O homem contemporâneo, consciente de sua liberdade individual, mas simultaneamente mergulhado em dificuldades, não possui uma razão prévia ou uma finalidade pronta para sua vida. Buber dirá em Sionismo verdadero y falso que a vida nunca supera seu caráter perigoso, isto é, a vida é essencialmente drama. Eis como o diz (1978, p. 273): “Você crê que a vida pode ser despojada do elemento dramático que possui, porém isso é impossível”. Esse aspecto dramático da existência é igualmente apontado por Ortega y Gasset 5 e Martin Heidegger, esse último o denominou facticidade. E nessa condição, isto é, entre riscos existenciais que o indivíduo terá que descobrir uma razão para viver, um sentido que conduza a vida autêntica ou a verdade existencial, que é a verdade de cada um ou sua missão no mundo. Dessa compreensão parte Buber para pensar a vida do homem em sociedade e, como parte dela, o ato pedagógico. Diz Buber (1978, p. 265) no ensaio Sionismo verdadero y falso: “Apesar de todas as dificuldades - e sou consciente de que existem - o ser humano deve viver uma vida dedicada à verdade, aquela na que crê cada indivíduo particular”.

Quando descobre sua verdade na vida, o homem encontrou sua razão de viver. Tudo o que faz, o que ensina, não importa o conteúdo, levará junto esse elemento que, por sua vez, se projeta como seu ideal de vida. Nesse sentido, cada qual somente consegue vida plena na medida em que consegue viver aquilo que lhe parece o mais importante a ensinar. É o essencial do ato pedagógico, o professor aprende todo o tempo não um conteúdo ou a perspectiva de uma outra pessoa, mas uma razão para seguir vivendo que ele acredita possa ser compartilhada com seus alunos. Eis como o comenta Buber (1978, p. 266): “Uma pessoa vive e implementa em sua própria existência aquilo que gostaria de ensinar. As vezes isto tarda toda uma vida. Porém vale a pena viver uma vida desse tipo”.

E esse elemento que guia a existência não é um pensamento ou algo que se pense, isso que se quer ensinar é uma crença. Crença é uma fé com tal profundidade que nem é preciso pensar porque ela se apresenta para mim com a força da verdade. Um exemplo esclarece bem o que Buber queria dizer com isso. Ao ensinar a seu filho as histórias bíblicas nunca afirmou que ali estava toda a verdade, nem que os fatos eram compreensíveis ou coerentes, mas dizia (1978, p. 267): “É importante que entenda no que acreditavam as pessoas que escreveram isso”. E, mais tarde, quando seu filho estava em dificuldade na vida militar, lembrava dessas palavras do pai. Ao lado do que aprendia nas experiências militares impressionava-o sempre mais (BUBER, 1978, p. 267): “que seus antepassados tenham acreditado com tal força”. Portanto, da lição de Buber fica que é a fé, aceita como verdade pelo grupo e pelos indivíduos, o fundamental de qualquer ensinamento. É na crença que se amarra a existência e é ela que dá significado a tudo quanto se aprende, se pensa e vive.6 Buber ensina que essa questão estava bem estabelecida na comunidade alemã, pois o filósofo Wilhelm Dilthey, professor de Buber, que Ortega y Gasset tinha em alta conta7, ensinava que por traz dos grandes movimentos culturais, como o renascimento, havia uma crença que o alimentava. Escreveu Buber em Humanismo Hebreo y Nacionalismo, também parte de Sionismo y Universalidad, antología de ensayos y discursos (1978, p. 94): “Eles (Dilthey e Konrad Burdach) nos mostraram que detrás do renascimento estava a ideia de afirmar o homem e a comunidade do homem e a crença de que tanto os povos como os indivíduos podiam renascer”. Foi nessa crença que viveram os homens daquelas gerações.

Sabemos que para Buber essa fé mais profunda é aquela que as diferentes gerações de judeus tiveram em Javé e na Sua presença na história do povo. A crença é uma realidade profunda que se vive na intimidade da alma. Ela não se limita a repetição de uma fórmula, mas significa uma abertura ao mistério que envolve a vida. Diz Buber em Los prejuicios de la juventude (1978 b, p. 133): “A verdadeira fé significa, na realidade, sustentar em nossa vida esse segredo. As formas por meio das quais se manifesta para nós, pertencem ao âmbito das experiências individuais”.

Entendido que a fé é o que amarra a existência, tocamos noutro ponto fundamental do pensamento de Martin Buber, o instrumento das aprendizagens mais significativas é o diálogo. É dialogando que se vai ao mundo, é no encontro que se desenvolve a humanidade de cada um. É no diálogo que se descobre que o outro, enquanto espírito (ou Tu) não se esgota no fenomênico e não se adequada à categoria de objeto da consciência intencional, conforme a proposta de Husserl. É no mais profundo da relação que se estabelece a vivência humana, segundo explica em Sionismo verdadeiro y falso (1978, p. 274): “é difícil não acreditar na realidade vivente. Se uma realidade dialogal chega a produzir-se se acreditará nela”. A consequência pedagógica imediata ele o explica em seguida, o processo pedagógico tem por base o diálogo pessoal que é o espaço das aprendizagens mais importantes e significativas. Ele assim o explica (BUBER, 1978, p. 275):

O vínculo professor-aluno é especial, enquanto não há completa reciprocidade, nem tampouco é possível que haja. Em nosso mundo o vínculo educativo tem lugar, não entre um só professor e um só aluno, mas entre o professor e muitos alunos. Entretanto, tem que haver, de tempo em tempo, uma aproximação pessoal ao aluno, e nada pode substituir isso. Por consequência, sinto que a profissão de educador é a mais difícil e a mais elevada de todas. E, no entanto, nossa sociedade (melhor dito, o mundo inteiro) não tem consciência deste fato.

Portanto, para Buber o aspecto nuclear do ato pedagógico, não só escolar, mas também do que é ensinado fora da escola (nas famílias, nas igrejas, nos clubes, etc.), é o encontro pessoal entre quem ensina e quem aprende. É nele que ambos aprendem, mas especialmente é nele que os valores e as crenças se explicitam no encontro dialogal. É nele que o professor ensina, mas também aprende. É no diálogo que ele chega ao mundo dos jovens de um modo mais profundo e somente então será capaz de perceber como ensinar. O contato pessoal com seus alunos permitiu a Buber concluir que o jovem daqueles dias estava especialmente infeliz com o mundo que encontrou, embora o jovem sempre seja de algum modo insatisfeito. Ele o diz (BUBER, 1978, p. 278): “Quando falo com os jovens tenho a impressão de que estão em certa medida insatisfeitos, tanto com a vida da política, como com a vida individual e da família. Estão esforçando para encontrar algo que não tem nome”. Trata-se para Buber de uma crença profunda que não é fácil de explicitar, que antes era dada pela religião, mas que hoje ele não entende que seja. Porém, a verdadeira transformação a alcançar com o processo educativo não fica ao largo de crenças profundas que toquem o coração desse jovem. Crença no valor e na importância de viver o espírito (pensamento), sem se afastar do fenomênico e das exigências da vida. Explica Buber (BUBER, 1978, p. 280): “só aquele que se entrega tanto ao espírito como a terra está ligado à eternidade”. 8

3. Os desafios da juventude

Na conferência Los prejuicios de la juventud, Buber considera os desafios fundamentais da juventude, alguns próprios daqueles dias. Eram desafios a se considerar no processo pedagógico. Buber avalia que embora os jovens sejam entusiastas das mudanças não estavam, naqueles dias, abertos verdadeiramente a elas quando ameaçavam suas crenças. Afirma (1978 b, p. 123): “Não desejam adquirir novas experiências que ameacem contradizer o que foi captado com entusiasmo”. E completa adiante (BUBER, 1978 b, p. 123): “Não querem submeter-se a mais nenhuma outra experiência senão as que respeitam as posições adotadas”. E então, avalia Buber, mesmo sendo bom ter posições formadas sobre o mundo, sobretudo os jovens não podem se fechar a novas experiências que contradigam as antigas.

Uma atitude de abertura às experiências parece fundamental para os jovens porque os ensinamentos fundamentais para a humanidade não se dão de uma vez, mas se formam ao longo do tempo. O próprio Deus bíblico, lembra Buber, ensina os homens com os acontecimentos históricos. Então as verdades que o homem alcança, aquelas que definem sua existência, se formam no tempo.9 E, nesse sentido, não importa se verdades da ciência, da filosofia, da religião, mas especialmente as verdades pessoais que guiam a existência dos indivíduos, não podem ser apanhadas com a mão, mas se encontram em permanente formação.10 Diz Buber (1978b, p. 129):

A verdade humana está em constante formação, através do homem que deseja realizar por si mesmo, por meio de sua vida toda, essa atitude em relação à verdade, essa verdade em formação começa a ser expressa pela humanidade na medida em que começa a ser parte de seu ser.

Em épocas de crise, a abertura a novas experiências é fundamental para o jovem porque a ele caberá descobrir novas soluções para os problemas que a vida renova. Assim, nem o jovem pode deixar de se abrir a novas experiências, nem o processo pedagógico pode lhe fechar essa porta.

Um dos aspectos mais difíceis da aprendizagem contemporânea é o senso de responsabilidade pessoal diante do grupo. Se a pessoa se forma como parte de uma comunidade, como Buber ensinará no ensaio Educação para a Comunidade, isso não significa que ele possa se descuidar da conduta ética. Ele ensina (BUBER, 1978b, p. 130): “Ele deve pertencer a um grupo com todo calor do seu amor, sua atividade e seu fogo combatente. Porém junto com este deve, no grupo ao qual pertence, dirigir-se diretamente para o bom e justo”.

Não se pode perder de vista os valores humano e justo pela pertença a um grupo. Com isso, Buber descontrói a desculpa de agir imoralmente pelo interesse grupal. O princípio que guia a humanidade proclama a defesa do bom e do justo, ele ensinou no livro Moisés.11

4 O modelo pedagógico ocidental forjado na Revolução Francesa

Martin Buber ensina em Sionismo verdadero y falso, qual a finalidade principal da educação. Educar é uma forma de mudar a pessoa para fazê-la melhor e, por isso, uma maneira de melhorar a sociedade. Ele explica (BUBER, 1978, p. 273): “Como se pode melhorar as coisas? Você quer usar uma forma rápida, eu só conheço a lenta, a que se chama educação”.

Num ensaio em que considera o significado da educação para o povo judeu denominado Sobre la educación nacional, Buber faz considerações acerca do processo educativo que podem servir para outros povos. Ele entende que a educação pode ser resumida em duas grandes tendências. A primeira afirma que o educador deve retirar do estudante o que ele já tem em potencial, a segunda considera educar a ação de modelar o jovem aprendiz para ele ser algo que não é. Buber compara a primeira concepção com o labor do jardineiro e a segunda com o trabalho do escultor.

Ambas as concepções pedagógicas, ele avalia, têm limitações (BUBER, 1978, p. 112): “os perigos da primeira é o deixar fazer e uma excessiva indulgência, os da segunda, constrangimento e compulsão. O jardineiro educador não tem suficiente confiança em si mesmo, o escultor tem demais”. Buber comenta que no ocidente considera-se que os dois modelos atendam a individualidade do educando, mas ambos levam à anarquia.

Buber acrescenta que os modelos pedagógicos de maior impacto na cultura foram desenvolvidos em eras de vigorosa força cultural. Esses modelos trazem uma meta para a educação, como ocorreu da Grécia Clássica até o tempo dos cavaleiros britânicos. Esse ideal pedagógico não é resultado do projeto de um só homem, nenhum teria força suficiente para tanto. Esses ideais, resume Buber (1978, p. 113): “expressam o que há de mais profundo numa época, seu caráter e seus desejos, tudo simultaneamente”. Todos os momentos marcantes da civilização produzem variações desses tipos de concepção, a do jardineiro e a do escultor. Em nossos dias prevalece o primeiro tipo, modelo que se consolidou depois da revolução francesa. E esse modelo vigorou até o século passado, diz Buber, quando se vivia num tempo de dependência cultural. Outros fenomenólogos preferiam dizer tempos de crise. Esse tempo mirava ainda valores e concepções universais, com um sentido mais humanista ou mais técnico. Podia-se ainda identificar uma proposta híbrida que misturava os elementos humanistas e técnicos, mas nenhuma dessas tendências descia ao princípio da civilização. Essa era a razão da fragilidade dos modelos existentes, pois entende Buber (1978b, p. 115): “toda a verdadeira educação deve estar ligada à sua origem, (...), deve estar ligada com a história e a tradição”.

Na compreensão de Buber, o projeto de educação do século XX tinha suas bases nos ideais concebidos durante a Revolução Francesa. E o modelo de cidadão preconizado por esse projeto era de quem lutava pela independência de seu país. Isso significa que não apenas o cidadão devia ser livre, mas também os Estados nacionais deveriam. Buscar essas liberdades era uma missão histórica, a tarefa de um tempo revolucionário. Nesse projeto, a liberdade interna dependia, de alguma forma, da liberdade externa, daí a necessidade e empenho do cidadão conquistar a independência política de seu país, pois a liberdade individual somente alcançava sua plenitude num Estado livre. Esse modelo se fazia presente no modelo pedagógico de Fichte na Alemanha, Mazzini na Itália e Mickiewicz, na Polônia. Trata-se de um projeto educativo que não apenas vincula as liberdades interna e externa, mas reconhece para os povos livres um destino singular, que não esgota em si mesmo, mas é parte e contribui para o desenvolvimento da Humanidade. Explica Buber (1978, p. 116):

Em todos os movimentos deste tipo se assinala o país como totalidade, uma tarefa íntima que vai mais além de sua existência de fato. Não é suficiente que o país seja o que é. Tem que chegar a ser o que é chamado a ser, e sê-lo não só para si mesmo, senão também para o mundo inteiro.12

A consequência de semelhante proposta pedagógica é que cada povo tem uma identidade, ele não existe somente para si, mas para toda a humanidade. Sua missão é singularíssima. Portanto, cada povo devia desenvolver-se e realizar sua missão histórica e enquanto a tivesse executando seria uma benção para todos os povos da terra (BUBER, 1978b, p. 117): “O destino próprio do país depende de se comprometer com esta tarefa”. Sua missão é realizar seu destino.

Esse modelo pedagógico pode parecer constituir uma civilização, mas não é exatamente esse o resultado que se observou. Ao realizar tal ideal pedagógico, tivemos gerações grandemente empenhadas em assegurar a independência nacional de seus países. E esse modelo assumido por diversos líderes nacionais levou a confrontos entre povos. Foi, portanto, o modelo de um certo tempo, mas não produziu a civilização, apenas realizou a sanha histórica da libertação nacional. Como esse modelo não estrutura a civilização ele permanece ativo e possui força criativa enquanto os povos não alcançaram ou ainda não consolidaram sua independência política. Depois que esse patamar da civilização é alcançado, esse modelo não produz mais nada de criativo e nem conseguem seus educadores produzir algo essencial. Pequenas variações reproduzem passageiros modismos. O motivo para isso, explica Buber, é que o ideal proposto não sustenta o destino de um país, é apenas condição para que este destino se realize. Ele explica (BUBER, 1978b, p. 118): “o destino real de um país não se decide na libertação nacional, somente depende dessa libertação”. Portanto, para o filósofo, o modelo pedagógico de uma educação nacional, que nasceu dos sonhos da Revolução Francesa, não é um objetivo válido para a educação dos povos. A cultura universal vigente, construído nesse modelo não contém a densidade necessária para uma educação sustentável.

Para alcançar um modelo sustentável, ou um projeto fecundo, é preciso ir além dos diversos movimentos nacionalistas e dos elementos supranacionais nos quais se sustenta. Se o elemento universal puder ser reconstruído sobre outras bases, então o indivíduo, mesmo formado na educação nacional, encontrará inspiração para alimentar o desenvolvimento e descobrirá a raiz do que produziu o modelo pedagógico de uma educação que pretendia a libertação dos povos. Em outras palavras, aquilo que se realizou com os ideais da Revolução Francesa se sustentava numa tradição que no século passado perdeu sua razão de ser. Um exemplo ajuda a esclarecer o cerne da análise de Buber (1978b, p. 119):

O sábio chinês representa um modelo ideal verdadeiro, porém o chinês puro sintético não é mais que uma caricatura. A educação pode deduzir um grande objetivo do propósito humano inerente ao espírito chinês, porém formar chineses não adulterados nos conduz ao campo da zoologia.

Neste sentido, o nacionalismo afastado de um sustentável projeto universalista não produz o espírito universal que supõe, ao contrário, o sufoca e o mata. Para Buber, o futuro do homem depende da construção desse humanismo universalista que ele estuda longamente em O socialismo utópico. Naquele livro, ele explica as razões do insucesso do socialismo desenvolvido no ocidente desde o século XVIII e propõe um ideal pedagógico que se ancora num outro humanismo universal (BUBER, 2007, p. 182): “a sorte do gênero humano depende da possibilidade de que a comuna renasça das águas e do espírito da iminente transformação da humanidade”. Desse novo projeto resultaria uma sociedade orgânica, cuja raiz não é o individualismo, mas as pequenas comunidades que se desenvolvem no interior do grupo social. E conclui, (BUBER, 2007, p. 182): “uma nação é uma comunidade na medida em que possui conteúdo comunitário”.

5. O modelo pedagógico judeu como inspiração

Em razão da sua história, Buber entende que o projeto pedagógico concebido no judaísmo está livre dos males do projeto pedagógico revolucionário. O ideal universalista que ele contém não é o de formar Estados politicamente livres, mas o propósito de construir uma sociedade justa. Esse modelo universalista pode inspirar os povos da terra na busca da justiça. É, portanto, um ideal pedagógico de caráter socialista, mas não socialista no sentido que foi concebido no ocidente em diversas teorias filosóficas, sociológicas e políticas. É, por isso, que ele contrapõe o modelo socialista que na época vigorava na Rússia ao outro que estava se implantando na Palestina com a criação do Estado de Israel (BUBER, 2007, p. 171): “enquanto a própria Rússia não tiver sofrido uma transformação interna substancial - e hoje é impossível vislumbrar quando e como ela se dará - temos de considerar o poderoso nome de Moscou apenas como um dos polos do socialismo”. O outro polo, esse sim apto a realizar o modelo humanista de real sentido universal, é o que se vivia nos kibutzim no tempo de fundação do Estado de Israel. Por essa razão, conclui (BUBER, 2007, p. 171): “apesar de tudo, atrevo-me a denominar o outro polo o de Jerusalém”.

A justiça original, ou os fundamentos gerais de um reino de paz e justiça, foi anunciada pelos profetas judeus no período de formação da estrutura moral da humanidade. Esse modelo não é fácil de ser compreendido e menos ainda de ser realizado. O exílio da Babilônia representou, para Buber, um tempo em que Israel foi retirado de sua terra para aprender o significado de uma sociedade justa e para que aprendendo pudesse servir de modelo para todos os povos. Esse modelo de sociedade justa era o Reino de Deus anunciado pelos profetas.13 Por isso, Buber considera que a fundação do Estado de Israel não era simplesmente a edificação de mais um Estado Moderno, como outros tantos que existem. Não basta realizar a independência política de Israel, ideal do ocidente moderno, e nisso consiste o distanciamento que ele proclama do modelo pedagógico forjado na Revolução Francesa. Assim, Buber explica a diferença entre o modelo de educação nacional a ser implantado em Israel do que foi levado a cabo nos estados nacionais pelo mundo. Ele escreve (1987, p. 121):

O ideal humano de educação nacional não concerne a um indivíduo que está participando de um fato definido e historicamente determinado, mas de que está tomando parte numa nova vida. O objetivo vai muito além de mera liberação política, é uma regeneração do mesmo ser, representa uma renovação interior, o resgate de uma deterioração física e espiritual. O afastar-se de uma existência fragmentada e contraditória, e realizar uma forma totalizadora e unificada de vida.

Assim, não importa o ângulo em que se examine a constituição do Estado de Israel, é preciso considerar que ele não realiza apenas uma ideia nacional, mas concretiza um humanismo nacional. E, assim como o chinês, que quando não alcança a dimensão universal para alimentar seu modo de ser chinês se deteriora, também o judeu que não passa por uma educação para a justiça se afasta de sua essência como judeu, mesmo que viva sob a bandeira de Israel.

O pioneiro fundador do Estado de Israel tem consciência de que a educação nacional implica no propósito de recuperar ideais de justiça de valor universal numa comunidade concreta. E esse ideal não vem nem de dentro dele, nem de sua época, nem do mundo ocidental e muito menos do socialismo moderno do ocidente. É a decisão de fazer surgir um reino de justiça, no espírito de Deus e que foi comunicado pelos profetas. Pois, o Estado de Israel não é um desenvolvimento biológico e histórico, mas (BUBER, 1987, p. 123): “o produto de uma decisão tomada a muito tempo, a decisão a favor de um Deus de justiça e contra um Deus de egoísmo instintivo. É decisão a favor de um Deus que leva seu povo para uma terra e o prepara para uma missão messiânica no mundo”. Neste sentido, aqueles que vivem a criação do Estado de Israel apenas como a criação de um Estado livre, nos termos dos ideais do ocidente, perdem de vista o essencial do que significa Israel.

Assim, como é em Israel, o problema essencial de qualquer projeto pedagógico nacional é a descoberta dos grandes valores espirituais que estão na origem da criação do povo. Ele afirma (BUBER, 1987, p. 125): “A maior virtude de um movimento nacional e da educação nacional está em que as gerações que o estão desenvolvendo, tomem consciência dos grandes valores espirituais cuja fonte está na origem desse povo”. Qualquer movimento nacional autêntico tem por base os valores de verdade e da ética que guiam sua vida. Assim, esse movimento depende do quanto se reconhece a tradição nacional e de quanto operacionalizam seus valores nas situações e problemas concretamente enfrentados. O projeto falha quando se evita a tradição onde é possível alcançar esses valores ou quando se os reconhece, mas não se o trazem para a vida. No caso de Israel, Buber considera destinado ao fracasso qualquer tentativa de recuperar tradições religiosas delas retirando o conteúdo religioso e deixando apenas o seu aspecto formal. Exemplo do que queria dizer seria o reconhecimento do Shabat como dia de descanso, mas afastado do mistério que está contido nele. Em resumo, somente quando os valores universais que estão na base da construção do povo são os guias do projeto pedagógico assumido por um povo ele consegue realizar os ideais de um humanismo universal.

6. A educação para a vida comunitária

Uma vez esclarecido o aspecto essencial do projeto pedagógico buberiano, que é o reconhecimento de valores universais presentes na constituição do povo judeu, vamos acompanhá-lo no entendimento do que é de fato uma comunidade e como se deve preparar o seu integrante. A educação se processa como fenômeno social, este entendido como coexistência, ele explica em do Diálogo e do dialógico (2014, p. 136): “de uma multiplicidade de homens, cujo vínculo que une um-ao-outro, tem como consequência experiências e reações em comum”. Isso significa que a verdadeira educação é aquela que prepara o indivíduo para integrar seu grupo e atuar para que sua comunidade funcione bem. Essas questões foram examinadas no quinto ensaio de Sobre Comunidade intitulado Educação para a comunidade. Esse texto foi originalmente uma palestra proferida em abril de 1929. Nela, Buber explica que a educação para a Comunidade é educação para a coexistência entre os homens de uma nação. Uma educação dessa natureza reconhece o outro como um Tu, isto é, alguém que é uma totalidade ou um outro mundo, se quisermos utilizar a linguagem fenomenológica. Esse reconhecimento possui uma dimensão ética porque implica no respeito a esse outro que para mim aparece como outro eu.

No livro Eu e Tu, reconhecido como sua obra mais importante, Martin Buber esclarece como entende as relações que o homem estabelece. Para ele, somente na relação (Eu-Tu) estamos diante da alteridade, porque o Tu atua em reciprocidade e simultaneidade.14 Na mencionada obra, Buber construiu uma ontologia da relação segundo a qual cada homem somente se faz no encontro com o outro, inaugurando relações com pessoas, grupos e também com as coisas. Porém, esclarece Buber, as relações que se dão com o Tu são diferentes daquelas realizadas com as coisas. Esse aspecto se esclarece no posfácio escrito pelo autor, a relação com o Isso não se faz como alteridade. As relações com o Tu se diferenciam das outras que o filósofo resume pela expressão Eu-Isso que resumidamente representam o encontro com a natureza e mesmo com outros homens, quando a relação se processa como um objeto. No início do livro, Buber esclarece as relações que tecem o homem (2001, p. 51):

O mundo é duplo para o homem, segundo a dualidade de sua atitude. A atitude do homem é dupla de acordo com a dualidade das palavras que ele pode proferir. As palavras-princípio não são vocábulos isolados, mas pares de vocábulos. Uma palavra princípio é o par Eu-Tu. A outra é o par Eu-Isso no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir Isso por Ele ou Ela. Desse modo, o Eu do homem é também duplo. Pois, o Eu da palavra princípio Eu - Tu é diferente daquele da palavra princípio Eu-Isso.

Portanto, a educação é um processo que trabalha as relações que tecem a existência. Ele assim explica em Educação para a comunidade em que consiste uma educação comunitária (BUBER, 2008, p. 82):

A educação comunitária fará com que o homem se torne um membro útil, produtivo no seio destas diversas modalidades de associações, social, política, vale dizer, que ele não seja simples roda que só gire em torno de seu eixo, mas uma pessoa, uma roda equipada com dentes e, assim, esteja apta a engrenar em outras rodas deste enorme aparato e seja capaz de participar deste imenso e complicado movimento global.

A comunidade não é, portanto, aquilo do que temos experiência quando olhamos o Estado moderno ou as muitas associações presentes em seu interior. Essas associações quando muito lembram uma comunidade sem de fato o serem. Buber considera que nos momentos de crise, como o que vivia na Europa naqueles dias, Estado se opunha à comunidade. Em alguns momentos havia quem o identificava com uma comunidade pela qual valia a pena lutar, viver e até morrer. Os jovens alemães acreditaram, durante a Iª Grande Guerra, que valia a pena lutar pela Alemanha, mas logo se desencantaram. Para avançar nessa diferenciação, Buber se vale de estudos da Sociologia, especialmente os veiculados por Tonnies. Esse sociólogo soube diferenciar a comunidade das sociedades. Buber o comenta do seguinte modo (BUBER, 2008, p. 83):

Talvez seja melhor utilizarmos conceitos da Sociologia moderna. Há obras sobre a relação entre sociedade e comunidade. A obra de Tonnies opõe sociedade à comunidade quando afirma que a sociedade é uma associação de homens unidos por um determinado propósito, que possuem interesses comuns e se congregam a fim de servirem a estes interesses comuns e atingirem este fim. Trata-se então de uma convenção fundada sobre uma decisão. Por outro lado, comunidade é a união de homens ligados pela própria essência e pela vontade essencial, uma união que é resultado de um processo natural e não algo imposto, é algo baseado em sua origem comum, costumes, propriedades, etc.

No entanto, Buber considera que a diferenciação proposta pela Sociologia alemã entre Sociedade e Comunidade, não chega ao que ele entende por comunidade. Afirma BUBER, 2008, p. 85): “quando falo comunidade, entendo algo que abrange toda a vida, toda a existência natural do homem, não excluindo nada dela”. Por isso, uma comunidade em nosso tempo só nasce quando se considera as relações concretas entre os homens responsáveis pela sua criação. Isso ele repete em diversos livros como em do Diálogo e do Dialógico (2014, p. 132): “uma verdadeira comunidade e uma verdadeira vida comunitária só se realizarão na medida em que se tornarem reais os indivíduos em cuja existência responsável se renova a coisa pública”.

Relações concretas são aquelas realizadas entre pessoas e elas se estabelecem no âmbito da moralidade. Buber explica o que isso significa, mesmo sem denominá-las de éticas, apresenta-as como aquelas relações (2008, p. 88): “em que um homem não seja um meio para outros conseguirem um fim, que um não use o outro, mas que o considere um ser vivo que está diante dele”. Não é difícil enxergar nessas palavras do filósofo a aplicação do imperativo categórico de Kant que proclama que o homem é um fim em si mesmo.15 Isso significa que o imperativo representa o reconhecimento de seres que são um valor absoluto e, portanto, são um fim em si mesmos. O imperativo, como foi acolhido por Buber, julga as máximas que são utilizadas nos casos concretos, o que sempre traz dificuldades para distinguir o que faz parte do processo de desenvolvimento pessoal do que significa simplesmente egoísmo e outras formas de relação que caminham para o mundo do Isso.16

Buber se pergunta, em seguida, o que é a educação? Parece-lhe ser (BUBER, 2008, p. 89): “a preparação para o sentido de comunidade, na vida pessoal e com a vida pessoal, introduzido a partir desta vida naquilo que existe hoje, na sociedade, neste mecanismo ou como se queira chamar”. E como se promove a educação para a comunidade? Buber resume esse projeto pedagógico em cinco pontos: 1) é uma educação na qual os mestres formam uma comunidade entre si, eles devem se relacionar como pessoas que deixam brilhar a luminosidade de cada um no vínculo que os une. Explica Buber (BUBER, 2008, p. 95): “é um vínculo entre os professores, comunidade entre docentes, entre pessoas que devem realizar esta obra mais difícil e mais séria em nosso tempo. É um verdadeiro elo entre pessoas”. 2) Numa educação para a comunidade a relação entre professores e alunos precisa ter esse mesmo espírito comunitário que une os mestres. Isso acontecerá quando os alunos não tiverem resistência à presença do professor, ou quando ele educa (BUBER, 2008, p. 90): “com sua existência pessoal, e se ele for incapaz de ensinar assim, é recomendável que mude de profissão”. É necessário que o professor de relacione com os alunos no espírito de comunidade no qual quer educá-los. 3) onde exista interação entre alunos de diferentes idades em eventos programados por professores e outros profissionais do ensino, ensina Buber (BUBER, 2008, p. 96): “dever-se-ia encontrar uma possibilidade de estabelecer contato com classes de alunos de mais idade, assim elas teriam realmente os interesses de vida para permutar” 4) Numa educação para a Comunidade deve existir interação entre os sexos, mas sem desconhecer a diferença entre eles. Muitas vezes se tenta tratar alunos e alunas como se fossem um terceiro sexo, diferente dos que possuem. Ele explica (BUBER, 2008, p. 96): “é importante que as crianças de ambos os sexos sejam educadas juntas, isto é, que não seja instituído um terceiro sexo durante o período escolar, mas que haja uma verdadeira relação entre as pessoas que se desenvolvam de diversas maneiras, precisamente pela sua diversidade”. Finalmente, numa escola comunitária 5) Precisa existir relação entre escola e lar. Essa experiência ele viu funcionar na Alemanha nos chamados Conselhos de Pais. Essa participação não pode se circunscrever a ouvir e falar do próprio filho, mas ser a base de uma relação ampla entre os pais. Explica Buber (2008, p. 97):

Há lugares onde existem realmente Conselhos de Pais, isto é, uma comunidade de certo tipo, onde os pais realmente se relacionam mutuamente, e não se limitando cada mãe a ouvir e falar do próprio filho, mas onde cada um se preocupa com o outro, formando um verdadeiro grupo coeso, onde os pais se encontram com os professores e com estes tratam de assuntos comuns.

Um bom exemplo da aproximação entre escola e lar, era o chamado Conselho de pais, que Buber via funcionar na educação pública alemã. Quanto aos conteúdos, eles também seriam ministrados de um modo novo. A História, por exemplo, mais que a ênfase nas guerras entre os povos devia enfatizar as comunidades construídas pelo homem no tempo. Se fosse para falar de batalha a que importa era (p. 98): “a batalha empreendida pela humanidade para se tornar uma comunidade”. O ensino de línguas, por sua vez, devia privilegiar as relações humanas. As línguas são instrumento de aproximação e convivência. Nenhuma Comunidade pode se formar sem essa atenção para com os jovens e sem cuidar das relações entre seus membros.

O grande desafio daqueles dias era superar a sociedade de massas que passava a errônea impressão de que os indivíduos eram membros de uma Comunidade quando verdadeiramente não eram mais que aglomeração.17 E a superação da sociedade de massas era tarefa para ser realizada pela escola para fazer surgir uma nova Comunidade.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset apontou o mesmo caminho, mas a escola de Ortega, para educar o homem-massa tinha em vista a construção não da comunidade, mas do homem apto a uma vida autêntica na sociedade, o homem culto. Esse assunto, Ortega estudou em Misión de la Universidad. Também o filósofo alemão Karl Jaspers examinou o tempo de inautencidade das massas e esperou em enfrentá-lo em a Universidade…

7. Considerações finais

A concepção pedagógica de Martin Buber ultrapassou a preocupação com os conteúdos curriculares para focar nos valores e num humanismo capaz de sustentar a vida em sociedade. O homem, para Buber, não é subjetividade abstrata ou isolada, como concebida pela filosofia moderna e desenvolvida pelos teóricos da Revolução Francesa quando a liberdade iluminista se estendeu à liberdade política dos Estados Nacionais. O homem é tecido de relações e nesse sentido, sua dimensão de universalidade não será alcançada sobre pressupostos individualistas.

Essa concepção pedagógica está sustentada numa ontologia da relação que ele desenvolveu principalmente em Eu e Tu e em Do diálogo e do dialógico.18 Para o filósofo, o homem alcança sua humanidade convivendo e o processo pedagógico deve prepará-lo para se relacionar com os outros e com o mundo. O processo pedagógico é um projeto inclusivo. É assim que ele espera superar a sociedade de massas, que para ele e para Ortega, estavam na base de um tempo de crise que se afastou dos verdadeiros valores da sociedade desenvolvidos na história. Portanto, o essencial do projeto pedagógico para Buber está no preparo para uma autêntica vida em comunidade pela adesão a valores sustentados de um humanismo universal. Para os judeus esse ideal era o reino de justiça anunciado pelos profetas, os mensageiros de Deus para o povo judeu. E é sobre esse eixo nuclear que soma fé, valores e tradição que se constroem as principais contribuições de Martin Buber para a educação.

O projeto pedagógico de Buber, sustentado na moralidade judaica, nela encontra um sólido sentido humanista. Buber, seguindo a tradição alemã, a aproxima do modelo ético kantiano, que, por sua vez, igualmente expressa o ideal cristão de respeito absoluto ao outro homem, o que é uma variação do judaísmo. Talvez Buber não enxergasse no ocidente a força desse elemento moral, mas ele é uma das colunas nas quais o ocidente foi construído. A outra coluna igualmente universalista do ocidente foi o pensamento filosófico, que Buber utilizou em sua longa análise da intersubjetividade e para a qual preparado em seu doutorado na Alemanha. Assim, Buber está certo ao dizer que um projeto pedagógico não pode se restringir a conteúdos curriculares e nem se limitar a possuir um projeto político, por mais importante que ele seja. Faltou-lhe observar que essa raiz profunda que ele encontra no reino de justiça dos profetas e que era válido para Israel, foi construído no ocidente pela aproximação entre a tradição filosófica grega e a fé cristã durante a Idade Média. Suas críticas ao socialismo ocidental e aos ideais pedagógicos do iluminismo não deixam de apontar falhas importantes, certamente servem de alerta às nações ocidentais de que não podiam desconsiderar seus valores mais importantes e estruturadores da sua cultura. Aliás, ele diz que as nações deviam buscar essa raiz, mas não identifica quais são as raízes do ocidente. Parece que elas não o têm, quando o que ocorre é um esquecimento dela como se nota na crítica de Ortega y Gasset. Talvez não fosse mesmo sua pretensão comentar valores ocidentais, mas é importante observar que o ocidente se desenvolveu em torno a raízes que Buber não considera em sua análise. Além das duas citadas, há ainda a organização jurídico-administrativa e política herdada de Roma Antiga.

Por não observar essa raiz profunda que tece o ocidente, Buber não percebeu que sua proposta não era muito diversa da que foi construída por outros fenomenólogos da existência, embora cada um pretendesse encontrar uma forma de voltar a essa raiz estruturante.

Há ainda o papel nuclear da crença, fundamental para pensadores como Ortega y Gasset, Gabriel Marcel e Karl Jaspers, embora para esses pensadores nem sempre associadas à fé bíblica, como acenou Buber. De todo modo ele parece correto ao reconhecer que a fé em um Deus que se possa chamar de Tu é um dos mais fortes moventes que se pode ter em vida e que o problema de Deus é um dos mais intrigantes entre os que povoam a existência humana.

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1No livro A filosofia do século XX, Heinemann avalia a contribuição de Martin Buber para a escola fenomenológica existencial e o coloca ao lado dos mais notáveis representantes da escola. Ele escreve (1979, p. 543): “Os representantes mais categorizados da tendência existencialista são, na atualidade, Karl Jaspers, Gabriel Marcel e Jean-Paul Sartre e, num sentido mais lato, Martin Buber, Albert Camus e Nicolau Berdiaeff”.

2Esse assunto foi desenvolvido por Antônio Sidekum em sua dissertação de mestrado na Unisinos, depois publicada com o nome A intersubjetividade em Martin Buber. Ali escreveu (1979, p. 15): “Buber trouxe contribuições que são definitivas para o pensamento atual, especialmente a antropologia filosófica”.

3Livro publicado pela Filoczar, São Paulo, (2017).

4Encontramos dez livros de Martin Buber traduzidos para o português, o que significa que parte substancial de seus escritos podem ser encontrados em língua pátria, mas há muitas de suas obras que ainda não mereceram tradução. Entre os mais importantes livros ainda não traduzidos estão: Daniel, Moisés, Sionismo y Universalidad, El humanismo hebreo y nuestro tempo. Dos ensaios principais para o estudo da educação apenas o último encontra-se traduzido para o português.

5Num ensaio de 1939 denominado Ensimismamiento y Alteración, Ortega y Gasset também afirmou que a vida é dramática ou permanentemente perigosa. Ele escreveu (1994, p. 307): “Porque não disse vive alerta, mas vive em perigo. E isto revela que Nietzsche, apesar de sua genialidade, ignorava que a substância mesma da vida é o perigo”.

6Trata-se de tese semelhante a que Ortega y Gasset escreveu em La ideia de principio en Leibniz y la evolución de la teoria deductiva, a principal obra da última etapa de seu pensamento. No parágrafo 26, dedicado a distinguir as ideias das crenças (Ideoma e Draoma), escreveu o filósofo espanhol (p. 250): “Uma crença não é um ideoma, mas um sistema de ações vitais - draoma - e este tem seus princípios próprios, distintos dos princípios patentes, e que são por essência patentes”. A diferença da tese de Buber é que aqui a crença sequer é acessada, ela é uma verdade pressuposta sobre a qual não é nem preciso estar consciente.

7No livro Introdução à Filosofia da Razão Vital de Ortega y Gasset pode-se ler (2002, p. 44): “Ortega atribui a Dilthey o mérito de descobrir e de lhe haver ensinado (como disse também Buber) o caráter problemático da narração histórica e da crença que a embala. Antes das lições de Dilthey os fatos históricos eram pura narração, deixaram de o ser depois que incorporaram o aspecto problemático e das crenças. As etapas da história possuem uma referência geral, Ortega a chama de crença, sem a qual não conseguimos compreendê-la”.

8Não é difícil aproximar esse entendimento de Buber do que ensinou Karl Jaspers no XI capítulo da Iniciação Filosófica onde diz que vivemos na terra firme, mas não podemos nos afastar da transcendência que o pensamento permite. Não se pode ficar apenas na experiência e meditação sobre ela, mesmo que não se possa deixá-la de lado. No fundo é a defesa da cultura em geral (ciência, literatura, religião), mas especialmente do pensamento filosófico que não se fixa numa doutrina. Diz Jaspers (1987, p. 118): “Nós somos como essas borboletas e estamos perdidos se desistimos da orientação da terra firme. Mas não nos contentamos em permanecer nela (...). O mundo é o ponto de partida para o voo de que tudo depende, que cada qual tem de fazer por si embora acompanhado, mas nunca poderá ser objeto de uma doutrina propriamente dita”.

9E essa referência que remonta a Hegel foi particularmente trabalhada por Hans Georg Gadamer, autor que Buber tinha em alta conta quando formula sua metodologia para o estudo dos documentos históricos. Gadamer avaliação essa compreensão histórica da verdade como a mais importante feita pelo homem moderno. Afirmou (1998, p. 17): “a aparição de uma tomada de consciência histórica é, possivelmente, a mais importante revolução por que passamos desde o surgimento da época moderna. O seu alcance espiritual ultrapassa, provavelmente, aquele que reconhecemos às realizações das ciências da natureza”.

10No detalhado estudo que dedicou a Moisés, Martin Buber explicou que a compreensão humana da verdade se constrói no tempo e os estudos dos documentos históricos precisam considerar essa verdade. Assim explicou sobre a forma de estudar os textos bíblicos e outros documentos antigos (p. 22) “que método de investigação é, necessariamente, redutivo, tem que deixar, uma por uma, as camadas das criações existentes para penetrar até a mais antiga”.

11Para Buber, o reconhecimento de um princípio universal de justiça significa a ratificação de que a moralidade básica da humanidade fora constituída no código mosaico, como ele explica em Moisés (1949, p. 60): “para demonstrar que um princípio fundamental da legislação mosaica - a proteção dos fracos contra o poder dos fortes - foi aplicado pelo próprio legislador, tanto em casa como em outras partes, como norma universal”.

12Buber reconhece que este projeto está forjado no romantismo alemão e menciona Fichte como sendo seu expoente mais conhecido. De fato, Fichte sistematiza um projeto de educação nacional, mas a raiz desse projeto encontra-se em Hegel que na Introdução à história da filosofia, onde o filósofo já afirmava que cada povo concebe um modo de vida e uma filosofia e tudo isso é parte de um movimento mais amplo do espírito universal, que mais não é que o desenvolvimento da cultura universal. Escreveu Hegel (1988, p. 121): “A filosofia desponta num determinado momento da cultura. Contudo, os homens não criam uma filosofia ao acaso; é sempre uma determinada filosofia que surge no seio dum povo, e a determinação do ponto de vista do pensamento é idêntica à que se apodera de todas as demais manifestações históricas do espírito desse povo, está em íntima relação com elas e delas constitui o seu fundamento. Desse modo, a forma particular duma filosofia é sincrônica com uma constituição particular do povo, onde ela aparece, com as suas instituições, com as suas formas de governo, com sua moralidade, com a sua vida social, com suas atitudes, hábitos e preferências, com as suas tentativas e produtos científicos, com sua religião, seus êxitos militares, com todas as circunstâncias externas, não menos que com a decadência dos Estados em que este princípio particular impusera sua supremacia, e com a formação e progresso de novos Estados, nos quais surge e desenvolve um princípio mais alto. Sempre que o Espírito alcançou determinado grau de autoconsciência, elabora e faz penetrar este princípio com toda a riqueza das suas múltiplas relações”.

13Karl Jaspers entende que o fundamento espiritual da humanidade aconteceu exatamente nesse mesmo tempo, mas reconhece as contribuições de outros povos para a construção desse humanismo universal. Ao dividir a história humana em grandes estágios, no capítulo nono da Iniciação Filosófica, assim se refere ao período que se estende de 800 a 200 a.C. (1987, p. 91): “entre o ano 800 e 200 a.C. - deu-se a colocação dos fundamentos espirituais da humanidade de que esta se tem alimentado até hoje, e isso aconteceu simultaneamente e independentemente na China, na Índia, na Pérsia, na Palestina e na Grécia”.

14Esse assunto foi bastante estudado pela fenomenologia da intersubjetividade e envolve muitos aspectos. Sobre a questão comenta-se em Vivendo o Sentido (2017, p. 13): “A descoberta do outro é fundamental na nossa relação com o mundo. Descobrimos que ele nem sempre responde nossas expectativas, nem sempre faz o que esperamos e muitas vezes faz o que não queremos. O outro é liberdade e ação, ele é diferente das coisas que funcionam com regularidade. Se ligamos um computador ele oferece os programas instalados, os relógios marcam as horas conforme seu mecanismo, a lâmpada se acende quando apertamos o interruptor e o filtro purifica a água. Se essas coisas não funcionam como delas se espera é porque seu mecanismo se corrompeu. No entanto, o outro não é assim, ele pode fazer algo diferente de nossas expectativas sem estar corrompido. Quão difícil é lidar com isso que somos no outro, como é difícil aprender que os outros também têm um roteiro singular de existência. Aprendemos a chamar isso de liberdade, uma experiência que também vivemos.

15O modelo ético kantiano aparece em diversos momentos de sua filosofia prática. Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes as variações do Imperativo Categórico aparecem como dever ser e indicam a relação entre a lei objetiva da razão e a vontade, a primeira controlando a segunda. Kant é claro ao explicar que as fórmulas convergem para um único imperativo, mas podem ter tem diversas construções uma das quais (1986, p. 59): “age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”. No ensaio Sobre a discordância entre a Moral e a Política, a propósito da paz perpétua o eixo nuclear do pensamento moral de Kant encontra-se resumido na fórmula mais conhecida do imperativo categórico (1985, p. 144): “Para fazer a filosofia prática concordar consigo mesma é necessário em primeiro lugar resolver a questão de saber se nos problemas da razão prática deve-se tomar como ponto de partida o princípio material dela, a finalidade (como objeto da livre vontade), ou partir do princípio formal, isto é, daquele (estabelecido somente com relação à liberdade nas relações externas) assim enunciado: age de tal maneira que possas querer que tua máxima se torne lei universal (qualquer que seja a finalidade desejada por ti)”. Para Buber, esse reconhecimento pela razão de um princípio universal significa a ratificação de que a moralidade básica da humanidade fora constituída pelo código mosaico, como se esclareceu na nota 11.

16Esse assunto foi amplamente desenvolvido por Luiz José Veríssimo no terceiro capítulo de A ética da reciprocidade, diálogo com Martin Buber. Ali observou (2010, p. 176): “Na constituição do nosso tornar-se pessoa, por vezes confundimos o que é da ordem do individualismo e o que é da ordem da individuação e do diálogo. Dessa forma ingressamos no confronto do modo de ser da relação dialogada, com o ser da apropriação, da avidez, do cálculo, da utilização, numa palavra, penetramos no emaranhado do Tu com o Isso”.

17A sociedade de massas foi detalhadamente estudada por Ortega y Gasset em La rebelión de las masas que explicou assim seu surgimento do cenário histórico como a imposição da mediocridade sobre a excelência. Massa é aglomeração, não comunidade. Diz Ortega (1994, p. 145): “Agora, subitamente, aparece como aglomeração, e nossos olhos enxergam por toda a parte a multidão. (...) A multidão, subitamente, se fez visível. Antes, se existia, passava inadvertida, ocupava o fundo do cenário social; agora adiantou as baterias, é ela o personagem principal. E já não há protagonista, só há coro”. E logo adiante esclarece (ORTEGA, 1994, p. 146): “A divisão da sociedade em massas e minorias excelentes não é, portanto, uma divisão em classes sociais, mas em classes de homens e não pode confundir-se com a hierarquização em classes superiores e inferiores.

18No estudo das relações está o cerne da contribuição de Buber ao pensamento fenomenológico, mais especificamente no desenvolvimento das relações intersubjetivas. Sua novidade está na insistência de que o homem se faz na relação, no espaço entre o Eu e o Tu e o entre o Eu e o Isso. O problema foi detalhado no livro de Roberto Bartholo Jr. intitulado Você e Eu, Martin Buber presença palavra. Ali se lê (2001, p. 24-25): “O que mais o fascinava era a livre troca de perguntas e respostas. Nela se lhe demonstrava de modo mais perceptível que o lugar onde o espírito habita é o entre, o lugar da relação, do diálogo, do encontro”. Também foi detalhadamente descrito por Newton Von Zuben em Martin Buber, cumplicidade e diálogo como se segue (2003, p. 93): “O entre, ou intervalo, é o lugar de revelação da palavra proferida pelo ser. Este intervalo existe entre Eu e Tu e entre o Eu e o Isso. (...) Há uma conivência ontológica entre o Eu e o Tu para o conhecimento do mundo”.

Recebido: 19 de Maio de 2017; Aceito: 21 de Fevereiro de 2018

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