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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dic 2018  Epub 22-Sep-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n66a2018-12 

Artigos

O pensar compreensivo e o inflacionamento do pensar informativo na educação

Comprehensive Thinking and Inflating Thinking in Education

El Pensamiento Comprensivo y el Inflación del Pensamiento Informativo em la Educación

Fábio César Junges* 

Antonio Escandiel de Souza** 

Adair Adams*** 

*Doutor em Teologia pela Faculdades EST. Professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). E-mail: fabiocesarjunges@gmail.com

**Doutor em Estudos da Linguagem - Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor titular III e professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social - Mestrado da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). E-mail: asouza@unicruz.edu.br

***Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). Professor da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). E-mail: adairadas@gmail.com


Resumo

O artigo apresenta argumentos que versam sobre a questão da pesquisa nas escolas sob a perspectiva das novas tecnologias e de seus desafios. O objetivo é mostrar os riscos que se corre nas pesquisas diante do novo cenário que se vive, baseado na internet. Ao mesmo tempo em que são disponibilizados materiais da melhor qualidade, obras de autores clássicos e de pesquisas recentes mais avançadas das mais diversas áreas do conhecimento, os resultados interpretativos destes estão aquém das pesquisas que eles exigem. O artigo trabalha com a hipótese de que nunca se teve tanto acesso e condições para pesquisa na escola quanto na atualidade, mas que, talvez, seja o momento em que a ideia de pesquisa, em sua história, esteja mais enfraquecida. Este momento reflexivo se apresenta em forma de “conto”, enquanto tentativa de superação de uma linguagem tecnocibernética.

Palavras-chave: Internet; Pesquisa; Estudante; Escola; Conto

Abstract

The article presents arguments that deal with the question of research in schools from the perspective of new technologies and their challenges. The objective is to show the risks that are run in the researches before the new scenario that is lived, based on the internet. At the same time as the best quality materials, the works of classic authors and more advanced recent research of the most diverse areas of knowledge are available, their interpretive results fall short of the research they require. The article works with the hypothesis that one has never had so much access and conditions for research in the school as in the present time, but that, perhaps, is the moment in which the idea of research, in its history, is more weakened. This reflexive moment presents itself in the form of a “tale”, as an attempt to overcome a techno-cybernetic language.

Keywords: Internet; Search; Student; School; Tale

Resumen

El artículo presenta argumentos que versan sobre la cuestión de la investigación en las escuelas desde la perspectiva de las nuevas tecnologías y de sus desafíos. El objetivo es mostrar los riesgos que se corren en las investigaciones ante el nuevo escenario que se vive, basado en internet. Al mismo tiempo que están disponibles materiales de la mejor calidad, obras de autores clásicos y de investigaciones recientes más avanzadas de las más diversas áreas del conocimiento, los resultados interpretativos de éstos están por debajo de las investigaciones que los mismos exigen. El artículo trabaja con la hipótesis de que nunca se tuvo tanto acceso y condiciones para investigación en la escuela como en la actualidad, pero que tal vez sea el momento en que la idea de investigación en su historia esté más debilitada. Este momento reflexivo se presenta en forma de "cuento", como intento de superación de un lenguaje tecnocibernético.

Palabras claves: Internet; La investigación; Estudiante; La escuela; Tale

Introdução

O artigo se concentra em pensar a educação a partir da configuração das condições da realização do humano no tempo presente, constituído pela época comunicacional tecnomidiática. Busca argumentar que o elemento central da educação é a humanização na perspectiva de um mundo comum, tendo como pressuposto a linguagem, enquanto diálogo com a tradição, colocando em questão a existência do humano e o seu sentido de ser uns com os outros. Dessa compreensão, emerge a perspectiva da antropologia como reflexão originária para pensar os desafios da educação, de seu sentido de ser na confluência de uma humanidade condicionada pelas tecnologias.

Não há uma natureza tecnológica humana na qual a educação em seu sentido e estrutura deveria estar colada. Há apenas formas de organizar o mundo comum pelas novas tecnologias sem uma regra rígida e nem uma posição fixada previamente. Para pensar isso, no artigo é estabelecido como pressuposto e horizonte: pensar a educação como processo aberto de humanização no âmbito da linguagem, assumida como pressuposto paradigmático; tomar a antropologia como abertura do sentido existencial da condição humana; interpretar a tradição como historicidade da experiência, da interpretação, compreensão e construção de conhecimentos; pensar o mundo comum como horizonte político da educação para além do projeto tecnológico e científico da atualidade como únicos propulsores da organização do comum do mundo humano.

A opção em seguir a via de pensar a educação como caminho do sentido de nosso ser, de nossa historicidade e da nossa convivialidade, tem dois motivos centrais. O primeiro é o entendimento de que o “desenvolvimento da formação da consciência social política não esteve à altura do esclarecimento científico e do progresso tecnológico na nossa civilização” (GADAMER, 2011, p. 33). O segundo é a percepção de que a racionalização tecnocientífica tem em seu desenvolvimento uma projeção intrínseca que, cada vez mais, “assume a forma amedrontadora de uma fuga da liberdade” (GADAMER, 2011, p. 33), de uma “fuga ante o pensar” (HEIDEGGER, 2013, s/p), como “desejo de fuga da prisão terrena” e como “desejo de fugir à condição humana” (ARENDT, 2007, p. 10).

Não havia, e ainda hoje não há, como fugir da questão que se impôs para a instituição escolar, isto é, de como lidar, como se organizar, em termos do operar pedagógico, em relação à centralidade das tecnologias na vida dos educandos e dos educadores. As possibilidades de acesso à internet, na própria sala de aula, sejam por celular, computador, iPad ou por outro dispositivo, criaram novas situações desafiadoras. Na perspectiva de Marques, existem desafios outros (MARQUES, 2006) para os professores, os coordenadores pedagógicos e diretores de escola que, obviamente, ainda não sabem ao certo como lidar com essa nova situação.

Formação consciente e racionalização tecnocientífica

A constituição da humanidade ocidental tem na técnica o seu elemento central. O desenvolvimento tecnológico não é uma característica da atualidade. Para compreender essa situação, é preciso realizar uma distinção entre técnica e tecnologia e a sua situação atual na configuração do mundo humano. A técnica (téchne), em sua origem etimológica, significa a arte mais elevada no sentido de belas artes e não apenas um fazer e um saber de artesão. Para os gregos, a téchne está intimamente ligada à episteme, no sentido mais amplo possível do conhecer. E ambos, são modos de desvelamento da verdade. A essência da técnica não é “[...] nada de técnico. Por isso, nunca faremos a experiência de nosso relacionamento com a essência da técnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que é técnico, enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos” (HEIDEGGER, 2006, p. 11). O decisivo da técnica não está em manipular nem aplicar meios e sua instrumentalização, mas em ser um modo de desocultar aquilo que não se produz por si mesmo, nem está simplesmente dado ante nós.

Na modernidade, com o princípio normativo da subjetividade, a técnica passa a ser entendida como um fazer humano, tendo um caráter instrumental e antropológico. Assim, o ente deixa de ser/estar para um sujeito e passa a ser um ente que está para o consumo, ou seja, não há mais substâncias, mas subsistências. Com o desenvolvimento da ciência na modernidade, tudo pode ser objeto de conhecimento e, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento da técnica como instrumento, tudo pode, a um só golpe, transformar-se em fundo de reserva sob o horizonte da utilidade. Segundo Heidegger, isso não quer dizer que a técnica moderna não seja uma forma de desencobrimento. É, no entanto, uma forma de descobrimento de “uma exploração que impõe à natureza a pretensão de fornecer energia, capaz de, como tal, ser beneficiada e armazenada” (HEIDEGGER, 2006, p. 19). E ao “extrair, transformar, estocar, distribuir, reprocessar”, não dá conta de “pensar a máquina a partir da essência da técnica a que ela pertence”. Dessa forma, “considerada como disponibilidade, a máquina não é, absolutamente, autônoma nem se basta a si mesma. Pois, tem a sua disponibilidade exclusivamente a partir e pelo dis-por do dis-ponível” (HEIDEGGER, 2006, p. 21).

Na cibernética, afirma-se que as tecnologias da informação produziram um novo ser humano, transformado seu corpo e mente, e que corresponderia exatamente aos que estão em sala de aula como estudantes. E, na pedagogia de vertente educomunicacional (CITELLI, 2011), afirma-se que essa mudança de ser do ser humano constitui o principal vetor dos problemas da educação atual que, por sua vez, ainda não teria produzido um novo conceito nem uma nova prática condizente com a mudança referida, ou seja, de trabalhar em sala de aula com todos os suportes tecnológicos como novas formas de relação intersubjetiva. Seguindo a orientação de Arendt (ARENDT, 1997), de que a organização da educação é de responsabilidade dos adultos, conclui-se que é no âmbito das deliberações políticas, numa perspectiva democrática, que mudanças podem e precisam ser construídas. Estas mudanças são compreendidas em sua significação mais ampla, daquilo que nos acontece enquanto humanos ao tecnificar todas as relações pedagógicas, sobretudo, pela situação de que “o avanço tecnológico atinge uma humanidade despreparada” (GADAMER, 2011, p. 33).

Neste sentido, uma das questões que o artigo procura pensar, em relação ao despreparo, é a atividade de pesquisar, começando pelo ensino médio, passando pela graduação e, finalmente, chegando aos Cursos de pós-graduação. O modo de abordar esse despreparo se dá por meio de um conto que busca apresentar, a partir das novas tecnologias e seus potenciais pedagógicos, uma nova teoria que poderia revolucionar a ideia da pesquisa.

O pesquisador tecnocibernético: um conto

Entremos numa escola de um estudante “pesquisador” tecnocibernético. Há nela uma sala com materiais diversos, uma biblioteca, uma sala de professores, uma sala da direção, uma sala da coordenação pedagógica, uma sala para equipe psicológica, e uma dúzia de salas de aula, formando uma espécie de labirinto. Há sala para tudo e para todos. O clima da noite transformou o horário de chegada à escola em algo que o relógio não pode marcar. Chegar antes, chegar no horário estabelecido ou chegar atrasado à aula é algo pouco importante ao aluno Otto, que olha concentrado para o celular ou para alguma loja de materiais de futebol, e entrega-se à distração nos momentos em que está indo para escola.

No momento que entra na escola, Otto está tão contido em sua distração que nem chega perceber a si mesmo na escola muito menos os outros já presentes. Com dezesseis anos de idade, cursando o ensino médio, Otto não é alguém incapaz. A alegria, contudo, estragou a sua concentração. Seu olhar, que nos primeiros anos era atento para as pequenas coisas, agora se move a qualquer sombra de imagem que passe ao lado, atrás e, também, à frente. Seu ouvido, que antes era capaz de ouvir conversas atrás de paredes espessas, agora se contenta com o tom mais alto na mesma sala. Sua fala, de mamãe, de papai, de mano, de mana, com a maior ternura, agora sai na mais alta tensão das cordas vocais, com nomes que nem sempre se encontram no dicionário de uma convivência comum. Seus gestos, que eram de afeto, agora o dedo, a cabeça, os braços e até as pernas representam coisas diferentes. Afinal, o importante é ter uma marca, uma identidade, em cada um desses itens do comportamento, que é visto como uma espécie de imagem, no oceano de imagens que precisam ser produzidas todos os dias. Produzir a sua imagem é produzir a si mesmo. E o próprio Otto, não foi uma a vez que chegou tarde para a sua própria imagem.

Otto vai à escola, embora seja um lugar pouco comentado, porque não há na cidade outro lugar com disciplina e horários definidos para se informar sobre as palavras que permitem conquistar um diploma ou uma técnica. Ele escutou que não é a melhor escola entre as escolas da cidade. Não pensa em mudar de escola porque acredita que sua boa relação com os professores é um excelente cartão de crédito para chegar ao fim do período obrigatório de estudos com certa tranquilidade, e sem muitos juros. E, até agora, tem conseguido as notas máximas para não ter que reestudar o que não estudou.

Não tem problema. Os anos de escola são difíceis mesmo. Otto, com toda sua distração, faz todos os trabalhos escolares. Isso se tornou uma distração. Desde que aprendeu a lidar com computador e internet, tornou-se um copista tão melhor que os melhores copistas de textos em materiais frágeis. Ao copiar, acessava tantos textos que somavam mais que todos os volumes de livros da biblioteca da escola. Copiava, para literatura, belíssimos poemas que a humanidade gastou décadas de séculos para elaborar. Copiava as mais belas reflexões sociológicas, filosóficas, psicológicas, todas que a escola exigia. Ir de uma área de conhecimento para outra, no computador, era como ver as imagens que lhe prendiam a atenção durante o dia todo.

Um dia, quando do encontro com o Nick, do último ano do ensino médio, Otto compartilhou uma ideia que, se levada a sério por todos, se tornaria na teoria pedagógica mais brilhante da humanidade. Copiar a melhor teoria de cada área de conhecimento e repassar para todos os estudantes. Assim, todos teriam acesso ao melhor de cada área. A tarefa se apresentava de modo muito simples a Otto. O esforço de cada aluno, para ter a melhor teoria, seria um Ctrl C e um Ctrl V. Assim, método e conteúdo estariam mais interligados que em qualquer teoria filosófica ou epistemológica que a tradição das mesmas já produziu. Aliás, o método era tão simples, na cabeça de Otto, que de uma vez por todas a epistemologia seria dispensável e, até mesmo, algo que poderia se tornar obsoleto. Sua originalidade foi transformar em método uma prática já recorrente nos meios estudantis.

Criou uma comunidade virtual, com o endereço www.youschool.com, e começou a divulgar a ideia. Postou a mensagem para que, quem tivesse de posse da melhor teoria da física, da química, da matemática e de todas as outras disciplinas do currículo, compartilhasse a teoria para que todos os alunos pudessem ter acesso. Estava maravilhado com sua teoria pedagógica. O mundo está cheio das melhores teorias. O que falta é o acesso a elas, pensava Otto, enquanto escutava uma música que exige tímpanos fortes.

No terceiro dia já haviam sido postadas cinco teorias de sociologia, duas de filosofia, três de física, e ainda faltando a teoria de Einstein. De cada disciplina tinha mais que duas teorias sendo a melhor. Otto sabia que o número iria aumentar muito.

Otto começava a ler uma teoria, depois outra, e mais outra. De nenhuma teoria passou da introdução. Toda leitura tem uma técnica. Otto se aborrecia com a leitura, era avesso à concentração no escrito e aos pensamentos das teorias. Ver uma linda frase, copiá-la e colá-la, já era o esforço máximo, no seu entender, possível de ser exigido de um aluno tão prodigioso em criatividade, como era o seu caso. O conteúdo era uma questão de intenção, que a natureza dá a todos os escritores; da mesma forma o estilo da escrita e a decisão do tamanho do texto depende da melhor forma publicação, e somente isso. Todo o mais, para escrever a melhor teoria, é uma questão de criatividade. E, Otto, tinha a convicção de que era criativo, não em escrever uma melhor teoria, mas no processo de reunir e acessar todas as melhores teorias. Sua genialidade não a descrevia ou falava como concriatividade, por que o termo não lhe era familiar. Para o que ele era, não bastava um conceito; ele era ágil, rápido, multifuncional, entre outras genialidades pelas quais seus colegas o caracterizavam e admiravam.

Otto não se esquecia da frase que havia compartilhado num site de amigos, que ele supunha ser da melhor teoria de motivação, a saber, o mais importante é ser convicto. Por ser tão convicto, ele recusava-se a estudar de todo as lições incumbidas pelos seus professores. A convicção, na sua agilidade, causava uma sensação de ser co-professor, como diria Marshall McLuhan, autor de uma das melhores teorias sobre as tecnologias da comunicação, segundo as postagens no site de Otto.

O mesmo sentimento, depois de olhar tantas teorias, e por sinal as melhores, conduziu-o ao aperfeiçoamento de compartilhá-las com seus colegas, ofício que não exigia nenhum saber prévio das próprias teorias. Das teorias que compartilhou, não entendeu nada, nem desenvolveu a capacidade que permite entender e criar teorias. Mas essa não era uma preocupação pedagógica sua.

Um velho professor seu, um dia, chegou a pensar, sem dizer a Otto, que não tinha nenhuma expectativa de que ele pudesse aprender alguma teoria. Sua obstinação estava aos gestos de operar o compartilhamento com o maior número de alunos; sua escola se tornou pequena demais; o mundo, com todas as suas escolas, eram o seu limite. Sua genialidade já não podia mais ser questionada. Cada nova teoria compartilhada em terabyte, aquecia sua mente, subia-lhe sua pressão e sua ambição, arrebatando-lhe todas as energias da fama, cujo sonho nunca dormia nele.

Numa sexta-feira, alguém postou uma obra com a melhor teoria no assunto, mas que aparentemente não se encaixava em nenhuma disciplina específica. A obra versa sobre o ato de leitura e sua importância para aprender. Otto, sem a preocupação com a disciplina, obviamente, compartilhou com toda a rede de amigos colegas/alunos ou alunos/colegas amigos e com todos os professores que estavam conectados. Esse compartilhamento não era o primeiro do dia, e nem seria o último. Até então, só tinha compartilhado os textos que lhe eram enviados por especialistas, os melhores, que supunham compreender as melhores teorias. Esta obra, de autoria de um tal de Mário, falava sobre a leitura. Otto posta um comentário sobre a mesma, sem ter lido mais que a primeira página. Ficou entusiasmado com a incorporação de algo novo na sua genialidade pedagógica. No seu comentário, não mais que cinco linhas, tinha uma frase, com palavras abreviadas para não se estender demais, de sua invenção, e as outras quatro linhas eram cópia de um resumo, que ele supunha ser o melhor resumo sobre a obra.

Seu comentário não gerou nenhum outro comentário e nenhuma curtida, o que não lhe pareceu boa coisa. Fez, então, um segundo comentário, com uma cópia fiel de umas frases da própria obra, que lhe rendeu várias cutucadas, curtidas, sem falar em compartilhamento. Quando um colega lhe pediu emprestado o comentário, para colocar em um texto que tinha de produzir para uma aula de literatura, Otto, mais preocupado com o reconhecimento que com o conhecimento, após hesitar, emprestou, sem dizer que o mesmo não era seu, mas uma cópia fiel da conclusão do livro que tinha postado. No texto, está dito, numa significação de “eu acho”, que a leitura está para a pesquisa/escola como o sacrário está para a igreja. O aluno que se alimenta da escola é aquele que lê e escreve, dizia a mensagem de toda a conclusão.

Pelo empréstimo do texto, que já não era seu, não era mais seu duplamente, ao ser apresentado pelo seu colega. Otto colocou os dedos no teclado e escreveu outro; elaborou-o rapidamente. Custou o tempo de uma passada de olhos na obra original até encontrar uma frase de impacto de uma página, mais outra, de outra página. A impressão que a força de expressão das frases, segundo sua leitura, era sua melhor composição de comentário. Não hesitou em postar. No primeiro dia, depois da postagem, a expectativa de bons resultados de seu comentário impedia-o de acessar muitas outras coisas ao mesmo tempo. Fez as refeições daquele dia na frente do computador. Passadas algumas horas, ninguém tinha manifestado algum gesto de interesse, gosto, desgosto, aprovação ou desaprovação, que Otto pudesse visualizar. A situação o fez olhar quanta gente estava on-line. Não eram poucos. Com muita vontade de perguntar a um de seus amigos, ao modo de uma conversa desinteressada, sobre seu comentário, preferia constantemente atualizar a página para ver se alterava os números nos ícones de interatividade.

Sua obra - o comentário - causou mais agitação a si mesmo que aos outros. Pensou que tinha postado o comentário com letras muito pequenas, o que é de per si uma dificuldade de leitura. Olhou, então, sua página, e procurou ler o seu comentário e decidiu que realmente havia uma dificuldade de visualizar suas postagens. Em seguida, pensou que se a página ficasse parada no seu comentário, por algum momento, os que estavam on-line iriam ler. Dos milhares de amigos que faziam parte dessa grande sala de aula, mais moderna ou contemporânea que qualquer outra - assim é que Otto via seu empreendimento - muitos postavam comentários sobre as mensagens que lhes chamavam a atenção, mais pelo sentimento do que pelo entendimento. Essa situação em que todos comentavam, compartilhavam e curtiam sem parar, fazia com que a mensagem permanecia apenas por alguns segundos como centro de página. Num momento de inspiração, lembrando de uma aula de filosofia ou de literatura, Otto imaginou escrever para os representantes dos suportes do mundo virtual, sobre a necessidade de poder parar por algum instante com essa circulação de mensagens postadas, dando mais tempo de visualização para as mais importantes, ou as melhores, que era seu foco.

Imaginou tantas coisas que, sem perceber, vários haviam curtido seu comentário, o que tanto esperava, que quando retornou à tela do computador sentiu algo inexplicável. Mas a cada curtida ou cutucada, esperava que alguém comentasse. Nada! Não se sabe o motivo pelo qual, por um instante, pensou que ser curtido, a curtição, é algo maravilhoso, mas não o suficiente para a alegria de uma teoria, pedagógica que seja. Em cada curtida não conseguia ter uma noção que fosse de qual era o motivo de tal gesto. Não sabia por que era curtido ou cutucado e não comentado.

Todos os dias novas teorias chegavam, que se outorgavam as melhores. Pelas infovias voavam até Otto. Dedicava-se tanto tempo para compartilhar e ver se alguém tinha feito algo em relação às suas mensagens/comentários que, na maioria das novas teorias, Otto já não lia uma linha. Também já não dispunha nem de tempo para pesquisar quais as melhores frases que poderia copiar e postar.

Desde que começou a operacionalizar sua teoria da transformação pedagógica, lá vão seis meses, chegando ao fim de mais um ano letivo, sem que algum instituto educacional ou alguma secretaria de estado lhe solicitasse os direitos autorais ou lhe convidasse para aplicá-la em suas respectivas realidades de ensino. Otto lamentava com alguns de seus amigos/colegas que lhe tinham admiração, que nos meios públicos não se dizia um parágrafo, uma frase, ao menos uma palavra sobre sua genialidade.

Devemos confessar, estimado leitor, que Otto tinha em mente o desejo de ser professor. Aí está sua insistência em ver funcionando a inventividade, que ele supunha mudar a face da educação. Assim, quanto mais tempo estava no seu projeto, mais o seu círculo de ambições foi se apequenando, com menos leitura, menos comentários escritos e menos curtidores, cutucadores e compartilhadores. O círculo se estreitou tanto que, os que diziam alguma coisa, eram seus colegas do terceiro ano do Ensino Médio, série que Otto cursava. A ambição do ilimitado que assenhorava sua mente já não passava das paredes de sua escola.

Numa apresentação de trabalho, numa aula de biologia, Otto não titubeou em apresentar uma das melhores teorias que lhe foram enviadas, mais para mostrar a riqueza teórica que estava em seu computador do que a riqueza de sua compreensão dessa teoria. A apresentação foi uma projeção de algumas partes copiadas, que Otto se pôs a ler ininterruptamente. Nem o futuro professor, nem o atual professor, muito menos os colegas procuraram enveredar por alguma interpretação do que foi apresentado. A linguagem é clara por si, pensava Otto. O que está escrito, basta ler para compreender. E acredita que lendo o começo, algumas partes do desenvolvimento e o fim, umas frases que sejam, é o suficiente para ter uma ideia do que a teoria diz.

Para as outras conversas, há tantos outros temas, como as celebridades, o futebol, tanta coisa que, para acompanhar, seria impossível dormir. Se o estar informado depende da quantidade de informações lidas em relação ao número das que são publicadas, então a humanidade atual é a mais desinformada de toda a história, chegou a pensar Otto em um dos momentos de loucura. Mas essas questões não eram da ordem do dia nas preocupações pedagógicas de Otto, especialmente quando se encontrava em sobriedade, uma vez que se dedicava a receber, olhar, e copiar de vez em quando algumas partes das teorias que lhe chegavam. Chegou a pensar que, se o mundo não fosse tão maravilhoso, de a cada dia ter uma, duas, várias, teorias novas, seu operar pedagógico seria muito limitado e, talvez, já teria acabado. Entediante, certamente! Talvez a saída seria ler realmente as teorias, ou ficar apenas compartilhando novamente as mesmas. Mas, graças, a cada dia Otto conseguia visualizar tantas coisas novas que necessariamente contemplavam seu gosto individual.

Noutra aula, o professor de artes, Marco Antônio, em meio à aula, foi chamado para resolver um assunto escolar. Pediu para a turma que continuasse com sua atividade e encarregou Otto para que cobrasse o empenho da turma. Todos, inclusive Otto, com computador, celular, iPad, Tablet, qualquer aparelho que seja conectado à internet, estavam visualizando algumas obras de Van Gogh. A mensagem do professor foi esquecida no mesmo instante que outra mensagem, do seu Tablet, entrou na cabeça de Otto. Não foi a ausência do professor que permitiu aos alunos, praticamente todos, de abrir muitas outras janelas que não tinham nada a ver com o Van.

A concentração de Otto nas janelas que ele tinha aberto fez com se esquecesse plenamente da incumbência com a turma. Mas, cada um, cada uma, só ou em pequenos grupos, no máximo três, estavam concentrados em abrir janelas e ver as inúmeras novidades que se apresentavam. Em cada janela aberta, um link alertava para abrir outra janela, que, por sua vez, tinha outro link para outra janela. E não tinha como parar. O tanto que se lê ou se vê de uma página está em atingir um outro link, outro ícone. Otto, com toda sua agilidade, peculiar em relação aos colegas, era quem sempre tinha o maior número de páginas abertas. Toda essa agilidade, contudo, sem olvidar sua teoria novíssima, estava sempre rumando para uma boa causa: encontrar as melhores teorias.

Quando o professor Marco Antônio retorna, vê que todos estão fixos olhando para as telas cheias de imagens. Não há como não se fixar em tanta diversidade, em tanta coisa. O professor retoma a aula com outra obra do autor clássico da arte, falando sobre o significado dos trigais, os tons e o estilo. Exige que todos se voltem para a projeção da obra. Realmente é encantadora a imagem. Otto chega a pensar que essa é a melhor obra de arte. Aquela que todos deveriam ter. Ele e todos os colegas estavam olhando a imagem com toda a imaginação que a internet pode apresentar da obra, a tal ponto que voz do professor era mais uma das vozes que atravessavam a imaginação dos estudantes.

De repente o professor chama a atenção de todos. De imediato, alguns alunos passam a escutar o professor. Outros pensam que ele poderia estar inventando a história do contexto e vão conferir em uma página da internet, que, invento por invento, afinal não muda muita coisa. Otto chegou a pensar que o professor estava falando de outra obra de arte, porque os trigais lhe pareciam de um modo muito distinto. A fala do professor soava tão distinta do objeto falado.

O agilíssimo Otto, não dá muito mais ouvido ao professor. Muitas vezes finge que o escuta, mas nem o sente ali, não presta atenção. Para ele, a informação que chega a sua tela lhe faz muito bem, tão bem que se sente em um nível superior de aprendizagem. Não se afasta um minuto do computador. Na presença, no frente-a-frente com os professores, há todo um interesse, uma seriedade tão profunda que dificilmente uma maquiagem daria conta. Ele sabe que finge que aprende. Como tem acesso às melhores teorias, acredita que os professores fingem que ensinam, porque se dedicam muito a explicar tantas coisas da história das disciplinas que parecem já não ter validade alguma. O pouco que se aprende pouca coisa se aproveita. Chega a perguntar-se: para que aprender coisas que não utilizarei amanhã? E conclui que, quando ele professor for, ensinará somente as coisas que tem validade para o hoje e que podem ser utilizadas no amanhã.

Com esses pensamentos, Otto foi gastando o ano escolar, o último talvez, antes de ir para a universidade. Sua ambição final das aprendizagens foi salvar grande número de teorias das quais leu apenas algumas frases e copiou tantas outras. A única vez que foi lido e copiado, Otto também já tinha copiado. Não obstante, no seu computador estava a maior biblioteca de conhecimentos, que alguns completariam com a frase: aguardando interpretação. Era isso que ele não suportava nos professores. Na memória destes anos de escola ficaram algumas fórmulas, algumas palavras e um pouco de história; salvou teorias, compartilhou imagens e comentários, curtiu outros, e como diz Machado de Assis, aprendeu “uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação”. Claro, principalmente para suas conversações e postagens on-line, em suas mais diversas contas que Otto detém os direitos autorais e, obviamente, algumas delas fake, para diversão e para não parecer ser tão autêntico. Afinal, Otto é pós-moderno, cibernético, presentificado, informado!

Referências

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Recebido: 16 de Abril de 2018; Aceito: 26 de Setembro de 2018

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