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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.32 no.66 Uberlândia set./dic 2018  Epub 22-Sep-2020

https://doi.org/10.14393/revedfil.issn.0102-6801.v32n66a2018-18 

Artigos

A vida como sonho. Reler o Livro do desassossego à luz do “sonho lúcido” e do “yoga do sonho”

Life as Dream. Rereading the Book of Disquiet in the light of “lucid dreaming” and “dream yoga”

La vie comme un rêve. Relire le Livre de l’Inquiétude à la lumière du “rêve lucide” et du “yoga du rêve”

Paulo Borges* 

*Universidade de Lisboa e Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.


Resumo

Um dos temas mais característicos da obra de Fernando Pessoa é a experiência da vida e do mundo como uma ilusão ou sonho insubstancial, que por isso é um espaço de criação, alteração e metamorfose, como é particularmente evidente no Livro do desassossego de Bernardo Soares. O tema tem profundas raízes na tradição literária ocidental, onde é todavia rejeitado pela tradição filosófica dominante, em contraste com várias orientações do pensamento indígena e indiano. Procuramos aqui reler o Livro do desassossego a esta luz, mostrando as suas afinidades e divergências com uma descoberta da neurociência contemporânea, a possibilidade do sonho lúcido, e com o yoga do sonho, uma prática milenar do budismo indo-tibetano.

Palavras-chave: Sonho lúcido; Yoga do sonho; Ilusão; Fernando Pessoa; Budismo indo-tibetano

Abstract

One of the most characteristic themes of Fernando Pessoa’s work is the experience of life and the world as an illusion or insubstantial dream, being this way a space of creation, alteration and metamorphosis, as is particularly evident in Bernardo Soares’ Book of Disquiet. The theme has deep roots in the Western literary tradition, where it is however rejected by the mainstream philosophical tradition, in contrast to several orientations of Indigenous and Indian thought. Here we seek to reread the Book of Disquiet in this light, showing its similarities and differences with a discovery of contemporary neuroscience, the possibility of lucid dreaming, and with the dream yoga, an ancient practice of Indo-Tibetan Buddhism.

Keywords: Lucid dream; Dream yoga; Illusion; Fernando Pessoa; Indo-Tibetan Buddhism

Résumé

L’un des thèmes les plus caractéristiques de l’œuvre de Fernando Pessoa est l’expérience de la vie et du monde en tant qu’illusion ou rêve insondable. C’est pourquoi il s’agit d’un espace de création, de changement et de métamorphose, comme le montre particulièrement le Livre de l’Inquiétude de Bernardo Soares. Le thème a des racines profondes dans la tradition littéraire occidentale, où il est toutefois rejeté par la tradition philosophique dominante, contrairement à plusieurs orientations de la pensée indigène et indienne. Nous essayons ici de relire le Livre de l’Inquiétude sous cet éclairage, en montrant ses affinités et ses désaccords avec une découverte de la neuroscience contemporaine, la possibilité du rêve lucide, et aussi avec le yoga du rêve, une ancienne pratique du bouddhisme indo-tibétain.

Mots-clés: Rêve lucide; Yoga du rêve; Illusion; Fernando Pessoa; Bouddhisme indo-tibétain

“Wir sind dem Aufwachen nah, wenn wir träumen, daß wir träumen”

“Estamos perto do acordar, quando sonhamos que sonhamos”

Novalis

1. A vida como sonho e ilusão

Um dos temas mais característicos da obra pessoana é a experiência da vida, do mundo e da própria realidade como uma ilusão ou sonho insubstancial, que por isso é um espaço de criação, outração e metamorfose, como se mostra particularmente saliente no Livro do desassossego, de Bernardo Soares. O tema tem profundas raízes na tradição literária ocidental, onde corre em paralelo à sua rejeição pela tradição filosófica dominante, que, em contraste com várias orientações da sua correspondente indiana1, procura assegurar a realidade e estabilidade sensível e/ou inteligível das coisas e a possibilidade de uma ontognosiologia fundada numa metafísica. O tema procede ainda das culturas indígenas e arcaicas, com o mito e a ritualização de um tempo primordial, um Urzeit, por vezes designado como “Tempo do Sonho”, como nas tradições dos aborígenes australianos2, que opera a transição do caos para o cosmos e no qual tudo é possível, pois as formas e limites dos seres e das coisas ainda não se definiram e fixaram, não estando as suas relações sujeitas a regras e leis estáveis de causalidade. Assim sendo, o natural e comum é a metamorfose e aquilo que só surge como miraculoso e extraordinário após a ordem aparente do mundo se haver instalado. Como escreve Roger Caillois:

Os objectos deslocavam-se por si mesmos, as canoas voavam pelos ares, os homens transformavam-se em animais e inversamente. Eles mudavam de pele em vez de envelhecer e de morrer. Todo o universo era plástico e fluido e inesgotável 3.

Era assim “possível um homem transformar-se em animal, planta ou pedra”4, em franco contraste com o argumento de Platão contra os mitopoetas de que Deus não se pode jamais manifestar como “feiticeiro” e prestidigitador, enganando os mortais pelo seu poder de ilusórias e mentirosas metamorfoses 5; ou com o de Descartes, que coloca as hipóteses do “Deus enganador” e do “gênio maligno”, que poderiam fazer com que as aparências de haver terra, céu e tudo o que os preenche - incluindo o próprio sujeito que os percepciona - não fossem mais do que “ilusões de sonhos” e crenças falsas do sujeito iludido por esses poderes sobre-humanos, para as refutar na suposta evidência de na verdade isso mostrar a existência daquele que é enganado 6. Em contraposição, a tradição poético-literária, de que aqui apontamos apenas alguns momentos mais relevantes, afirma com Píndaro que “O humano é o sonho de uma sombra [skiâs ónar anthrôpos]”7, para com Cervantes - nessa outra fundação da modernidade, alternativa à cartesiana, como nota Milan Kundera8, fazer surgir uma personagem, Dom Quixote, que romantiza o real quotidiano9 pela imaginação criadora moldada pelos romances de cavalaria, num fazer de conta do qual resulta, como numa ilusão mágica, uma realidade mais plena e perfeita10. Já Shakespeare, no enredo de Sonho de uma noite de verão, sugere num jogo de palavras da personagem burlesca Bottom - “Sonho do Fundo, porque não tinha fundo”11 - a vulnerabilidade da percepção humana do mundo a uma ilimitada potência onírico-ilusória, personificada em Oberon, o rei das fadas. E é ainda outro escritor do Siglo de Oro espanhol, Calderón de la Barca, que em La vida es sueño faz Segismundo considerar que todas as condições e experiências humanas - do rei, do rico, do pobre e a sua própria - como prisioneiro são sonhos destinados a um despertar na morte, concluindo que “no mundo […] / todos sonham o que são, / ainda que ninguém o entenda”. Daí os lapidares versos: “Que é a vida? Um frenesim. / Que é a vida? Uma ilusão, / Uma sombra, uma ficção, / e o maior bem é pequeno, / que toda a vida é sonho, / e os sonhos sonhos são”12.

Exceção, na linha de Schopenhauer, à corrente dominante da filosofia ocidental é Nietzsche que, como que respondendo à rejeição por Platão dos partidários do eterno fluxo de todas as coisas em prol da possibilidade do conhecimento13, denuncia precisamente este como um conjunto de “ilusões e visões oníricas” pelo qual o olhar humano “só desliza pela superfície das coisas e vê aí “formas”, num estado semelhante ao do engano noturno “em sonhos”14. O conhecimento é uma “ilusão” antropomórfica15, criadora de um “mundo imaginário”, “irreal e erróneo”16, que faz da vida humana “um sonho acordado”17 baseado num “conjunto coerente de falsificações” para garantir a “conservação de uma espécie determinada de viventes”18. Neste sentido, a totalidade do universo percepcionado pelo ser humano é a sua criação esquecida, “o poema original da humanidade”19.

Pessoa inscreve-se nessa linhagem dissidente quanto à realidade substancial do ser, do mundo e da vida, assumindo o sonho ou a ilusão como a essência do real, como tantas vezes o declara20 e advertiram os seus primeiros intérpretes21. Ao fazê-lo, contudo, inscreve-se ainda mais significativamente e sem expressa consciência disso numa tradição, a indo-tibetana - pesem as divergências que assinalaremos -, que explora a fundo as possibilidades de usar os sonhos para o conhecimento e a libertação espirituais, no mesmo lance em que dialoga implicitamente com uma das mais recentes descobertas neurocientíficas, a da possibilidade de se ter e cultivar sonhos lúcidos. Isto permite considerar a uma luz nova um dos temas mais salientes de toda a sua obra, abrindo uma perspectiva inédita nos estudos pessoanos. É este o objetivo deste estudo, na continuidade das nossas tentativas de compreender Pessoa (tal como Teixeira de Pascoaes) à luz de alguns temas e aspectos das tradições orientais, pelas quais reconhecidamente se interessou, bem como no horizonte da fenomenologia dos estados diferenciados de consciência 22.

2. Os múltiplos níveis da consciência

Um antigo texto indiano, o Brhadāranyaka Upanishad, do séc. VII AEC, apresenta a primeira descrição da natureza e principais modalidades ou estados da consciência (vijñāna), vistas como a “luz do si-mesmo” (ātman), como sendo os de vigília, sonho e sono profundo, sem sonhos23. No sono com sonhos a “pessoa” (purusa) “destrói” e recria os “materiais” do mundo externo, sonhando “(num mundo iluminado) pelo seu próprio brilho, pela sua própria luz”. Ela mesma, “iluminada pela sua própria luz”, vive oniricamente num mundo onde não há realidades e experiências externas que não sejam por si criadas, “pois ele (o purusa) é um criador (kartr)”24. Um texto posterior, Māndūkya Upanishad, precisa e completa essa descrição, apresentando os “quatro quartos” do “Si mesmo” (ātman), idêntico ao “Todo” (Brahman): 1 - “o estado de vigília, consciente do que está fora”, experiencia “o que é grosseiro, comum a todos os humanos”; 2 - “o estado de sonho, consciente do que está dentro”, experiencia “o que é subtil, composto de luz”; 3 - o estado de “sono profundo”, sem sonhos, onde nada se deseja, é uma “massa de sabedoria, composta de beatitude”; 4 - o “quarto” (turiya) estado é afinal não mais um “quarto”, mas o próprio todo, o próprio “Si mesmo” (ātman), não consciente do interior, do exterior ou de ambos, nem sábio nem o seu oposto, “invisível” e “impalpável” (ou “incompreensível”), “desprovido de marca distintiva”, “impensável”, “indescritível”, unicitário, “desprovido de dualidade (advaita)”. É esse “o que deve ser conhecido”25.

O filósofo da mente, Evan Thompson, considera essa última experiência de consciência como a “pura consciência (awareness) não-dual”, que não é na verdade um “estado” transitório como os outros, mas antes “a constante e subjacente fonte destes estados mutáveis”, bem como um “estágio de realização meditativa”, sendo assim a “consciência de fundo que pode testemunhar estes estados mutáveis sem erroneamente se identificar com eles como o si mesmo (self)”. O “quarto” seria assim “a suprema vigília (wakefulness) que revela o verdadeiro si mesmo como a consciência testemunha por detrás do acordar, do sonhar e do sono profundo”, experienciada como “verdadeira felicidade, serenidade e beatitude”26. De notar que essa formulação teórica supõe, como se assume no pensamento indiano tradicional, uma prática e uma experiência a partir das quais se realiza a teoria que não consiste assim numa mera especulação intelectual, que antecipasse a sua verificação experiencial ou pudesse ter alguma validade independentemente dela. A descrição dos quatro estados de consciência nos Upanishades supõe a sua experiência fenomenológica por viagens meditativas e contemplativas nos seus domínios, que exercem a possibilidade da consciência pura, não dual, de transitar pela experiência da vigília, do sonho e do sono sem se perder ou, dito de modo mais rigoroso, contemplar o trânsito desses estados por si, sem se identificar com eles. A esse respeito, o filósofo indiano Mahadevan considerou que a principal diferença entre a filosofia ocidental e a oriental reside em a primeira desenvolver “a sua visão da realidade a partir de um único estado de consciência (o estado de vigília)”, enquanto a segunda “colhe de todos os estados de consciência, incluindo os de sonho e de sono”, sendo mais compreensiva 27.

A tradição budista indo-tibetana também desenvolveu um mapa dos níveis de consciência que é fundamental conhecer para se compreender a sua visão do sono como uma descida do plano mais superficial: o da consciência de vigília tal como é vivida na percepção comum, estruturada pela dualidade aparente, sólida e substancial entre sujeito e objeto, para os níveis mais profundos do sonho e do sono sem sonhos, que para a mesma consciência de vigília superficial se tornam inconscientes. Numa adaptação do modelo dos oito níveis de consciência relativa da escola Yogācāra, Holecek considera que as cinco consciências sensoriais e a consciência mental (o sexto sentido, na tradição budista) constituem a psyche, que o autor vê como a dimensão mais imediatamente visível do ego, a dimensão mais exterior da consciência, que flutua à superfície do ser profundo inconsciente dele e como que a dormir e a sonhar. Isso na medida em que crê na realidade sólida e estável dos objetos externos e internos - coisas do mundo, pensamentos e emoções -, por não ver que é ela mesma que os reifica, convertendo fenômenos impermanentes, interdependentes e múltiplos em supostas entidades permanentes, independentes e singulares. A psyche caracteriza-se por se agarrar constantemente aos objetos que cria e a si mesma como se fossem a única realidade, o que, nessa perspectiva, se traduz num primordial “roubo de identidade”, pelo qual a consciência se retira dos níveis mais profundos de si e do ser, se diminui e se fixa à superfície, absolutizando esse nível extremamente relativo e limitado de percepção/construção da realidade como se fosse o único. Pode-se assim dizer que a comum consciência de vigília tanto mais dorme e sonha quanto mais julga estar desperta.

Nesse modelo há, todavia, um nível mais profundo e sutil de ser e de consciência, do qual a “psyche” emana e que Holecek designa unitariamente como o “substrato”, embora na verdade corresponda aos sétimo e oitavo níveis de consciência da escola Yogācāra, designados nessa tradição como a “consciência velada” ou “maculada” (pela apreensão constante de um “eu” em toda a experiência sensorial e mental, pelo autocentramento da percepção e pelas emoções de apego, aversão e indiferença resultantes); e a “consciência-base universal” (ālayavijñāna)28, considerada o suporte contínuo e subliminal de todos os demais níveis de consciência, no qual se inscrevem ou armazenam os seus atos e experiências - mentais, verbais e físicos - sob a forma de impregnações e tendências latentes. São estas que, caso não sejam purificadas, o que é o objetivo da prática espiritual, se vão continuamente manifestando e condicionando de modo positivo ou negativo a experiência dualista e relativa da vida no plano dos sete níveis de consciência, segundo o que se designa como a lei da causalidade kármica29, pela qual todas as ações mentais, verbais e físicas têm um efeito sobre o agente correspondente à sua intenção. Segundo Holecek, “o substrato é o mais profundo ou inconsciente aspecto do ego”, de que a “psyche” é a dimensão mais “superficial ou consciente”30, sendo mais profundo do que o “inconsciente relativo” ou psicológico acedido pela psicanálise31. O “substrato” é o “muro” fictício que separa do ser autêntico e da consciência primordial - na tradição budista tibetana designada como “mente de clara luz” e idêntica à própria natureza de Buda - a natureza primordial de todos os seres sencientes e de todos os fenômenos. O “substrato” é a dimensão mais sutil da mente e a mais próxima da sua natureza profunda, mas é ao mesmo tempo a raiz de toda a dualidade entre eu e outro, sujeito e objeto, sendo o “berço do samsara”, ou seja, da percepção confusa e insatisfatória da realidade, mais difícil de reconhecer porque mais inconsciente. De todos os níveis de consciência, o “substrato” é o que tem maior “largura de banda”, desde os níveis mais superficiais ou superiores do material psicológico recalcado até aos mais fundos, onde se tange a “mente de clara luz”, a natureza absoluta da consciência e o verdadeiro fundo sem fundo de tudo 32.

Buda significa desperto e, nessa perspectiva, o que tornou Siddhartha Gautama um Buda foi o definitivo despertar da “psyche” e do “substrato” para a “mente de clara luz”, ou seja, para o ser-consciência primordial, cuja luminosidade expressa a capacidade de ver diretamente a natureza tal qual de tudo, sem condicionamentos conceituais e emocionais. Segundo a tradição tibetana, sempre que se adormece, tal como no momento da morte, a mente invariavelmente regressa do estado comum de vigília à “mente de clara luz”, só que, não havendo treino meditativo, o faz caindo na inconsciência, pois o modo de percepção conceitual e dualista não pode senão dissolver-se na consciência não dual e não conceitual, cuja natureza é ser inseparavelmente vazia e luminosa, ou seja, um espaço ilimitado, insubstancial e simultaneamente cognitivo. Este é o verdadeiro estado natural da consciência, livre de autocentramento, sendo todos os demais diversamente alterados ou modificados pela identificação com o ego. Na verdade, não é um “estado” acima dos outros, mas a verdadeira natureza da consciência, que transcende todos os estados, tal como transcende o espaço, o tempo e as categorias de saṃsāra e nirvāṇa, sendo uma transdimensão transpessoal e universal da consciência, a natureza de Buda ou natureza intemporalmente desperta “comum a todos os seres”33. Desperta do sono e sonho da identificação com o ego, geradora de sofrimento e confusão34.

3. Do sonho lúcido ao yoga do sonho

A multidimensionalidade do ser e da consciência abre a possibilidade de se transitar entre os seus vários níveis de modo intencional e consciente, incluindo no sonho e no sono, como é o caso das experiências onironautas e hipnonautas, que hoje começam a ser cada vez mais reconhecidas no Ocidente, com destaque para o “sonho lúcido”, sendo particularmente desenvolvidas e aprofundadas pela tradição tibetana, Bön pré-budista e budista35.

“Sonho lúcido” é um termo sugerido pelo erudito Marquis d’Hervey de Saint-Denis e cunhado pelo psiquiatra Frederik van Eeden, cuja evidência é reconhecida pela comunidade neurocientífica graças ao trabalho de Keith Hearne e Stephen LaBerge36. O sonho lúcido acontece quando se toma consciência de se estar a sonhar, sem acordar do sonho (o que muitas vezes acontece), e se continua a sonhar conscientemente, podendo-se transformar o sonho em quase tudo o que se quiser. Como diz Andrew Holecek, numa imagem que evoca o “drama em gente”37 e as “Ficções do Interlúdio”38 da experiência heteronímica de Fernando Pessoa, que designamos como o “teatro da vacuidade”39: “A tua mente torna-se o teatro e tu és o produtor, director, escritor e actor principal”40. A experiência dos onironautas é a de, a partir do momento em que sonham conscientemente, passarem a poder controlar aquilo que antes os arrastava, por lhe conferirem o mesmo estatuto de realidade que à percepção do mundo em estado de vigília.

Vendo o sonho como um sonho, podem dirigi-lo a seu bel-prazer, sem que ninguém os veja, o que permite viver a situação descrita por Platão no mito do anel de Giges41. Um “sonho hiperlúcido” é aquele no qual à “plena compreensão da natureza onírica da nossa experiência no sonho” se junta o reconhecimento de que “mesmo o sentimento de si no sonho está a ser sonhado”42. Aqui se abre o horizonte mais vasto da possibilidade de se usar o sonho lúcido como via de autoconhecimento profundo e de libertação espiritual, conforme acontece nos yogas tibetanos. Na antecâmara dessa possibilidade, a prática e o cultivo do sonho lúcido tem, mediante técnicas de indução orientais e ocidentais43, e para além do aspecto lúdico e de divertimento pessoal, múltiplos benefícios em termos terapêuticos, de desenvolvimento psicofisiológico e criativo44. Se o sonho lúcido visa a uma reconciliação e integração psicológica das dimensões inconscientes de si, já o yoga do sonho o usa como via para atravessar as várias dimensões da mente inconsciente em direção ao reconhecimento da natureza primordial e incondicionada da consciência, ou seja, a “mente de clara luz”45. É nesse sentido que, na linguagem Bön e budista, chama-se iluminação, libertação ou despertar. Despertar da mente adormecida e sonhadora, seja no sono, no sonho ou na vigília, para a consciência sempre desperta, que é o seu natural e intemporal fundo sem fundo46. A essa luz, pode-se compreender que, na tradição tibetana, Bön e budista, os sonhos sejam simultaneamente considerados tão reais e tão irreais como a percepção no estado de vigília, vistos ambos à luz do Despertar que igualmente os transcende, ao transcender toda a percepção dominada pela ilusão de haver sujeito e objeto como realidades distintas e intrinsecamente existentes47.

Podem-se considerar diversas fases, estágios ou possibilidades na experiência onironauta e apresentamos aqui o esquema de Holecek, que também nos ajuda a compreender alguns aspectos centrais da experiência pessoana. Todos esses fenômenos mostram que as vivências e imagens oníricas não existem senão na mente e que são, tal como ela, insubstanciais e desprovidas de existência intrínseca, sólida, permanente e independente. Ou seja, vacuidade (śūnyatā, em sânscrito, tongpanyid, em tibetano), algo que se manifesta e experiencia, mas que não possui qualquer entidade própria. Eis a lista onde o autor considera as possibilidades cada vez mais profundas que se estendem do sonho lúcido ao yoga do sonho tibetano: 1) assim que surge a consciência de se estar a sonhar, descobrir que se pode voar imediatamente para onde se quiser; 2) poder-se atravessar com as mãos ou o corpo coisas e paredes ou a própria terra, pois os fenômenos já não se regem pela lei da impenetrabilidade física dos corpos; 3) mudar as coisas, transformando-as noutras diferentes, fazendo-as aparecer ou desaparecer, gerando de muitas uma e de uma muitas ou alterando o seu tamanho; isto se aplica igualmente a estados mentais e emocionais; 4) criar situações assustadoras para reconhecer que são ilusórias e se libertar do medo; 5) transformar-se a si e a outras personagens oníricas em divindades ou imagens sagradas, com formas insubstanciais e desprovidas de existência intrínseca, o que é uma prática do Vajrayāna tibetano - kyerim ou “estágio de geração” -, que recorre à visualização ou imaginação criadora no estado de vigília e visa gerar a visão pura das coisas como verdadeiramente são, livres dos juízos e conceitos que condicionam a percepção comum e limitada da realidade; a par desta possibilidade, pode-se transformar o corpo na forma que se quiser e imaginar-se, ou seja, fazer-se aparecer como outro ser qualquer, o que faz da experiência do sonho lúcido um poderoso revelador de que a chamada pessoa, com a personalidade que imagina ser a sua, é, na verdade, apenas uma persona, ou seja, uma máscara, entre as muitas possíveis que pode assumir a consciência informe, vazia e luminosa que a tradição tibetana designa como “mente de clara luz”. Em termos espirituais, essa experiência é um poderoso fator de libertação da ficção do ego, reconhecendo que em vez de um “eu” supostamente independente, permanente e singular, há a possibilidade de representar e dissolver personagens múltiplas, como um “bom ator” desempenhando vários papéis “no palco da vida”, com uma identidade fluida e metamórfica e não fixa e uniforme; descobrindo que não se é nada de determinado, pode-se imaginar e devir tudo, o que é um marco fundador da experiência heteronímica pessoana, convergindo com o que na tradição tibetana surge como a omnipotencialidade criadora do vazio: “Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar”48; “Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo”49; 6) entrar no corpo e no ser de outra personagem onírica, o que num contexto ético-espiritual desinflaciona o ego e favorece a empatia e a compaixão; 7) criar um corpo onírico especial, que se pode projetar para onde se quiser - no caso da espiritualidade tibetana, o objetivo é viajar para as dimensões sutis designadas como Campos de Buda e receber aí ensinamentos dos seres despertos - e que pode observar seres com um corpo físico, permanecendo invisível para eles; 8) meditar no sonho lúcido e libertar-se da visão dualista e substancialista do real, vendo todas as formas oníricas como manifestações do espaço vazio e luminoso da “mente de clara luz”, que é a natureza profunda de todo o estado de consciência; 9) repousar nessa “mente de clara luz”, transcendendo todos os oito níveis de consciência condicionada, o que no contexto do yoga do sonho equivale a passar à experiência informe do yoga do sono, que assim se torna igualmente lúcido; a partir daí pode-se voltar a gerar as formas oníricas que se desejar50.

Essas várias possibilidades da experiência onírica lúcida estendem-se daquilo que é mais acessível à mente humana, mesmo na ausência de um treino meditativo formal, até ao que, sobretudo, a partir do nível cinco, exige um treino metódico, ao qual se dedicam praticantes avançados de meditação, que visam torná-la uma experiência constante de repouso na consciência primordial, nem sequer interrompida pelo sonho e pelo sono, sendo isso que se designa como Despertar nas tradições Bön e budista tibetanas. Trata-se de um Despertar do sono e dos sonhos ou da inconsciência e das ficções da mente dualista e conceitual, à luz do qual os fenômenos por ela percepcionados são vistos, não como reais, sólidos e substanciais, mas antes, no budismo, segundo as “oito metáforas da ilusão”: 1) como um sonho (sânscrito: svapana); 2) como uma ilusão mágica; 3) como uma ilusão de ótica; 4) como uma miragem; 5) como o reflexo da lua na água; 6) como um eco; 7) como uma cidade aérea de gandharvas (seres celestes da mitologia hindu e budista); 8) como um fantasma ou uma aparição51.

Deve-se aqui sublinhar, contudo, que se trata de metáforas, em que o “como” é fundamental. Na verdade, e ao contrário do que frequentemente se pensa, nos textos budistas não se diz que a realidade ou a vida sejam literal e intrinsecamente um sonho ou uma ilusão, como vimos acontecer em Calderón de la Barca52 e nos autores ocidentais atrás referidos, mas antes que aparecem como um sonho ou uma ilusão na medida em que são percepcionadas segundo a dualidade conceitual e reificadas como algo sólido e substancial, ou seja, apreendidas de modo realista e, por isso mesmo, onírico e ilusório. Quanto mais um fenômeno é visto como objetivamente real, mais ilusório devém. Quanto mais, pelo contrário, é visto como semelhante a um sonho ou ilusão, mais se desvela a sua verdadeira realidade. O sonho e a ilusão têm assim um estatuto gnosiológico e fenomenológico e não ontológico. Reconhecer a realidade assim percepcionada como um sonho ou uma ilusão, ou dizer que nada é senão vacuidade, funciona como um antídoto para dissipar a enraizada crença na sua permanência, independência, solidez e substancialidade, a ignorância que gera o apego e a aversão aos seres, coisas e experiências apreendidos como reais e que constitui a raiz de todo o sofrimento samsárico.

Todavia, como advertem os mestres budistas, é necessário não se apegar ao antídoto e não o reificar, fazendo por sua vez do sonho, da ilusão ou da vacuidade algo intrinsecamente real, o que seria converter o remédio numa nova e mais potente e letal espécie de veneno. Para que isso não aconteça, é fundamental abandonar o antídoto após o haver usado com sucesso, e compreender a vacuidade da vacuidade ou a ilusão da ilusão, ou seja, a sua não existência intrínseca. É o que Nāgārjuna, por exemplo, indica ao considerar a “vacuidade” como uma “designação metafórica”, dizendo que, se for “mal compreendida, perde o homem de inteligência curta, como uma serpente mal agarrada ou uma fórmula mágica mal aplicada”53. Caso isso aconteça, passa-se do extremo do essencialismo para o do niilismo54, o que parece ser a tendência bipolar recorrente no pensamento ocidental e que a via do meio budista pretende transcender ao não se fixar em nenhuma definição conceitual da natureza última das coisas esta se experiencia como inefável na medida em que não se reduz a nenhuma das quatro possibilidades de predicação lógica: ser, não ser, ser e não ser, nem ser nem não ser55.

Esclarecido o estatuto do mundo da percepção convencional como sonho ou ilusão, e como importante introdução ao estudo e comentário dessa questão nos textos do Livro do Desassossego, note-se que entre as práticas de indução do sonho lúcido e do yoga do sonho avultam três exercícios: 1) o cultivo do hábito de questionar se a realidade que se está a viver é um sonho56; 2) o cultivo, em particular ao adormecer, da aspiração a reconhecer durante o sono os sonhos como sonhos57; 3) a prática do corpo, fala e mente ilusórios, pela qual o praticante se exerce em constantemente considerar a si mesmo e a todas as formas e fenômenos visuais, auditivos e mentais do mundo como um sonho, ao ponto de os sentir realmente como tal58. Contrariando a tendência da mente para “agarrar” os fenômenos e objetivá-los como “inerentemente reais” (processo em tibetano designado como dzinpa), o que é visto como o experienciar da vida “a partir de uma perspectiva de sobrevivência essencialmente baseada no medo”, o treino budista oferece a alternativa de a ver como “um desfile de estranhos e misteriosos eventos”, onde com o sentimento de separação entre a mente e o que experiencia desaparece o de limitação, dando lugar a uma sensação de “maravilha e espanto”59.

Como veremos, Fernando Pessoa, com destaque para o semi-heterônimo Bernardo Soares, foi um exímio praticante da arte de ver a si e a tudo como um sonho, de um modo original.

4. Imaginar-se tudo por não se ser nada ou não ser nada e ter em si todos os sonhos do mundo

Superabundam no Livro do desassossego confissões e declarações que estabelecem um íntimo e implícito diálogo, convergente e divergente, com a experiência do sonho lúcido e as tradições do yoga do sonho60. Num fragmento, Bernardo Soares assume que o que consideramos “vida” é na verdade “a morte” e “o sono da vida real”: “Estamos dormindo, e esta vida é um sonho, não num sentido metafórico ou poético, mas num sentido verdadeiro” (note-se já a diferença fundamental em relação à visão budista, na qual vimos que a vida é como um sonho ou uma ilusão em sentido explicitamente metafórico). A vida humana, na sua dimensão material, moral e intelectual, é um sonho contínuo: “Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais, filosofias”61. Em conformidade, o autor sente uma “interpenetração” de “vida” e “sonho”62, duvidando se existe fora de “um sonho de outrem” num mundo que pode não ser senão “uma série entreinserta de sonhos e romances”63. Seja como for, “viver a vida em sonho” é ainda “viver” e “querer viver”, “substituindo a vida real pela vida irreal”64, pois “o sonho está dentro da vida”. Vivê-lo é viver, sonhá-lo apenas é morrer, mas tudo isso “está dentro da vida”65. O sonho é, muitas vezes, um limbo de indeterminação ontológica entre si e os outros, “entre o sono e a vigília”66.

Bernardo Soares vê “a realidade como uma forma da ilusão, e a ilusão como uma forma da realidade”67, mas por vezes distingue entre “ilusão” e “sonho”, vendo este como “a ilusão de quem não pode ter ilusões”68, declarando que “saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos”69. Nesse contexto, isso parece referir a perda das ilusões conceituais e categoriais que definem, separam e aprisionam as coisas em domínios demarcados pela identidade e pela diferença, nessa evasão da percepção convencional do real que designa como “abstenção sonhadora”, pela qual tudo se interpenetra, “funde e confunde”70, como que no regresso ao Tempo do Sonho indígena, paralelo ao mundo convencionado como real, e no qual tudo é ainda e sempre possível. Para o sonhador Soares, não há distinção “entre a realidade que existe e o sonho, que é a realidade que não existe”, ao invés dos “classificadores de coisas”, os “homens de ciência” que ignoram a impossibilidade de classificar a infinidade do classificável, tal como “a existência de classificáveis incógnitos, coisas da alma e da consciência que estão nos interstícios do conhecimento”. Não havendo problema “senão o da realidade”, e sendo este “insolúvel e vivo”, não se pode diferenciar uma “árvore” e um “sonho”, na medida em que ambos se experienciam. Se “o imaginário vive quando se imagina”, não são irreais as “maravilhas fluidas da imaginação” e pode-se “viver imaginando sem desvantagem da inteligência”71. De fato, “as figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais” e Soares confessa: “O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo verdadeiro para mim”72.

Com efeito, mais do que o projeto ou o treino que também veremos ser, sonhar é a natureza mais original de Soares: “Em mim o que há de primordial é o hábito e o jeito de sonhar”73. “Vida devotada ao sonho”, “alma educada só em sonhar”, vê-se como “um sonhador exclusivamente”, assim dotado de “uma extraordinária nitidez de visão interior” que lhe confere o pleno conhecimento da sua vida íntima e, nela, de toda a humanidade 74. Fundado na já referida constatação de se poder autoimaginar tudo, por não ser nada75, o autor assume nunca haver feito outra coisa “senão sonhar” e não haver jamais pretendido “ser senão um sonhador”. Sem outra preocupação que a da sua “vida interior”, vive a “mania de criar um mundo falso” (do ponto de vista dos outros) que intimamente o povoa de “amigos (...) com vidas próprias, reais, definidas e imperfeitas”76. O “sonhador” supera o “homem ativo”, não porque o sonho supere a realidade, mas por sonhar ser “muito mais prático que viver”, permitindo extrair da vida “um prazer muito mais vasto” e “variado”. “Sendo a vida essencialmente um estado mental”, “o sonhador é que é o homem de acção”77. O sonho, enquanto poder de transfigurar a percepção do real, é conatural à “alma”, cuja natureza é assim psicotrópica ou alucinógena: “O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas”78. Soares fala do seu “destino natural” de “objectivista dos sonhos”79.

Muito significativo para este estudo, por atestar a prática, no estado de vigília, as possibilidades dos estágios 5 e 6 do yoga do sonho, segundo a lista de Holecek, Bernardo Soares não só sonha criando em si “várias personalidades” 80, o que o torna “a cena viva onde passam vários actores representando várias peças” 81 - numa “pulverização da personalidade” que o faz sentir haver substituído os seus sonhos a si próprio82 - , como sonha entrando simultaneamente na vida de “várias criaturas” e vivendo-as por fora e por dentro:

“(...) ao passar diante de casas, de vilas, de chalés, vou vivendo em mim todas as vidas das criaturas que ali estão. Vivo todas aquelas vidas domésticas ao mesmo tempo. Sou o pai, a mãe, os filhos, os primos, a criada e o primo da criada, ao mesmo tempo e tudo junto, pela arte especial que tenho de sentir ao mesmo (tempo) várias sensações diversas, de viver ao mesmo tempo - e ao mesmo tempo por fora, vendo-as, e por dentro sentindo-mas - as vidas de várias criaturas”.83

Soares logra “sonhar o inconcebível visibilizando-o”, identificando-se não só a seres animados, mas também a entidades inanimadas:

“Sim, sonhar que sou por exemplo, simultaneamente, separadamente, inconfusamente, o homem e a mulher dum passeio que um homem e uma mulher dão à beira-rio. Ver-me, ao mesmo tempo, com igual nitidez, do mesmo modo, sem mistura, sendo as duas coisas com igual integração nelas, um navio consciente num mar do sul e uma página impressa dum livro antigo”.84

Confessa de tal modo antepor “o sonho à vida” que faz dos outros o seu sonho, mesmo ao conversar com eles:

“Numa grande dispersão unificada, ubiquito-me neles e eu crio e sou, a cada momento da conversa, uma multidão de seres, conscientes e inconscientes, analisados e analíticos, que se reúnem em leque aberto”.85

O maior sonho, que aqui todavia confessa ainda não realizar, é o de “ser eu Deus”, sendo tudo, no “panteísmo real” de criar dentro de si um “povo-eu” em relação ao qual fosse, simultaneamente, transcendente e imanente86. É que devanear “sobre o longínquo e o estranho” supera sonhar “o provável, o legítimo e o próximo”, sendo a essa luz o sono superior à vigília: “Durmo quando sonho o que não há; vou despertar quando sonho o que pode haver”87. Na verdade, confessa-se encantado com o “sonho puro”, sem relação ou contato com a realidade, enquanto o “sonho imperfeito”, enraizado na vida, o desgostaria88.

Não obstante, um dos aspectos ou exercícios da arte de sonhar é o de, sentindo uma “nítida indiferença” pelo que haja de “real” em cada “coisa”, “objeto ou acontecimento”, deixar isso “morto no Mundo Exterior” e “abstrair” dele o que “pode ter de sonhável”89, iniciando assim um processo de irrealização do real e de realização do irreal próprio de “quem faz do sonho a vida” e que se descreve com minúcia como o processo íntimo da arte literária90. Já num outro sentido, fazendo das coisas a matéria para os seus sonhos, o sonhador vê nelas apenas o que é mais real ou “importante”, deixando o resto, o “pesado tributo” que os objetos pagam à matéria para existirem no espaço, situação inversa à de não haver “no espaço realidade para certos fenómenos que no sonho são palpavelmente reais”. Ver a vida “em sonho” ou “imaterialmente” é assim libertá-la “do pesado, do útil e do circunscrito”91. O que faz à vida, o sonhador faz a si mesmo, sonhando-se a si próprio e de si escolhendo “o que é sonhável”, compondo-se e recompondo-se “de todas as maneiras” até à transfiguração almejada, no que designa como “os meus íntimos processos de ilusão de mim”. Anuncia assim lograr a “mais absoluta” “objetividade”, não fugindo à vida, mas mudando de vida ao encontrar nos sonhos a mesma objetividade antes conferida àquela92.

Bernardo Soares teoriza aliás a “arte de sonhar”, dedicando um conjunto de fragmentos à “Maneira de Bem Sonhar”93, onde avulta um desprendimento da realidade e da vida objetivas que permita se libertar delas, sem contudo perder todo o interesse pela vida. No mais desenvolvido desses textos, sobre a “Maneira de bem sonhar nos metafísicos”, descrevem-se “várias maneiras de sonhar”94, sendo uma delas passiva, onde o único esforço requerido é o da sua ausência. Aqui “a arte de sonhar não é a arte de orientar os sonhos”95, o que contrasta com algumas das passagens anteriores e com alguns aspectos das práticas do sonho lúcido e do yoga do sonho. Considera, no entanto, “inferior”, “monótono” e cansativo esse método, distinguindo-o do “sonho nítido e dirigido”, o qual, por sua vez, vê limitado por um “esforço” artificial. O que considera próprio de si como “artista supremo” é o de se cingir apenas ao “esforço de querer que o sonho seja tal”, e este desenrolar-se diante de si de acordo com o seu desejo, sem que haja a necessidade de previamente conceber todos os pormenores que o sonho espontânea e imprevistamente vai revelando, mostrando ao sonhador o desconhecido “excesso de imaginação” que havia em si, sem qualquer esforço ulterior da sua parte96.

No mesmo texto, distingue vários passos ou graus do sonho ativo: 1) o primeiro é “entregar-se totalmente à leitura” e “viver absolutamente com as personagens de um romance”, ao ponto de isso retirar importância à própria vida familiar; 2) o segundo é quando os eventos do romance são de tal modo vividos que geram sensações físicas; 3) o terceiro é quando toda sensação se torna mental, o que indica ser chegado o momento de “passar para o grau supremo do sonho”. Soares apresenta outras versões do segundo e terceiro graus, dizendo deste que é quando se imaginam e criam em si vários criadores, escrevendo todos de modo original e diverso (o que assume ter particularmente conseguido, numa referência indireta à heteronímia). O supremo grau do sonho é, todavia, quando se vivem todas as personagens criadas simultaneamente: “somos todas essas almas conjunta e interactivamente”. Esse elevadíssimo “grau de despersonalização” é o maior “triunfo”:

“Este é o único ascetismo final. Não há nele fé, nem um Deus.

Deus sou eu”.97

Essa declaração mostra que Soares afinal viveu momentos de realização daquilo que antes dizia ser o seu maior sonho, ainda por realizar98, e que este é o sonho: de ser Deus como criador absoluto. Essa experiência resulta ainda do fato de em si o “devaneio ininterrupto” haver substituído a “atenção”, sobrepondo outros sonhos às coisas já vistas em sonho e interseccionando “a realidade já despida de matéria com um imaterial absoluto”. Daí a “habilidade” de “seguir várias ideias ao mesmo tempo”, de cruzar observações e sonhos diversos, tudo confluindo no sentir-se “como alguém que visse passar na rua muita gente e simultaneamente sentisse de dentro as almas de todos”, abarcando “numa unidade de sensação” interna toda a externa diversidade do mundo99.

No entanto, esta centralidade e exaltação do sonho na experiência de Bernardo Soares não deixa de também conduzir a uma certa relativização, pelos mesmos motivos, aliás, da sua hipervalorização. Na medida em que o sonho tende a se separar do criador e a ganhar realidade, deve ser considerado com altivez e distanciamento100, a mesma que o autor sente em relação ao “escrever”, enquanto “objectivar sonhos” e “criar um mundo exterior”, e ao “publicar”, enquanto dar esse mundo aos outros101. O pessimismo de Soares em relação à ação, como algo sempre incompleto e imperfeito onde o sujeito se exila, estende-se ao ato poético e à realização do sonho, que vê como implicando sempre traí-lo e “esquecê-lo”102. A lucidez onírica de ver como real cada coisa sonhada castiga o sonhador com a perda de todo o seu valor como sonhada103. Isso também tem o seu contrário, embora muito pontual, como quando Soares afirma que “o que há de mais doloroso no sonho é não existir”, pois “realmente, não se pode sonhar”104. Por outro lado, além do risco de haver mais apego ao sonhar, ao viver-se para ele no contínuo desmanchar e recompor o universo, o sonho não escapa também ao tédio com que se olha para o mundo105. Se o excesso do sonhar conduz a “dar realidade ao sonho”, isso leva a sofrer “da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida”, assim como se sofre do “irreal do sonho” tal como se sofre com “sentir a vida irreal”106.

5. Conclusão: Bernardo Soares, um semi-yogi do sonho?

Como balanço final, parece evidente que a experiência onironauta de Bernardo Soares, em toda a diversidade da sua fenomenologia e teorização, cruza-se abundante e significativamente, em simultânea convergência e divergência, com alguns aspectos das práticas do sonho lúcido e do yoga do sonho, sem manifestar ter disso consciência e mostrando uma forte singularidade. Se, por um lado, se aproxima das tradições do yoga do sonho ao considerar a realidade e a vida, mesmo ou sobretudo no estado de vigília, como um sono, um sonho e uma ilusão, já por outro delas se afasta ao não parecer admitir um despertar absoluto e irreversível. Isto se prende com o não considerar, como o faz Pessoa num texto filosófico, que, se “tudo é ilusão” como “criação”, então “a própria ilusão é uma ilusão”, havendo todavia algo que, por não ser criado, “não pode ser ilusão”: “a consciência107. Assim sendo, a sistemática desconstrução da realidade da percepção convencional do mundo, bem como de todas as formas de realismo substancial, materialista ou idealista, pode desembocar no niilismo, embora algumas das formulações soarianas se aproximem de um vazio ou nada imaginário, uma não entidade que se manifesta onírico-ilusoriamente (ludicamente) no jogo sempre cambiante das formas do mundo108, o que converge com a visão das tradições tibetanas, mas apenas até à diferença irredutível de não se admitir nem aspirar ao que nestas é central: o Despertar de toda a ilusória configuração e determinação de si e do mundo.

Como temos apontado noutros estudos sobre a obra pessoana, nela tange-se a experiência místico-contemplativa de não se ser nada nem ninguém109, mas o residir nela cede sempre à exploração poética das ilimitadas possibilidades de reinvenção de si e do mundo que aí se abrem, ainda que para permanente insatisfação do sujeito, como aliás vimos acontecer em relação ao próprio sonhar. Isso contrasta com as referidas tradições tibetanas, nas quais o Despertar da consciência põe fim ao inconsciente e sofredor baile de máscaras do existir e, se não deixa de abrir para uma heteronímia criadora, em que a vacuidade se manifesta em múltiplas formas de Budas e bodhisattvas, é movido por uma compaixão espontânea que acode às necessidades dos seres em sofrimento para lhes indicar a via da libertação. Isso nunca acontece no onironauta Soares, cuja vida-viagem onírica é apenas movida por uma compulsão interna, afim ao vício de escrever110, que o arrasta insatisfatoriamente, numa experiência confessada em termos que não deixam de evocar a transmigração samsárica indo-tibetana111, mas na qual todas as formas de aparente alteridade são subsumidas como meras figuras oníricas de um ego maximizado e divinizado, que assim aparentemente se esquece de ele mesmo não ser senão um sonho de ninguém: “Deus sou eu”112.

Seja como for, se em termos de visão e fins últimos há uma essencial divergência, a começar por em Pessoa/Soares não haver um fim último, no domínio da experiência de si, da vida e do real como um sonho insubstancial, há uma forte convergência, com a já assinalada diferença de nas tradições tibetanas este ser metafórico e, em Soares, literal. Com efeito, em Soares e nas práticas do sonho lúcido e do yoga do sonho os aparentes limites da percepção convencional do mundo se desfazem em limiares de uma experiência na qual as formas dos seres e das coisas se revelam indeterminadas e indetermináveis, sempre sujeitas à metamorfose em interdependência com a mutação do olhar que sobre elas incide, numa irrealização do real aparente que acompanha a realização do irreal num processo nunca acabado e sempre em aberto.

O que mais avulta, contudo, é que, sem que Soares aparente ter consciência disso, a sua experiência prática da contínua possibilidade de desconstrução e reconstrução onírica de si e das formas do mundo é o que nas milenares tradições do Vajrayāna indo-tibetano é minuciosa e desenvolvidamente formulado e praticado em exercícios espirituais meditativos, quer na vigília, quer no yoga do sonho, enquanto treino do sonho lúcido com o objetivo do Despertar. Assumindo a não dualidade entre mente e realidade, as referidas tradições veiculam pormenorizados exercícios de dissolução de todas as formas de si e da realidade aparente em vacuidade, para a partir daí se gerar, por um processo de visualização ou imaginação criadora, uma reconfiguração de si e do mundo na forma de imagens simbólicas e sagradas, mas insubstanciais, que por sua vez são de novo dissolvidas em vacuidade, para se evitar os extremos do apego ao vazio e à forma113. Essas práticas visam: 1) experienciar a não separação entre mente e realidade e reintegrar o estado natural e primordial do ser e da consciência; 2) libertar da identificação com a percepção convencional de si e do mundo, adquirida com o nascimento e a educação; 3) antecipar a sua dissolução no momento da morte, permitindo vivê-la como via para o Despertar, caso este não aconteça, como é desejável, durante a própria vida; 4) experienciar lúcida e libertadoramente o sono e o sonho, em que a possibilidade de transformação profunda é mais fácil e rápida por se possuir apenas um corpo mental e energético, temporariamente livre do seu condicionamento pelo corpo físico; 5) desenvolver o potencial de assumir outras formas sutis de manifestação, além do corpo físico denso, livres do seu condicionamento espaço-temporal.

Além do incomparavelmente maior grau de detalhe e sistematicidade das meditações tibetanas com visualização, e de surgirem inseridas num corpo orgânico de ensinamentos e práticas tradicionais simultaneamente filosófico, ético e contemplativo, o que as distingue da experiência de Soares é elas abrangerem tanto o estado de vigília como o do sonho e do sono sem sonhos, enquanto no onironauta português a viagem onírica se resume ao estado de vigília. À luz das tradições tibetanas, o que Bernardo Soares sem saber experiencia, pratica e teoriza é algo com aspectos muito semelhantes ao que já referimos como o exercício do corpo, fala e mente ilusórios, um poderoso indutor do sonho lúcido e do yoga do sonho no qual o adepto, no estado de vigília, se treina em constantemente ver a si e a todas as formas e fenômenos visuais, auditivos e mentais do mundo como um sonho, a ponto de os sentir vivamente como tal e de essa experiência ressurgir naturalmente no momento do sonho, tornando-o lúcido e abrindo as portas do yoga do sonho114. É por esse motivo que podemos considerar Bernardo Soares como um semiyogi do sonho, dado o seu onirismo consciente e ativo parecer ter-se cingido ao estado de vigília e não haver visado ao pleno Despertar.

Esperamos por esta via continuar a contribuir para abrir novas perspectivas hermenêuticas nos estudos pessoanos, que explorem as portas entreabertas pelos pioneiros vislumbres de Pessoa, neste caso, em estreita afinidade com a obra de Pascoaes e com o ilusionismo/onirismo do “transcendentalismo panteísta”, que desde 1912 já havia teorizado na nova poesia portuguesa115, bem como com temas perenes do pensamento ocidental e oriental, hoje também reatualizados na investigação neurocientífica de vanguarda. Insistimos que um dos horizontes maiores que se abrem aos estudos pessoanos, filosóficos e literários, é o de reler e repensar Pessoa à luz da fenomenologia dos estados diferenciados de consciência e do seu diálogo implícito com as tradições contemplativas da humanidade.

1Cf. Wendy Doniger O’FLAHERTY, Sonhos, Ilusão e Outras Realidades, prefácio de J. C. Gomes da Silva, tradução de Manuel João Magalhães, revisão científica de Manuel João Ramos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2003.

2Cf. Robert LAWLOR, Voices of the First Day. Awakening in the aboriginal dreamtime, Rochester, Inner Traditions International, 1991. Cf. também David ABRAM, The Spell of the Sensuous. Perception and language in a more-than-human world, Nova Iorque, Vintage Books, 1997, pp. 163-179.

3Cf. Roger CAILLOIS, O Homem e o Sagrado, Lisboa, Edições 70, 1988, pp.101-102.

4Cf. Ibid., p.104. Cf. Peter SUTTON, Dreamings. The Art of Aboriginal Australia, George Braziller, 1997.

5Cf. PLATÃO, República, 380d - 383 a.

6Cf. René DESCARTES, Meditações sobre a Filosofia Primeira, introdução, tradução e notas de Gustavo de Fraga, Coimbra, Livraria Almedina, 1976, pp.110-114 e 118-119

7PÍNDARO, Odes Píticas, tradução do grego e notas de António de Castro Caeiro, Lisboa, Primebooks, 2006, p.110.

8Cf. Milan KUNDERA, A Arte do Romance, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988, p.33.

9Falamos de “romantização” pensando em Novalis: “O Mundo tem de ser romantizado. Só assim se voltará a encontrar o sentido original. Romantizar não é senão uma potenciação qualitativa. O Eu inferior identificar-se-á, nesta operação, com um Eu melhor. Tal como nós mesmos somos uma semelhante série de potências qualitativas. Eis uma operação ainda totalmente desconhecida. Quando dou ao que é comum um sentido mais elevado, às coisas habituais uma aparência misteriosa, a dignidade do Desconhecido ao que é conhecido, um esplendor de Infinito ao que é finito, eu romantizo” - NOVALIS, Fragmentos, selecção, tradução e desenhos de Rui Chafes, Lisboa, Assírio & Alvim, 1992, p.45.

10“(falando de Aldonça Lourenço, diz Dom Quixote:) (...) e eu faço para mim de conta que é a mais alta princesa do mundo. (...) eu imagino que tudo o que digo é assim, sem que sobre nem falte nada, e pinto-a toda na minha imaginação como desejo, tanto na beleza como em primazia” - Miguel de CERVANTES, O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha, tradução de Daniel Augusto Gonçalves, s. l., Livraria Civilização, 1978, p.167.

11“Bottom’s Dream, because it hath no bottom” - William SHAKESPEARE, A Midsummer-Night’s Dream, in The Complete Works of William Shakespeare, introdução de Peter Ackroyd, Glasgow, HarperCollins Publishers, 2006, p.237.

12Cf. Calderón de la BARCA, La vida es sueño, introdução e notas de Domingo Ynduráin, Madrid, Alianza Editorial, 1989, II, XIX, p.99. Cf. também p.98.

13Cf. PLATÃO, Teeteto, 152 d - 152 e; 157 a - 157 c; 179 e - 180 d.

14Cf. Friedrich NIETZSCHE, Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido Extra-Moral, in O Nascimento da Tragédia / Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido Extra-Moral, Obras Escolhidas, I, respectivamente tradução, comentário e notas de Teresa Cadete e tradução de Helga Hook Quadrado, Introdução Geral de António Marques, Lisboa, Relógio d’Água, 1997, pp.216-217.

15Cf. Id., La Volonté de Puissance, II, texto estabelecido por Friedrich Würzbach e traduzido por Geneviève Bianquis, Paris, Gallimard, 1995, p.209.

16Cf. Ibid., pp.216; Cf. também p.218.

17Cf. Ibid., p.222.

18Cf. Ibid., p.223.

19Cf. Ibid., p.226.

20“Reconhecer a realidade como uma forma da ilusão e a ilusão como uma forma da realidade é igualmente necessário e igualmente inútil” - Bernardo SOARES, Livro do Desassossego, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, p.118.

21Cf. Jacinto do Prado COELHO, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa, Verbo, 2007, 12ª edição, pp.49-56. Cf., para uma visão de conjunto, Fernando Cabral MARTINS, “Sonho”, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, prefácio e coordenação de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Editorial Caminho, 2008, pp.817-818.

22Cf. Paulo BORGES, O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália Editora, 2008; O Teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu. Estudos e ensaios pessoanos, Lisboa, Verbo, 2011; A “Ode Marítima” de Álvaro de Campos (com Cláudia Souza e Nuno Ribeiro), edição com documentos do espólio de Fernando Pessoa e textos interpretativos, Lisboa, Apenas Livros, 2016; Do Vazio ao Cais Absoluto ou Fernando Pessoa entre Oriente e Ocidente, Lisboa, Âncora Editora, 2017.

23Cf. Brihadāranyaka Upanishad, II, 1, 17-19, in Hindu Scriptures, traduzidas e editadas por R. C. Zaehner, s. l., Everyman’s Library, 1992, p.53.

24Cf. Ibid., IV, 3, 9-10, p.82.

25Cf. Māndūkya Upanishad, 2-7, in Hindu Scriptures, pp.253-254. Sobre estes quatro modos de consciência, cf. Evan THOMPSON, Waking, Dreaming, Being. Self and consciousness in neuroscience, meditation, and philosophy, Nova Iorque, Columbia University Press, 2015, pp.4-10.

26Cf. Evan THOMPSON, Ibid., p.10.

27Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, prefácio de Stephen LaBerge, Boulder, Sounds True, 2016, p.6.

28Cf. THRANGOU RINPOCHE, Le Traité des 5 Sagesses et des 8 Consciences, tradução inglesa de Peter Roberts, tradução francesa do inglês e do tibetano por Tashi Tcheudreun, Saint-Cannat, Éditions Claire Lumière, 2007, pp.34-42. Cf. também “ālayavijñāna”, in Philippe CORNU, Dictionnaire Encyclopédique du Bouddhisme, Paris, Éditions du Seuil, 2001, pp.38-39.

29Cf. THRANGOU RINPOCHE, Le Traité des 5 Sagesses et des 8 Consciences, pp.95-101.

30Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, pp.115.

31Cf. Ibid., pp.117-118 e 19-20.

32Cf. Ibid., pp.117-119.

33Cf. Ibid., pp.119-121.

34Cf. Loch KELLY, Shift Into Freedom. The science and practice of open-hearted awareness, Boulder, Sounds True, 2015, pp.24-25.

35Cf. Namkhai NORBU RINPOCHE, Le Yoga du Rêve, edição e introdução por Michel Katz, tradução de Gisèle Gaudebert, Paris, Éditions Accarias L’Originel, 1993; AAVV, Dormir, Rêver, Mourir. Explorer la conscience avec le Dalai-Lama, sob a direcção de Francisco J. Varela, tradução de Claude B. Levenson, Paris, NiL Éditions, 1998; PADMASAMBHAVA, Natural Liberation. Padmasambhava’s Teachongs on the Six Bardos, comentário por Gyatrul Rinpoche, traduzido por B. Alan Wallace, Boston, Wisdom Publications, 1998, pp.141-168; Tenzin WANGYAL RINPOCHE, The Tibetan Yogas of Dream and Sleep, editado por Mark Dahlby, Ítaca, Snow Lion, 1998; Dzogchen PONLOP RINPOCHE, L’Esprit Par-delà la Mort. Préparatifs pour le grande voyage, tradução de Esther Rochon, Montréal, Le Jour, 2009, pp.91-124; B. Alan WALLACE, Dreaming Yourself Awake. Lucid Dreaming and Tibetan Dream Yoga for Insight and Transformation, editado por Brian Hodel, Boston/Londres, Shambhala, 2012.

36Cf. Stephen LaBERGE, Lucid Dreaming. The power of being awake and aware in your dreams, J. P. Tarcher, 1985; Stephen LaBERGE e Howard RHEINGOLD, Exploring The World of Lucid Dreaming, Ballantine Books, 1990; 1994; Stephen LaBERGE, Lucid Dreaming. A concise guide to awakening in your dreams and in your life, Boulder, Sounds True, 2009.

37Cf. Fernando PESSOA, “Tábua Bibliográfica” (1928), in Obras, I, introduções, organização, biobibliografia e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa, Porto, Lello & Irmão - Editores, 1986, p.1425.

38Cf. Ibid., pp.710-713.

39Cf. Paulo BORGES, “As “Ficções do Interlúdio” ou o Teatro da Vacuidade. Para uma filosofia da experiência heteronímica”, in O Teatro da Vacuidade ou a impossibilidade de ser eu. Estudos e ensaios pessoanos, Lisboa, Verbo, 2011, pp.15-43.

40Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, p.1.

41Cf. PLATÃO, República, 359d-360b.

42Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, p.12.

43Cf. Ibid., pp.39-75.

44Cf. Ibid., pp.13-15.

45Cf. Ibid., p.179.

46Cf. Tenzin WANGYAL RINPOCHE, The Tibetan Yogas of Dream and Sleep, pp. 79-140; B. Alan WALLACE, Dreaming Yourself Awake. Lucid Dreaming and Tibetan Dream Yoga for Insight and Transformation.

47Cf. Tenzin WANGYAL RINPOCHE, The Tibetan Yogas of Dream and Sleep, pp.23-24.

48Bernardo SOARES, Livro do Desassossego, p.185. Cf. Paulo BORGES, “Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar”. Vacuidade e autocriação”, in Do Vazio ao Cais Absoluto ou Fernando Pessoa entre Oriente e Ocidente, Lisboa, Âncora Editora, 2017, pp.29-44.

49Álvaro de CAMPOS, “Tabacaria”, in Fernando PESSOA, Obras, I, introduções, organização, biobibliografia e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa, Porto, Lello & Irmão - Editores, 1986, p.1425.

50Para a exposição detalhada e comentada dos nove níveis, cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, pp.178-201.

51Cf. também “huit métaphores de l’illusion”, in Philippe CORNU, Dictionnaire Encyclopédique du Bouddhisme, p.246. Cf. outras metáforas em Namkhai NORBU, Le Yoga du Rêve, p.51.

52“Que é a vida? Um frenesim. / Que é a vida? Uma ilusão, / Uma sombra, uma ficção, / e o maior bem é pequeno, / que toda a vida é sonho, / e os sonhos sonhos são” - Calderón de la BARCA, La vida es sueño, II, XIX, p.99. Cf. também p.98.

53NĀGĀRJUNA, Stances du Milieu par Excellence, 24, 18 e 11, traduzido do original sânscrito, apresentado e anotado por Guy Bougault, Paris, Gallimard, 2002, pp.311 e 309.

54Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, pp.205 e 208-209.

55Cf. NĀGĀRJUNA, Stances du Milieu par Excellence, 18, 8, p.233.

56Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, p.67.

57Cf. Ibid., pp.69-71.

58Cf. Ibid., pp.147-174.

59Cf. MINGYUR RINPOCHE e Eric SWANSON, The Joy of Living. Unlocking the secret and science of happiness, prefácio de Daniel Goleman, Londres, Bantam Books, 2009, pp.81 e 83.

60Cf. o que já foi notado por Pedro Vistas, nomeadamente na nota 73 de um valioso estudo sobre o Livro do Desassossego: Pedro VISTAS, “Do imaginal no ‘Livro do Desassossego’ - A Essência da Poesia”, in AAVV, Tabula Rasa - 1º Festival Literário de Fátima - A Literatura e a Filosofia, coordenação de Renato Epifânio, Sintra, Zéfiro, 2017, pp. 361-391.

61Cf. Bernardo SOARES, Livro do Desassossego, p.189.

62“Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mistas, interseccionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração”. Ibid., p.274.

63“E isto faz com que sonhe a pergunta se não será tudo neste total de mundo uma série entreinserta de sonhos e romances, como caixinhas dentro de caixinhas maiores - umas dentro de outras e estas em mais -, sendo tudo uma história com histórias, como as Mil e Uma Noites, decorrendo falsa na noite eterna”. Ibid., p.275. Cf. também p.459.

64Cf. Ibid., p.436.

65Cf. Ibid., p.438. Cf. ainda p.441.

66Cf. Ibid., pp.452-455.

67Ibid., p.118.

68Cf. Ibid., p.289.

69Cf. Ibid., p.304.

70“Atingirás assim o ponto extremo da abstenção sonhadora, onde os sentidos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se entrepenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde”. Ibid.

71Cf. Ibid., pp.341-342.

72Cf. Ibid., p.371.

73Cf. Ibid., p.485.

74Cf. Ibid., p.486.

75“Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar”. Ibid., p.185.

76Cf. Ibid., pp.120-121. Cf. também p.378.

77Cf. Ibid., p.120. Soares fala “do homem que sonha em cada homem que age”. Ibid., p.467.

78Cf. Ibid., p.186. Numa versão inicial, consta “drogas” em vez de “cocaínas”.

79Ibid., p.465.

80“Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não”. Ibid., p.283.

81Ibid., p.284. Cf. também: “Todos os dias se passam peças em mim”. Ibid., p.486.

82“Substituí os meus sonhos a mim próprio”. Ibid., p.442.

83Ibid., p.283.

84Cf. Ibid., pp.172-173. Acrescenta em comentário final: “Que absurdo que isto parece! Mas tudo é absurdo, e o sonho ainda é o que o é menos”. Ibid., p.173.

85Ibid., pp.288-289.

86Cf. Ibid., p.172.

87Cf. Ibid., pp.159-160.

88Cf. Ibid., p.466.

89Cf. Ibid., p.379.

90Cf. Ibid., pp.433-436.

91Cf. Ibid., p.487.

92Cf. Ibid., pp.487-488.

93Cf. Ibid., pp.439-444.

94Cf. Ibid., p.442.

95Cf. Ibid., pp.439-440.

96Cf. Ibid., pp.442-443. Cf. também pp.476 e 488.

97Cf., para tudo o que foi referido, Ibid., pp.443-444.

98Cf. Ibid., p.172.

99Cf. Ibid., p.488.

100Cf. Ibid., pp.205-206. Cf. também p.380.

101Cf. Ibid., p.215.

102Cf. Ibid., p.302.

103Cf. Ibid., 377.

104Cf. Ibid., p.438.

105Cf. Ibid., p.370.

106Cf. Ibid., pp.467-468.

107Cf. Fernando PESSOA, “O DESCONHECIDO”, in Textos Filosóficos, I, estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho, Lisboa, Edições Ática, 1993, pp.44-46. Cf. Paulo BORGES, “Além-Deus, Ilusão de Deus e Vida em Raphael Baldaya (ou uma outra Morte de Deus no triálogo implícito entre Mestre Eckhart, Friedrich Nietzsche e Fernando Pessoa”, in Paulo BORGES, Cláudia SOUZA e Nuno RIBEIRO, Raphael Baldaya. Fragmentos de uma personalidade pessoana, Lisboa, Âncora Editora, 2018, pp.143-144.

108Cf. a noção de “imaginário-nada” em Stanislas Breton, crucial para compreender e teorizar a experiência de Pessoa e de Pascoaes: Stanislas BRETON, Être, Monde, Imaginaire, Paris, Éditions du Seuil, 1976, pp.139-144. Cf. Paulo BORGES, O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Páscoas e Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália Editora, 2008.

109“Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém”. Bernardo SOARES, Livro do Desassossego, p.257.

110“Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo”. Ibid., p.169; “Porque escrevo então? Porque, pregador da renúncia, não aprendi ainda a executá-la plenamente”. Ibid., p.230.

111“Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que acarinha, sempre no erro que afaga”. Ibid., p.190.

112Cf. Ibid., p.444.

113Para uma introdução ao Vajrayāna, cf. PADMASAMBHAVA, The Light of Wisdom, I, com o comentário de Jamgon KONGTRUL, Boston, Shambhala, 1995; PADMASAMBHAVA, The Light of Wisdom, II, com o comentário de Jamgon KONGTRUL, Boudhanath, Rangjung Yeshe Publications, 1998.

114Cf. Andrew HOLECEK, Dream Yoga. Illuminating your life through lucid dreaming and the tibetan yogas of sleep, pp.147-174.

115“Para o transcendentalista, matéria e espírito são manifestações irreais de Deus, ou, antes, para não errarmos, do Transcendente, o Transcendente manifestando-se como a ilusão, o sonho de si próprio” - Fernando PESSOA, A Nova Poesia Portuguesa, in Obras, II, organização, introduções e notas de António Quadros, Porto, Lello & Irmão - Editores, 1986, p.1188.

Recebido: 23 de Março de 2019; Aceito: 24 de Abril de 2019

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