Este dossiê apresenta um conjunto de artigos que abordam múltiplas perspectivas de análise dos “intelectuais”, seus discursos e práticas nos campos da educação, da ciência e da política. Entendidos como agentes individuais e coletivos da contemporaneidade, os intelectuais se apresentam à esfera pública como testemunhas de seu tempo, criadores culturais ou mediadores, expertos ou agentes políticos. Aceitando a própria condição do objeto, por definição inscrito na interseção de campos sociais e na natureza múltipla de suas intervenções, os estudos reunidos transitam pelas fronteiras epistemológicas da história, sociologia, psicologia, filosofia e linguística buscando apresentar, debater e aplicar conceitos e metodologias profícuos para o tratamento de questões em torno do tema, tais como a identificação e a caracterização dos intelectuais; a interpretação de seus deslocamentos e reconversões; a análise de seus discursos à luz dos contextos históricos de referência ou, ainda, em relação com outros discursos.
O artigo de abertura, de autoria de Cláudia Maria Costa Alves de Oliveira (UFF-RJ), busca aprofundar a compreensão a respeito das categorias de análise propostas pela vertente da história dos intelectuais, a partir das proposições do historiador Jean-François Sirinelli e com vistas a discutir sua apropriação nas pesquisas empreendidas em História da Educação no Brasil. Na primeira parte de “Contribuições de Jean-François Sirinelli à História dos Intelectuais da Educação” são apresentadas as categorias de itinerário, rede de sociabilidade e geração intelectual em sua relação com o conceito de cultura política. Na segunda parte, é construída uma reflexão sobre as especificidades do processo histórico brasileiro que exigem atenção para que se proceda a uma utilização apropriada do arsenal metodológico na pesquisa histórica em educação.
Em “Usos da prosopografia para a história dos intelectuais da educação”, Bruno Bontempi Jr. (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) discutem a potencialidade da abordagem prosopográfica nas investigações em história da educação, especialmente na temática dos intelectuais, suas ideias e ações. Apresenta, sinteticamente, as principais definições, conceitos, operações metodológicas e fontes que constituem essa abordagem. O autor aponta que esta vertente investigativa convida o historiador a extrapolar a dimensão individual e discursiva em direção ao coletivo, uma vez que para a compreensão das coletividades, tão importantes quanto as manifestações de identidades presentes em discursos, são as propriedades sociais dos sujeitos que as compõem. Para a história da educação, a abordagem pode trazer contribuições significativas para investigações de objetos como: os coletivos docentes, no que tange às trajetórias formativas e distribuição institucional e regional; as histórias institucionais, notadamente na destinação social e política de egressos ou na movimentação interna dos quadros gerenciais e acadêmicos; as associações da sociedade civil em prol da educação, tais como sindicatos, sociedades humanitárias e entidades categoriais. Na seara dos estudos sobre intelectuais, a pesquisa cinge manifestos e seus signatários, revistas e associações cujos liames societários, minuciosamente perscrutados, podem reafirmar ou subverter a lógica dos posicionamentos individuais.
O artigo “Os Escolares e a instituição educativa: cânon e cultura escolar”, de Justino Magalhães, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, toma como referência fundamental os intelectuais “escolares” portugueses e a história da educação em Portugal. Entre os “grandes intelectuais”, que idealizam e se tornam apologéticos da mudança, que percepcionam o que está em crise e o que deverá permanecer, emergem os intelectuais escolares. O autor revela como, combinando as dimensões de intelectualidade e educabilidade, esses personagens envolvem-se institucionalmente e estabelecem o cruzamento entre educação e sociedade; são reconhecidos como mestres e cultivam a mestria; são autores de textos doutrinários e livros escolares; têm especial relevância na constituição do cânon escolar, literário, científico, artístico; fazem uso do poder simbólico e material que o institucional e o normativo lhes conferem, tornando assim suas intervenções decisivas na configuração da educação em suas respectivas épocas.
Em “Autores e modos de entrada no discurso: um exame a partir da psicologia”, Ana Laura Godinho de Lima (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), recorre aos escritos de Michel Foucault e de autores contemporâneos sobre a análise do discurso, para evidenciar as exigências que se impõem aos intelectuais em uma específica ordem do discurso. Examinam-se as condições requeridas para se ocupar a posição de sujeito do enunciado, bem como as regras subjacentes à formação dos objetos, dos conceitos e à escolha das teorias e temas, os quais tanto permitem como restringem as possibilidades de formação dos enunciados. A análise incide especificamente sobre os discursos da psicologia destinados aos professores em formação, investigando a hipótese de que, na primeira metade do século 20, o recurso ao tema do desenvolvimento e à teoria da recapitulação tornou-se uma estratégia de entrada nessa formação discursiva e de formulação de enunciados reconhecidos como verdadeiros.
Raquel Discini de Campos (FACED-UFU) e Norma Discini (FFLCH-USP) integram o dossiê, com artigo “Fernando de Azevedo: um sujeito do afeto”, que analisa a crônica, “A graça do amor e da fé (sobre um manuscrito de minha mãe)”, que o renomado educador fez publicar em 1955. À luz da obra Retórica, de Aristóteles, as autoras discutem o ethos de um filho amoroso e grato e o de um intelectual da educação, identificando, no estilo de sua escrita, a presença concomitante e entrecruzada de papéis sociais e individuais que se fundem na crônica, trazendo ao leitor o retrato inesperado e original de um intelectual cujo pensamento e ação reformadora têm sido, há muito, objeto de interesse e investigação dos pesquisadores da história da educação brasileira.
O dossiê pretende, como se vê, oferecer a seus leitores mais do que resultados de pesquisas históricas sobre os objetos da especialidade de seus autores. Busca estimular o interesse dos pesquisadores por novas investigações, trazendo referências teóricas e abordagens metodológicas pouco conhecidas e utilizadas no campo, que, aplicadas como foram com minúcia e rigor, possam fomentar não só o acúmulo de conhecimentos, mas sua eventual revisão nos domínios da história da educação e em seus domínios conexos.
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