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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.67 Uberlândia jan./abr 2019  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n67a2019-46815 

Artigos

A crítica cristã ao prazer epicureu

The christian criticism of epicurean pleasure

La crítica cristiana al placer epícureo

Rogério Lopes Santos* 
http://orcid.org/0000-0003-4712-6236

*Doutorado em andamento em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com bolsa CAPES. Mestrado em Filosofia pela UFSM. E-mail: rogeriolopes06@hotmail.com


Resumo

O presente artigo tem o objetivo de apresentar e analisar as críticas e deturpações promovidas pelos Padres Apologistas acerca da Filosofia de Epicuro, mais especificamente a parte dessa Filosofia relativa à fruição dos prazeres. Para tanto, elegemos aqui quatro dos vários Padres Apologistas que criticaram e deturparam a Filosofia de Epicuro, a saber: Tito Flávio Clemente (150 a.C. - 215 d.C.), mais conhecido como Clemente de Alexandria; Justino de Nablus (ou Justino Mártir) (100/114 d.C. - 162/168 d.C.); Ambrósio Aurélio (340 d.C. - 397 d.C.) e Jerônimo de Estridão (347 d.C. - 407 d.C.).

Palavras-chave: Epicurismo; Cirenaismo; Padres Apologistas, Hedonismo

Abstract

The present article aims to present and analyse the criticisms and misrepresentations promoted by the Christian Apologetics about the Philosophy of Epicurus, more specifically the part of this Philosophy concerning the enjoyment of pleasures. Therefore, we choose four of the various Christian Apologetics who criticized and misrepresented the Philosophy of Epicurus, namely: Titus Flavius Clemens (c. 150 - c. 215), whom we know as Clement of Alexandria; Justin of the Nablus (or Justin Martyr) (c. 100/114 - c. 162/168); Saint Ambrose (c. 340 - c. 397) and Saint Jerome (c. 347 - c. 407).

Keywords: Epicureanism; Cyrenaism; Christian Apologetics; Hedonism

Resumen

El presente artículo tiene el objetivo de presentar y analizar las críticas y disturpaciones promovidas por los Padres Apologistas acerca de la Filosofía de Epicuro, más específicamente la parte de esa Filosofía relativa a la fruición de los placeres. Para ello, elegimos aquí a cuatro de los varios Padres Apologistas que criticaron y falsearan la Filosofía de Epicuro, a saber: Tito Flávio Clemente (150 a. C. - 215 d. C.), más conocido como Clemente de Alejandría; Justino de Nablus (o Justino Mártir) (100/114 d.C. - 162/168 d.C.); Ambrosio Aurelio (340 d.C. - 397 d.C.) y Jerónimo de Estridón (347 d.C. - 407 d.C.).

Palabras clave: Epicureísmo; Cirenaísmo; Padres Apologistas; Hedonismo

Introdução

Antes de apresentarmos e analisarmos as críticas e as deturpações promovidas pelos Padres Apologistas acerca da Filosofia epicurea, julgamos ser necessária a realização de duas considerações sobre os pressupostos de Epicuro relativos ao prazer. O primeiro ponto a se observar é que, para Epicuro, o fim (télos) humano consiste em viver de forma prazerosa. No entanto, ao contrário do Cirenaismo - corrente filosófica fundada por Aristipo de Cirene (435 a.C. - 356 a.C.) -, o prazer admitido como fim humano no Epicurismo não é o prazer somático, mas o prazer que é “ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma” (Epicur. Ep. Men. 131). Essa ausência de perturbações físicas e psíquicas caracteriza o chamado estado de ataraxia, estado esse que, antes de Epicuro, o Ceticismo já havia eleito como fim humano:

Tomando o termo princípio, ou causa, por fim ou causa final, nós afirmamos que o princípio, ou a causa, ou o fim do ceticismo é a esperança de que o filósofo cético alcance por meio desse tipo de filosofia a ataraxia, isto é, a isenção de distúrbios, a tranquilidade da alma (Sext. Emp. Pyr. 1. VI, tradução nossa).1

O segundo ponto a ser observado é que Epicuro assume o prazer somático como “o bem primeiro e inerente ao ser humano”, no sentido de que a natureza humana é tal que tudo aquilo que promove prazer ela acolhe, ao passo que rejeita tudo o que promove dor (Epicur. Ep. Men. 129). Fundamentalmente, é a esse pressuposto que os Padres Apologistas se detiveram ao elaborarem as suas críticas e deturpações da Filosofia e da figura de Epicuro. Argumentando que a Filosofia epicurea se tratava de uma Filosofia libertina, devassa, Clemente de Alexandria, por exemplo, afirmou não só que Epicuro e os cirenaicos seriam escravos do prazer (Clem. Al. Strom. II. XXI. 190), mas também que Epicuro tinha por hábito se relacionar (no sentido sexual) com as hetairas que frequentavam a sua escola (Clem. Al. Strom. II. XXIII. 196). O mesmo fez Lactâncio (aprox. 240 d.C. - 320 d.C.), em sua Instituições Divinas, ao acusar Epicuro, ora de “louco” (insanus) (Lactant. Div. inst. II. 49, tradução nossa), ora de “defensor dos mais baixos [turpis] prazeres para cuja consecução pensava que havia nascido o homem” (Lactant. Div. inst. III. 35, tradução nossa).

A análise que se segue pretende evidenciar quão mentirosa são as acusações desse gênero. Para tanto, começaremos pela exposição e análise daquilo que Clemente de Alexandria escreveu acerca de Epicuro e dos seus pressupostos relativos ao prazer (1). Na sequência (2 e 3), nos propomos a analisar o que afirmaram Justino (2), Ambrósio e Jerônimo (3). Acreditamos que a exposição dessa postura assumida por tais Padres Apologistas explique, em certo sentido, o motivo pelo qual as comunidades epicureas se extinguiram durante o processo de expansão do Cristianismo.

1. Da crítica e deturpação promovida por Clemente de Alexandria

O ponto de partida das considerações de Clemente acerca da Filosofia epicurea é, evidentemente, o cristão. Assim, o discurso por ele construído em sua Miscelâneas2 tem como referência, tanto os profetas (Isaías, Daniel ou mesmo Jesus), quanto Paulo, o apóstolo. Na obra em questão, a primeira crítica de Clemente ao princípio hedonista epicureu tem como seu fundamento uma exortação feita por Paulo acerca de qual sabedoria e qual Filosofia o homem cristão deveria seguir.3 Segundo Clemente:

O apóstolo [Paulo] não se levanta contra qualquer tipo de filosofia, mas contra a de Epicuro, que nega a Providência e deifica o prazer; e contra qualquer outra filosofia que cultua os elementos, que não reconhece nenhuma causa primeira, e não se levanta à ideia de um Criador (Clem. Al. Strom. I. XI. 36, tradução nossa).

Dentre essas afirmações de Clemente, chamamos a atenção para a curiosa acusação segundo a qual Epicuro “deifica o prazer”. Essa acusação é ‘curiosa’ não apenas por ser uma mentira, mas também pela sua própria estrutura retórica, sobre a qual fazemos aqui duas observações. A primeira observação é: ao afirmar que Epicuro “deifica o prazer”, Clemente sugere (sem qualquer fundamento teórico) que Epicuro troca uma coisa pela outra, tal como quem afirma: ao invés de adorarmos a Deus, adoremos o prazer. A segunda observação é quanto à afirmação de que Epicuro “[…] nega a Providência e deifica o prazer”. Nesse ponto, Clemente conta uma verdade seguida de uma mentira, pois, de fato, Epicuro negava a ideia de uma Providência divina (Epicur. Ep. Men. 133), porém, ele nunca ‘deificou’ o prazer. O intuito de Clemente ao proceder dessa forma é claro: a partir de procedimentos puramente retóricos, alimentar a caricatura do ‘Epicuro devasso’ para justificar a sua acusação de que o Epicurismo se trata de uma Filosofia libertina e ímpia (atheótes).4

Uma das justificativas de Clemente para o seu desprezo pelo prazer encontra-se na ideia de que esse sentimento não é algo necessário, uma vez que ele é apenas o resultado, e não a causa, de certas necessidades físicas, tais como a fome, a sede, o frio e o casamento (Clem. Al. Strom. II. XX. 185). Para Clemente, Epicuro foi persuadido a atribuir o gozo dos prazeres ao filósofo, porque é da natureza do prazer submeter a vontade à concupiscência (Clem. Al. Strom. II. XX. 186) - sendo esse o motivo, aliás, do prazer ser assumido como um apetite contrário à razão. Há aqui pelo menos duas coisas a se considerar: a primeira diz respeito ao prazer como o resultado e não como a causa das necessidades humanas (fome, sede, etc.); a segunda, se trata da ideia de que o prazer submete a vontade à concupiscência.

Sobre o primeiro ponto, o desacordo de Clemente referente a Epicuro se dá tendo em vista que, para Epicuro, não é pela dor da ausência que o humano come o que come ou bebe o que bebe, mas sim pelo prazer oriundo daquilo de que ele se alimenta.5 É claro que essa proposição (de que os seres humanos comem com vistas ao prazer) se refere a uma parte específica do raciocínio epicureu, de modo que ao ser apresentada isoladamente (como o faz Clemente) ela fica deslocada dentro do projeto filosófico de Epicuro e faz dele, pelo menos em um primeiro momento, um glutão. Desse modo, acreditamos que é possível exprimir aqui a sua ideia central mediante os seguintes termos: quando Epicuro afirma que o ser humano come com vistas ao prazer, ele não quer justificar com isso uma vida de banquetes repleta de iguarias refinadas. O que Epicuro busca é tão somente evidenciar que o elemento impulsionador da ação humana, por natureza, é sempre o prazer, no sentido de que é sempre com vistas a ele que o humano age.

Do ponto de vista epicureu, a prova de que é da natureza humana sempre agir com vistas ao prazer está no fato de que sempre fugimos da dor. Ora, como o ser humano foge da dor? O ser humano foge da dor buscando o seu antagonista, nesse caso, o prazer. Contudo, e isso Clemente ignora, Epicuro não é um cirenaico, ou seja, Epicuro não se limita à tese de que a fuga da dor se encontra apenas na fruição dos prazeres somáticos (D.L. II. 87). Para Epicuro, o télos humano é a ataraxia, a ausência de perturbações físicas e psíquicas, de modo que a fuga da dor não se dá exclusivamente por meio da fruição dos prazeres físicos, mas também por meio de um bom ânimo. Sobre esse ponto, o próprio Epicuro nos serve como exemplo.

Epicuro surge aqui como um exemplo tendo vista a sua condição de vida, a qual é relatada em uma carta por ele escrita e que está endereçada a um homem chamado Idomeneu. Eis as palavras de Epicuro: “As dores contínuas resultantes da estrangúria e da disenteria são tão fortes que nada pode aumentá-las. Minha alma (ψυχή), no entanto, resiste a todos esses males, alegre ao relembrar os nossos colóquios passados” (D.L. X. 22).6 Quer dizer: Epicuro enfrenta uma condição de dor física com a ‘alegria por relembrar dos seus encontros com Idomeneu’, ou seja, com um sentimento prazeroso que, por princípio, não se dá no âmbito do somático. Clemente, e a maioria dos Padres Apologistas, desconsidera esse aspecto da Filosofia epicurea. Ao proceder dessa forma, Clemente demonstra tomar Epicuro como um dos cirenaicos. Essa confusão promovida por Clemente é reforçada na medida em que ele acusa, tanto Epicuro, quanto Aristipo, de serem ambos “escravos do prazer”, dado que associam o fim do humano com a vida agradável, bem como o prazer como o seu “bem perfeito” (Clem. Al. Strom. II. XXI. 190, tradução nossa).

Sobre o segundo ponto referente à afirmação de Clemente (de que o prazer submete a vontade à concupiscência), temos certo acordo com a doutrina epicurea. Isso porque, Epicuro não discorda dessa afirmação de Clemente. Tanto é verdade que o próprio Epicuro assumiu como necessário, em relação à busca pela fruição do prazer, que o sábio epicureu proceda de modo a empregar a razão com vistas a evitar os excessos:

Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição […] De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem (Epicur. Ep. Men. 132).

Assim, e em síntese, o sábio epicureu é aquele que age de modo a ter em vista uma justa medida individual, marcada pela dor provocada pelo excesso ou falta do prazer. Dito isso, temos nesse segundo ponto, como fundamento da divergência de Clemente com Epicuro, a caracterização do prazer, pois: para Clemente, o prazer é um empecilho para a vida sã, pois conduz, por natureza, aos excessos; para Epicuro, na medida em que o prazer faz parte da natureza humana, o melhor a se fazer é acolhê-lo e ‘governá-lo’ a fim de nunca vir a se tornar dor, quer pelo excesso, quer pela falta.

A ideia de Clemente segundo a qual o prazer seria um empecilho para a vida sã se justifica pelo fato de ele assumir o prazer como um apetite contrário à razão. Essa ideia é cara a Clemente. Daí o porquê, em sua exposição dos fundamentos da prática religiosa cristã, Clemente se esforçar em evidenciar a necessidade de uma abstenção de tudo o que possa expandir o domínio das paixões. Desse modo, consta em sua lista a necessária abstenção, tanto dos “prazeres da carne”, quanto da “suavidade enlouquecedora da cama” e das demais “delícias que corrompem” (Clem. Al. Strom. II. XX. 189, tradução nossa).

Outro ponto curioso da fala de Clemente é o de que a lei divina coloca como base da virtude a egkráteia, ou seja, uma espécie de ‘freio’ proveniente dessa lei de Deus, a qual ordena que determinados tipos de carnes não devam ser consumidas.7 Essa lei divina (que oferece os meios necessários para que o homem tenha um domínio de si) impede a participação em “coisas como aquelas que são de natureza gorda, como a raça dos suínos, que é a mais carnuda” (Clem. Al. Strom. II. XX. 178, tradução nossa). O que nos chama a atenção é a relação traçada por Clemente a partir dessa lei oriunda da tradição judaica com a figura de Epicuro. Ao afirmar que a carne suína era adequada apenas às pessoas que se entregam aos prazeres da mesa, Clemente profere:

Eis porque se pretende, acerca de certo filósofo, que a etimologia da palavra porco (em grego ὗς) é thùs de thùsis (sacrifício), porque esse animal não é destinado a outro fim que não o de ser imolado em sacrifício (Clem. Al. Strom. II. 178, tradução nossa).8

Quando Clemente se refere “acerca de certo filósofo”, o leitor precisa ter em mente que a referência é justamente a Epicuro. Não é possível precisar o momento exato em que a relação entre Epicuro e o hábito dos porcos tornou-se senso-comum. A única fonte histórico-bibliográfica nesse sentido é Horácio (65 a.C. - 8 a.C.), em sua Epístolas, mais precisamente na epístola dedicada ao poeta romano Álbio Tibulo (aprox. 54 a.C. - 19 a.C.), na qual Horácio afirma: “Venha visitar-me quando quiser rir; a mim que estou gordo e tenho a pele bem cuidada, como o porco que sou do rebanho de Epicuro” (Hor. Epist. I. IV.15, tradução nossa). Contudo, aparentemente, a afirmação de Horácio não tem o intuito de desqualificar a Filosofia de Epicuro, tal como quer Clemente. Na verdade, a afirmação de Horácio se dá como quem afirma: sou um porco de Epicuro, pois, tal como propõe a sua Filosofia, minhas ações têm por princípio fundamental o prazer oriundo da supressão da dor que a carência de alimento proporciona. Aqui, a gordura causada pelo excesso de alimento constitui uma parte ‘a parte’ da ironia de Horácio, uma vez que ela parece representar o senso-comum romano (sobretudo dos patrícios) que, deturpando a Filosofia epicurea, usavam-na para justificar seus excessos alimentares.9

2. Da crítica e deturpação promovida por Justino

Inspirados por Apologistas como Clemente de Alexandria, os chamados Padres da Igreja Latinos também se esforçaram no sentido de desqualificar a Filosofia epicurea por meio da caricatura. Dentre esses Padres, e em primeiro lugar, temos Justino em sua Apologia. Nessa obra, ao afirmar que tudo o que acontece na vida humana se dá em decorrência das suas próprias atitudes, e não em razão do Destino, Justino faz a seguinte consideração:

Também não dizemos que os homens agem ou sofrem por necessidade do destino, mas que cada um age bem ou peca por sua livre determinação. Acrescentamos ainda que, por obra dos perversos demônios, homens bons, como Sócrates e outros semelhantes, foram perseguidos e aprisionados, e, ao contrário, Sardanápalo, Epicuro e outros de sua laia viveram, ao que parece, na abundância, glória e felicidade (Justin. Apol. 2. VII. 3, grifo nosso).

Dessa passagem, destacamos aqui a pretendida relação de convergência que Justino estabelece entre Epicuro e Sardanápalo, pois ela não é feita por acaso.

Sardanápalo é comumente referido como se tratando de um rei assírio (supostamente o último) do século VII a.C., tal como sugere Eusébio de Cesareia (Euseb. Chron. I. 15. g. 78; 86. g. 321). No entanto, essas e outras informações acerca de Sardanápalo não são aceitas por especialistas sem alguma contestação. Isso porque, todas as informações referentes a esse rei assírio (período no qual governou, origem familiar e até mesmo o seu nome) são imprecisas. Tal imprecisão se deve em grande parte em razão de a fonte primária dessas informações ser Ctésias de Cnido (IV a.C.), historiador, médico e um “mentiroso”, segundo Luciano de Samósata (125 d.C. - aproximadamente 180 d.C.) em sua Das Narrativas Verdadeiras (Luc. VH. 1. 3; 2. 32). De fato, Ctésias não gozou de grande confiança entre os antigos, ainda que as suas obras tenham sido usadas posteriormente como fonte histórica.10 Dentre essas obras está a Persiká: composta por vinte e três Livros, ela versa sobre a história do povo persa, começando pelos assírios e babilônios. É nessa obra que Sardanápalo aparece pela primeira vez.

Infelizmente, a Persiká de Ctésias não sobreviveu ao tempo, de modo que o acesso ao seu conteúdo se dá apenas por meio de fragmentos ou referências indiretas. Esse é o caso da Bibliothecae Historicae, do historiador grego Diodoro Sículo (90 a.C. - 30 a.C.), pois é “[…] conforme o relato de Ctésias de Cnido” que ele constrói boa parte do segundo Livro dessa obra (Diod. Sic. 2. II, tradução nossa). Nesse segundo Livro da Bibliothecae Historicae, ao se referir a Sardanápalo, Diodoro faz uma série de afirmações que acabam por explicar (senão justificar) a pretendida associação proposta por Justino entre o rei assírio e Epicuro. Tais afirmações são as seguintes:

Sardanápalo […] superou todos os seus antecessores em luxúria e languidez. […] ele viveu a vida de uma mulher e passou seus dias na companhia de suas concubinas. […] ele assumiu o traje feminino e, por cobrir seu rosto e todo o seu corpo com cosméticos clareadores e unguentos usados pelas cortesãs, ele se tornou mais delicado do que qualquer mulher amante do luxo. […]. Além disso, ele se esforçou para dar à sua voz um tom feminino, e se rendeu sem reservas, não apenas ao prazer que a comida e a bebida podem proporcionar, mas também ao prazer do amor dos dois sexos, abusando sem pudor de um e de outro […] (Diod. Sic. 2. XXIII, tradução nossa).

Ou seja, é o hedonismo caricato de Sardanápalo que justifica (do ponto de vista de Justino) a sua associação com Epicuro. Aliás, acerca dessa conduta hedonista de Sardanápalo, Diodoro ainda faz menção a uma espécie de “canto fúnebre” escrito por esse rei no intuito de ser entalhado em seu túmulo. Nesse “canto”, Sardanápalo exalta o modo de vida hedonista, e o justifica a partir da ideia de que é no prazer somático (oriundo das comidas e bebidas agradáveis) que está a felicidade (Diod. Sic. 2. XXIII).

Da mesma forma que Sardanápalo teria encontrado a felicidade nos banquetes, ele também encontrou o fim do seu Império. O fim do seu reinado é narrado da seguinte forma por Diodoro: Belesys, um sacerdote e general da Babilônia, ao se encontrar com o seu amigo e então general do Império Medo (noroeste do atual Irã) Arbaces (ou Arbaku), o incitou a liderar um ataque contra o Império Assírio a fim de depor Sardanápalo. Belesys teria justificado tal conluio com base em uma de suas premonições (pois era versado em astrologia e adivinhação), a saber, que Arbaces estava destinado a reinar sobre todo o território ocupado por Sardanápalo. Convencido pelos dons premonitórios de Belesys, Arbaces estabelece então uma aliança entre medos, persas e babilônios, porém, não sem antes conhecer o rei assírio pessoalmente:

Ele [Arbaces] também estava decidido a ver o rei [Sardanápalo] face a face e observar o seu modo de vida. Assim, ele entregou a um dos eunucos uma taça de ouro a fim de ser admitido por Sardanápalo; e quando ele observou de perto tanto a sua luxúria quanto o seu amor por atividades e práticas efeminadas, ele desprezou o rei como não merecedor de consideração e foi levado a se apegar ainda mais às esperanças que lhe havia sido dada pelo caldeu [Belesys] (Diod. Sic. 2. XXIV, tradução nossa).11

Todavia, a empresa dessa aliança conspiratória não colhe bons frutos de início. Por três vezes os conspiradores sucumbiram frente ao forte exército assírio, de modo que Sardanápalo: “[…] extasiado com os seus sucessos passados, voltou-se para a indulgência e se retirou com os seus soldados para um banquete de animais, grandes quantidades de vinhos e todas as outras provisões” (Diod. Sic. 2. XXVI, tradução nossa).

Embriagados e traídos pelo exército de Báctria (hoje parte integrante do Afeganistão), os soldados de Sardanápalo são assassinados por Arbaces durante a noite. Esse feito obriga o rei assírio a se refugiar na capital Nínive, onde fica encerrado e sob ataque dos conspiradores por dois anos:

[…] mas no terceiro ano, depois de chuvas pesadas e contínuas, aconteceu que o [rio] Eufrates, correndo muito cheio, inundou uma parte da cidade e derrubou as muralhas por uma distância de vinte estádios. Com isso, o rei […] abandonou a esperança de se salvar. E para que ele não caísse nas mãos do inimigo, ele construiu uma enorme pira em seu palácio, amontoou sobre ele todo o seu ouro e prata, bem como cada artigo do guarda-roupa real, e então, fechando suas concubinas e eunucos no aposento que havia sido construído no meio da pira, ele mandou tanto eles quanto ele e o seu palácio para as chamas. Os rebeldes, ao saberem da morte de Sardanápalo, tomaram a cidade forçando uma entrada onde o muro havia caído, e vestiram Arbaces na vestimenta real, saudando-o como rei e colocando em suas mãos a autoridade suprema (Diod. Sic. 2. XXVII, tradução nossa).

Dessa descrição acerca dos últimos momentos da vida de Sardanápalo, chamamos a atenção para o empenho do rei assírio em levar consigo para a pira o ouro, a prata, as roupas ‘reais’, os eunucos, as concubinas, ou seja, tudo aquilo que, embora um dia lhe tenha proporcionado prazer (felicidade), surge agora como a causa da sua ruína. É importante observar esse último gesto de Sardanápalo por dois motivos: primeiro, porque dele temos a pretendida evidenciação de que a vida hedonista não resulta senão na autodestruição do hedonista; segundo, porque ele ‘coroa’ a narrativa acerca da vida libertina de Sardanápalo, narrativa essa que fez dele o retrato caricato do hedonismo grego e, posteriormente, a ‘referência’ para os adversários das Filosofias cirenaica e epicurea elaborarem as suas críticas - como é o caso de Justino. No entanto, ao contrário do que pretende Justino, dos pressupostos cirenaicos, bem como dos pressupostos epicureus, não decorre qualquer tipo de defesa pela libertinagem sustentada por Sardanápalo.12

Aristipo e Epicuro não assumiram o prazer como o início e o fim de uma vida feliz a fim de justificarem um comportamento libertino, mas sim, por outro motivo, a saber, por entenderem que o prazer é o que há de mais elementar na natureza humana. Epicuro deixa isso claro em sua Carta a Meneceu, mais precisamente quando afirma que identifica o prazer como “[…] o bem primeiro e inerente ao ser humano […]” e como a razão pela qual “[…] toda escolha e toda recusa […]” é feita (Epicur. Ep. Men. 129). Já em relação a Aristipo, temos o seguinte relato do doxógrafo grego Diógenes Laércio (III d.C.):

A prova [para os cirenaicos] de que o prazer é o bem supremo está no fato de desde a infância sermos atraídos instintivamente para o prazer e, quando o obtemos, nada mais procurarmos, e evitarmos tanto quanto possível o seu oposto, a dor (D.L. II. 88).

Com efeito, podemos afirmar que, distantes da caricatura promovida pelos Padres Apologistas, o que Aristipo e Epicuro fizeram foi promover (cada um à sua maneira) uma Filosofia hedonista que visava a edificação do humano, e não a sua destruição.

Tal como já mencionado anteriormente (1), Aristipo e Epicuro divergem quanto ao tipo de prazer assumido como télos humano. O fundamento dessa divergência está no fato de que, para os cirenaicos, o prazer, por definição, consiste em um movimento, enquanto que, para os epicureus, a ausência de dor também é admitida como uma sensação prazerosa. Trata-se aqui da divergência entre o prazer cinético (hedoné en kinései), defendido pelos cirenaicos, e o prazer catastemático, defendido pelos epicureus, e que Diógenes Laércio nos apresenta da seguinte forma:

A remoção da dor, entretanto, defendida por Epicuro, parece-lhes [aos cirenaicos] que não é um prazer, nem tampouco a ausência de prazer é dor. Com efeito, prazer e dor são movimentos […]. Os cirenaicos chamaram a ausência de prazer e a ausência de dor de condições intermediárias (D.L. II. 89-90).

Quer dizer, Epicuro diverge em um ponto central da Filosofia hedonista de Aristipo, de modo que não é possível fazê-los coincidir. Nesse sentido, essa divergência entre o Epicurismo e o Cirenaismo torna insustentável todas as sucessivas tentativas dos Padres Apologistas em equiparar essas duas mentalidades. Esclarecido esse ponto, passemos agora ao último tópico (3) da nossa análise.

3. Da crítica e deturpação promovida por Ambrósio e Jerônimo

Outros dois Padres Apologistas que trataram de promover em seus escritos a caricatura do epicureu devasso foram Ambrósio e Jerônimo. O interessante na abordagem caricatural desses dois Padres é o fato de que ela se dá tendo em vista o mesmo ‘alvo’, a saber, um monge chamado Joviniano sobre o qual pouca coisa se sabe, a começar pela data do seu nascimento e da sua morte.13 A situação agrava-se ainda mais quando consideramos que, a respeito dos seus pressupostos, as únicas fontes de pesquisa disponíveis são justamente os seus adversários, nesse caso, Ambrósio, Jerônimo e o então Papa Sirício (334 d.C. - 399 d.C.).

Joviniano foi acusado de ser o mentor de um grupo de monges que se opuseram a determinados fundamentos do Catolicismo, e isso lhe rendeu, em 390 d.C., a excomunhão. Os pontos de divergência de Joviniano para com a Igreja são apresentados por Jerônimo da seguinte forma:

Ele [Joviniano] diz que “virgens, viúvas e mulheres casadas, que uma vez que passaram pela pia de Cristo, se estão em pé de igualdade em outros aspectos, são de igual mérito”. Ele se esforça para mostrar que “aqueles que com plena certeza de fé nasceram de novo no batismo, não podem ser derrotados pelo Diabo”. Seu terceiro ponto é “que não há diferença entre abstinência de comida e a sua recepção com ação de graças”. O quarto e último é “que há uma recompensa no reino dos céus para todos os que guardaram seu voto batismal” (Jer. Adv. Iovinian. I. 3, tradução nossa).

Dessa apresentação dos pressupostos de Joviniano, chamamos a atenção para dois pontos em específico, sendo o primeiro deles o fato de Jerônimo se referir aos pressupostos de Joviniano em forma de citação. Isso se dá em razão da fonte bibliográfica da qual Jerônimo dispunha: uma obra do próprio Joviniano que lhe foi enviada pelo senador Pamáquio de Roma (340 d.C - 409 d.C.). É certo que, após a excomunhão de Joviniano, padres como Jerônimo logo se encarregaram da proibição e destruição da obra desse monge, deixando como ‘herança’ apenas o seu o ponto de vista acerca dos argumentos de Joviniano. Aliás, o mais provável é que, junto com a excomunhão, Joviniano também tenha sido condenado à morte - o que não seria novidade alguma, dado o histórico que essa religião detém no que se refere ao desenvolvimento de terríveis, e até mesmo engenhosos, instrumentos de tortura e assassinato.14 A plausibilidade dessa sentença é retirada de uma carta escrita por Jerônimo no ano de 409 d.C., ou seja, dezenove anos após a excomunhão de Joviniano.

A carta em questão dirige-se a Vigilâncio (370 d.C. - 400 d.C.), um padre cuja vida foi marcada pelo desafeto que cultivou contra Jerônimo.15 Nessa carta, ao buscar associar Vigilâncio a Joviniano, Jerônimo afirma que o monge Joviniano estava morto - o que, aliás, ‘justificaria’ a sua reencarnação em Vigilâncio -, e que ele “expirou” “em meio a faisões e carne de porco”, tal como alguém que é surpreendido pelos seus perseguidores. Eis a passagem a qual nos referimos:

E como Euforbo é dito ter nascido de novo na pessoa de Pitágoras, também neste sujeito [Vigilâncio] a mente corrupta de Joviniano surgiu; de modo que nele, não menos do que em seu antecessor, somos obrigados a encontrar as armadilhas do Diabo. As palavras podem ser justamente aplicadas a ele: “Semente dos malfeitores, prepara teus filhos para o massacre por causa dos pecados de teu pai”. Joviniano, condenado pela autoridade da Igreja de Roma, em meio a faisões e carne de porco, expirou, ou melhor, arrotou seu espírito. E agora este taberneiro de Calahorra, que, de acordo com o nome de sua aldeia natal, é um Quintiliano, apenas mudo em vez de eloquente, está misturando água com o vinho (Jer. Adv. Vigilantium. §1, tradução e grifo nosso).16

Já de acordo com Henry Charles Lea (1907), em sua obra History of Sacerdotal Celibacy in the Christian Church, Joviniano não foi assassinado, mas sim punido de maneira exemplar:

Joviniano foi flagelado com uma tanga de chumbo e exilado na Ilha de Bua, na costa da Dalmácia, enquanto seus seguidores foram caçados, deportados e espalhados entre as ilhas selvagens do Adriático (LEA, 1907, p. 70, tradução nossa).

O segundo ponto a ser destacado da passagem da obra de Jerônimo diz respeito ao conteúdo do terceiro pressuposto de Joviniano: “Seu terceiro ponto é “que não há diferença entre abstinência de comida e a sua recepção com ação de graças” (Jer. Adv. Iovinian. I. 3, tradução nossa). Nosso interesse por esse pressuposto se justifica pelo fato de ele ser o motivo pelo qual Joviniano e seus seguidores foram acusados de libertinos e, consequentemente, de epicuristas. Do ponto de vista de Jerônimo, compartilhado por Ambrósio e Sirício, quando Joviniano afirma que “[…] não há diferença entre abstinência de comida e a sua recepção com ação de graças” (Jer. Adv. Iovinian. I. 3, tradução nossa), esse monge coloca em questão uma das principais práticas de purificação física e espiritual da cristandade, a saber, o jejum. Isso significa, ainda do ponto de vista de Jerônimo, que Joviniano prefere a comida à salvação e, por esse motivo, se assemelha em muito aos “voluptuosos” Aristipo e Epicuro (Jer. Adv. Iovinian. I. 4, tradução nossa), motivo pelo qual ele é caracterizado por Jerônimo como sendo o “Epicuro do Cristianismo” (Jer. Adv. Iovinian. I. 1, tradução nossa).

Foi por defender pressupostos que contestavam a ‘utilidade’ do jejum (Ep. Siricii. 1), bem como o mérito da mulher virgem batizada em relação à mulher casada batizada (Ep. Siricii. 5), que Joviniano e seus seguidores foram excomungados pelo Papa Sirício.17 É curioso observar na carta de Sirício endereçada à Igreja de Milão, a qual comunica Ambrósio da decisão tomada em Roma, que por se tratar de um monge, ou seja, de alguém inserido na comunidade cristã, Joviniano surge como o próprio “lobo na pele do cordeiro” (Ep. Siricii. 3), em uma clara referência ao Evangelho do Apóstolo Mateus (Mt 7:15-20). Sirício procede dessa forma pelo seguinte motivo:

Porque, enquanto outros hereges, não compreendendo pontos específicos [da doutrina], se propuseram a se afastar e se abstrair do sistema Divino de ensino, estes homens [Joviniano e seus seguidores] […] feriram os católicos, pervertendo, como eu disse, a continuidade do Novo e do Antigo Testamento, e interpretando-o com um espírito diabólico, tendo por seus argumentos sedutores e falsos já começado a arruinar alguns cristãos […] (Ep. Siricii. 4, tradução nossa).

Em vista desse comportamento de Joviniano, Sirício não apenas justifica a excomunhão do monge e dos seus seguidores (Ep. Siricii. 6-7), mas também pede para que Ambrósio e os bispos do Norte da Itália o apoiem nessa decisão.

A resposta positiva de Ambrósio ao pedido do Papa Sirício é acompanhada, tanto de uma forte defesa em prol da virgindade feminina (Ambr. Ep. XLII. 3), quanto de duras críticas à suposta vida de luxúria que pessoas como Joviniano e seu seguidores supostamente desfrutavam (Ambr. Ep. XLII. 9-10). Contudo, a crítica mais ferrenha de Ambrósio (e interessante para o nosso estudo) encontra-se em uma carta sua endereçada à Igreja de Vercelli (Itália). Ambrósio é ‘motivado’ a escrever essa carta por dois motivos intrinsecamente relacionados: (i) pelo fato de a Igreja de Vercelli estar na iminência da eleição de um novo bispo; (ii) porque havia dois discípulos de Joviniano (Sarmatio e Barbatianus) que estavam pregando contra o ascetismo cristão e, dessa forma, dividindo a comunidade religiosa de Vercelli. Com vistas a esses dois fatores, Ambrósio argumenta no sentido de evidenciar a importância dos ensinamentos de Jesus, dos benefícios advindos do jejum e da vida virginal. Tudo isso ele contrapõe aos malefícios do erotismo e da gula, esforçando-se, desse modo, para que os responsáveis pela eleição do novo bispo não fossem enganados pelos dois seguidores de Joviniano. Nas palavras de Ambrósio:

Tornai-vos, pois, dignos de que Cristo esteja no meio de vós. Pois, onde quer que haja paz há Cristo, porque Cristo é paz. Onde quer que haja justiça há Cristo, porque Cristo é justiça […] Deixe que Ele [Jesus] se posicione por você como um defensor, como o bom Pastor, que os lobos cruéis não poderão te atacar (Ambr. Ep. LXIII. 4; 6, tradução nossa).

O fato de Ambrósio se referir aos discípulos de Joviniano como “lobos” nos indica que essa carta foi escrita após a sua troca de correspondência (mencionada anteriormente) com o Papa Sirício. Aqui, tal como feito por Sirício, a figura do lobo (na pele de cordeiro) surge para evidenciar a dissimulação dos discípulos de Joviniano, os quais, fingindo ser cristãos, defendem pressupostos que vão contra os ensinamentos, por exemplo, do apóstolo Paulo:

[…] ouvi dizer que Sarmatio e Barbatianus vieram para o meio de vós, vãos fanfarrões, que afirmam que não há mérito na abstinência, que não há graça na vida austera, nem na virgindade […], que aqueles que castigam a sua carne estão fora de si. Mas se o apóstolo Paulo achasse uma loucura, ele mesmo não teria feito, e nem teria escrito isso para instruir a outros (Ambr. Ep. LXIII. 7, tradução nossa).

E, logo na sequência, Ambrósio complementa:

Pois existe algo tão reprovável quanto o que nos excita ao luxo, à corrupção, à devassidão, como o incentivo à luxúria, o que seduz ao prazer, o combustível da incontinência, a chama do desejo? Qual nova escola enviou esses epicuristas? Nenhuma escola de filósofos, como eles afirmam, mas de homens ignorantes e que são senhores do prazer, que persuadem ao luxo, que consideram a castidade inútil. Eles estavam conosco, mas não eram dos nossos, pois nos envergonhamos de não dizer o que o apóstolo João disse (Ambr. Ep. LXIII. 8, tradução nossa).18

A partir dessas duas citações, cabe aqui chamar a atenção para a forma como Ambrósio constrói o seu argumento com vistas à caracterização dos seguidores de Joviniano enquanto “senhores do prazer”, pois “persuadem ao luxo” e “consideram a castidade inútil” (Ambr. Ep. LXIII. 8, tradução nossa). Tal construção se dá, em um primeiro momento, a partir da negação desses monges quanto a necessidade do jejum, afirmando, segundo Ambrósio, que não há “graça [divina] na vida austera” (Ambr. Ep. LXIII. 7, tradução nossa).

Fundamentalmente, o raciocínio de Ambrósio para desqualificar esses monges é o mesmo raciocínio utilizado por todos os outros Apologistas que criticaram a Filosofia de Epicuro, qual seja, se alguém se opõe à ideia de vida austera cristã, esse alguém é necessariamente um devasso. Contudo, Ambrósio se diferencia dos demais Apologistas na medida em que evidencia uma diferença entre ser um epicurista e ser um ‘senhor do prazer’, ou seja, um libertino. Essa diferenciação é acentuada com a seguinte afirmação feita por Ambrósio - ainda que nela exista alguma inverdade:

Até o próprio Epicuro, cujo exemplo esses homens [Joviniano e seus seguidores] preferem aos apóstolos, ele, o campeão do prazer, enquanto nega que o prazer produz o mal, não nega, todavia, que certas consequências fluam do prazer, das quais os males são gerados: ele sustenta também que nem mesmo a vida do licencioso, que é preenchida com esse tipo de prazer, pode ser considerada objetável, a menos que seja assaltada pelo medo da dor ou da morte (Ambr. Ep. LXIII. 13, tradução nossa).

Ambrósio está correto em sua primeira afirmação acerca dos pressupostos de Epicuro, pois, de fato, para Epicuro, o prazer (ele mesmo) não produz mal algum: é o modo como nos dispomos em relação ao prazer que irá determinar se ele será benéfico ou não. Isso pode ser constatado, por exemplo, na seguinte afirmação feita por Epicuro: “Nenhum prazer é em si mesmo um mal; mas aquilo que produz alguns deles provoca perturbações maiores do que os prazeres” (Epicur. Sent. Vat. 50).19 Nesse sentido, pode-se afirmar que Ambrósio conhecia a Filosofia de Epicuro, fosse por meio dos seus próprios textos, fosse pela tradição fiel ao seu pensamento, visto que Ambrósio se mostra capaz de julgar o que é e o que não é compatível com os pressupostos genuínos de Epicuro.

Ora, se Ambrósio conhecia os fundamentos da doutrina epicurea, cabe questionar o motivo pelo qual ele também afirma que, para Epicuro: “[…] nem mesmo a vida do licencioso, que é preenchida com esse tipo de prazer, pode ser considerada objetável, a menos que seja assaltada pelo medo da dor ou da morte” (Ambr. Ep. LXIII. 13, tradução e grifo nosso). Esse tipo de concessão para a fruição de uma vida intemperante não faz parte da Filosofia epicurea - ao menos segundo os textos remanescentes. Na verdade, é pouquíssimo provável que houvesse qualquer tipo de registro genuinamente epicureu no qual fosse possível encontrar esse tipo de raciocínio, pois ele vai contra o próprio ideal de vida feliz (sábia) sustentado por Epicuro. Desse modo, do ponto de vista filosófico, fica por explicar qual seria o fundamento do equívoco de Ambrósio. Já do ponto de vista religioso, esse tipo de deturpação faz algum sentido, tendo em vista que o intuito de Ambrósio, como o dos demais Apologistas, é justamente sobrepor a sua religião à Filosofia. Um bom exemplo disso é a passagem na qual Ambrósio, contestando o status que o prazer ocupava na Filosofia epicurea, afirma que o prazer é mal, uma vez que a “Sagrada Escritura”:

[…] nos ensina que o prazer foi instilado em Adão e Eva pelas armadilhas e tentações da Serpente. Pois a própria Serpente é prazer e, de acordo com isso, as paixões são diversas e escorregadias, e contaminadas pelo veneno […] (Ambr. Ep. LXIII. 14, tradução nossa).

Outro bom exemplo, no que diz respeito à deturpação da Filosofia epicurea em prol da edificação da religião cristã, é a obra Adversus Jovinianum, do já referido Jerônimo. Nessa obra, Jerônimo também demonstra um claro conhecimento acerca dos textos de Epicuro. Isso pode ser constatado na seguinte passagem:

E, por estranho que pareça, Epicuro, o defensor do prazer, em todos os seus livros só fala de vegetais e frutas; e ele diz que devemos viver de comida barata, porque a preparação de suntuosos banquetes de carne envolve grande cuidado e sofrimento, e dores maiores acompanham a busca por tais iguarias do que os prazeres provenientes do seu consumo. Nossos corpos precisam apenas de algo para comer e para beber. Onde há pão e água, e coisas semelhantes, a natureza está satisfeita. O que quer que mais possa haver, não vai ao encontro das necessidades da vida, mas sim, contribuem para o vicioso prazer. Comer e beber não sacia o desejo pelo fausto, mas apazigua a fome e a sede (Jer. Adv. Iovinian. II. 11, tradução nossa).

Essa passagem da Adversus Jovinianum está de acordo com boa parte do que é proposto por Epicuro em sua Carta a Meneceu. Por exemplo, a afirmação de que, para Epicuro: “Onde há pão e água, e coisas semelhantes, a natureza está satisfeita” (Jer. Adv. Iovinian. II. 11, tradução nossa) tem certamente a Carta a Meneceu como referência, mais precisamente a seguinte passagem dessa Carta: “[…] pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita” (Epicur. Ep. Men. 131). Assim, é por esse motivo que concluímos no presente trabalho que, de fato, para esses Apologistas (também chamados de ‘primeiros filósofos da cristandade’), pouco importava o real sentido de Filosofias como a epicurea e a cirenaica. Em prol do seu intento, tais ‘filósofos’ se detiveram às caricaturas (as alimentando cada vez mais por meio da repetição) e, se esforçando para extirpar qualquer projeto de edificação da vida humana que não estivesse alinhado ao seu modo de pensar, eles fizeram de Epicuro e de Aristipo os contraexemplos de vida sã, ou ainda, de vida feliz.

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo apresentar as críticas e as deturpações promovidas pelos Padres Apologistas acerca da Filosofia de Epicuro, mais especificamente as críticas e as deturpações relativas ao hedonismo epicureu. Com vistas a esse objetivo, nossa análise foi elaborada no sentido de primeiro apresentar as críticas dos Apologistas, depois apresentar os fundamentos da Filosofia epicurea. Optamos por esse caminho no intuito de tornar evidente a contradição entre aquilo que cada um dos Apologistas afirmou sobre a Filosofia de Epicuro e o que, de fato, Epicuro formulou como pressuposto filosófico.

Para além do constante esforço em evidenciar qualquer aspecto libertino na Filosofia de Epicuro, no presente artigo constatamos certa insistência desses Apologistas em assimilar (de forma caricatural) Epicuro a Aristipo. Contudo, tal como esclarecemos no tópico 2, essa assimilação é totalmente descabida - pelo menos da forma como é pretendida pelos Apologistas. De fato, tal como Aristipo, Epicuro assumiu o prazer somático como o início e o fim de uma vida feliz. Ambos procederam dessa forma simplesmente por entenderem que o prazer é o que há de mais elementar na natureza humana. No entanto, ao contrário de Aristipo, Epicuro não só admitiu que a ausência de dor corresponderia a uma sensação prazerosa (o prazer catastemático), como também defendeu que era esse o tipo de prazer que deveria ser almejado por quem desejasse ser verdadeiramente feliz e sábio.

Ao percorrermos as obras dos Padres Apologistas aqui analisados, constatamos que a recepção cristã do hedonismo epicureu é eivada pelo preconceito e pela mentira. Spinelli constata algo semelhante em sua obra Helenização e recriação de sentidos, mais especificamente ao analisar as considerações de Clemente sobre a mentalidade epicurea:

A crítica que Clemente faz ao hedonismo se dirige particularmente a Epicuro e aos epicureus, mas ela é fruto de puro equívoco já consolidado em sua época. Na medida em que lemos o que efetivamente Epicuro escreveu observamos que o seu viver e as suas proposições foram movidas por uma profunda consciência de sabedoria existencial, e também de sobriedade e de moderação. A frugalidade e o prazer a que se refere Clemente nada tem a ver com a mentalidade de Epicuro, ao contrário, diz respeito a uma ética da privação e da austera erradicação promovida por alguns dos doutrinadores cristãos que se deixaram perturbar pela neurose do prazer. Perante o conceito de prazer (da hêdonê), encontramos bem mais perturbação e construção cultural que reflexão. Mesmo admitindo o prazer como um item do modo de ser da natureza humana, boa parte dos doutrinadores, em particular Clemente, propõe a insana necessidade de extirpá-lo e não de entendê-lo e de vivenciá-lo (SPINELLI, 2015, p. 261).

Das constatações de Spinelli, chamamos a atenção para dois pontos. O primeiro diz respeito à própria promoção e consolidação da caricatura do ‘epicureu devasso’. O segundo ponto se refere ao pressuposto cristão segundo o qual o prazer deveria ser extirpado.

Sobre o primeiro ponto, trata-se da assimilação caricata do epicureu e os excessos, sobretudo alimentares, a qual nos referimos no tópico 1 do presente artigo. Alinhado com o que afirmamos nesse tópico, Spinelli também sentencia que, em Roma, a “doutrina da frugalidade” de Epicuro “[…] se pôs a serviço, entre os patrícios romanos, da justificação do fausto, do excesso e da permissividade” (SPINELLI, 2015, p. 329). Aliás, para Spinelli, quando Justino afirma (como citamos no tópico 2) que “[…] Epicuro e outros de sua laia viveram, ao que parece, na abundância, glória e felicidade” (Justin. Apol. 2. VII. 3), isso “[…] reflete a fama dos epicureus de seu tempo […]”, a qual “[…] já não condizia com o viver de Epicuro individualmente, e sim com a imagem que dele fizeram […]” (SPINELLI, 2015, p. 211).

Quanto ao segundo ponto, ou seja, quanto à defesa dos Apologistas em prol da extirpação do prazer, a discussão aqui gira em torno da divergência entre eles e os epicureus acerca das suas respectivas formas de se conceber a natureza humana. Para os epicureus, como bem assinalou Spinelli, o prazer:

[…] carece forçosamente de controle, de moderação, mas jamais de erradicação, porque tal corresponderia a eliminar, em nós, nossa própria natureza, desvirtuar o nosso próprio ser e, com ele, a possibilidade da edificação virtuosa humana (SPINELLI, 2015, p. 262).

Já do ponto de vista dos Apologistas, o prazer deve ser extirpado, ainda que seja admitido como “um item do modo de ser da natureza humana” (SPINELLI, 2015, p. 261). Spinelli tem razão ao fazer essa afirmação sobre os Padres Apologistas no que se refere ao prazer, pois, de fato, não há nos seus escritos (nos de Clemente, de Justino, etc.) qualquer negação do prazer enquanto “modo de ser da natureza humana”, embora a “insana necessidade de extirpá-lo” esteja sempre presente. Um bom exemplo disso é a seguinte passagem (citada no tópico 3) da Epístola de Ambrósio:

Pois existe algo tão reprovável quanto o que nos excita ao luxo, à corrupção, à devassidão, como o incentivo à luxúria, o que seduz ao prazer, o combustível da incontinência, a chama do desejo? (Ambr. Ep. LXIII. 8, tradução nossa).

Definitivamente, o lugar que o prazer ocupa no Cristianismo é problemático. Admitido como inerente à própria natureza humana, o prazer é, no entanto, proibido pelos Apologistas, pois fruí-lo significa incorrer em contravenção ao ideal de vida cristã que, por sua vez, é assumido como o ‘verdadeiro’ fim humano. Em nome desse confuso pressuposto religioso (travestido de uma pretensa ‘argumentação filosófica cristã’), os Padres Apologistas se dedicaram a extirpar da vida humana não apenas o prazer, mas também as Filosofias e os filósofos hedonistas, além, é claro, dos simpatizantes religiosos dessas Filosofias (como foi o caso de Joviniano).

Entre as Filosofias e os filósofos hedonistas combatidos pelos Apologistas estavam o Epicurismo e os epicureus. Contudo, sempre houve quem defendesse os pressupostos genuínos de Epicuro. Em Roma, por exemplo, tivemos Tito Lucrécio Caro (97 a.C. - 54 a.C.), um poeta epicureu que se dedicou no sentido de apresentar os reais fundamentos da Filosofia de Epicuro. Lucrécio fez isso ao escrever a célebre obra De rerum natura. Mais tarde, em Enoanda (região da Turquia), tivemos Diógenes (conhecido como ‘Diógenes de Enoanda’) (II d.C.). Esse homem encomendou uma fidedigna inscrição dos ensinamentos de Epicuro em muro de aproximadamente noventa metros de largura e três metros de altura.20 Aliás, fidedigna também é a doxografia de Diógenes Laércio (III d.C.) sobre o Epicurismo, a qual pode ser consultada no Livro X da sua obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Enfim, felizmente sempre tivemos na História quem assumisse a responsabilidade de manter viva a chama do exercício libertador que é a investigação filosófica, mesmo em tempos de profundo obscurantismo. Para a nossa sorte, com o Epicurismo não foi diferente.

Referências

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1A título de informação, vale mencionar o fato de que dispomos de uma tradução brasileira do Livro I da Hipotiposes Pirrônicas de Sexto Empírico. Trata-se de uma tradução feita por Danilo Marcondes (1997) disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/130.

2Miscelânea é o nome dado a um emaranhado de coisas, nesse caso, a uma reunião de textos literários variados. A sugestão dessa tradução (Stromateis por Miscelâneas) retiramos da obra Filósofos pré-socráticos (1998), de autoria de Spinelli (SPINELLI, 1998, p. 95, nota 193). Em edição mais recente (2012), o leitor encontrará essa mesma sugestão proposta por Spinelli na seguinte passagem (SPINELLI, 2012, p. 84, nota 199).

3A referência aqui é, em parte, à fala de Paulo aos atenienses (At. 17. 18).

4Isso ocorre em outros momentos da Miscelâneas. (Clem. Al. Strom. I. I. 1; VI. VIII. 509).

5Sobre essa questão, cabem as seguintes considerações de Spinelli: “O que leva os indivíduos, por exemplo, a se alimentar? O prazer (não há necessidade de inferir, basta constatar que é o prazer da alimentação que move o desejo da sobrevivência). O mesmo se dá em relação ao ato da procriação, pela qual se preserva a espécie etc.” (SPINELLI, 2009, p. 78).

6A estrangúria, vale explicitar, trata-se de uma inflamação vesical que provoca uma eliminação lenta e dolorosa da urina.

7No que diz respeito à obra de Clemente, a egkráteia, enquanto uma abstenção dos prazeres, encontra-se traduzida na edição francesa (1839) sob os termos da continência (continence). Ideia semelhante está expressa na tradução em inglês (1867), posto que William Wilson se refere a esse conceito como expressão de um autodomínio (self-restraint). Para além das questões relativas às traduções, é importante ter claro aqui que a egkráteia, tal qual Clemente faz uso, foi retirada, na verdade, daquilo que a mentalidade estoica absorveu da linguagem socrática. De acordo com Miguel Spinelli (2015): “Clemente, quanto à egkráteia, dela se valeu a partir do contexto da doutrina e mentalidade estoica, dentro da qual a egkráteia expressava continência, constrição, e era tida como uma sômatos yperopsía, isto é, como um desprezo do corpo. Ela adquiriu, entre os estoicos, este significado em contraposto a Sócrates e por força, sobretudo, do ascetismo de Zenão” (SPINELLI, 2015, p. 193). Dada a abrangência e a complexidade do tema, deixamos aqui sugerido o estudo realizado pelo professor Spinelli quanto à herança estoica (epicurea, platônica e aristotélica) no pensamento de Clemente sob outros diversos pontos. (SPINELLI, 2015, p. 239-486).

8Na edição de 1867, encontramos essa passagem traduzida da seguinte forma: “Por conseguinte, é dito que um dos filósofos, dando a etimologia da palavra ὗς (porco), disse que era θύς, como sendo apto apenas para abate (θύσιν) e morte”.

9Um bom exemplo aqui é o antigo hábito romano, não tão nobre, evidentemente, de vomitar durante suas reuniões à mesa. Cícero faz alusão a tal hábito referindo-se ao próprio Júlio Cesar. (Cic. Deiot. 21).

10A História Universal (Chronicon, em latim, e Pantodapè istoria, em grego), de Eusébio, é um bom exemplo disso, visto Ctésias ser frequentemente citado nessa obra.

11A Caldeia foi uma nação semítica que existiu entre o final do século X a.C., e meados do século VI a.C., sendo posteriormente absorvida e assimilada à Babilônia (ROUX, 1992, p. 373ss). Daí a referência ao general babilônio Belesys como caldeu.

12Cf.: (Epicur. Ep. Men. 131-132); (URSTAD, 2008, p. 41-55).

13Conjectura-se que Joviniano tenha vivido entre 340 a 400 d.C.

14A chamada “Santa Inquisição”, ocorrida no século XIII, não nos deixa mentir.

15Sobre a vida de Vigilâncio e sua briga com Jerônimo, o leitor pode conferir a obra de William Stephen Gilly (1844): Vigilantius and his times. Essa obra encontra-se disponível em: (https://archive.org)

16Citação retirada da obra Jerome: The Principal Works of St. Jerome (1892).

17As Epístolas de Sirício aqui citadas são retiradas da obra The Letters of S. Ambrose, de 1881. Esta obra encontra-se disponível em: <https://archive.org>.

18O grifo na citação em questão não é de nossa autoria, mas sim dos editores, tendo em vista que nessa passagem Ambrósio está fazendo referência ao seguinte trecho da Bíblia: 1 Jo 2: 19.

19O mesmo ensinamento também pode ser encontrado nas Máximas Principais: “Nenhum prazer é em si mesmo um mal, mas aquilo que produz certos prazeres acarreta sofrimentos bem maiores do que os prazeres” (Epicur. Sent. VIII).

20O leitor interessado pode consultar o conteúdo dessa inscrição no seguinte endereço eletrônico: http://www.english.enoanda.cat/the_inscription.html.

Recebido: 28 de Janeiro de 2019; Aceito: 28 de Agosto de 2019

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