SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número68Apresentação do Dossiê: Entre o governo das diferenças e os corpos ingovernáveis: potência da vida na educaçãoEntre el gobierno de las diferencias y lo ingobernable de los cuerpos: posibilidades de resistencias en la educación índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.68 Uberlândia mayo/ago 2019  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n68a2019-51961 

Dossiê Entre o governo das diferenças e os corpos ingovernáveis: potência da vid

Democracia em crise: biopolítica e governamento neoliberal de populações

Democracy in crisis: biopolitics and neoliberal government of populations

Démocratie en crise : biopolitique et gouvernement néolibéral de populations

André de Macedo Duarte* 
http://orcid.org/0000-0002-8401-0032

*Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) nos níveis de Graduação e Pós-Graduação em Filosofia. E-mail: andremacedoduarte@yahoo.com.br


Resumo

Este texto discute a hipótese de que a crise das democracias contemporâneas é indissociável de dois fenômenos políticos distintos, porém correlatos, analisados a partir das teorizações de Michel Foucault sobre a biopolítica e o neoliberalismo: a) a crescente disseminação de atos e discursos de violência, de ódio e de preconceito contra populações vulneráveis, obedecendo à lógica biopolítica da proteção da vida de alguns ao custo da exposição à morte de vastas parcelas da população; b) a disseminação de políticas neoliberais para a gestão da vida de populações vulneráveis. Considera-se que a articulação entre biopolítica e neoliberalismo produz o paradoxo de uma democracia sem demos, no sentido da desvalorização das lutas políticas coletivas por direitos iguais e por melhores condições de vida. Na conclusão, sugere-se que a reinvenção da democracia exige repensar o poder do demos, isto é, repolitizar o poder político de categorias sociais sujeitas a processos históricos de vulneração.

Palavras-chave: Crise da democracia; Biopolítica; Neoliberalismo; Foucault; Butler

Abstract

This text discusses the hypothesis that the crisis of contemporary democracy relates to two distinct political phenomena, however correlated, analyzed thru Michel Foucault’s concepts about biopolitics and neoliberalism: a) the ascending dissemination of acts and discourses of hate, violence and prejudgment against vulnerable populations, according to the biopolitical logics of protecting the life of some at the expense of exposing the life of others to death; b) the dissemination of neoliberal policies to administrate the life of vulnerable populations. I argue that both phenomena seem to imply the paradox of a democracy without the demos, in the sense of the devaluation of collective political struggles for equal rights and for better life conditions. At the conclusion, it is suggested that the reinvention of democracy requires rethinking the power of the demos in the sense of re-politicizing the political power of social categories subjected to historical process that render them vulnerable.

Keywords: Crisis of democracy; Biopolitics; Neoliberalism; Foucault; Butler

Résumé

On discute l’hypothèse que la crise de la démocratie contemporaine est associée à deux phénomènes politiques distinctes, mais corrélâtes, analysés par les concepts de Foucault sur la biopolitique et le néolibéralisme : a) la vague accrue d’actes et de mots de violence, haine et pré-jugements contre des populations vulnérables, selon la logique biopolitique de la protection de la vie de quelques-uns au prix du rejet à la morte de la vie des autres ; b) la dissémination des politiques néolibéraux vouées à la gestion de la vie des populations vulnérabilisées. L’articulation entre biopolitique et néolibéralisme semble impliquer le paradoxe d’une démocratie sans demos, au sens de la dévaluation des luttes politiques collectives pour des droits égaux et pour des meilleures conditions de vie. Finalement, on considère la réinvention de la démocratie par la ré-politisation du pouvoir du demos en tant que pouvoir des catégories sociales soumises à la vulnération.

Mots-clés: Crise de la démocratie; Biopolitique; Néolibéralisme; Foucault; Butler

1. Sobre a crise da democracia contemporânea

Ninguém desconhece que a democracia, tal como a conhecemos desde o segundo pós-guerra, em sua associação com os direitos sociais próprios ao que se convencionou chamar de Estado de bem-estar social, entrou em crise profunda e está ameaçada de colapsar. Esta afirmação não se restringe a apenas alguns países, pois tal crise do imaginário e das práticas democráticas é mundial, embora, por certo, haja países nos quais ela se faça acompanhar por outras características políticas, sociais e econômicas que a agravam ainda mais, suscitando o perigo de seu rápido e contundente exaurimento. Em seu livro Ruptura, a crise da democracia liberal (2018), Manuel Castells caracteriza a crise da democracia liberal na atualidade exemplificando-a nos seguintes termos:

Trump, Brexit, Le Pen, Macron ... são expressões significativas de uma ordem (ou de um caos) pós-liberal. Assim como o é a total decomposição do sistema político do Brasil, país fundamental da América Latina. Ou de um México vítima do narcoestado. Ou de uma Venezuela pós-Chaves em quase guerra-civil (2018, p. 8).

Castells argumenta que essa crise da democracia liberal poderia ser explicada, em linhas gerais, pelo fenômeno da ruptura do princípio da representação entre governantes e governados:

A desconfiança nas instituições, em quase todo o mundo, deslegitima a representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum. Não é uma questão de opções políticas, de direita ou de esquerda. A ruptura é mais profunda, tanto em nível emocional quanto cognitivo. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação e governança: a democracia liberal que se havia consolidado nos dois últimos séculos, à custa de lágrimas, suor e sangue, contra os Estados autoritários e o arbítrio institucional (CASTELLS, 2018, pp. 7-8).

Tais considerações se aplicam adequadamente a diversos outros exemplos contemporâneos de regimes políticos democráticos à beira de seu colapso: Coreia do Sul, Filipinas, Hungria, Itália, Polônia, Turquia, Bolívia, Equador, para não mencionar outras tantas expressões daquela forma de regime político que já foi conceituada como as “democracias iliberais” (ZAKARIAS, 1997). Em sua reconstituição do processo que levou à crise de representação institucional da democracia liberal, Castells enfatiza diversos fatores que se “reforçam mutuamente” (2018, p. 17), tais como: a globalização da economia e da comunicação, que solapou identidades nacionais e promoveu, a título de forte reação, a “xenofobia” e a “intolerância” em um contexto de crise econômica e de desemprego massivo, aliado ao sentimento de desamparo da população mais pobre diante da quebra das políticas de Estado de bem-estar social pelas políticas neoliberais de austeridade, impostas a diversos países após a crise econômica de 2008 (CASTELLS, 2018, pp. 19-20); a corrupção como aspecto sistêmico e característico de todas as democracias; “a ideologia do consumo como valor e do dinheiro como medida do sucesso que acompanha o modelo neoliberal triunfante, centrado no indivíduo e em sua satisfação imediata e monetizada.” (CASTELLS, 2018, p. 25); a constituição de uma “sociedade-rede” imersa no mundo virtual da informação imagética, a qual produz impactos emocionais imediatos nos cidadãos e reforça os fenômenos da “personalização da política” e da “política do escândalo”, em vista dos quais se constroem campanhas difamatórias visando destruir reputações à custa de mentiras e manipulações, por vezes até mesmo bastante grosseiras (CASTELLS, 2018, pp. 26-27). Some-se ainda a este quadro o crescimento e a intensificação do terrorismo global e das políticas de medo que ele inspira, em vista das quais diversas democracias assumem medidas políticas excepcionais, mas que rapidamente acabam se convertendo em regra duradoura (CASTELLS, 2018, p. 29); a fácil identificação dos deserdados do mundo neoliberal com práticas terroristas, bem como a própria transformação do terrorismo em instância de aferição do sentido existencial perdido para jovens muçulmanos ou não (CASTELLS, 2018, p. 34); o retorno do nacionalismo exacerbado e agressivo contra a agenda multicultural da promoção da tolerância e do acolhimento das diferenças, incentivando a recusa da defesa dos direitos das minorias e o acolhimento a migrantes. (CASTELLS, 2018, p. 35) Segundo Castells, é no curso desse processo complexo que se promovem discursos e políticas que incitam as massas a

Voltar à nação como comunidade cultural da qual são excluídos os que não compartilham valores definidos como originários. Voltar à raça, como fronteira aparente do direito ancestral da etnia majoritária. Voltar, também, à família patriarcal, como instituição primeira de proteção cotidiana diante de um mundo em caos. Voltar a Deus como fundamento (2018, p. 38).

Num contexto complexo como este, Castells argumenta que se esgarça a relação de confiança entre os cidadãos e seus governantes, a política passa a ser vista como um campo de interesses mesquinhos e corruptos, acentuando-se a crise de legitimidade de todo o sistema político até a ruptura do “vínculo entre o pessoal e o institucional” (CASTELLS, 2018, p. 28). Tal ruptura, por sua vez, abre as portas para atitudes de “rejeição antissistêmica” que incitam a uma “rebelião das massas contra a ordem estabelecida.” (CASTELLS, 2018, p. 39).

Castells oferece uma análise bastante rigorosa e detalhada acerca do processo histórico ao longo do qual diversos elementos sociais, culturais, históricos, econômicos e políticos convergiram até o ponto de instaurar a crise que afeta gravemente as democracias contemporâneas. Neste texto, contudo, não se trata de examinar ou reconstituir esse longo processo histórico que levou à crise atual das democracias, mas de buscar determinar, a partir da constatação dessa crise, e dentre os aspectos mencionados por Castells como responsáveis por essa crise, aqueles que parecem ser os principais e decisivos fatores a partir dos quais esta crise pode se acirrar até o ponto de levar ao esvaziamento e mesmo ao próprio esfacelamento da experiência democrática. Se as limitações e deficiências das democracias contemporâneas somente poderão ser enfrentadas e sanadas, mesmo que parcialmente, por meio do aperfeiçoamento e renovação do próprio sistema democrático, cabe, por outro lado, analisar aqueles fatores políticos que parecem responder pelo agravamento dessa crise até o ponto do esmaecimento e ruptura da experiência democrática. Assim, pensar a crise da democracia é ressaltar e compreender aqueles fatores políticos que podem colocá-la fundamentalmente em xeque, isto é, que ameaçam descaracterizá-la em sentido profundo, reduzindo-a, no máximo, a um conjunto formal de rituais legais e institucionais desprovidos de substância ético-política: a democracia como estrita defesa do direito de propriedade, do livre mercado e da realização de eleições marcadas por um processo de polarização ideológico impulsionado pela produção em massa de mentiras e distorções da informação. Como demonstraram Levitski e Ziblatt (2018) as democracias também morrem, e quando isso acontece o processo não se dá necessariamente por abruptos golpes de estado, mas, e sobretudo em nosso tempo, de maneira lenta e imperceptível, isto é, por meio do gradual e constante desvirtuamento das instituições democráticas e do acirramento das tensões políticas que brotam de dentro das próprias democracias. Para os autores,

O enfraquecimento de nossas normas democráticas está enraizado na polarização sectária extrema - uma polarização que se estende além das diferenças políticas e adentra conflitos de raça e cultura. (...) E, se uma coisa é clara ao estudarmos colapsos ao longo da história, é que a polarização extrema é capaz de matar democracias (LEVITSKI, e ZIBLATT, 2018, p. 20).

E, como veremos adiante, aos conflitos centrados nas categorias de cultura e raça ainda devemos acrescentar aqueles que são instigados pelo abuso da categoria de gênero, a qual adquiriu centralidade nesse processo de produção e intensificação de tensões e agressões ao longo das quais é o processo democrático que se desvanece.

Neste texto, portanto, a ideia de uma crise da democracia não se confunde com a menção às suas instabilidades e deficiências conjunturais, remetendo-se, antes, ao perigo de sua grave desestabilização e descaracterização. Portanto, a crise da democracia sinaliza aqui o risco de seu próprio esvaziamento e perda de sentido, quando não marca o risco de sua própria aniquilação, abrindo-se o caminho para formas políticas autoritárias, antidemocráticas por excelência. A hipótese que gostaria de propor aqui é a de que não se pode analisar essa crise contemporânea da democracia sem se abordar explicitamente dois fenômenos distintos, porém correlatos: o fenômeno da lógica biopolítica orientada pela disseminação de discursos e atos de violência, ódio e preconceito contra populações historicamente vulneradas, como as populações negra, de mulheres, indígenas, quilombolas, migrantes e a população LGBTI; bem como o fenômeno da proposição de políticas neoliberais como forma preponderante ou exclusiva de se proceder à gestão de suas vidas. Tal hipótese, por certo, se ampara e se nutre de conceitos e análises centrais propostos por Michel Foucault, os quais me parecem fundamentais para pensar a crise da democracia contemporânea: seu conceito de biopolítica, introduzido no primeiro volume da História da sexualidade, A vontade de saber (1999), e retomado ao longo do curso Em defesa da sociedade (2000); e suas análises em torno do neoliberalismo como racionalidade específica de governamento de populações, tal como ele o caracterizou no curso Nascimento da biopolítica (2008).

2. Foucault e a posteridade da lógica do racismo biopolítico

A fim de analisar as implicações políticas da multiplicação de atos e discursos de ódio, de violência e de discriminação contra populações vulneradas, creio ser importante retomar a discussão de certas implicações violentas da noção foucaultiana de biopolítica. Por certo, este não é o único viés presente nas análises de Foucault, as quais também se debruçaram sobre as vertentes menos malévolas ou violentas do governamento da vida da população, estruturadas em torno de ações políticas voltadas para seu incentivo e melhoria de suas condições vitais. Contudo, Foucault também mostrou que, por diversas vezes, a biopolítica implicava a ação de uma lógica política específica, que ele denominou como a lógica do racismo de Estado, em vista da qual o incentivo e a proteção a determinadas formas de vida pressupunham a exposição de outras formas de vida ao risco da violência, da exclusão e de sua própria morte. Este me parece ser o aspecto central a ser retido na presente apropriação da noção foucaultiana de biopolítica para pensar a crise da democracia contemporânea, sobretudo no que diz respeito à compreensão do dano político causado pela multiplicação de discursos e atos de ódio, violência e preconceito contra populações vulneradas.

Como se sabe, Foucault introduziu a noção de biopolítica para abordar uma mutação importante ocorrida na relação entre poder e vida na virada do século XVIII para o XIX. Tratava-se de abordar a crescente preocupação estatal pela definição de políticas que pudessem regular, prever e incrementar a qualidade da vida da população, ultrapassando-se o plano da ação disciplinar individualizada e individualizadora, bem como o plano de uma ação estritamente repressiva do Estado sobre o corpo dos súditos, com base no exercício do poder de soberania. Segundo este viés, bastante desenvolvido por Foucault em seus cursos no Collège de France a partir de suas análises sobre a governamentalidade, em particular sobre a governamentalidade liberal clássica e sobre o neoliberalismo - Cursos de 1978, Segurança, território e população (2008) e de 1979, Nascimento da biopolítica (2008) - a biopolítica seria uma forma de governamento de populações destinada a prever ações estatais a partir da avaliação de dados estatísticos relativos a seus comportamentos vitais: mortalidade, natalidade, taxas de contaminação por doenças infecciosas, mas também previsão e estimativa do resultado de colheitas, etc. A meta não seria condicionar e disciplinar o comportamento dos indivíduos a normas sociais pré-estabelecidas, mas assumir medidas políticas e administrativas de caráter preventivo ou indutoras de determinadas condutas a partir do conhecimento estatístico das variações do comportamento médio da população. Se os dispositivos disciplinares estabelecem um modelo ótimo a partir do qual os indivíduos e suas condutas são avaliados e classificados como normais ou anormais em função da conformidade ou não de sua conduta em relação a um padrão normativo concebido como modelo, os dispositivos governamentais de seguridade estatal se exercem sobre uma população pelo conhecimento de taxas estatísticas que estabelecem padrões normais de contaminação e de morte, determinando-se, assim, os alvos específicos de sua atuação preventiva. Dessa maneira, o ponto de referência originário dos dispositivos biopolíticos de seguridade governamental seria justamente o conhecimento da incidência normal de determinados fenômenos como a escassez, o contágio, a morte. Este viés específico da biopolítica foi definido por Roberto Esposito em termos da promoção de uma “política da vida” (2006, p. 56).

No entanto, seria um equívoco pensar que, com a introdução da noção de biopolítica, Foucault houvesse proposto a tese de que o poder estatal teria aberto mão do seu poder soberano de impor a morte, ou que seu poder de gládio tivesse sido abrandado, dado o interesse primordial pela implantação de políticas públicas preventivas, visando administrar a melhoria das condições de vida da população. No curso Em defesa da sociedade (2000), de 1976, e no primeiro volume da História da sexualidade (1999), publicado no mesmo ano, Foucault assinalou que a biopolítica também apresentava um outro viés, em vista do qual surgiram formas de gestão e incentivo da vida de populações que tinham como consequência fazer com que outras parcelas da população devessem morrer ou ser expostas à violência e à discriminação. Se este viés permaneceu pouco desenvolvido na reflexão foucaultiana, ele adquiriu importante posteridade nas obras de Agamben (2016), Negri e Hardt (2002), Esposito (2006), Ogilvie (2012), Mbembe (2018), dentre outros. De fato, quando Foucault introduziu o termo biopolítica no capítulo final do primeiro volume de sua História da sexualidade, ele tinha em mente analisar uma importante mutação com relação ao poder soberano e sua capacidade de dar morte. Assim, ao compreender a biopolítica como uma tomada de poder sobre a vida, Foucault observou que, “Com isso, o direito de morte tenderá a se deslocar ou, pelo menos, a se apoiar nas exigências de um poder que gere a vida e a se ordenar em função de seus reclamos.” (1999, p. 128). Nesse contexto, ele também afirmou que em meio a essa mutação “A velha potência de morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida.” (FOUCAULT, 1999, p. 128).

Para Foucault, tal reviravolta no modo como o poder soberano compreendia e exercia seu direito de impor a morte acabou por acirrar a capacidade estatal de produzir a morte em escala de massas. Assim, ao introduzir a noção de biopolítica, Foucault observava que “O princípio: poder matar para poder viver, que sustentava a tática dos combates, tornou-se princípio de estratégia entre Estados” (1999, p. 129). Assim, ali onde despontaram intervenções políticas visando incentivar, proteger, estimular e administrar o regime vital da população, ali também Foucault descobriu a contrapartida sangrenta, o ‘reverso’ tanatopolítico dessa nova obsessão das políticas estatais pelo cuidado purificador da vida. Deste modo, a partir do momento em que a vida passou a se constituir no elemento político por excelência, o qual tem de ser administrado, calculado, gerido, regrado e normalizado, o que se observou não foi um decréscimo da violência estatal, mas o seu aumento, pois tal cuidado da vida trouxe consigo a exigência contínua e crescente de produzir a morte em escala de massas: é no contraponto da violência depuradora que se podem garantir mais e melhores meios de vida e sobrevivência a uma dada população. (DUARTE, 2010). Não haveria, portanto, contradição entre o poder de gerência e incremento da vida e o poder de matar aos milhões para garantir as melhores condições vitais possíveis: “Se a população é sempre aquilo sobre quê o Estado vela em seu próprio interesse, bem entendido, o Estado pode massacrá-la quando necessário. A tanato-política é o lado contrário da bio-política”. (FOUCAULT, 1995, vol. IV, p. 826) Assim, não terá sido por acaso que, a partir do momento em que a ação do poder estatal buscou “fazer viver” as guerras se tornaram mais sangrentas e os ‘genocídios’ e ‘holocaustos’ se multiplicaram dentro e fora da nação. A despeito de muito conhecida, não é demasiado reiterar uma vez mais a seguinte citação de Foucault, na qual o autor deixa bastante clara a implicação entre cuidado da vida e massacre da vida sob um paradigma biopolítico:

Jamais as guerras foram tão sangrentas como a partir do século XIX e nunca, guardadas as proporções, os regimes haviam, até então, praticado tais holocaustos em suas próprias populações. (...) As guerras já não se travam em nome do soberano a ser defendido; travam-se em nome da existência de todos; populações inteiras são levadas à destruição mútua em nome da necessidade de viver. Os massacres se tornaram vitais. Foi como gestores da vida e da sobrevivência dos corpos e da raça que tantos regimes puderam travar tantas guerras, causando a morte de tantos homens. E, por uma reviravolta que permite fechar o círculo, quanto mais a tecnologia das guerras voltou-se para a destruição exaustiva, tanto mais as decisões que as iniciam e encerram se ordenaram em função da questão nua e crua da sobrevivência. (FOUCAULT 1999, p. 129).

Para os fins deste texto cabe reter, sobretudo, o argumento central de Foucault quanto à lógica de operação deste viés específico da biopolítica, que Roberto Esposito denominou segundo os termos de uma “política sobre a vida” (2006, p. 53). Segundo Foucault, o racismo é o operador que instaura a cisão da população entre aquelas parcelas que merecem viver e aquelas parcelas que devem morrer. Segundo a formulação de Achille Mbembe, “na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado.” (2018, p. 18). Foucault argumentou que foi a partir de uma concepção biológico-racial do corpo social puro e unificado que se observou, a partir do século XIX, uma transformação decisiva na natureza do próprio racismo, que deixou de ser mera expressão de ódios e preconceitos entre povos para se converter em instrumento de justificação e implementação da ação mortífera dos estados, e isto não apenas em suas relações com outros estados, mas também, e sobretudo, no interior de cada estado. Constituiu-se, assim, o modelo do “racismo de Estado”, entendido como justificativa para o emprego estatal da violência e para a produção da morte no interior da própria sociedade. Trata-se aí de um “racismo interno, o da purificação permanente, que será uma das dimensões fundamentais da normalização social”. (FOUCAULT, 2000, p. 73).

Segundo Foucault, na “era do bio-poder” não há Estado que não se valha de formas amplas e variadas de racismo como justificativa para exercer seu direito de matar em nome da preservação, intensificação e purificação da vida da população. Contudo, falar em racismo estatal como lógica biopolítica para a discriminação entre “o que deve viver e o que deve morrer” (FOUCAULT, 2000, p. 304) não deve nos levar a pensar que tais mecanismos depuradores sejam operados apenas a partir da instância estatal, pois aí estão as milícias e outros grupos paramilitares de extermínio de populações para comprová-lo. Do mesmo modo, tampouco se deve entender a figura desse racismo apenas segundo um modelo biológico, pois, a partir do antigo paradigma racial desenvolveram-se formas não-biológicas de racismo, amparadas em outros critérios normativos de hierarquização e discriminação daquelas formas de vida marginais quanto à sua posição em relação aos rigorosos ideais que visam distinguir os sujeitos decentes e aceitáveis dos sujeitos da suspeição e da abjeção. Assim, a lógica contemporânea do racismo biopolítico opera por meio da hierarquização e da naturalização das diferenças, da diversidade e das desigualdades, de modo que os marcadores relativos a classe, gênero, etnia, religião e orientação sexual jamais sejam entendidos como efeitos contingentes de processos históricos determinados, orientados por ideais normativos que efetuam a partilha entre o aceitável e o inaceitável, entre o inteligível e o ininteligível, expondo à morte violenta aquelas populações constituídas à margem dos ideais e modelos normativos prevalecentes. Como observou Grada Kilomba (2019, p. 98), “formas de opressão não operam em singularidade; elas se entrecruzam.” Deste modo, devemos entender que o novo racismo se associa ao capacitismo, ao machismo, ao classismo, ao sexismo, bem como às discriminações e violências que atingem cotidianamente as minorias religiosas e a população LGBTI+.

Em vista destes argumentos, caberia perguntar: será que a própria democracia não se encontra gravemente ameaçada quando proliferam e se intensificam discursos e atos que mobilizam afetos reativos, como o medo e o ódio, os quais incitam à violência efetiva ou simbólica contra populações vulneráveis, já marcadas por processos de precarização, exclusão ou marginalização? No curso desse processo, tais populações passam a ser consideradas como inimigas ou como perigosas, sendo responsabilizadas por todo e qualquer problema social, político, econômico ou cultural de uma dada sociedade, merecendo, assim, seu combate e discriminação. Este fenômeno político certamente não é novo, mas sempre que se manifesta com crescente intensidade traz consigo o risco da dissolução da democracia. Segundo Mbembe,

a percepção da existência do Outro como um atentado contra a minha vida, como ameaça mortal ou perigo absoluto, cuja eliminação biofísica reforçaria meu potencial de vida e segurança, é este, penso eu, um dos muitos imaginários de soberania, característico tanto da primeira quanto da última modernidade (2018, pp.19-20).

Quando se instaura uma situação política em que o outro é visto como perigo iminente a ser imediatamente combatido, parece-me que já não estamos mais apenas diante dos graves problemas sociais que agravam as deficiências conjunturais de uma democracia. Por outro lado, parece abrir-se aí o caminho para uma situação bastante mais grave e perigosa, aquela na qual campanhas orquestradas de discriminação e disseminação de preconceitos passam a conferir legitimidade a políticas ostensivas visando amedrontar, limitar, aprisionar ou mesmo eliminar certas parcelas da população em nome da segurança e da vida de outras parcelas da população.

Historicamente, sabe-se que a configuração de projetos políticos antidemocráticos sempre exigiu que certas parcelas da população fossem tomadas como alvo expiatório de campanhas difamatórias sistemáticas e organizadas. Este é processo pelo qual se constitui a encarnação do estigma da abjeção indesejável, segundo o vocabulário proposto por Judith Butler (1993). Para Butler, a materialidade do corpo não pode ser pensada independentemente das regulações normativas pelas quais os corpos aparecem socialmente como inteligíveis e aceitáveis, ou seja, como portadores de sinais de viabilidade social ou como corpos que aparecem como inviáveis, isto é, como aberrações ou abjeções. O processo de materialização significativa do corpo é o processo de atribuição de sentidos e de sua classificação social hierárquica entre corpos viáveis e corpos inviáveis, entre corpos inteligíveis e aceitáveis e corpos ininteligíveis e inaceitáveis, isto é, os corpos daqueles “que ainda não são ‘sujeitos’, mas que formam o exterior constitutivo relativamente ao domínio do sujeito.” Segundo Butler, a figura da abjeção

“designa aqui precisamente aquelas zonas ‘inóspitas’ (‘unlivable’) e ‘inabitáveis’ da vida social, as quais, entretanto, são densamente povoadas por aqueles que não desfrutam do status de sujeito, mas cuja vida sob o signo do ‘inóspito’ é requerida para circunscrever o domínio do sujeito ( BUTLER 1993, p. 3).

Instala-se, assim, a dialética entre a produção do sujeito inteligível e viável e a produção do não-sujeito, da abjeção ininteligível, inviável, ambos sendo indissociáveis.

Se as democracias convivem até certo ponto com esses mecanismos cotidianos de produção da abjeção e da normalidade, quando tais processos de estigmatização se acirram e se radicalizam, tornando-se regra cotidiana e tomando como seu alvo preferencial populações já submetidas a processos históricos de vulneração, parece-me que é o próprio projeto democrático que se encontra ameaçado de colapsar. Não terá sido por acaso que, no Brasil contemporâneo, quando se estimulou e se produziu o aguçamento midiático da divisão entre os cidadãos ativou-se simultaneamente o mecanismo biopolítico de reunificação nacional por meio da promoção de discursos de ódio e discriminação contra mulheres, indígenas, negros e negras, bem como contra a população LGBTI+. No Brasil, a ativação da lógica biopolítica da produção da unidade pela exclusão segundo a regra da oposição imunitária entre ‘nós’ e ‘eles’ fez com que a categoria dos ‘indesejáveis’ recaísse justamente sobre aquelas parcelas da população já cotidianamente atingidas por altos índices de mortalidade socialmente induzida, isto é, a mortalidade induzida pelos efeitos da miséria, da violência policial e para-policial, pelos efeitos do patriarcalismo, da heteronormatividade ou pelo racismo estrutural, os quais fundamentam e induzem ao rechaço das políticas de igualdade social, racial, de gênero e contra a discriminação quanto à orientação sexual e religiosa. Portanto, não é casual que a crise contemporânea das democracias, tanto no Brasil como em outros países, se faça acompanhar do fenômeno do “pânico moral”, em vista do qual polêmicas agressivas em torno de questões relativas à definição dos gêneros e da orientação sexual assumem proporções dignas de histeria de massas. (CÉSAR e DUARTE, 2017). Mundialmente, os movimentos políticos conservadores de nosso tempo fazem do corpo, do gênero e da sexualidade importantes pontos de apoio, a partir dos quais buscam combater os avanços democráticos no campo das ideias, dos valores e das políticas contra a discriminação e a violência que marcam historicamente as populações que se encontram às margens da heteronormatividade branca, cisgênera e androcêntrica. O gênero, a sexualidade e a diversidade sexual são, então, transformados em armas de uma guerra político-moral no contexto da chamada ‘ideologia de gênero’, fantoche conceitual com o qual se marcam os esforços narrativos visando renaturalizar o corpo, o sexo e o desejo. Nesse contexto, a defesa da família e da criança assumem um papel central, o que corrobora as análises de Gayle Rubin (1993) em sua história dos pânicos morais nos Estados Unidos do final do século XIX até meados do XX. O aspecto propriamente distintivo e característico do caso brasileiro é o fato de que os nossos ‘outros’, os nossos ‘estrangeiros’, os nossos ‘abjetos’ e ‘indesejáveis’, são parte constituinte do próprio povo brasileiro, muito embora façam parte justamente daquela parcela do povo que não conta e que nunca contou, pois desde sempre viveu exposta ao perigo da violência e da morte violenta: as mulheres, os/as negros/as, os/as indígenas, os/as quilombolas, a população LGBTI+.

Se é certo que a biopolítica imunitária produz violência e exclusão, cindindo o corpo político em polaridades imiscíveis, em que medida tal processo de corrosão da democracia não se acentua ainda mais com a proposição de políticas neoliberais para a gestão da vida das populações vulneradas? Será que o neoliberalismo não seria responsável por negar ao povo seu caráter de agente político coletivo, reduzindo-o à figura atomizada de indivíduos isolados e despolitizados, aos quais se responsabiliza por seu sucesso ou fracasso socioeconômico? Wendy Brown formula uma questão central a esse respeito:

O que acontece ao governo pelo e para o povo quando a razão neoliberal configura tanto a alma quanto a cidade como firmas contemporâneas e não como instâncias políticas (polities)? O que acontece aos elementos constitutivos da democracia - sua cultura, sujeitos, princípios e instituições - quando a racionalidade neoliberal satura a vida política? (2015, p, 27).

Trata-se aí do processo de esvaziamento da democracia, isto é, do processo neoliberal que visa a desconstituição do demos (undoing the demos), para retomar os termos propostos por Brown. Eis a segunda hipótese que gostaria de considerar neste texto.

3. Gestão neoliberal da vida das populações e impotência democrática

Para a discussão da questão da gestão neoliberal da vida das populações tomo como ponto de partida as análises de Michel Foucault no curso de 1978-1979, Nascimento da biopolítica (2008), nas quais o autor nos ofereceu indícios importantes para pensar de que maneira vida e política se associam no mundo contemporâneo neoliberal. Como se sabe, Foucault entendeu o neoliberalismo não como um programa econômico ou como uma ideologia, mas como uma racionalidade específica para o governamento da vida das populações, a qual opera por meio de processos de subjetivação orientados pela normatividade própria ao mercado concorrencial, que tende a se espraiar por todos os domínios da vida social. Ou seja, pensar o liberalismo e o neoliberalismo como certa forma de governamentalidade, isto é, como uma racionalidade governamental, é entende-lo como conjunto de técnicas, de ações e de discursos cuja normatividade é capaz de se expandir e estruturar diversos aspectos da vida social, de maneira a formatar a conduta dos governados por meio de sutis processos de subjetivação. Eis a lição seminal que Foucault legou para diversos autores contemporâneos, como Wendy Brown, Pierre Dardot e Christian Laval, dentre outros, os quais deram continuidade e profundidade a seus insights.

Ao forjar a noção de governamentalidade, Foucault encontrou a terminologia adequada para designar e analisar “a atividade que consiste em reger a conduta dos homens em um contexto e por meio de instrumentos estatais” (1995, vol. III, p. 819), sem ter de recorrer a qualquer conceito de Estado ou à noção de “instituição do governo”. Como se sabe, a versão norte-americana da racionalidade governamental neoliberal foi aquela que se tornou hegemônica contemporaneamente, devendo, então, ser entendida como matriz de uma nova forma de governamento da vida de populações, com sua respectiva produção de subjetividades, afetos e comportamentos a partir de um novo regime de veridicção, o qual tem no mercado global competitivo o seu foco de irradiação normativa. Segundo Foucault, o traço marcante e característico do neoliberalismo da Escola de Chicago, a variante do neoliberalismo que se tornou mundialmente hegemônica, é a generalização do princípio da racionalidade do mercado para praticamente todos os domínios da vida social, motivo pelo qual a governamentalidade neoliberal define e produz uma nova figura subjetiva. Distintamente daquilo que Foucault denominara como tanatopolítica e daquilo que Achille Mbembe posteriormente designou como “necropolítica” (2018), a biopolítica neoliberal não produz seus efeitos de governamento a partir dos exageros do poder soberano estatal em sua ânsia por purificar e incrementar a vida da população ao custo do assassinato em massa. Por outro lado, sua forma de atuação e produção de efeitos sociais e subjetivos é mais ágil e sutil, pois tal governamentalidade se exerce sobre aqueles e aquelas que aderem a um modelo normativo oriundo do mercado concorrencial, o qual propõe e estimula condutas orientadas pelos princípios da competição, da produtividade, do consumo e do gozo instantâneo. Em uma palavra, as tecnologias neoliberais de governamento da vida da população tornam-se operativas ao fazer do mercado um indutor e regulador de comportamentos e sentimentos em escala global. Isso se dá de tal modo que o governo dos outros passa a depender fundamentalmente de um governo de si mesmo orientado pelos princípios concorrenciais do mercado, os quais passam a invadir todos os domínios da vida social.

Para Foucault, o neoliberalismo da Escola de Chicago logra obter este efeito governamental sobre a vida dos indivíduos e das populações a partir da noção de “sociedade empresarial”, da generalização da forma mercado e da fusão da figura do “homo oeconomicus” com a teoria do “capital humano”. No âmbito do neoliberalismo norte-americano do segundo pós-guerra, predomina a compreensão do ser humano como homo oeconomicus, isto é, como agente econômico que responde aos estímulos do mercado de trocas, figura que passa a ocupar o lugar anteriormente central ocupado pelo cidadão. No entanto, isto ainda não é suficiente para caracterizar a especificidade da lógica da governamentalidade neoliberal em sua novidade frente ao liberalismo clássico, e tal distinção ganha maior definição a partir da articulação entre essa concepção do ser humano como homo oeconomicus com a teoria econômica do “capital humano”. Sob o neoliberalismo de Chicago, portanto, predomina a compreensão do ser humano não apenas como agente econômico no mercado de trocas, mas, sobretudo, como um empreendedor de si mesmo, no sentido de que tal agente se torna responsável por produzir seus próprios rendimentos e capital. Foucault compreendeu que, sob o neoliberalismo da escola de Chicago, nos constituímos como agentes econômicos que precisa valorizar e amplificar continuamente nossas capacidades e habilidades profissionais, a fim de nos tornarmos constantemente competitivos no complexo mercado de trabalho e de relações sociais e afetivas da sociedade empresarial.

Para Foucault, ademais, a racionalidade neoliberal trata de “generalizar, de difundir, de multiplicar, tanto quanto possível, as formas ‘empresa’”, de maneira a fazer do “mercado, da concorrência e, por consequência, da empresa, aquilo que se poderia chamar de potência informante da sociedade” (FOUCAULT, 2008, p. 154). Assim, ao submeterem livremente suas condutas ao princípio neoliberal do auto-empreendedorismo, os indivíduos e a própria população tornam-se presas voluntárias de processos de subjetivação controlados flexivelmente pelas demandas e exigências normativas do mercado, que se transforma, então, em nova instância hegemônica de formatação da verdade e de estilos de vida no mundo contemporâneo. Para os autores, “o que está em jogo não é nem mais nem menos que a forma de nossa existência, quer dizer, a maneira pela qual somos forçados a nos comportar, a nos relacionar com os outros e conosco mesmos” (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 5). Bem entendido, não se trata de pensar que o mercado por si próprio se expanda e abarque todas as dimensões da vida social, pois o que de fato acontece é que o mercado, mesmo permanecendo uma instância econômica singular e determinada, expande suas normas de ação competitivas para além do seu campo econômico específico. Instaura-se, assim, uma mutação administrativa que alcança a gestão pública e os comportamentos mais ínfimos dos indivíduos, que precisam continuamente valorizar seu capital humano e se adequar aos critérios normativos de competitividade e desempenho a fim de não se tornarem descartáveis em todos os domínios da vida social:

A interiorização das normas de performance, a autovigilância constante para se conformar aos indicadores, a competição com os outros, são os ingredientes dessa ‘revolução das mentalidades’ que os ‘modernizadores’ querem por em operação (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 398).

Mas qual relação pode haver entre essa concepção neoliberal do agente econômico como capital humano empreendedor de si mesmo e as novas formas da impotência democrática contemporânea? Para responder a essa pergunta é preciso ir, com Foucault, para além do pensamento foucaultiano. Por um lado, pode-se argumentar que a constituição do mercado neoliberal transnacional como foco irradiador do enfraquecimento democrático contemporâneo se mostra a partir do bloqueio, desqualificação, segregação e mesmo aniquilação daqueles que se opõem a seus preceitos competitivos. Afinal, os indivíduos e populações que recusam o preceito normativo de conduzir-se segundo os parâmetros da competição e do desempenho; ou ainda, aqueles que não podem sequer tornar-se empreendedores econômicos de si mesmos, dadas as deficiências infraestruturais produzidas pelo próprio alastramento global das regras competitivas de mercado, que constantemente promovem desregulamentações e destroem direitos e proteções sociais, acabam por ter suas vidas precarizadas e tornadas supérfluas, condição primeira para que se vejam expostas ao risco de morte. A esse respeito, Butler observa que, a partir do momento em que o neoliberalismo

estrutura crescentemente as instituições e os serviços públicos, incluindo escolas e universidades, um tempo em que as pessoas estão perdendo suas casas, suas aposentadorias e suas perspectivas de trabalho em números crescentes, somos confrontados de um novo modo com a ideia de que algumas populações são consideradas descartáveis (2015, p. 11).

Ademais, no âmbito do neoliberalismo global, os indivíduos e as populações passam a ser entendidos como responsáveis por seu destino social precarizado, operando-se assim o princípio de uma despolitização e de um isolamento que tendem a moralizar e a individualizar aquilo mesmo que deveria ser objeto de análises e lutas políticas coletivas. Novamente, Butler propõe uma interessante contribuição para o entendimento desse aspecto do problema ao ressaltar que

quanto mais alguém assume a exigência da ‘responsabilidade’ por tornar-se autossuficiente, tanto mais se torna socialmente isolado e tanto mais se sente precário; e quanto mais as estruturas sociais de apoio desabam por causa de razões ‘econômicas’, tanto mais as pessoas se sentem isoladas no sentimento de angústia agravada e de ‘fracasso moral’ (2015, p. 15).

Ou, segundo a formulação de Wendy Brown, a racionalidade política do neoliberalismo produz um cidadão reduzido à sua capacidade de empreender e consumir, de modo que sua “autonomia moral é medida por sua capacidade de ‘cuidar de si’ - sua habilidade de prover suas próprias necessidades e assegurar suas próprias ambições ...” (BROWN, 2006, p. 694).

Cabe ressaltar que estes efeitos de despolitização democrática do neoliberalismo prevalecente não se limitam apenas àquelas populações que se veem excluídas do processo de expansão irrestrita da norma-mercado e da forma-empresa para todos os domínios da vida social, pois, na realidade, tais efeitos despolitizadores também alcançam em cheio aquelas parcelas da população incluídas neste sistema, que Dardot e Laval denominaram acertadamente como a “fábrica do sujeito neoliberal”, no sentido de que “a racionalidade neoliberal produz o sujeito do qual necessita ...” (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 409). Sob o paradigma neoliberal opera-se, portanto, uma mutação no estatuto do sujeito, que se torna um sujeito-empresa ou sujeito-empreendedor, ao mesmo tempo em que se opera uma mutação no estatuto do cidadão, que se converte em um consumidor de serviços, despolitizando-se assim a relação entre o cidadão e o Estado:

Esta prioridade concedida à dimensão da eficiência e ao rendimento financeiro elimina do espaço público toda concepção de justiça distinta da de equivalência entre aquilo que o contribuinte pagou pessoalmente e aquilo que ele recebeu pessoalmente (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 400).

Assim, o sujeito neoliberal é aquele que se desonera de qualquer responsabilidade política coletiva e de qualquer interesse para com o bem comum, limitando-se a cobrar por serviços. Ao mesmo tempo, o sujeito empreendedor neoliberal é também aquele que, para manter seu precário e instável status social, aceita submeter-se a condições agressivas de competitividade, incerteza, risco e medo, as quais, por sua vez, tendem a reproduzir em escala global um mesmo estilo de vida. Se é certo que ninguém é obrigado a se engajar na fábrica da produção de sujeitos neoliberais, por outro lado, não se pode desconhecer que esta livre adesão se dá num contexto de políticas do medo e da incerteza, ao passo em que a própria adesão subjetiva ao modelo do empreendedorismo produz efeitos constringentes e disciplinadores sobre as condutas dos indivíduos. Como ressaltam Dardot e Laval, a entrada no paradigma neoliberal não nos liberou da velha gaiola de ferro das limitações e constrições burocráticas weberianas em nome de um mundo mais livre, mais flexível e mais criativo; pelo contrário, o que agora acontece é que, num contexto hiper-competitivo, “cada um é levado a construir, por sua própria conta, sua pequena ‘gaiola de ferro’ individual.” (DARDOT E LAVAL, 2010, p. 412). Wendy Brown assume posição ainda mais enfática ao afirmar que a racionalidade neoliberal de mercado somente exerce seus efeitos de governamento global da conduta de populações por meio de uma “explícita imposição de uma forma particular de racionalidade de mercado” sobre todas as dimensões da vida social (BROWN, 2006, p. 693).

E se, como Weber o pensara, o espírito do capitalismo requeria uma ética protestante que lhe fosse correspondente, então o desdobramento do capitalismo segundo a vertente neoliberal da escola de Chicago exigirá também sua própria ética, seu próprio ethos, e ele será, consequentemente, de todo avesso ao espírito do engajamento político por justiça social e por solidariedades coletivas, será uma ética da autoajuda assumida por cada um por meio de um árduo “trabalho de vigilância exercida sobre si mesmo, e que os procedimentos de avaliação se encarregarão de reforçar e de verificar” (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 413). Eis, portanto, como a forma-empresa perpassa o comportamento de instituições privadas e estatais até imantar o comportamento de indivíduos e populações, as quais são governadas pelas normas do mercado na exata medida em que se governam a si mesmas. Sob o império do neoliberalismo, pensam Dardot e Laval, estamos diante de um processo constante de

ultrasubjetivação que não tem por finalidade um estado último e estável de ‘posse de si’, mas que visa um para-além de si sempre impulsionado, e que, ademais, é ordenado constitutivamente em seu próprio regime pela lógica da empresa e, para além dela, pelo ‘cosmos’ do mercado mundial (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 437).

Ora, o primado inconteste e hegemônico da norma neoliberal do mercado competitivo como vetor de produção de subjetividades, comportamentos e afetividades põe em xeque os princípios diretores da democracia, borrando continuamente quaisquer fronteiras entre o público e o privado; fazendo o direito privado prevalecer sobre o direito público; operando suspensões ad hoc da legalidade. Em se tratando dos incluídos no paradigma neoliberal, este sistema peculiar de produção de sujeitos desinveste a cidadania de seu interesse pelo bem público em nome da adesão ao dispositivo da performance-gozo. Ou, então, em se tratando das categorias sociais que não têm como atender às demandas normativas do paradigma neoliberal, ele as reduz ao estatuto da superfluidade inútil, exposta à morte e à violência. Se os direitos políticos e as garantias sociais que constituíram o modelo do Estado de bem-estar social democrático dependeram das lutas e da organização política das populações marginalizadas, o ataque contemporâneo exatamente àquelas populações, bem como àquele arcabouço legal, mostra bem de que maneira o neoliberalismo contribui para o colapso da democracia, deixando-nos diante de duas opções complementares: ou bem o engajamento do indivíduo num sistema de competições desprovido de quaisquer garantias, ou bem tornar-se inviável e abjeto, para retomar a terminologia de Butler. Assim, a lógica normativa do mercado e da forma-empresa parecem atingir o cerne mesmo das democracias, reforçando desigualdades e exclusões até o ponto de produzirem “‘sub-cidadãos’ e ‘não-cidadãos’” (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 461). Em síntese,

a erosão progressiva dos direitos sociais do cidadão não afeta apenas a cidadania dita ‘social’, ela abre a via para se colocar em questão de maneira geral os fundamentos da cidadania enquanto tal, na medida em que a história tornou tais fundamentos solidários entre si. Por aí se introduz uma nova fase na história das sociedades ocidentais (DARDOT e LAVAL, 2010, pp. 461-462. Em itálicos dos autores).

Wendy Brown já chegara a essa mesma conclusão alguns anos antes, ao afirmar que a redução da cidadania política democrática ao estatuto mercadológico neoliberal do “auto-cuidado” produz um desinvestimento profundo dos valores do “bem comum” e da “cidadania ativa”, os quais, por sua vez, tampouco já se mostravam muito consistentes na “tábua de valores da democracia liberal.” (BROWN, 2006, p. 695). Para a autora, fundamentos cruciais da democracia como a “igualdade, autonomia política e liberdade, cidadania, governo da lei, imprensa livre”, mesmo que jamais tenham sido implementados de maneira satisfatória em diversas democracias do mundo, começam agora a ser “postos em xeque” ou, ao menos, “desafiados de maneira severa” pelo espraiamento da racionalidade política neoliberal, a qual se vale de “princípios de governança alternativos” (BROWN, 2006, p. 696). Compreende-se, também, porque a destruição do sistema de direitos e garantias sociais que havia se tornado consubstancial à nossa concepção de democracia e de cidadania ao longo do segundo pós-guerra, se associa à perda absoluta de toda e qualquer medida e decoro por parte dos governantes, tão característica deste período de generalização e acirramento do paradigma neoliberal da forma-empresa:

O cinismo, a mentira, o desprezo, o filisteísmo, o esgarçamento da linguagem e dos gestos, a arrogância do dinheiro e a brutalidade da dominação valem como títulos para governar em nome apenas da ‘eficácia’. (...) A nova racionalidade promove seus próprios critérios de validação, os quais nada tem que ver com princípios morais e jurídicos da democracia liberal (DARDOT e LAVAL, 2010, p. 462).

Ao estabelecerem a contraposição entre os princípios fundamentais da democracia e os do dispositivo neoliberal, ou seja, ao contraporem soberania popular e disseminação da forma-empresa para todos os domínios da vida social, Dardot e Laval chegam à conclusão de que o neoliberalismo contém em si uma forma de “antidemocratismo” (2010, p. 464), de modo que não pareceria haver incongruência entre sua expansão hegemônica e a crise contemporânea das democracias. E, mesmo que não se possa estabelecer uma clara e inequívoca equação entre neoliberalismo e autoritarismo ou ditaduras, inúmeros exemplos contemporâneos mostram que a racionalidade neoliberal se acopla perfeitamente ao neoconservadorismo, produzindo-se, assim, fortes efeitos de “des-democratização”, segundo o vocabulário proposto por Wendy Brown (2006). É por meio dessa estranha confluência entre racionalidades políticas bastante distintas entre si, como as do neoliberalismo e do neoconservadorismo inspirado no fundamentalismo cristão, que se produz em escala de massas o “cidadão antidemocrático”, aquele que não

ama nem quer liberdade ou igualdade, mesmo que de um tipo liberal; o cidadão que não espera nem verdade nem prestação de contas da governança e dos atos de estado; que não se preocupa com a exorbitante concentração de poder econômico e político, com a suspensão rotineira do domínio da lei ou com demais formulações não democráticas de finalidade nacional, seja em casa ou no estrangeiro (BROWN, 2006, p. 692).

Segundo Brown, a racionalidade econômico-política do neoliberalismo produz efeitos “des-democráticos” na medida em que desmantela o arcabouço de valores e instituições que caracterizaram a democracia, donde seu contínuo desprezo pela autonomia política, sua transformação dos problemas políticos em questões individuais, para as quais apenas o mercado apresentaria soluções, bem como sua produção do cidadão-consumidor. Tais efeitos “des-democráticos”, por sua vez, abrem caminho para o fortalecimento de movimentos neoconservadores, os quais não apenas desprezam os valores democráticos, como esposam ideias e práticas antidemocráticas, sobretudo ali onde tais movimentos possam encontrar apoio no fundamentalismo religioso. Como se percebe, a despeito do modus operandi do governamento neoliberal não guardar qualquer semelhança para com o modus operandi do racismo biopolítico de Estado, ambos se complementam na medida em que produzem, cada qual a seu modo, processos de exclusão e vulneração de populações que passam a ser consideradas como responsáveis por seu próprio sofrimento e condição precarizada.

É certo que noções como as de biopolítica e de neoliberalismo vêm sendo discutidas à exaustão há quase duas décadas. Contudo, me parece que caberia melhor compreender como biopolítica e neoliberalismo, ao se associarem, provocam efeitos corrosivos e bastante palpáveis sobre o modelo de democracia que conhecemos desde o segundo pós-guerra. Parece-me, pois, que a grave crise da democracia contemporânea precisa ser compreendida justamente a partir da articulação perigosa entre a lógica biopolítica da unificação nacional via exclusão e a produção neoliberal de sujeitos e populações precarizadas em escala global. O colapso da democracia parece iminente e não é certo que possamos apelar a um mero retorno ao modelo histórico já bastante destroçado do Estado de bem-estar social.

Nos limites da conclusão deste artigo, posso apenas sugerir a tarefa crucial de reinventar a democracia e, para isso, cumprirá repensar o significado político do poder do demos. Tomando algumas reflexões de Jacques Rancière como referência (2005), pode-se afirmar que o poder do demos, que caracteriza uma democracia, está associado às lutas visando o reconhecimento e a inclusão social e política de populações historicamente privadas de direitos, do acesso a bens públicos de cidadania e das próprias condições socioeconômicas para a manutenção de suas vidas, ou seja, as chamadas populações vulneradas, as quais vem sendo atacadas pela lógica biopolítica e pelas políticas neoliberais. Assim, a noção de uma democracia forte ou saudável não remeteria à situação ideal em que todos já desfrutariam, em condições de igualdade, de uma pletora de direitos e proteções civis garantidos legalmente por um Estado soberano. Por outro lado, uma democracia forte seria aquela capaz de ampliar e redefinir, no curso de lutas e conflitos sociais, e como efeito das ações políticas daqueles mesmos sujeitos, o número daqueles/as que contam como beneficiários/as dos chamados bens de cidadania. Numa palavra, democracias fortes são aquelas capazes de se modificar em razão de ações políticas organizadas e levadas a cabo justamente por parte daquelas populações historicamente sujeitas a processos de vulneração e marginalização, ou seja, aquelas populações marcadas pela precarização econômica e pela exclusão (no todo ou em parte) da cidadania e do direito. Se, como constata Rancière, a democracia é “a ação que incessantemente arranca aos governantes oligárquicos o monopólio da vida pública e à riqueza o poder absoluto sobre as vidas,” (2005, p. 105), então se compreende que o grande sonho da oligarquia seja poder “governar sem povo, quer dizer, sem divisão do povo: governar sem política” (RANCIÈRE, 2005, p. 88).

Este projeto de repolitização do demos também pode ser considerado a partir de uma articulação política pós-identitária e que tome por base a formação de alianças entre as populações mais evidentemente expostas ao risco da superfluidade e da precariedade, como o propôs Butler (2015). É preciso proceder a uma nova análise acerca da potência da democracia enquanto poder do povo, tendo em vista pensar e agir visando o alargamento do âmbito daqueles/as que podem contar como cidadãos, bem como visando a ampliação dos espaços passíveis de serem submetidos a princípios de igualdade. Ora, parece-nos que Butler (2015), Rancière (2005) e Arendt (1989) podem nos auxiliar a pensar essa renovação do poder do demos a partir das ações coletivas daqueles e daquelas que, em dado momento histórico, se encontram privados de direitos e de cidadania, sendo barrados do espaço público e relegados aos espaços privados: as mulheres, os/as negros/as, os/as indígenas, os/as pobres, os/as trabalhadores/as, os/as migrantes, a população LGBTI+, e assim por diante. Afinal, se o poder do povo se exerce na ausência de um título para seu exercício, então o exercício da política, enquanto luta coletiva, talvez nos permita pensar que são exatamente aquelas categorias sociais desprovidas do título de cidadania que, ao se engajarem em lutas políticas e sociais pelos direitos de que se encontram privadas, dão início à marcha que pode levar à instauração e ao exercício efetivo daqueles direitos que antes lhes eram negados. Será que o ‘poder’ do demos não seria justamente o poder daqueles que, a despeito de se encontrarem privados de direitos e de poder, se reúnem, agem, discutem, debatem e, deste modo, põem em ação o direito e o poder de que mais carecem? Não seria esta a paradoxal potência performativa do demos? A resposta a tais perguntas ensejará a formulação de um novo texto, dedicado a investigar a seguinte questão: como podemos resistir aos efeitos das políticas neoliberais e de partilha biopolítica entre os incluídos e excluídos da cidadania? Como podemos resistir aos efeitos perversos de esvaziamento da democracia?

Referências

AGAMBEN, G. Homo sacer. L’intégrale. 1997-2015. Paris: Seuil, 2016. https://doi.org/10.1515/9780804764025Links ]

ARENDT, H. The human condition. Chicago: University of Chicago Press, 1989. [ Links ]

BROWN, Wendy. Undoing the demos. Neoliberalism stealth revolution. Nova York: Zone books, 2015. https://doi.org/10.2307/j.ctt17kk9p8Links ]

BROWN, Wendy. “American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-democratization”. In Political Theory, vol. 34, n. 6 (Dezembro) 2006, pp. 690-714. https://doi.org/10.1177/0090591706293016Links ]

BUTLER, J. Bodies that matter. On the discursive limits of ‘Sex’. New York: Routledge, 1993. [ Links ]

BUTLER, J. Notes toward a performative theory of assembly. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2015. https://doi.org/10.4159/9780674495548Links ]

CASTELLS, M.; Ruptura, a crise da democracia liberal. RJ: Zahar, 2018. Tradução de Joana Angélica D’Avila Melo. [ Links ]

CÉSAR, Maria Rita de Assis; DUARTE, André. “Governamento e Pânico Moral: corpo, gênero e diversidade sexual em tempos sombrios.” In EDUCAR EM REVISTA, v. 33, p. 141-155, 2017. https://doi.org/10.1590/0104-4060.54713Links ]

DARDOT, P; LAVAL, C. La nouvelle raison du monde. Essai sur la société néolibérale. Paris: La découverte, 2010. [ Links ]

DUARTE, A. Vidas em risco: crítica do presente em Arendt, Heidegger e Foucault. Rio de Janeiro: Grupo GEN/Forense Universitária, 2010. [ Links ]

ESPOSITO, R. Bíos. Biopolítica y filosofia. Buenos Aires: Amorrortu, 2006. Tradução de Carlo R. Molinari Marotto. [ Links ]

FOUCAULT, M. Dits et écrits, volume III. Paris: Gallimard, 1995. [ Links ]

FOUCAULT, M. História da sexualidade. Volume I - A vontade de saber. 13a ed. Rio de Janeiro: Edições Graal 1999. Tradução de M. T. da Costa Albuquerque e J. A. G. de Albuquerque. [ Links ]

FOUCAULT, M. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Tradução de Eduardo Brandão. [ Links ]

FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Tradução de Eduardo Brandão. [ Links ]

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Tradução de Maria Ermantina Galvão. [ Links ]

KILOMBA, G. Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. Tradução de Jess Oliveira. [ Links ]

LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2018. Tradução de Renato Aguiar. [ Links ]

MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Editora, 2018. Tradução de Renata Santini. [ Links ]

NEGRI, A.; HARDT, T. Imperio. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002. Tradução de Alcira Bixio. [ Links ]

OGILVIE, B. L’Homme jetable. Essai sur l’extremisme et la violence extreme. Paris: Ed. Amsterdan, 2012. [ Links ]

RANCIÈRE, J. La haine de la démocratie. Paris: La Fabrique, 2005. https://doi.org/10.3917/lafab.ranci.2005.01Links ]

RUBIN, G. Thinking sex. Notes for a radical theory of the politics of sexuality. In: ABELOVE, H.; BARALE, M. A.; HALPERIN, D. M. (Ed.). The lesbian and gay studies reader. New York: Routledge, 1993. [ Links ]

ZAKARIAS, FAREED. “The rise of illiberal democracy”. In Foreign Affairs; Nov/Dec 1997; 76, 6, pp. 22-43. https://doi.org/10.2307/20048274Links ]

Recebido: 11 de Dezembro de 2019; Aceito: 20 de Maio de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons