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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.68 Uberlândia mayo/ago 2019  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n68a2019-51962 

Dossiê Entre o governo das diferenças e os corpos ingovernáveis: potência da vid

A emersão do homo friabilis: subjetivação em tempo de cleptoafetividade

The rise of homo friabilis: subjectivation in klepto affectivity times

La emersion del homo friabilis: subjetivación en tiempos de clepto afectividad

Alexandre Filordi de Carvalho* 
http://orcid.org/0000-0003-4510-9440

*Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). E-mail: afilordi@gmail.com


Resumo

O artigo investiga a seguinte hipótese: o homo friabilis tem se tornado uma nova condição para a compreensão humana emergente da experiência contemporânea. O homo friabilis é uma experiência de fragmentação, no sentido de friável, ou seja, aquilo que se fragmenta facilmente, esboroa-se, ou em sua aquisição mais figurativa, desagrega-se. Para tanto, parte-se de uma questão teórica situada por Deleuze e Guattari em Mil Platôs acerca da complexa relação da potência-impotência do poder na produção de subjetivação. Ver-se-á que tal perspectiva diz respeito ao coeficiente afetivo dos sujeitos. Nesse caso, o sujeito contemporâneo estaria padecendo de uma cleptoafetividade, entendida como roubo da potência de agir e demanda maior à adaptação aos circuitos afetivos padronizados. Ao explorar esse cenário, o artigo sustenta que não se pode ignorar o impacto de tais mutações para se avançar nas pesquisas concernentes às ciências humanas.

Palavras-chave: Subjetivação; Afetos; Homo friabilis; Condição humana; Deleuze e Guattari

Abstract

The article investigates the following hypothesis: the homo friabilis has become a new condition for the emerging human understanding of contemporary experience. The homo friabilis is an experience of fragmentation, meaning friable, i.e., that which breaks up easily, crumbles up, or in its figurative acquisition, disintegrates. To this purpose, it starts from a theoretical question posed by Deleuze and Guattari in Thousand Plateaus about the complex power-powerlessness relation of power in the production of subjectivation. It will be seen that such perspective concerns the affective coefficient of the subjects. In this case, the contemporary subject would be suffering from klepto affectivity, understood as theft of the power to act and demands greater adaptation to the standardized affective circuits. In exploring this scenario, the paper argues that the impact of such mutations cannot be ignored to advance research on the humanities.

Keywords: Subjectivation; Affections; Homo friabilis; Human condition; Deleuze and Guattari

Resumen

El artículo investiga la siguiente hipótesis: el homo friabilis se ha convertido en una nueva condición para la comprensión humana emergente de la experiencia contemporánea. El homo friabilis es una experiencia de fragmentación, en el sentido de friabilidad, es decir, lo que se fragmenta fácilmente, se desborda, o en su adquisición más figurativa, se desintegra. Con este fin, se parte de una pregunta teórica planteada por Deleuze y Guattari en Mil Mesetas sobre la compleja relación potencia-impotencia del poder en la producción de subjetivación. Se verá que tal perspectiva concierne al coeficiente afectivo de los sujetos. En este caso, el sujeto contemporáneo sufriría una clepto afectividad, entendida como robo de la potencia de actuar y demanda de una mayor adaptación a los circuitos afectivos estandarizados. Al explotar este escenario, el artículo argumenta que el impacto de tales mutaciones no puede ser ignorado para avanzarse en la investigación de las ciencias humanidades.

Palabras clabe: Subjetivación; Afectos; Homo friabilis; Condición humana; Deleuze y Guattari

Problematização inicial

O texto tem por objetivo apresentar a concepção de homo friabilis. Tal concepção refere-se à produção de subjetivação contemporânea cujo escopo central é dissolver a economia dos afetos humanos sob a lógica de uma desintegração social, psíquica e subjetiva, ao menos tal qual se vivenciava em seus territórios existenciais. Para tanto, investiga-se uma série de sintomas no atual contexto histórico para se evidenciar: a) a desintegração da capacidade humana de estar e de ser presente consigo mesma, com os outros e com a própria temporalidade; b) a dissolução de territorialidades de passagens marcadas por relações íntimas, familiares, reconhecidas e não mercadologizadas, quando outrora os afetos comportavam parte relevante nas relações humanas, como costumavam ser as relações privadas de âmbito familiar; c) a assunção do empoderamento da opinião como verdade reconhecida por qualquer direito de expressão e de conteúdo, independentemente de seu portador, presentificando a verdade como individualidade relativa e sem coesão social; d) o espraiamento da banalização do mal associado a política subjetiva de desorientação de informações e de descontrole de nosso acesso a ela.

A partir do pensamento de Deleuze e de Guattari (2012) em Mil Platôs, especificamente suas abordagens acerca da micropolítica e da segmentaridade, aporta-se teoricamente a perspectiva teorizada em torno do homo friabilis. Ao mesmo tempo, tal analítica converge seu empreendimento para a coincidência existente e utilizável do homo friabilis como figura de proa do neoliberalismo contemporâneo. Nessa perspectiva, como será visto, a estratégia de governamentalidade dos afetos do homo friabilis está para a cleptoafetividade constante de sua potência afirmativa. Ao cabo, o texto assume a ponderação para a urgente produção de subjetividade capaz de resistir e de romper com o homo friabilis e a sua lógica de fragmentação afetiva e social.

1. Sintomas da subjetivação contemporânea: prenúncios do homo friabilis

Sintoma 1 - Epidemia de solidão. Pelo aplicativo The People Walker, “passeadores” cobram entre 7 e 21 dólares para acompanhar outra pessoa em uma caminhada. Rent a Friend foi fundada em 2009 nos EUA, conta com mais de 600.000 “amigos de aluguel” em vários países do mundo. Os usuários, que pagam entre 10 e 50 dólares por hora, podem usufruir de um “verdadeiro” amigo1.

Sintoma 2 - Buffet infantil para a festa de aniversário dos sonhos de seu filho: games, muita adrenalina, diversão, estacionamento com valet2.

Sintoma 3 - Um projeto de lei: O Senador Flávio Bolsonaro quer alterar assassinato cometido pela polícia para “suicídio policial”3.

Sintoma 4 - Educar para que cada um saiba se expressar e compartilhar suas opiniões.4 Em tal conjuntura, o anseio pela verdade, no sentido socrático, foi capturado pela tendência doxológica dos formadores de capacidades meramente expressivas, tal como ansiavam os sofistas.

Sintoma 5 - “Mãe, ele não viu que eu estava de uniforme?”, disse Marcos Vinícius, 14 anos de idade, minutos antes de morrer no colo da mãe, ao ser alvejado pela polícia militar do Rio de Janeiro por ser negro, pobre e viver no Morro da Maré5. Mas também, na mesma conjuntura: quem matou Mariele; quem incendiou a Amazônia?

A conjugação do que é chamando aqui de sintomas converge, em primeira instância, para a desintegração da capacidade humana de estar e de ser presente consigo mesma, com os outros e com a própria temporalidade no sentido pleno da presença humana. Doravante, a amizade pode ser um contrato estabelecido no mesmo sentido de uma prestação de serviço. Tal dimensão é absolutamente alienígena à compreensão da amizade como doação afetiva, intercâmbio de cumplicidade e intimidade humanas, solidificação da confiança na alteridade, e sucessivamente.

Em segundo lugar, vislumbra-se a dissolução de territorialidades de passagens marcadas por relações íntimas, familiares, reconhecidas e não mercadologizadas, quando há bem pouco tempo se presentificavam como economia afetiva relevante para o fortalecimento de vínculos sociais. Por exemplo, a comemoração de aniversário, via de regra, não era um processo de terceirização estranha aos territórios do convívio familiar e de sua intimidade. Ao contrário, todavia, tratava-se de um pequeno ritual de fortalecimento das relações privadas, além de ser um espaço de convivência social com os sujeitos exógenos a tal espaço, contudo, convidados a se correlacionar com tal intimidade, sob um jogo coextensivo de mutualidade e de reciprocidade de convivência.

Numa terceira dimensão, vê-se a assunção do empoderamento da opinião como verdade reconhecida por qualquer direito de expressão e de conteúdo, independentemente de seu portador. Nesse caso, não é apenas a cultura dos influenciadores digitais que emana toda sorte de opiniões, de julgamentos, de balizas preconceituosas que se encontra em questão. O ponto é que, a partir da supervalorização da opinião, tradição e proteção jurídicas, valores humanos consolidados por princípios considerados universais - amplo direito à defesa, igualdade da condição humana, proteção social, dentre outros - passam a ser solapados pela coincidência das opiniões que se convergem para a banalização do mal.

Tal efeito, finalmente, não seria possível sem a atual hipertrofia da desorientação de informações e do descontrole de nosso acesso a elas. O efeito fake news é apenas a ponta mínima de um cenário gigantesco que se avoluma como manipulação da opinião, da interpretação dos fatos, da verdade minimamente condizente a uma realidade, como bem demonstram as pesquisas de Carr (2011), Gazzaley, Rose (2016) e Klein (2007).

Foucault (1995), aqui, não precisaria se revirar no túmulo, pois o rosto humano, tal como o conhecíamos até bem pouco tempo, já foi apagado de seu desenho na orla do mar. O rosto humano se tornou um fantasma, uma conjunção de moléculas abstratas, uma plataforma de experimento direcionado. As pesquisas de Gallego, 2018; Klein, 2017, Ziblat, Levitsky, 2018, reúnem fartas evidências de como celulares operam escutas clandestinas e sistemáticas para personificar propagandas; redes sociais lançam aplicativos brincalhões para colher dados que serão vendidos depois de serem utilizados para estabelecer perfis de personalidades: Trump e Brexit são produtos concretos dessa “brincadeira”, mas também a criação do banco mundial de reconhecimento facial; o direcionamento do afeto é algoritmizado por falsas informações e compartilhado massivamente numa espécie de pesadelo macabro de Guy Debord (2000) - basta estar na imagem para existir -: Bolsonaro é um produto concreto desse efeito, mas também Duterte, Órban, Witzel, dentre outros.

A partir dessas considerações, o artigo intenta aprofundar a seguinte hipótese: a fragmentação concatenada produzida de maneira automatizada e maquinada dos afetos é o precursor fundamental - no sentido de fundamento e de fornecer condições - de novos processos de subjetivação que reafirmam uma tríplice problematização. Em primeiro lugar, emerge-se um tipo de desnorteamento psíquico fundamental à aceitação de toda precarização e de todo padecimento dos afetos, condição sine qua non para os abusos sistêmicos das plataformas de governos neoliberais.

Em um segundo patamar, descortina-se a superficialidade da experiência humana com seus juízos, emoções, interrelações, projetos decorrentes dos plug-ins de produção de desejos imediatos. Em outros termos, cada vez de um modo mais intenso, a subjetividade é conectada aos processos produtivos de demandas psíquicas e comportamentais incapazes de suportar qualquer mediação histórica, social, parental, analítica etc. Em termos econômicos, deve-se prevalecer o curto prazo que, como demanda humana acolhida sem crítica, tem sido responsável por gerar uma série de patologias associadas à frustração das barreiras reais interpostas entre imediatismo e a expectativa de desejos, sonhos, realizações sociais e sucessivamente, tal como Twengee e Campbell (2013) destacam.

Finalmente, o contexto da condição humana vem experimentando a reafirmação da explosão da autocentralidade dos sujeitos em ilhas de convicção, ou melhor, de uma explosão da subjetividade narcísica e de sua exploração que se interconectam diretamente com o aumento do padecimento dos afetos dos sujeitos cujas funções seriam, em alguma medida, pavimentar condições mínimas de sociabilidade: amor, segurança, reconhecimento, consideração, misericórdia, satisfação, apenas para mencionar alguns dos afetos arrolados por Spinoza (2009) em A origem e a natureza dos afetos.

A questão, em suma, é a de conduzir a hipótese analítica para a seguinte radicalidade, reconhecendo o grau de pretensão aqui anunciada: é possível que se esteja presenciando a emersão de uma nova condição humana. Por quê? Porque não se é mais sujeito de sua própria racionalidade e capaz de fazer escolhas simultâneas aos seus desígnios. Submetido a processos geridos fora dos circuitos da volição teleguiada, uma vez que se impõe uma série de demandas executantes sem o conhecimento, produzidas por algoritmos autônomos e automatizados, a capacidade do entendimento e do juízo dos sujeitos, no tabuleiro das decisões, acaba se reduzindo a uma performance de escolhas a certos padrões preestabelecidos de modo de ser6. Assim, já não se é homo sapiens.

Outrossim, por não se inventar as próprias ferramentas capazes de explorar e de transformar meios em fins, já não se é homo faber. Por se distanciar da capacidade lúdica não alienadora, negociada e padronizada, não se pode dizer que se é o homo ludens. Esse ser na curvatura ainda não avaliada do antropoceno, capaz de dizimar as condições naturais para a sua sobrevivência; capaz de reidolatrar os campos de concentração e os porões fétidos da tortura, ao mesmo tempo que reanima a platitude da terra, enche-se de botox e se retalha em nome da ficção de si, abraça a sujeição e a servidão como o melhor amigo, sorve pesticidas sem lamento, exercita-se na esteira da intolerância e se intoxica com dosagens de poderes de tarja preta, conforme a hipótese deste texto, tal ser é o homo friabilis.

Portanto, é com o intuito de investigar a emersão do Homo friabilis coextensiva a produção de subjetivação em tempo de cleptoafetividade, que o artigo encontra a sua razão de ser.

2. Emersão e compreensão do homo friabilis

Friabilis - para honrar melhor o termo - é o mesmo que friável. Aquilo que se fragmenta facilmente; esboroa-se, ou em sua aquisição mais figurativa, desagrega-se. O homo friabilis é uma produção social que imanta migalhas e delas sobrevive. Como se chegou esse ponto? O fundo teórico a permitir o acesso à ideia do homo friabilis está em uma passagem muito curiosa do platô 1933- Micropolítica e segmentaridade, de Deleuze e Guattari (2012).

Sem entrar no mérito e na complexidade contextual da política das linhas de constituição de relações de poderes nos espaços sociais e psíquicos, algo retratado ao longo do referido platô, destacar-se-ia a perspectiva da maldade radical e da vaidade mencionadas ali acerca dos centros de poder. A certa altura, há o seguinte argumento: “é sempre do fundo de sua impotência que cada centro de poder extrai a sua potência: daí sua maldade radical e sua vaidade” (DELEUZE; GUATARRI, 2012, p. 118).

A expressão “cada centro de poder” remete-se a uma miríade incontável de centros de poder. O poder, aqui, não é uma racionalidade centralizada em uma máquina burocrática, tampouco em dosagem quantificável. O poder é uma potência paradoxalmente extraída de uma impotência. Essa impotência, no decorrer do vasto contexto de Capitalismo e esquizofrenia I e II, é apresentada como a própria feição antiprodutiva do capitalismo e do desejo que deseja para si o seu autopadecimento. Em outros termos, a produção que interessa ao sistema é a antiprodução de afetos, no sentido de bloqueio de ações que sejam capazes de se contrapor à antiprodução sistemática dos centros de poder. Por exemplo, não interessa às corporações farmacêuticas a cura do câncer ou do HIV, mas suas manutenções como doenças crônicas até o final da vida, porque é muito mais lucrativo (PRECIADO, 2018); pouco importa aos revolucionários da vida alheia, abrir mão do fornecimento de seus dados pessoais às redes sociais, afinal, eles também cumprem o ímpeto da conectividade, aceitando as mesmas condições forjadas para uma “narratologia geral”, na expressão de Jean-Pierre Faye (2009).

Se para Deleuze e Guattari (2012, p. 105), os “centros de poder se definem por aquilo que lhes escapa”, ao mencionarem que a potência dos centros de poder é extraída de sua impotência, de um lado, indicam que não há linha de fuga dos centros de poder que não esteja sob o gládio da ameaça da captura. O Estado, o capitalismo, as redes sociais, as máquinas sociais são especialistas nisso. Somos todos, com efeito, vítimas de uma boa política de inclusão, eis a questão. Por outro lado, a impotência indicaria a vasta complexidade latente de toda micropolítica que está sendo escrita e que ainda não se conjugou, mas que recairá no próprio centro de poder: irradiações perenes de buracos negros, ou seja, tipos de dragagem e de sucção de energia, ou da potência do desejo em nome das cauções de controle de qualquer sistema de dominação de significado. Qualquer centro de poder emana o imperialismo de significados que precisam ser obedecidos. Bela ironia e tão atual: “a potência e a impotência se completam e se reforçam mutuamente, numa espécie de satisfação fascinante que encontramos eminentemente entre os mais medíocres homens de Estado, e que define sua ‘glória’” (DELEUZE; GUATARRI, 2012, p. 117). A glória da política de Estado, portanto, está na mediocridade.

A maldade radical, desse ponto de vista, não se situa apenas na cristalização visível de certos centros de poder: Reichstag, Politiburo, AI5, G7, FMI, Banco Mundial, e até Grupos de Estudos e de Pesquisa, etc. Nem a vaidade radical dos centros de poder estaria na condição de sua visibilidade ostentatória. A maldade radical dos centros de poder contemporâneos está na dissimulação do próprio poder como germe de sujeição e de condução 24 horas/7 dias de estratégias de condicionamento afetivo, perceptivo, racional, forjando aos seus alvos a convicção autoenganosa de que eles são mais livres e informados do que nunca; que suas opções de prazeres são as mais intensas; que suas lucidezes devem equivaler a insônia; que a precarização existencial é o deus ex machina de toda conquista social.

Mas a suspeita aqui presente é que tal perspectiva não seria possível sem uma questão de fundo: foi preciso disseminar mecanismos de aderências subjetivas nas pessoas produzindo, generalizadamente, o desejo pela soberba da ambição como mais-valia de maior potência, embora extraída da própria impotência humana. Explica-se: Spinoza (2009, p. 150) argumentava que a “soberba consiste em fazer de si mesmo, por amor próprio, uma estima acima da justa”; e afirmava, ainda mais, que a ambição é o desejo imoderado de glória. Tempos depois, a psicanálise freudiana haveria de cunhar o termo narcisismo para tais dimensões. Hoje, o narcisismo é a matéria prima de alta combustão para qualquer centro de poder, podendo ser definido como a sanha da soberba da ambição imoderada de se autoproclamar como um próprio centro de poder. Portanto, seria necessário fazer uma atualização à questão talhada por Deleuze e Guattari (2012): é sempre do fundo de sua impotência que cada centro de poder extrai a sua potência: daí sua maldade radical e seu narcisismo.

Ora, não é sem sentido as ponderações de Nikolas Rose (2011, p. 210) em Inventando nossos selfs: vivemos em tempo de

especialistas em subjetividade” que transfiguram questões existenciais sobre o propósito da vida e o significado do sofrimento em questões técnicas quanto a formas mais eficientes de gerenciar o mau funcionamento e melhorar a “qualidade de vida.

Em questão encontra-se a existência sendo reduzida às plataformas de modelização choaching. Mas também, cada um em sua rede de relações ou centro de poder narcísico torna-se, assim, economista, cientista social, historiador, geógrafo, politólogo, psicanalista, padre ou pastor, etc. A maldade radical, por sua vez, alcança o patamar do autoadestramento performático no panóptico de espelhos narcísicos, ou seja, busca-se o reflexo daquilo que se deseja, porém, conforme a restrição da bolha de seu entorno. Eis uma série de mundos friáveis para sujeitos friáveis, sujeitos friáveis para mundos friáveis, com vários centros de poder para funcionarem como colônias e administração dos modos de ser. Assim, ainda argumenta Rose (2011, p. 219) acerca desse contexto:

indivíduos contemporâneos são incitados a viver como se fossem projetos: eles devem trabalhar seu mundo emocional, seus arranjos domésticos e conjugais, suas relações com o emprego e suas técnicas de prazer sexual: devem desenvolver um “estilo” de vida que maximizará o valor de suas existências para eles mesmos.

Não obstante, esses mesmos indivíduos devem estar conformados às mesmas vestimentas subjetivas, todas elas feitas sob encomenda e sob medida. Nesse caso, cada um vê a sua subjetividade preparada para poder habitar diferentes esferas simultaneamente, demanda imanente ao homo friabilis, passando de uma a outra sem cessar, ainda que exaurido pela extrema conectividade de circuitos impossíveis de serem cumpridos como “potência de agir aumentada”. Antes da precarização do trabalho, foi necessário, portanto, uma precarização dos afetos. Com efeito, a cleptoafetividade como roubo da potência de agir e mais adaptabilidade à programação dos circuitos afetivos padronizados e controlados vem a ser uma vasta forma de precariocracia dos afetos.

3. Subjetivação em tempo de cleptoafetividade

A essa altura, a experiência do homo friabilis com a economia dos afetos está para uma cleptoafetividade. A potência, portanto, da afirmação de modos de ser produzidos por processos de subjetivação é extraída da impotência inerente a si mesmo: o homo friabilis não é mais capaz de reunir os seus cacos; ele se fragmenta em microcacos; esboroando-se, escorrega pela ampulheta da falta de controle sobre si mesmo; esmigalha-se. Ao mesmo tempo: ele é o prenúncio e a autorrealização da sociedade de controle. A um só golpe, tenta-se enxergar tal prisma naqueles aspectos mencionados anteriormente: 1) a produção do desnorteamento psíquico fundamental à aceitação de toda precarização e padecimento afetivo; 2) a superficialidade como marca indelével do homo friabilis; 3) a explosão da autocentralidade dos afetos como popularização de modos de ser narcísicos. São lances e apostas interpretativos das maldades refinadas e de seus narcisismos, senão veja-se.

Por volta de 1950, Ewen Cameron, na McGill University, e sob os auspícios da CIA, como bem revela Naomi Klein (2007) em A doutrina do choque - a emersão do capitalismo de desastre, desenvolveu uma série de pesquisas com o eletrochoque. Buscava-se descobrir como eliminar maus-hábitos e reescrever novos padrões em um cérebro que estaria próximo de uma “tela em branco”. A totalidade pretendida do experimento não foi possível de ser alcançada. Todavia, o que se descobriu foi de muita serventia e pode ser sintetizado da seguinte maneira: a) o tratamento de choque estimula o surgimento de novos padrões de comportamento e aniquila outros; b) reduz-se a ação dos mecanismos de defesa dos indivíduos por intermédio o uso do choque; c) associado à privação sensorial, o choque altera a capacidade cognitiva; d) o indivíduo torna-se receptivo a qualquer sugestão após intensas sessões de choque; e) compromete-se e modifica-se a percepção espaço-temporal dos indivíduos; f) produz-se desorientação, ansiedade e regressão. Conforme investigou Klein (2007), o manual da CIA conhecido como Kubark aprofundou e especializou a aplicação do choque na política pós 11 de setembro de 2001. De A laranja mecânica até aos porões de tortura de Guantánamo e de Abu Ghraib, não é necessário detalhar a suas consequências.

Mas foi Milton Friedman, conforme indica Klein (2007), economista catalisador do neoliberalismo da Escola de Chicago, a partir dos anos 60, que teve a perspicácia de conduzir os testes com o eletrochoque como paralelismo na criação da doutrina econômica do choque. Para se instaurar um programa econômico indigesto à população, o timer otimizado é quando ocorre um choque em larga escala sem prévia suspeita: um terremoto, um tufão, um tsunami, um ataque terrorista em larga escala, etc. Sob tais circunstâncias, a explosão das charter schools em New Orleans pós Katrina, a remoção dos povos autóctones para a construção de resorts de luxo no Sri Lanka pós tsunami de 2004, o Patriot Act pós 11 de setembro, a onda da terceirização pós falência de parte do sistema bancário em 2008, toda essa conjuntura reflui como testemunha efetiva do que a doutrina do choque é capaz de consolidar: oportunizar o inaceitável enquanto as pessoas estão em estado de choque.

Entretanto, nem sempre a natureza ou o imprevisto são convenientes. Nessas circunstâncias, é preciso produzir o choque. É preciso matar Salvador Allende para que as minas de cobre do Chile não sejam reestatizadas; no Brasil, há de se dar um golpe cívico-militar para não haver reforma agrária como pretendia João Goulart nos idos de 1964; tem de se destituir uma presidenta legítima para que os velhos “donos do poder”, saídos diretamente do necrotério, retransmitam as monstruosidades do coronelismo; é preciso oportunizar a queda das torres do Empire States para se invadir o Iraque, mesmo quando se prove que Saddam Hussein não tenha nada a ver com isso; ainda será necessário desviar os cursos de rios para forçar a migração de árabes na faixa de Gaza; quiçá, seja preciso incendiar a Amazônia para correr solta a reforma da previdência, a desidratação das agências de federias de pesquisa - não se sabe. Seja como for, a estratégia é a mesma: montar sempre um teatro da farsa para desorientar, minar as defesas, infantilizar, fazer que os indivíduos sejam mais receptivos ao que, em tempos normais, seria considerado absurdo e impossível de ser realizado7.

Quando Deleuze e Guattari, em O anti-Édipo (2010, p. 90), afirmam que “o capital é um ponto de subjetivação por excelência”, tem-se de pensar que a própria excelência do capital passou a ser a utilização das técnicas sociais de choque em sua franca maldade. Em termos simples, passou-se a viver sob o rótulo da necessária adequação a toda forma de exploração, de barbaridade, de desumanização e de aviltamento das condições humanas. Se a subjetivação é o nome que se pode dar aos efeitos de composição e de recomposição de como os centros de poder incidem sobre nós com suas forças, práticas e relações, como propõe Rose (2011), extraindo modos de ser precisos, não se pode ignorar o quanto o gradiente de desorientação subjetiva concatena respostas agenciadas para nos manter no centro da desorientação.

Mas, aqui é importante considerar aspectos que ainda não se consegue mensurar ou apreender, dada o teor recente de seus agenciamentos. Gazzaley e Rosen (2016) em The distracted mind. Ancients brains in a high-tech world chamam a atenção para o fato de que em apenas quatro anos a Internet alcançou todo o globo, produzindo, com sustentava Guattari (1985), modos absolutamente novos nos coeficientes perceptorias, afetivos e comunicacionais. Em termos comparativos, o rádio levou 38 anos para se expandir, o telefone vinte anos, a TV ao redor de treze anos. Desde McLuhan (2016) sabe-se que a comunicação não é apenas um meio, pois como ele alertara, o meio é a própria mensagem. A rapidez com que os meios de mensagens se alastraram aportam impactos na condição humana que ainda estão em franca investigação. Contudo, cada vez mais o que se vê é o aceleramento vertiginoso da colonização espraiada da comunicação: o Facebook levou apenas dois anos para se expandir globalmente, enquanto o Whatssap metade desse tempo.

Em tal conjuntura, há uma conjunção de choques de afecção do qual se é incapaz de mensurar, sobretudo em um país colocado globalmente em terceiro lugar em usuários de Facebook e consumindo 25% de toda utilização de tempo em smartphones em Whatssap8. O que se dizer, e basta a intuição racional para tanto, é que cada vez mais as pessoas se sentem desorbitadas, efeito da doutrina do choque sobre seus afetos, pois a desterritorialização produzida sobre elas tem sequestrado as mínimas referências de quem eram, de como podiam agir, calculando, minimamente, o tempo de maturação de seus processos mentais, afetivos, racionais, comportamentais, etc.

Mas como isso é possível? Ou ainda, por que não reagir? Talvez porque o choque seja uma tática perfeita de desorientação; talvez porque se tenha se tornado a própria corrente de transmissão, sem querer, do sistema que paralisa com seus centros de poderes em maldade radical: levar a crer as pessoas que elas não participam dessa engrenagem.

Queira-se ou não, cada um de nós passou a ser uma embreagem de transmissão essencial nessa dinâmica: se, doravante, estar conectado é um ponto irreversível da existência, também não se pode negar que tal irreversibilidade carrega consigo todos os efeitos possíveis de manejo na economia afetiva e psíquica, pois ambas são indissociáveis. Sem se dar conta, o maior choque que se processou e continua a se processar para o sujeito contemporâneo é o do semiocapital, ou seja, das explorações de desejo que normalizam a sua antiprodução, pelo simples fato de se situar em um outro formato comunicacional, conforme propõem Berardi, 2005; De Boever, Neidich, 2013. A sociedade de informação processou para nós, em nós e conosco a mais abrangente sujeição semiótica até então impensável.

Uma série de pesquisas começa a destrinchar e a comprovar as mutações subjetivantes que por aí perpassam, notadamente pelo simples fato de forçar à adaptação tão rapidamente a um ecossistema de interrupção tecnológica por demandas excessivas de comunicação e de expressão impositivas. O mundo das interações imediatas, sem esperas ou rituais, tornou-se espécie de agenciamento de desterritorialização absoluta, um novo ponto de subjetivação em curso, um ralo a dragar a cada um de nós.

Pesquisadores como Carr em The Shallows: what the internet is doing to our brains. (2011); Gazzaley e Rosen com suas pesquisas acerca da mente distraída, em The distracted mind. Ancients brains in a high-tech world; (2016), Turkle (2012) em Alone together. Why we expect more from technology and less from each other, dissecando o solipsismo contemporâneo calcinado pela expectativa tecnológica da conexão vazia e cada vez mais arredia à socialização calcada no plano da realidade; Twenge e Campbell (2013), revelando em The narcissism epidemic a insuportabilidade narcísica perante valores, opiniões, credos e posturas humanas a questionar a bolha do empoderamento da autorreferencialidade, por sua vez, municiada por “seguidores”, “likes”, “partilhas” ecoadas na realidade virtual, enfim, tais pesquisas têm reunido extensos dados e suscitado uma fortuna critica ao redor de questões assustadoras. Dentre elas: como partes importantes da estrutura cerebral tem se alterado em função da dependência da máquina comunicacional. Por exemplo, as pessoas estão se tornando cada vez mais resistentes à atenção de longo prazo; presencia-se a alteração da relação com a memória; passa-se a se inclinar à pressa analítica; o pensamento tem experimentado cada vez mais a superficialidade como plano de compreensão da realidade; os indivíduos estão tendo dificuldade em ser contrariados, sobretudo fora dos valores reduplicados nas conexões de suas bolhas comunicacionais, e, ainda mais, tendo enorme dificuldade em consolidar percursos existenciais que demandam longa temporalidade. E não é tudo: a mente passou a se adaptar à distração, pois as informações combinam parcialidade, multimídias, fragmentos de conteúdos, irrupções de toda ordem: bipes, propagandas, pop ups, notificações, telas que acendem e vibram, etc. Sem contar o fator F que praticamente direciona um novo modo de leitura, ou seja, um estilo de leitura semelhante à letra F: por saltos, incompleta, pela metade, conforme explora Carr (2011).

A sobrecarga de componentes semióticos passou a estar vinculada a uma sobrecarga nas funções atentivas, doravante pouco capazes de produz análise sem presa, sem distração e sem contaminação pela expressão imagética imediata. Se Guattari (1985) alertava nos anos de 1980 para o perigo de uma intoxicação audiovisual generalizada, ousaria dizer que precisamos nos desintoxicar imediatamente. O circuito cogno-sensório-afetivo pelo qual se transita, argumentam aqueles pesquisadores acima, é repetitivo, intensivo, interativo e viciante, e, sem que se saiba, conduz a condição humana para uma forte e rápida alteração nas conexões e nas funções de suas leituras de mundo e, logo, nos modos como se (inter)age com o mundo, com os outros e cada qual consigo mesmo.

A suspeita argumentativa aqui é da seguinte ordem: se procede que se adentrou na era da distração (GAZZALEY; ROSEN, 2016), equipados com uma percepção e afetividade distraídas, concomitantemente com a capacidade do pensamento persistente minada, a passividade na aceitação de qualquer choque projeta um circuito perigoso para os terrenos existências. Seria o mesmo que dizer: a questão da sobrevivência psíquica, emocional e física está sendo inclinada na direção de um projeto de adesão sem volta. Aqueles que discordam em tal plano precisam ser eliminados, de alguma maneira ou de outra. Quem não segue o fluxo das adesões alucinantes, nesse caso, tem se tornado uma ameaça, um escolho, uma tormenta para o funcionamento da normalidade.

A meu ver, tal conjuntura faz sentido com a inclinação vaidosa dos centros de poderes, mas eles também somos nós. Em outros termos, o primeiro e o último amém na consagração dos regimes de disseminação de conteúdos e de expressões desumanos, bárbaros, violentos, banalizadores da maldade, jocosos com a gravidada; a cumplicidade monolinguístico-afetiva: todos têm, todos fazem, todos vão, todos viram, todos aceitam; ou ainda, ninguém se importa, ninguém faz nada, ninguém vai mudar isso aí; o estatuto de normopatologização do gesto rotineiro da cruel exploração e da desfiguração físico-psíquica humana sob a roupagem do empreendedorismo de si mesmo, a aura solipsista do “se vire”; nada disso é possível sem a coincidência da superficialidade com a busca do empoderamento de si mesmo como autocentralidade afetiva.

Irrefutável coincidência, assim, entre: cultura da autopromoção com empreendedorismo do homo oeconomicus; orientação autocentrada para se ter atitude própria, “personalidade”, força de vontade, garra, motivação com meritocracia; educação para a autoestima com atomismo opinativo e social ; demanda constante por sucesso com explosão de taxas de suicídio, depressão e retorno às guildas de anseio identitário - neonazismo, neofascismo, misticismo, animismo, pentecostalismo, cinismo, bolsnonarismo, etc.; além de se estar na proa dos modismos consumistas com o governo pela dívida. Nesse último caso, como argumenta Franco Berardi (2005, p. 119) em A fábrica da infelicidade - trabalho cognitivo e crise da new economy,

a desilusão que se segue à insatisfação das expectativas de consumo produz reações de reafirmação agressiva da identidade tradicional e defesa desesperada daqueles valores tradicionais que a hipermodernização fez eclodir sem substituí-los com seguranças materiais e alternativas psicológicas.

O narcisismo, com toda a sua fantasia, ressoa como o último quinhão desintegrado do humo do homo friabilis. Ao tentar se unificar, porém, ele acaba promulgando o seu próprio rancor, impotência e sentimento de exclusão. Não apenas porque, como mostraram Twenge e Campbell (2013), ao mesmo tempo que o interesse na autoestima e na autopromoção explodem, a cultura começa a se mover para longe do pensamento da orientação-comunitária, com efeito, mais porque o sujeito narcísico de nosso tempo só tem a si mesmo como centelha de uma pretensão humana, apesar de ser uma imagem distorcida de um centro de poder carregando a sua maldade radical.

Eis o que se segue: foi preciso haver uma precarização e um sequestro dos afetos para que se auto cumprisse a destinação da potência energética de seus sujeitos no empenho miserável da aceitação precária de suas próprias condições de existência. Eis algo para se pensar, nos termos de Spinoza (2009, p. 155): “chamo de servidão a impotência para regular e refrear os afetos”.

Incômodos finais

Ruptura. Título recém-publicado por coletivos (CENTELHA, 2019). Sejamos ingovernáveis. Tópico primeiro de uma inspiração inclinada à urgente abordagem de uma política de produção de terrenos existenciais capazes de romper com as formas de governo atual, já que são todas submetidas ao interesse do rentismo capitalista. Embora necessário, talvez não se possa deixar de sublinhar que é algo insuficiente, ao menos enquanto não formos capazes de romper com a intoxicação paralisante dos afetos submetidos ao confisco da cleptoafetividade pela funcionalidade da demanda de produção de subjetivação feita para encaixar no sistema. É o mesmo que dizer com Spinoza, a paralisia dos afetos está para a paralisia das ações e para a concessão do padecimento como causa inadequada do modo de agir. A ruptura que se pretende, diga-se, de modo sistêmico, é absolutamente inócua e até pueril se os seus sujeitos continuarem a ter a mesma conexão formativa com a economia afetiva servil.

O que se tentou problematizar neste artigo é justamente a hipótese de que o homo friabilis emerge como nova condição da situação humana contemporânea, cada vez mais fragmentado, isolado e pulverizado no tecido social. Sem possibilidade de juntar os cacos de seus afetos, aqui e acolá, o homo friabilis vai aderindo aos processos sócio-históricos desnorteadores, alguns sedutoramente fascistas, sob a aurora de um niilismo destrutivo e, por isso mesmo, complacente com as próprias condições que o fragmentam.

Doravante, bem possivelmente, as pesquisas que se destinam a pensar, a entender, a investigar e a problematizar a condição humana, ao menos de maneira mínima, não podem deixar de considerar o alcance dessas transformações e mutações que, sem sombra de dúvida, estão produzindo um novo modo de ser - ainda que friável.

Referenciais

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BERARDI, Franco. A fábrica da infelicidade. Trabalho cognitivo e crise da new economy. Porto Alegre: DP&A, 2005. [ Links ]

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TWENGEE, Jean M.; CAMPBELL, Keith W. The narcissism epidemic. New York: Atri, 2013. [ Links ]

2Com uma breve pesquisa na internet, os leitores podem se deparar com buffets especializados em festas exclusivas para meninas, meninos, com temas específicos, com uma miríade de “especialização” lúdica, etc.

3Maiores detalhes em https://revistaforum.com.br/blogs/blogdogeorge/flavio-bolsonaro-quer-mudar-assassinato-cometido-pela-policia-para-suicidio-policial-da-vitima/

4A tendência dessa visão pode ser averiguada, por exemplo, na proposta de cunho empresarial para o campo da educação, como no caso da proposta do Instituto Net Embratel Claro https://www.institutonetclaroembratel.org.br/educacao/nossas-novidades/reportagens/serie-tic-na-educacao-os-nativos-digitais-na-escola/

5Para uma versão completa: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/22/politica/1529618951_552574.html

6Há muito tempo, Adorno e Horkheimer (1985) haviam anunciado a falência das “escolhas” no campo da indústria cultural pelo fato de haver uma programação demandante de comportamentos, de atitudes, de ações perante um repertório negociado conforme o próprio sistema capitalista de produção sistematicamente padronizada. A mesma crítica pode ser usada, hoje, em outra dimensão: há uma indústria de racionalidade que aterra seus sujeitos a uma programação a priori aos circuitos de seus julgamentos, entendimentos e compreensões. Por exemplo, uma rede social retroalimenta informações apenas por onde seu portador circula, ou seja, a sua compreensão de mundo passa a ser reduzida e teleguiada por uma bolha por meio da qual ele chega a compreender o seu mundo - Unwelt. Qualquer razoabilidade fora dessa bolha parecer-lhe-á um absurdo ou incompreensível. Auxiliam nessa compreensão Carr (2011); De Boever, Neidich (2013); Snowden, 2019.

7Os dados mencionados nesse parágrafo podem ser verificados em Klein (2007) e Kinzer (2006).

8Esses e outros dados interessantes sobre o universo de usuários de redes sociais no Brasil podem ser averiguados em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/02/conheca-as-redes-sociais-mais-usadas-no-brasil-e-no-mundo-em-2018.ghtml

Recebido: 11 de Dezembro de 2019; Aceito: 20 de Maio de 2020

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