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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.68 Uberlândia mayo/ago 2019  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n68a2019-48925 

Artigos

Implicações da noção de consciência histórica nas ciências humanas e sociais: um modo de projeção para o futuro e de posição em relação ao passado

Implications of the notion of historical consciousness in human and social sciences: a mode of projection for the future and position in relation to the past

Implicaciones de la noticia de conciencia histórica en las ciencias humanas y sociales: un modo de proyección para el futuro y de posición en relación al pasado

*Doutor em Teologia pela Faculdade EST. Doutor em Teologia pela Faculdade EST. Pós-Doutorado em Educa ção nas Ciências pela UNIJUÍ. Pós-Doutorando em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social pela UNICRUZ, com bolsa Capes, sob orientação do professor Dr. Antonio Escandiel de Souza. E-mail: fabiocesarjunges@yahoo.com.br

**Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) com doutorado sanduíche junto à Facultad de Formación de Profesorado y Educación da Universidad Autónoma de Madrid - UAM. Pós-doutor em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professor na Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). E-mail: tbrutti@unicruz.edu.br

***Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), campus de Vacaria. E-mail: adairadas@gmail.com


Resumo

O presente texto, de caráter bibliográfico, discute o problema da consciência histórica com o objetivo de pensar o sentido dessa expressão na atualidade e as variações que esse conceito adquiriu ao longo da história das Ciências Humanas e Sociais, com ênfase no século XX. A hipótese é que a discussão a respeito da consciência histórica passou a se ocupar, na modernidade, com uma múltipla relatividade de pontos de vista, o que é destacado por Gadamer em sua análise sobre os preceitos implicados na definição do que significa “ter senso histórico”. É defendida a tese, portanto, de que a noção de consciência histórica não se limita ao conhecimento das experiências vivenciadas no passado, mas se apresenta como condição de possibilidade de projetar o futuro e se posicionar em relação ao passado, especialmente no que diz respeito às ciências humanas e sociais. A defesa desta ideia central é realizada por meio de dois gestos reflexivos, com apresentação, primeiramente, do marco teórico da consciência histórica e, posteriormente, de suas implicações na constituição das Ciências Humanas e Sociais.

Palavras-chave: Ciências humanas e sociais; Senso histórico; Passado; Futuro

Abstract

This bibliographic text discusses the problem of historical consciousness with the purpose of thinking about the meaning of this expression in the present time and the variations that this concept has acquired throughout the history of the Humanities and Social Sciences, with emphasis on the twentieth century. The hypothesis is that the discussion about historical consciousness has come to concern itself, in modernity, with a multiple relativity of points of view, which is highlighted by Gadamer in his analysis of the precepts involved in defining what “having a historical sense” means. Therefore, the thesis that the notion of historical consciousness is not limited to the knowledge of past experiences is defended, but is presented as a condition of possibility of projecting the future and positioning itself in relation to the past, especially with regard to humanities and social sciences. The defense of this central idea is made through two reflexive gestures, presenting, first, the theoretical framework of historical consciousness and, later, its implications in the constitution of the Human and Social Sciences.

Keywords: Human and social sciences; Historical sense; Past; Future

Resumen

El presente texto, de carácter bibliográfico, discute el problema de la conciencia histórica con el propósito de pensar sobre el significado de esta expresión en la actualidad y las variaciones que este concepto ha adquirido a lo largo de la historia de las Humanidades y las Ciencias Sociales, con énfasis en el siglo XX. La hipótesis es que la discusión sobre la conciencia histórica ha llegado a ocuparse, en la modernidad, de una relatividad múltiple de puntos de vista, que Gadamer destaca en su análisis de los preceptos involucrados en la definición de lo que significa “tener un sentido histórico”. " Por lo tanto, se defiende la tesis de que la noción de conciencia histórica no se limita al conocimiento de experiencias pasadas, sino que se presenta como una condición de posibilidad de proyectar el futuro y posicionarse en relación con el pasado, especialmente con respecto a humanidades y ciencias sociales. La defensa de esta idea central se realiza a través de dos gestos reflexivos, presentando, primero, el marco teórico de la conciencia histórica y, luego, sus implicaciones en la constitución de las Ciencias Humanas y Sociales.

Palabras clave: Ciencias Humanas y Sociales; Sentido histórico; Pasado; Futuro

INTRODUÇÃO

O ser humano, pela sua condição histórica, na busca por respostas para suas angústias existenciais e sociais, parte do presente para entender questões e problemas que emergiram no passado. Em outros termos, o ser humano busca identificar as respostas dadas pela tradição, todavia sua construção normalmente estará baseada no agora. Dessa forma, a consciência histórica pode ser compreendida como a representação social que uma coletividade adquire, advinda de seu tempo e espaço.

Gadamer (1997, p. 307) propõe uma resposta para as perguntas “como surge a consciência histórica?”, ou ainda, “em que situações nos vemos como seres históricos?”. Afirma que “[...] ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saber-se”. Com isso, o filósofo procura mostrar que todo esforço subjetivo de controle de sua própria identidade só é possível com um lastro reprimido pela subjetividade e sustentado pela tradição. Em outras palavras, em Gadamer a subjetividade é deslocada de sua posição de justificação e fundamentação filosófica e proposta uma forma alternativa de filosofar, enquanto compreender, ao invés de fundamentar, desvelando o horizonte compreensivo como condição de possibilidade de perspectivas críticas e criativas.

A escolha metodológica da presente pesquisa está permeada pela problemática da historicidade e sua relação com a objetividade do conhecimento. Percorrer os registros históricos bibliográficos manifesta que a consciência histórica está presente no saber histórico obtido (RICOEUR, 1986). Essa última afirmação remete para a tese central do presente artigo: a consciência histórica não se limita à ideia de conhecer extensamente as experiências vivenciadas no passado, representando mais do que simplesmente dominar o acontecido, pois essa noção também articula o presente e futuro.

Para dar conta da presente tese, o artigo foi dividido em dois tópicos. O primeiro apresenta o marco teórico da consciência histórica. O segundo momento apresenta as variações da noção de consciência histórica nas Ciências Humanas e Sociais elaboradas nas primeiras décadas do século XX. O que se espera da hermenêutica gadameriana nas Ciências Humanas e Sociais é uma contribuição de reflexão e esclarecimento em relação à questão do limite e da fundamentação, como elementos de interpretação que justificam a orientação e espaços de validade intersubjetiva do discurso interpretativo.

MARCO TEÓRICO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

O antigo historiador Tucídides (1998), a propósito da possibilidade de narrar rigorosamente os acontecimentos tal como eles de fato tivessem ocorrido, no contexto da guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), notabilizou uma passagem precursora, por assim dizer, do “giro linguístico”, cerca de 2400 anos antes que os filósofos da linguagem de nosso tempo, ao escrever que:

[...] foi difícil recordar com precisão rigorosa os que eu mesmo ouvi ou os que me foram transmitidos por várias fontes. Tais discursos, portanto, são reproduzidos com as palavras que, no meu entendimento, os oradores deveriam ter usado, considerando os respectivos assuntos e os sentimentos mais pertinentes à ocasião em que foram pronunciados, embora eu tenha aderido tão estritamente quanto possível ao sentido geral do que havia sido dito. Quanto aos fatos da guerra considerei meu dever relatá-los, não como apurados através de um testemunho casual, nem como me parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe com o maior rigor possível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo participei, seja naqueles a respeito dos quais obtive informações de terceiros. O empenho em apurar os fatos se constitui numa tarefa laboriosa, pois os testemunhos oculares de vários eventos nem sempre faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas, variavam de acordo com suas simpatias por um lado ou por outro, ou de acordo com suas memórias (TUCÍDIDES, 1998, p. 28).

O novelista Tolstói (2007), por sua vez, no que se refere ao cenário cultural e político europeu nos 15 primeiros anos do século 19, escreveu que nessa época milhões de homens se movimentavam pelo território europeu deixando suas ocupações habituais e promovendo em suas andanças, entre outras ações, o saque de bens e o extermínio de indivíduos. Se em alguns momentos glorificavam e exultavam por conta de suas vitórias, em outros se desesperavam com o que lhes acontecia. Ao questionar qual teria sido a causa de semelhante fenômeno, Tolstói (2007) explicita uma forte crítica ao reducionismo com o qual se contavam histórias sobre esses acontecimentos:

Os historiadores respondem a esta pergunta expondo-nos os atos e os discursos de uma dezena de homens reunida num edifício da cidade de Paris, e dão a esses atos e discursos o nome de ‘revolução’. Depois oferecem-nos a biografia, em todos os seus pormenores, de Napoleão e de várias outras personalidades simpáticas ou hostis para com essa revolução, referindo-nos as influências que exercem uns sobre os outros, para nos dizerem em seguida: eis aqui a causa desse movimento, e ali as suas leis (TOLSTÓI, 2007, p. 1008-1009).

Referindo-se aos humanos oprimidos em sua luta contra o fascismo na primeira metade do século passado, num momento histórico controvertido, caracterizado pela admissão de um discurso eugênico que para muitos negou a dignidade de um lugar ou mesmo a continuidade da vida, o filósofo Walter Benjamin (1994) escreveu que o espanto com o qual vinha sendo percebido o mundo em sua época não se explicava na origem de um saber, a menos que esse saber fosse o reconhecimento de que a concepção de história donde advinha tal espanto era insustentável. Ora, em sua avaliação não haveria documento de cultura que também não pudesse ser considerado documento de barbárie.

Tais compreensões a respeito do passado humano, enunciadas por pensadores que, diferenças à parte, vinham carregados de suas próprias tradições, mas que nem por isso permaneciam integralmente em conformidade com elas, parecem em comum reconhecer os limites de qualquer iniciativa destinada a elucidar plenamente seja o que for que possa estar sendo ou ter acontecido no mundo humano. Essas indiciações de mundo (HEIDEGGER, 2010), em seus tempos e singularidades, assumem de antemão a convicção segundo a qual de fato selecionamos motivadamente os rastros com os quais constituímos nossos próprios enredos narrativos. Com efeito, os seres humanos há muito tempo apresentam alta performance na atividade de constituir sentidos mais estáveis ou significados comuns a respeito de seu próprio passado no mundo.

Sob esse viés, Gadamer (1998) define que o aparecimento da consciência histórica constituiu provavelmente a mais importante revolução pela qual o homem passou desde a idade moderna, pois, segundo ele, o seu alcance espiritual pode inclusive ultrapassar aquele que reconhecemos nas aplicações das ciências da natureza. Desse modo, a consciência histórica é um privilégio e talvez um fardo que nenhuma outra geração experimentou:

A consciência que hoje temos da história difere fundamentalmente do modo pelo qual anteriormente o passado se apresentava a um povo ou a uma época. Entendemos por consciência histórica o privilégio do homem moderno de ter plena consciência da historicidade de todo presente e da relatividade de toda opinião. Os efeitos dessa tomada de consciência histórica manifestam-se, a todo instante, sobre a atividade intelectual dos nossos contemporâneos: basta pensarmos nas imensas subversões espirituais da nossa época (GADAMER, 1998, p. 17).

Essa forma de reflexão, segundo Gadamer (1998, p. 18), pode ser chamada de “senso histórico”, que corresponde à “[...] disponibilidade e o talento do historiador para compreender o passado, talvez mesmo exótico, a partir do próprio contexto em que ele emerge”. Nesse sentido, ter senso histórico é superar a ingenuidade que levaria a julgar o passado pelas medidas evidentes na vida presente de quem o analisa, pelas perspectivas nas quais sua vida foi constituída, seja nas instituições, nos valores e nas verdades adquiridas. Para Gadamer (1998, p. 17), a consciência histórica “[...] já não escuta beatificamente a voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir sobre a mesma, recoloca-a no contexto em que se originou, a fim de ver o significado e o valor relativos que lhe são próprios”.

É no horizonte dessa compreensão que se considera o pesquisador potencialmente capaz de olhar outros tempos e outras culturas sem se prender aos preconceitos e limitações da sua origem cultural e histórica (FLICKINGER, 2010). Contudo, novamente estamos diante da ideia de que, para ter acesso a essa forma de conhecer, é preciso ter passado por uma preparação, e nesse caso não se trata de uma vivência coletiva de um processo histórico (a modernização), mas de uma preparação profissional específica para a pesquisa e a produção de conhecimento nas Ciências Humanas.

De acordo com Gadamer (1997), a permeabilidade entre o conhecimento especializado (científico ou erudito) e o conhecimento das massas sobre a história é dado por um sistema de sentido único, no qual o saber qualitativamente superior flui das instituições socialmente destinadas à produção do conhecimento histórico (Universidades, Institutos, etc.) para instituições de divulgação ou de ensino que atingem a população não-especialista e lhe permitem se alçar ao patamar de saber e de categorias de pensamento que acompanham os especialistas, as classes sociais ou as nações “modernizadas”.

VARIAÇÕES DA NOÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

A posição da filosofia alemã, no início do século XX, tem na dimensão histórica da existência o elemento mais profícuo. A filosofia se ocupa, então, com a sua própria história, não apenas com o seu desenvolvimento em ideias, mas no seu modo de ser histórico, ao se interpretar e em seguida reinterpretar. Seu foco de investigação está direcionado para a compreensão do caráter histórico do homem e do próprio conhecimento, conhecido como o problema da historicidade. O que está em questão nesta centralidade sobre o histórico não é a essência da história, e sim as transformações constantes das culturas e dos povos, da acontecimentalidade da dimensão humana em seu desenvolvimento temporal.

Segundo Gadamer (1997), essa análise do ser humano não era em geral assim compreendida pelos gregos na Antiguidade, os iniciadores da compreensão ocidental do mundo. Para estes, as nuances e os acontecimentos culturais e históricos são determinados por uma ordem cósmica da natureza. Assim, as quedas, as catástrofes e as ascensões são as mesmas em sua forma justa de ser, mudando apenas aspectos secundários e superficiais, visto que a mudança da coisa mesma significava a sua decadência. Para os antigos gregos, por essa via, a história era a “história da decadência”.

Com a difusão da tradição cristã a história recebeu um novo sentido. O ser humano não é mais considerado repetível no movimento justificado em um eterno retorno do mesmo, mas sua singularidade, por mais que seja condicionada pela história, possui uma singularidade própria, tida como sua dimensão mais íntima. Pelo ato da Redenção a história recebe um sentido novo e positivo, pois a tradição, as culturas, têm sentido em sua relação com o Deus Criador, configurando a história na polarização do pró ou contra Deus. O modo como Deus se manifesta contribui para a resolução dos problemas dos povos e jamais pode ser esquecido pelas gerações posteriores.

A história, dessa maneira, está postada nessa base metafísica, em que Deus, o absoluto, o ente supremo, é o elemento arqueológico fundamental e, ao mesmo tempos o componente teleológico (STEIN, 2012). A historicidade em seus acontecimentos é sempre compreendida albergando uma dimensão absoluta. A história está circunscrita sobre dois polos de uma e a mesma entidade absoluta: Deus. A compreensão de Deus revelaria a inutilidade de pensar a história a não ser na condição humana dos homens, que são realmente finitos e vivem essa finitude. A história, apesar disso, é significada em traço essencial como relacionada à infinitude. Conforme Gadamer (1997), esta concepção atravessou todo o medievo e ainda na modernidade influenciou de modo marcante, embora numa versão secularizada.

A preponderante figura de Hegel, ainda em sua época, teve seus contratores, talvez os mais aguçados, que procuravam pensar a questão da liberdade, da política e da própria existência sem a determinação do Espírito Absoluto. Conforme Gadamer (1997), foi Schelling, ao lhe ser dada a tarefa de evitar e de tornar clara a periculosidade que a filosofia de Hegel poderia ocasionar no campo da política e do conhecimento, quem decretou a sentença de destronamento de Hegel na filosofia ocidental. Realmente, as ideias de Schelling apenas destronaram Hegel, sem, no entanto, ocupar o lugar delas, consequentemente abrindo espaço para a predominância da metodologia científica, que se alargou aos mais diversos campos do saber. Com esse predomínio, persuadiu-se que o método científico era o único digno de objetividade e resultado, o que acabou por determinar também a problemática da historicidade, almejando esta se elevar ao nível de uma ciência.

Segundo Ricoeur (1986), Dilthey foi o grande nome do movimento filosófico chamado historicismo, mas também esteve preso às amarras deste pensamento metodológico científico. Mas, sua inserção se deu por uma argumentação do tipo kantiana, de fundamentação orientada pela interrogação sobre as condições de possibilidade de uma ciência histórica. Uma Crítica da Razão Histórica deveria preencher a lacuna das três críticas kantianas, colocando-se em mesmo nível. Com este alargamento e preponderância da metodologia científica, a historicidade foi relegada ao problema da ciência da história, que, compreendida sob os cânones da teoria do conhecimento, pode ser justificada e delimitada inteiramente pelo caráter das ciências da natureza. Embora sendo preponderante a dimensão epistemológica também no pensamento de Dilthey, ele oferece indicações, conforme Gadamer (1997), para se pensar contra sua metodologia, elevando, então, a história a uma dimensão positiva para a filosofia.

Dilthey não é só um pensador do historicismo, é um filósofo da vida, compreendida como um fenômeno pautado na caraterística fundamental de ser histórico, o que constitui a base para se pensar a justificação de uma filosofia historicista contra a acusação de se representar e se afirmar relativismos. A “unidade da vida” (CORETH, 1973, p. 20) é uma acontecência histórica entendida na experiência interna da autocompreensão. A compreensão é, nesse sentido, além do resultado de um procedimento histórico, uma determinação do ser humano em seu modo de viver. Neste modo de viver, todo conhecimento da história já é uma compreensão determinada pelo nexo de compreensão do horizonte histórico. Assim, cada momento da vida, cada vivência, é uma assimilação do sentido enquanto totalidade do compreender. A história, compreendida como sentido, assimilada como um conhecimento no qual se observa um nexo de compreensão, é a base da autocompreensão, do modo como me projeto para o futuro e da posição em relação ao passado, explicitados no presente pela determinação e pela possibilidade, conjugando sempre sentido e força.

Esta tematização da história, circunscrita ao problema epistemológico, cedo ou tarde iria entrar em colapso e decretar por seu procedimento próprio a crise e o acabamento. Quando se assume a questão da história no historicismo como uma dimensão fundamental da vida - e a vida própria se compreende como histórica - ela já não pode estar delimitada a uma epistemologia. Neste contexto paradoxal surge a figura de Heidegger, que interpreta a historicidade na dimensão ontológica do ser-aí. Antes de a historicidade ser um produto do conhecimento ela é um modo de ser do ser-aí (HEIDEGGER, 2008).

“Enquanto Heidegger pretende sair do nível da representação, com algo inseparável da compreensão do ser como presença, Gadamer, por sua vez, não quer sair, mas restabelecer a representação em sua base mais original” (DUQUE-ESTRADA, 2008, p. 10). Para Gadamer (1997), a compreensão da dimensão da consciência histórica se tornou, como apontamos alhures, a revolução mais importante que se experienciou na filosofia desde a modernidade. A historicidade é uma dimensão fundamental da hermenêutica filosófica de Gadamer. Limitá-la como uma hermenêutica das tradições exige que se revele o sentido da história não como um objeto para a filosofia, mas, como uma questão filosófica sempre presente na investigação filosófica. Esta consideração não foi apenas renegada pelos antigos gregos; também o foi pela moderna teoria do conhecimento, pela fenomenologia husserliana, pelo empirismo lógico e por outras posições filosóficas. Esta renegação rompe com um de seus pressupostos, que é sempre já ter uma pré-compreensão como base de toda teoria do tipo sujeito-objeto e mesmo da lógica. Hodiernamente, reconhece-se até mesmo na filosofia analítica um elemento compreensivo. A condição ontológica da compreensão pressupõe a dimensão de sua historicidade, pois “as pressuposições ontológicas do conhecimento histórico ultrapassam, em princípio, a ideia de rigor das ciências exatas” (HEIDEGGER, 2008, p. 215).

O movimento gadameriano de retorno a um âmbito mais original do que aquele dos fundamentos postos pela metafísica não pretende - ao contrário do movimento que Heidegger realiza neste mesmo sentido e já no seu projeto inicial de uma ontologia fundamental - ir além ou aquém da mediação lingüística [sic] do sentido (DUQUE-ESTRADA, 2000, p. 515).

A historicidade não se coloca a partir da nossa consciência de termos uma história, mas nossa história adquire sentido pela consciência da historicidade. Estamos sempre dentro da tradição e não há como fugir dela. Não há um ponto arquimediano fora da história.

Na realidade, não é a história que pertence a nós, mas nós é que a ela pertencemos. Muito antes de que nós compreendamos a nós mesmos na reflexão, já estamos nos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante. A auto-reflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso os preconceitos de um indivíduo são, muito mais que seus juízos, a realidade histórica de seu ser (GADAMER, 1997, p. 415-416).

O decisivo na historicidade é, dessa forma, antes de ser um problema de conhecimento de fatos, de sua decadência e ascensão, um problema de consciência da nossa existência, em que buscamos o sentido da nossa existência. No âmbito da finitude, pelos acontecimentos que nos marcam, nos afetam e nos transformam, pergunta-se pelo sentido da existência, revelando o caráter filosófico da questão histórica. A razão também se transforma em histórica, perguntando pela fundamentação, uma vez que a substancialidade da história lhe subjaz em toda e qualquer racionalização. É neste elemento da finitude que vai aparecer um conceito determinante da hermenêutica gadameriana, o preconceito:

Se se quer fazer justiça ao modo de ser finito e histórico do homem, é necessário levar a cabo uma drástica reabilitação do conceito de preconceito e reconhecer que existem preconceitos legítimos. Com isso a questão central de uma hermenêutica verdadeiramente histórica, a questão epistemológica fundamental, pode ser formulada: em que pode basear-se a legitimidade de preconceitos? Em que se diferenciam os preconceitos legítimos de todos os inumeráveis preconceitos cuja superação representa a inquestionável tarefa de toda a razão crítica? (GADAMER, 1997, p. 416).

O homem, procedendo ou não racionalmente, estará de algum modo sempre ligado ao seu processo de formação dos conceitos, mesmo sem uma simultaneidade constante e progressiva, no sentido de já ter nascido em um mundo compreendido, em uma linguagem e uma tradição compreendidas, que o determinam, pois seu nascimento não significa o nascimento de um outro mundo. O mundo unicamente é uma vez mais o que, agora, para este homem vai nascendo em conformidade com seu desenvolvimento prático e intelectual. É dessa forma que se compreende o preconceito da autoridade como o reconhecimento de uma superioridade, no sentido de um juízo ou perspectiva que precede e tem primazia em relação ao nosso. Já a tradição é considerada “um momento da liberdade e da própria história”, importando essencialmente em uma conservação sempre atuante nas mudanças históricas. “Na hermenêutica gadameriana, a autoridade da tradição não se resume apenas à sua face visível, ou seja, a essa ou àquela figura histórica, mas remete a um todo histórico que não é passível de ser esgotado pontualmente” (WU, 2004, p. 178).

Para Gadamer (2002), a questão da consciência histórica marca decisivamente a filosofia, porque ela representa o fim da metafísica. Em Dilthey esta questão se esclareceu, mas ele incorreu no erro de forjar uma estrutura da autoconsciência histórica, num movimento que é análogo ao de Hegel, em que a vida compreende a vida, embora Dilthey não tenha assumido a posição dogmática de um espírito absoluto, concedendo, assim, uma dimensão ilimitada para a razão histórica. Esta interpretação encontrará seus limites e sua crítica em Nietzsche, quando este filósofo discute a perversão da história e a autenticidade da existência. Esta compreensão, segundo Gadamer (2002), mostra um lado positivo, o de saber o quanto uma cultura pode sofrer e suportar os danos de acontecimentos históricos. Ela põe em questão a dimensão da ilimitação da razão histórica: a fé na infinitude da compreensão histórica não seria uma ilusão, uma compreensão e interpretação falsa de nosso de nossa historicidade e consciência histórica?

Em Ser e Tempo (2008) a historicidade não é mais colocada como uma problemática da razão, senão que é conduzida a contextos mais fundamentais como um modo de ser do ser-aí. O sentido do ser do ser-aí é a historicidade, marcando, assim, a diferença de pressuposição de uma ontologia não determinada pelo objeto para outra em que o ser é compreensão, distinguindo-se radicalmente do ser como ser simplesmente dado. Na concepção de Heidegger se esclarece a intenção da hermenêutica precedente de enfatizar e partir do espaço propriamente humano, libertando-se de um naturalismo e da pressuposição de questões teológicas na filosofia.

O que acontece com a compreensão histórica, como pretendia Dilthey? Como compreender a “liberdade de compreensão”? Segundo Gadamer (2002), a concepção de Dilthey propunha uma liberação da compreensão do conhecimento conceitual, sem deixar claro se era apenas da conceituação metafísica ou de toda e qualquer conceituação. Isso parece ser uma contradição, porquanto como seria possível pensar a possibilidade de compreender algo sem conceitos a não ser que com a liberação de toda conceituação vivamos intensivamente a experiência interior sem remeter a qualquer forma de conhecimento? Isso nos remete à Kierkegaard (1979), para quem existir é não pensar, ou seja, enquanto penso não existo. Desta questão primeiro se deve pôr em jogo a ideia da isenção de qualquer preconceito por parte da compreensão histórica. A afirmação peremptória da ausência de preconceitos, ao invés de contribuir para uma compreensão mais clara, obscurece pelo preconceito do preconceito, de alguma forma condicionando a compreensão mesmo que de modo tácito.

Esta questão é sempre uma polêmica quando se defronta com interpretações sobre acontecimentos da história: os historiadores procuram assumir uma postura metódica crítica, deixando efluir o que realmente se passou e se pode compreender de tal acontecimento. Sobre um acontecimento, não existe uma interpretação última, definitiva e acabada; sobre ele sempre resta algo a dizer. Aquilo que passa a ser significativo a um intérprete está relacionado com os preconceitos de seu horizonte histórico, envolvendo suas posições e modos de ser no que diz respeito às coisas, épocas, sociedades, culturas, etc.

Heidegger percebeu claramente esta questão e caracterizou este modo de compreender como o círculo hermenêutico: “compreendemos somente o que já sabemos; ouvimos somente o que colocamos na leitura”. Gadamer (ano, p, ) cita o seguinte texto de Heidegger:

O círculo não deve ser rebaixado a um vitiosum, mesmo que apenas tolerado. Nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originário que, decerto, só pode ser apreendida de modo autêntico se a interpretação tiver compreendido que sua primeira, única e última tarefa é de não guiar, na posição prévia, posição prévia e concepção prévia, por conceitos populares e inspirações. Na elaboração da posição prévia, da visão prévia e concepção prévia, ela deve assegurar o tema científico a partir das coisas elas mesmas (HEIDEGGER, 2008, p 214-215).

Somente assumindo este princípio hermenêutico básico a compreensão histórica será possível. Mas, posto este princípio, sobrevêm a questão: e se este princípio padecer de uma circularidade viciosa em que não se apreende nada além do que já se compreendeu, permanecendo sempre num ponto estático, numa entediante tautologia? Esta restrição de assumir a circularidade, segundo Heidegger (2008), é uma má compreensão de seu verdadeiro sentido. Exige-se entrar nele corretamente e não evitá-lo.

Neste princípio hermenêutico, que se presentifica em toda compreensão histórica, acrescenta-se, por uma consequência do primeiro, as relações da pertença e da distanciação. A história adquire um sentido para nós, não pela distância que dela tomamos para interpretar, mas pela pertença de quem sobre ela questiona e interpreta, pois o modo como se a interpreta é condicionado pela inserção nos efeitos da história. Para Gadamer (1997), compreender a história já é a “experiência de um efeito” e a abertura de horizontes históricos num proceder histórico.

Do bojo desta compreensão se manifesta uma não objetividade incapaz de garantir a verdade exata e definitiva das interpretações. Para errar basta começar a interpretar. É pela própria tradição que a linguagem e a compreensão de mundo que nos determinam nos expõem a errar e, também, a acertar:

Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado (GADAMER, 1997, p. 402).

Para Gadamer, nesse processo de acertar e de errar é preciso ter claro o jogo da circularidade hermenêutica, tal como Heidegger expôs. Esse elemento é fundamental para a interpretação dos textos, dos fatos, das leis etc., porque consegue encontrar um lugar de justificação das interpretações:

A tarefa hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado na coisa, e já se encontra sempre determinada por este. Com isso, o empreendimento hermenêutico ganha um solo firme para seus pés. Aquele que quer compreender não pode se entregar, já desde o início, à causalidade de suas próprias opiniões prévias e ignorar a mais obstinada e consequentemente possível opinião do texto - até que este, finalmente, já não possa ser ouvido e perca sua suposta compreensão. Quem quer compreender um texto, em princípio, (tem que estar) disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem neutralidade com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos, apropriação que se destaca destes (GADAMER, 1997, p. 405).

A conceituação de Gadamer (2002) se dá por um debate com o Aufklärung, o qual, por seu ideal de racionalidade, relegou o preconceito a marginalidade, vendo nele um sentido apenas negativo, como obscurantista da razão. Num primeiro olhar, o preconceito não pode ser, por exemplo, um elemento comum na prática do Direito, ainda mais quando se tem a clareza e a evidência da filosofia moderna cartesiana como pressuposto das decisões judiciais. Mas da forma como Gadamer (2002) o compreende o preconceito sempre se faz presente no nosso modo de compreender. No entanto, cabe salientar que a noção de preconceito já não tem o sentido que o iluminismo lhe outorgou. O conceito de preconceito é compreendido da seguinte forma no Direito por Gadamer:

No procedimento júris-prudencial um preconceito é uma pré-decisão jurídica, antes de ser baixada uma sentença definitiva. Para aquele que participa da disputa judicial, um preconceito desse tipo representa evidentemente uma redução de suas chances. Por isso, préjudice, em francês, tal como praejudicium, significa também simplesmente prejuízo, desvantagem, dano. Não obstante, essa negatividade é apenas secundária. É justamente na validez positiva, no valor prejudicial de uma pré-decisão, tal qual o de qualquer precedente, que se apoia a consequência negativa (GADAMER, 1997, p. 407).

O sentido da singularidade de um acontecimento se revela na tomada de distância sobre ele, como uma epoché (RICOEUR, 1986), para então interpretá-lo e compreendê-lo como uma tarefa de nossa condição de ser hermenêutico por excelência. Dois conceitos se manifestam na relação da circularidade de nossa determinação histórica: pertença e distância temporal. A pertença, como o momento de determinação da tradição em todo comportamento histórico hermenêutico, dá-se pela manifestação das antecipações prévias em que estamos inseridos. É a partir deste conceito que se compreende o princípio da história efeitual, que é “em primeiro lugar consciência da situação hermenêutica” (GADAMER, 1997, p. 451):

O conceito de situação se caracteriza pelo fato de não nos encontrarmos diante dela e, portanto, não podermos ter um saber objetivo dela. Nós estamos nela, já nos encontramos sempre numa situação, cuja iluminação é a nossa tarefa, e esta nunca pode se cumprir completamente [...]. Também a iluminação dessa situação [...] encontra-se na essência mesma do ser histórico que somos. Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saber-se (GADAMER, 1997, p. 451).

Mas a interpretação se dá na e pela distância, procurando-se compreender uma comunicação, um texto, desvelando o mundo possível de compreensão que ele pode manifestar. A compreensão se dá sempre por uma interpretação que já é um prolongamento da experiência dos efeitos. A distanciação é um momento de enriquecimento da compreensão, de enriquecer na e pela distância de um acontecimento, pelo fato do horizonte compreensivo, em seus efeitos, ampliar e revelar a possibilidade de uma melhor compreensão pela fusão de horizontes emergente no decorrer da história. No envolver-se com a história se revela uma experiência efetiva de produzir efeito pela fusão de horizontes entre o mundo compreensivo do intérprete com a situação histórica em questão que se procura compreender. Para Gadamer, “[...] compreender é sempre o processo de fusão desses horizontes presumivelmente dados por si mesmos” (GADAMER, 1997, p. 457).

A história é uma significação da experiência impossível de se poder colocar a distância, porque o histórico da existência se dá a partir de uma situação, de uma perspectiva e de um horizonte. De modo algum é forjado, construído por um sujeito, mas, antes, é ele o resultado de uma situação epocal (STEIN, 2012), de um mundo culturalmente instaurado e vivido. Todo o resultado, fixado ou não, de uma interpretação esconde se esta não for explicitada de antemão. Trata-se de uma posição particular, como uma perspectiva donde se interpreta e para onde se quer caminhar. É somente assim que se torna representável a singularidade de um acontecimento e elevado à plenitude do instante

Por esta fusão de horizontes, consignadora de significados para a história, numa interpretação e na nossa inserção em seus efeitos, e diante da condição de que a interpretação está envolvida pelos preconceitos da história, não se pode admitir, para a compreensão, a abertura de horizontes ilimitados. O limite da “liberdade de compreensão” se revela sempre nos momentos de procura pela compreensão, porque ela não abarca todas as perspectivas. Dessa forma, não se compreende razoavelmente a partir de uma perspectiva aberta para horizontes indefinidos. A limitação não é produto de um arbítrio do sujeito, mas uma condição a ele imposta no momento de apreensão do real, de um acontecimento, de modo mais preciso, prostrando-se diante da ilimitação, diante do impossível de ser atingido e compreendido.

A busca pela compreensão dessas dimensões da compreensão histórica, tornou possível colocar como uma questão central a compreensão dos mitos na hermenêutica. A mitologia, devido ao momento iluminista da história da racionalidade, foi posta à marginalidade, por ser considerada uma máscara da razão, um atraso, como a reivindicação do estabelecimento de elementos pré-racionais num pensamento esclarecido. Segundo Gadamer (2002), trata-se do mais obscuro problema para a metodologia da compreensão histórica.

A razão não se possibilita a si própria, pois ela pressupõe a condição de possibilidade de seu desenvolvimento em questões e problemas produzidos em determinadas épocas. Qualquer filósofo somente o será compreendendo o que é a filosofia, e isto se faz filosofando sobre a história da filosofia. No momento em que a razão pretende a dissolução de toda obscuridade do pensamento e a resolução de questões sob o império do logos e da sua racionalização, ela própria não compreende nem a si mesma e nem a realidade que a abarca.

A onisciência da razão positivista é, para Gadamer (2002), uma mera ilusão incapaz de se desfazer de sua própria mitologia racionalista. Na história, o essencial resiste a toda tentativa de racionalização, pois é aquilo que permanece por dizer, que é a condição de possibilidade de toda racionalidade e do dizer, ou seja, aquilo que assegura a duração de uma atualidade, daquilo que sempre é o fio pelo qual o histórico se dá como acontecimento. Assim, os mitos de uma época não são a justificação de algo irracional pelo qual a racionalidade possa ser afirmada, mas revelam, para além da significação mais profunda a força da história.

CONCLUSÃO

Conclui-se, a partir de Gadamer (1998), que a consciência histórica está ligada à consciência da historicidade de tudo aquilo que consideramos presente e ao reconhecimento da relatividade de qualquer opinião. Segundo o filósofo, a consciência histórica difere na modernidade do modo pelo qual anteriormente o passado se apresentava a um povo ou a uma época. Essa consciência moderna passou a questionar com mais intensidade uma tradição fechada sobre si mesma e a reconhecer a possibilidade de uma múltipla relatividade de pontos de vista.

Dessa maneira, ao se analisar as questões cotidianas da vida em sociedade, é possível notar que o passado sempre será adicionado como elemento interpretativo e orientador, estabelecendo um nexo significativo entre o passado, o presente e o futuro. Gadamer, e os demais autores citados, reconhecem a mobilidade histórica, não somente no acontecer, mas também no próprio compreender.

O indivíduo compreende a si mesmo mediado pela consciência que adquiriu de sua situação histórica. Pensando desse modo, o conhecer e o conhecido existem historicamente e pertencem a história. Daí Gadamer (1998) afirmar que não é a história que pertence ao homem, mas ele que pertence a ela, ou seja, que antes de compreender a si mesmo o homem se compreende de uma forma “auto-evidente” diante das instituições, família e valores. Mas a autorreflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso, os preconceitos de um indivíduo constituem, muito mais que seus juízos, a realidade histórica do ser.

Referências

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Recebido: 28 de Maio de 2019; Aceito: 24 de Outubro de 2019

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