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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.68 Uberlândia mayo/ago 2019  Epub 30-Ago-2021

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n68a2019-46679 

Artigos

Sobrevoar a estrada ou percorrê-la a pé: o lugar da atenção na experiência do caminhar e suas possibilidades filosófico-formativas

To fly over the road or to walk on foot: the place of the attention in the experience of walking and their philosophical-formative possibilities.

Sobrevolar lo camino o cruzalo la pie: el lugar de la atención en la experiencia del caminar y sus posibilidades filosofico-formativas.

Genivaldo Souza Santos* 
http://orcid.org/0000-0002-1579-8559

Rodrigo Pelloso Gelamo** 
http://orcid.org/0000-0003-1532-3243

*Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus Marília. Professor de Filosofia da Educação do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) Campus Birigui. E-mail: fratellogenivaldo@gmail.com

**Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus Marília. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação e do Departamento de Didática, UNESP Campus de Marília. E-mail: gelamo@gmail.com


Resumo

Este artigo é resultado de uma pesquisa na qual investigamos os sentidos, limites e possibilidade da atenção na formação filosófica e suas possíveis repercussões no ensino de filosofia e em práticas de ensino filosóficas. O desafio de tornar as aulas de filosofia uma ocasião de experimentação de si no pensamento (tanto do aluno quanto do professor) parece servir de ponto de convergência entre as nossas experiências na formação de professores de filosofia e os resultados alcançados em nossas pesquisas. Assim, formulamos o problema que circunscreve o presente trabalho nos seguintes termos: quais os sentidos da atenção na experiência do caminhar e suas possibilidades no contexto da formação filosófica? De modo geral, objetivamos analisar e problematizar os pressupostos teóricos, limites e potencialidades da Atenção na formação filosófica.

Palavras-chave: Atenção; Caminhar; Formação filosófica

Abstract

This article is the result of a research in which we investigate the senses, limits and possibility of attention in the philosophical formation and its possible repercussions in the teaching of philosophy and in philosophical teaching practices. The challenge of making philosophy classes an occasion for self-experimentation in thought (both student and teacher) seems to serve as a point of convergence between our experiences in training philosophy teachers and the results achieved in our research. Thus, we formulate the problem that circumscribes the present work in the following terms: What are the senses of attention in the experience of walking and its possibilities in the context of philosophical formation? In general, we aim to analyze and problematize the theoretical presuppositions, limits and potentialities of Attention in the philosophical formation.

Keywords: Attention; Walking; Philosophical formation

Resumen

Este artículo es el resultado de una investigación en la que investigamos los sentidos, límites y posibilidad de la atención en la formación filosófica y sus posibles repercusiones en la enseñanza de filosofía y en prácticas de enseñanza filosóficas. El desafío de hacer las clases de filosofía una ocasión de experimentación de sí en el pensamiento (tanto del alumno como del profesor) parece servir de punto de convergencia entre nuestras experiencias en la formación de profesores de filosofía y los resultados alcanzados en nuestras investigaciones. Así, formulamos el problema que circunscribe el presente trabajo en los siguientes términos: ¿Cuáles son los sentidos de la atención en la experiencia del caminar y sus posibilidades en el contexto de la formación filosófica? En general, objetivamos analizar y problematizar los presupuestos teóricos, límites y potencialidades de la Atención en la formación filosófica.

Palabras clave: Atención; Caminar; Formación filosófica

Introdução

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa na qual investigamos os sentidos, limites e possibilidade da atenção na formação filosófica e sua possível repercussão no ensino de filosofia e em práticas de ensino filosóficas. A gênese de nosso problema de pesquisa guarda vínculos com nossa experiência docente na formação de licenciandos/as do curso de Filosofia e nos desafios cotidianos da escola básica como orientador e supervisor do Programa Institucional de Iniciação a Docência (PIBID). Essas realidades alimentavam as reuniões teórico-reflexivas na universidade (Grupo de Estudo Ensino de Filosofia), vindo a evidenciar o caráter problemático do ensino de filosofia, para aquém e além das questões didático-pedagógicas.

Deste modo, percebemos que tanto a aprendizagem como o ensino da filosofia precisam pautar-se por práticas de ensinar e aprender que levem em conta um movimento, uma experiência de pensamento, não se contentando com a mera transmissão de certas tradições presentes na história da filosofia, ou nos materiais didáticos/pedagógicos oferecidos à escola, a fim de serem assimiladas pelo aluno. Nesse contexto, a problematização que move nosso pensamento se dá entorno do fenômeno da atenção, em sentido ético-existencial, pois, para nós, é um campo fértil de problematizações e possibilidades para se pensar o contexto da educação contemporânea.

Para tanto, colocamos o desafio de tornar as aulas de filosofia uma ocasião de experimentação de si no pensamento (tanto do aluno quanto do professor), especialmente neste momento em que não se sabe ao certo o que fazer na prática escolar e que somos forçados a reinventar nosso lugar de professor. Pensamos, assim, que essas circunstâncias se revelam propícias à (re)invenção criativa das condições que nós temos de lidar com a filosofia em sala de aula. Por isso, acreditamos que o tema da atenção poderia colaborar no enfrentamento deste desafio.

Uma indicação que nos revela uma prática que envolve ver, abrir os olhos, ter um novo olhar e prestar atenção vem da experiência do caminhar. Embora façamos referência a um tipo de exercício que requer o movimento do corpo, podemos pensar, no caso da formação filosófica, no movimento (caminhada) do pensamento quando este se torna uma experiência de pensamento filosófica.

Neste sentido, formulamos o problema desta investigação nos seguintes termos: quais os sentidos da atenção na experiência do caminhar e suas possibilidades no contexto da formação filosófica? De modo geral, objetivamos analisar e problematizar os pressupostos teóricos, limites e potencialidades da Atenção na formação filosófica.

Em um primeiro momento, consideraremos o fenômeno da atenção imbricado no olhar atento (ESQUIROL, 2008) e na e-ducação do olhar (MASSCHELEIN, 2008) com o intuito de oferecer os contornos de uma definição do fenômeno atentivo, dimensionado em seu aspecto ético-existencial. Sem buscar uma concordância entre as perspectivas, há a tentativa de destacar o aspecto experiencial da atenção e sua relação com o que (ainda) não é representável. Tais aspectos são melhor evidenciados por Masschelein (2008) ao propor uma pedagogia pobre1 com vistas a uma e-ducação do olhar, decorrente do movimento do caminhar, que é também ex-posição e vulnerabilidade aos riscos inerentes do caminho.

Na sequencia, destacando o tema da ex-posição, ressaltaremos a relação entre desinteresse e atenção, designada também como uma relação não-intencional que, por sua abertura impediria a configuração de um sujeito do conhecimento (fixo e idêntico a si mesmo), possibilitando, no entanto, a emergência de um sujeito experiencial, não intencional, que não está tão preocupado com a finalidade ou a utilidade, nem em como fará para caminhar, mas atento aos passos dados no caminho, bem como à maravilha do fora do pensamento, ainda não representável, porém experienciável2.

Por fim, procuraremos indicar um lugar para a atenção na experiência do caminhar por dentro da floresta, em outras palavras, intentaremos indicar o lugar da atenção num regime experiencial de verdade e suas possibilidades na formação filosófica, em um sentido de formação não reduzido a assimilação de erudição e informação filosófica, mas que também comporta as marcas da vulnerabilidade, da exposição e do risco (de perder-se, por exemplo) próprios do ato de caminhar (e do pensar filosófico).

O olhar atento

Para o filósofo catalão Josep Maria Esquirol (2008), haveria dois modos diametralmente opostos de “ver o mundo”: o que se baseia no olhar tecnocientífico e o que é sustentado pelo olhar atento, este é a condição para a constituição de um olhar ético. A questão, bastante explorada por Esquirol (2008), seria o avanço desmedido da visão tecnocientífica, cujas bases estão configuradas no olhar tecnocientífico, seu predomínio e sua hegemonia, num movimento que invade a totalidade da existência e que reduz as possibilidades éticas e estéticas do homem. Ele sugere que uma das maneiras de nos situarmos nestas condições está no exercício do olhar atento, um contraponto à visão de mundo predominante.

Para Esquirol (2008), o olhar atento tem como núcleo íntimo o fenômeno da atenção, associado às ideias de estar acordado, desperto e lúcido, contrários ao estado de desatenção, mais próximo ao delírio, à suposição e à sonolência. O autor também descreve a atenção como um movimento, uma atividade (prestar ou colocar atenção, focalizar, selecionar) e como um estado (estar atento, estar vigilante), contrastando com outros estados: distraído, ensimesmado, sonolento, entre outros.

Neste sentido, a atenção teria o potencial de apurar os sentidos corporais e de ampliar a vulnerabilidade do sujeito em relação aos objetos/situações que requerem atenção, dinamizando uma atitude que solicita um esforço e uma pausa para sair do fluxo que mostra um mundo “liso”, uniforme e homogêneo, ou seja, um mundo não problemático (não admirável, não filosófico).

Para o autor catalão, três características são bastante ilustrativas para descrever o que é digno de atenção no contexto do predomínio da visão tecnocientífica de mundo: a fragilidade, a cosmicidade3 e o segredo. Embora o autor recuse um acento antropocêntrico, o olhar atento descrito por Esquirol (2008) encontra nas situações humanas seu enfoque privilegiado, permitindo associar o olhar atento ao tema da alteridade (LEVINAS, 1980).

Assim, trata-se de uma atenção associada, desde o início, com o tema do Respeito4, em conformidade a suas raízes etimológicas, em que o vocábulo respeito indicaria o estabelecimento de uma distância apropriada entre o sujeito e seu objeto/situação. Em demasia, a distância provocaria o fenômeno da indiferença, de modo que o objeto/situação seria incapaz de afetar o sujeito, traduzindo-se em atitudes que revelariam uma desconsideração dos elementos ou seres que constituem uma dada situação.

Em uma relação diametralmente oposta, a excessiva proximidade, por não possibilitar uma perspectiva apropriada, provocaria o fenômeno da violência, de modo que o sujeito seria incapaz de ver os objetos/situações de sua responsabilidade ética, traduzindo-se em atitudes em que uma dada subjetividade é tão marcante quanto violenta, reduz e/ou até anula as possibilidades da existência do Outro ou objeto visado.

Decorrente deste modo de pensar, o olhar atento, em última análise, se conformaria com um olhar humilde, ou seja, um olhar terreno, na medida em que o sentido da humildade está associado à ideia do humus, isto é, a terra. Este seria o lugar privilegiado do olhar atento, que vê a partir da terra, do chão, do solo e não das alturas fantasiosas que se projetam em franca concorrência no meio social. A partir da terra, de acordo com Esquirol (2008), os objetos e situações poderiam ser vistos na sua adequada proporção.

A perspectiva oferecida por Esquirol (2008) questiona o olhar indiferente, distraído e ensimesmado configurado na era tecnocientífica como modos de um olhar que não problematiza, que não se co-move e que é capturado pelas incessantes inovações dos dispositivos tecnológicos. Como resultados destes modos de olhar estão o enfraquecimento dos vínculos humanos e sociais, um embotamento dos sentidos que atribuímos à vida, até uma certa terceirização de tais sentidos, na medida em que os meios tecnocientíficos prometem oferece-los (sem muito esforço do sujeito).

Na sala de aula evidencia-se o predomínio deste modo de olhar (tecnocientífico) através da captura do próprio olhar dos estudantes e na concorrência enfrentada pelo professor com os dispositivos tecnológicos, especialmente smartphones, na busca da atenção dos estudantes. No caso da Filosofia particularmente, questionamos: como ter uma experiência de pensamento filosófica se estamos distraídos (ausentes) ou desconectados do mundo e dos outros, de modo tal, que nada nos afeta, nos co-move?5

Atenção como exercício espiritual: Prosoché

Acentuando o caráter ético da atenção, o helenista Pierre Hadot (1999, 2003, 2009), numa espécie de desvio dos pressupostos modernos, formulou uma concepção de filosofia que, se coerente com suas origens, não poderia ser considerada apenas como uma produção/exposição de um sistema teórico desligado da experiência que fazemos no mundo. Neste sentido, a Filosofia é concebida pelo autor como modo de viver, sustentado sobre a prática de exercícios espirituais que têm como finalidade uma formação humana que decorre de uma autoformação (autotransformação).

Segundo Hadot (2003), não existe ainda um tratado que sistematize todos os exercícios espirituais praticados nas escolas filosóficas, mas graças a Philon de Alexandria, duas listas de exercícios espirituais chegaram até os dias atuais, nos oferecendo um quadro da terapêutica filosófica, de inspiração estóico-platônica. Em uma das listas são elencados os seguintes exercícios: “la recherche (zetesis), l´examen approfondi (skepsis), la lecture, l´audition (akroasis), l´attention (prosochè), la maîtrise de soi (enckrateia), l´indifference aux choses indifférentes” (HADOT, 2003, p. 26. Grifo nosso).

Destacamos o exercício da atenção (prosokhé), que, grosso modo, trata-se de um esforço para tornar-se presente no momento vivido, um estado de abertura que comporta um abandono completo e total da vinculação do presente vivido tanto do passado, quanto do futuro. Dentre as escolas filosóficas, o Estoicismo é a que mais valoriza a atenção a ponto de se constituir como uma atitude fundamental a ser praticada a cada instante, sempre renovada a si, ao momento presente, conferindo ao filósofo uma orientação para ação a cada momento.

Com esta vigilância ao momento presente, é possível discernir o que depende e o que não depende de nós. Em certo sentido, é esta concentração ao que se passa, ao que acontece, no presente que importa, pois “[...] ya no podemos cambiar nada del pasado, tampoco podemos actuar sobre lo que todavía no es. El presente es el único momento em que podemos actuar. El presente es, así, una exigencia de la acción” (HADOT, 2009, p. 240). Destacamos que este presente a que se refere Pierre Hadot não é o instante seccionado no tempo, matemático e infinitesimal, mas a duração em que agimos, a duração da frase que pronunciamos, enquanto a pronunciamos, do movimento que executamos, da melodia que escutamos (HADOT, 2009, p. 240).

Já para os epicuristas, a atenção ao presente teria outro sentido, alcançar o prazer de existir, isto é, o reconhecimento do valor infinito de cada momento, que aliás é bem difícil de ser praticado, justamente pela nossa tendência, cada vez mais acentuada de projetarmos nossa atenção para o futuro, o que levaria a uma sensação de que nossa vida esta sempre incompleta, fragmentada, na medida em que acreditamos que seremos felizes no futuro, quando alcançarmos tal ou qual objetivo, assim [...] no vivimos, tenemos la esperanza de vivir, esperamos vivir” (HADOT, 2009, p. 244).6

Nas abordagens sintetizadas acima (ESQUIROL, 2008; HADOT, 1999, 2003, 2009) a atenção cumpriria um importante papel na formação humana através de um esforço que culminaria na autoformação. Embora tratem a temática de modo variado, um primeiro ponto importante a ser destacado para o qual convergem tais abordagens é a valorização dos elementos da sensibilidade, dentro da qual se inclui a corporalidade e a materialidade do mundo na produção de sentido e de presença.

E-ducar o olhar

Jan Masschelein (2008), filósofo da educação belga, a partir do pensamento de Michel Foucault e de Walter Benjamim, propõe uma prática de pesquisa e-ducacional7crítica, que possa a nos inscrever corporalmente num movimento que visa a examinar, no sentido de prestar atenção, que implica em uma atitude. Para ele, a e-ducação do olhar não seria uma forma de ajudar os/as alunos/as a alcançar uma visão melhor, mais crítica, liberada e emancipada; nem para se tornarem mais conscientes daquilo que realmente ocorre no mundo, para que eles se deem conta de como seu olhar está preso a uma perspectiva e posição específicas, ou para que levem em conta outros olhares (cada ponto de vista é a vista de um ponto), também relativos da realidade.

Tais descrições do olhar e da visão pressupõe interesses variados, como dotar o olhar de eficácia e eficiência ou libertar o olhar de certas perspectivas ou ainda, relativizando o olhar através de perspectivismo aberto a diferentes olhares. Diferentemente, Masschelein (2008) propõe uma e-ducação que visa à libertação de nosso olhar de qualquer perspectiva predeterminada, com o objetivo de torná-lo atento.

Esquematicamente, podemos dizer que e-ducar o olhar requer primeiramente uma prática de pesquisa crítica, que realize uma mudança prática em nós e no presente em que vivemos (e não uma fuga para um pretenso futuro melhor). Essa prática não depende de método, mas sim de disciplina. Não requer uma metodologia rica, mas exige uma pedagogia pobre. Ou seja, práticas que permitam a ex-posição (de) nossa condição de sujeito8, no sentido de estar “fora de posição”, indicando um movimento que nos desloque corporalmente.

Dentre as práticas e-ducativas, Masschelein (2008) indicará duas: o caminhar e o copiar. A primeira indicação vem de um trecho de W. Benjamin (2013), na qual ele analisa a diferença entre voar sobre uma estrada que corta uma floresta e caminhar por dentro dela. Desde modo, para Masschelein (2008), e-ducar o olhar pode ser pensado como um convite para caminhar:

A força de uma estrada do campo é diferente quando caminhamos por ela e quando voamos sobre ela num avião. Da mesma forma, a força de um texto quando lido é diferente de sua força quando copiado. Quem voa vê apenas o modo como a estrada penetra pela paisagem, como ela se desdobra de acordo com as leis da paisagem ao seu redor. Somente quem anda a pé pela estrada conhece a força que ela tem, e como, da mesma paisagem que para quem voa é apenas uma planície aberta, ela desvenda distâncias, mirantes, clareiras, panoramas a cada curva como um comandante posicionando soldados numa frente de batalha. É somente o texto copiado que comanda, assim, a alma de quem se ocupa dele, ao passo que o mero leitor jamais chega a descobrir os novos aspectos de seu interior que são abertos pelo texto, a estrada corta ao meio a floresta que vai constantemente se fechando atrás dela: porque o leitor segue o movimento de sua mente no vôo livre da imaginação, enquanto quem copia submete a mente ao seu comando (BENJAMIM, 2013, p. 14).

Na interpretação de Masschelein (2008), caminhar e copiar são práticas de uma pesquisa educacional crítica diferentes das atividades de voar e ler, circunscritas à noção de representação de base moderna, cujo posicionamento do sujeito do conhecimento, munido de um método proporciona a verdade. Caminhar por dentro da estrada é diferente da experiência de voar sobre ela porque quem caminha por dentro da estrada deve ser obediente à evidência da manifestação de sua força, que comanda através das clareiras, das encostas, dos vales, mas quem voa, apenas (tem uma representação).

Para Masschelein (2008), o pequeno texto de Walter Benjamim oferece indicações precisas do que uma pesquisa crítica e-ducacional pode envolver, pois, ao mesmo tempo, revela que a revolução está no próprio caminhar e que o caminhar não depende de nenhuma terra prometida (de nenhum melhor que o aqui) para onde ele levaria, revela também uma prática que envolve abrir os olhos, ter um novo olhar.

O que não significa o cultivo de uma determinada perspectiva ou visão, mas sim um deslocamento, uma mudança que permita que nós estejamos aqui (lá) e para que o (aqui) se apresente a nós em sua evidência. Trata-se de um exercício, de um movimento que não exige o conhecimento do para onde o caminho levará, na medida em que não sabemos, antecipadamente, se existe ou não uma finalidade, um telos ou um objetivo no caminho. Ainda assim, a estrada nos convoca a caminhar e neste registro ocorre a revolução (no sentido de um giro completo, de uma mudança completa do ato de voar e caminhar). Mudar o olhar para que possamos ver, para que sejamos orientados pelas diferenças na paisagem, que direcionam/comandam nosso caminhar nas suas evidências e para que sejamos transformados.

Na verdade, trata-se de uma experiência que implica um descentramento do sujeito do conhecimento, já que toda perspectiva está presa à posição do sujeito em relação a um objeto/objetivo e caminhar significa colocar essa posição em jogo, significa ex-posição, estar fora de posição, em movimento. A revolução do caminhar ocorre com a mudança de um registro de atenção representacional, relacionado aos mecanismos epistemológicos, a um registro experiencial, o que possibilita a emergência de um sujeito da experiência, que existe enquanto experiência, que é sempre singular enquanto vivida.

Caminhar pela estrada faz com que a estrada se imponha sobre nós com certa autoridade, para que ela conduza o nosso olhar e nos apresente uma realidade dramática, que nos co-mova (que nos ponha em movimento) em suas diferenças. Não se trata, portanto, de chegar a uma determinada perspectiva, mas de uma relação totalmente diferente com o presente; de movimento que não se conforma ou confirma, mas que atravessa as intenções e interesses que posicionam/identificam o sujeito/objeto.

Masschelein (2008) sugere que o caminhar liberta o nosso olhar, abre nossos olhos, não para a revelação de uma verdade além daquela que nós (costumeiramente) vemos, mas para que possamos abrir nossos olhos para ver aquilo que é evidente, “[...] trata-se, como eu diria, de estar ou tornar-se atento ou expor-se” (MASSCHELEIN, 2008, p.39. Itálico nosso). Caminhar pela estrada é uma maneira de explorar e relacionar-se com o presente e constitui um tipo de prática de pesquisa que envolve o estar atento, constitui um modo diferente de relacionar-se com o mundo, relacionar-se com o presente, com o que está presente. Trata-se, na verdade, de uma diferença de força, do efeito que aquela atividade tem sobre nós mesmos e sobre o que é revelado, pois, quem voa, apenas, mas quem caminha pela estrada aprende com a sua força, vivencia a trilha como algo que se oferece/aparece, que se apresenta, torna-se evidente e comanda nossa alma.

Voar permite uma perspectiva, na qual a estrada se torna parte de uma superfície em relação a um horizonte, possibilita o sentido de posse de uma totalidade, já que do alto, perspectivamos as relações entre a estrada, a floresta e o horizonte, transformados em objetos em relação a um sujeito. Do alto, estamos imunes à experiência que a estrada pode proporcionar, estamos a salvos de sua dramaticidade, da sua força que nos co-move, que nos põe em movimento.

Caminhar é adquirir distanciamento crítico, no sentido e-ducativo, prática em que a alma se dissolve a partir do interior, a partir da ex-posição do sujeito. Assim, a pesquisa crítica e-ducacional não almeja primordialmente nem o insight, nem o conhecimento ou uma maior conscientização, mas trata-se de uma pesquisa que abre um espaço existencial concreto de liberdade prática, ou seja, um espaço de possível autotransformação (MASSCHELEIN, 2008, p. 40).9

O lugar da atenção na experiência do caminhar

Para Esquirol (2008) a atenção revela-se como uma espécie de desapego em relação a si mesmo, uma suspensão do pensamento para deixá-lo mais disponível e penetrável. Para Jan Masschelein (2008) a relação da atenção com o sujeito implicaria também sua suspensão na medida em que a atenção deslocaria o sujeito em relação ao objeto, a ponto de colocar em risco sua própria constituição (de sujeito do conhecimento). Tal perspectiva, aberta particularmente por Masschelein (2008), constitui-se problemática na medida em que nos apresenta o desafio de pensar nas fronteiras do regime de verdade, de corte moderno/representacional, em que a noção de formação está associada à constituição do sujeito uno, singular, portador de identidade, racional, autônomo e livre; artífice de um mundo e de uma realidade constituída de objetos passíveis de serem conhecidos e controlados por esse mesmo sujeito, cuja centralidade é o conhecimento.10

Em relação à expressão moderno/representacional destacamos o cogito cartesiano, que comporta uma ruptura substancial entre a res cogitans e a res extensa, isto é, a ruptura entre a coisa pensante (consciência, notadamente negativa, não-mensurável, não-tangível, não-extensiva) e a coisa extensa (o mundo/objetos, que podem ser mensurados, pesados, comparados, são espaciais e extensivos, com propriedades sensíveis), inaugurando uma concepção dualista e irreconciliável da realidade, ao separar substancialmente a realidade espiritual da material, cuja diferença diz respeito à sua natureza. Esta separação metafísica repercutiu não apenas na epistemologia, instaurando a relação dual e essencial entre sujeito-objeto, entre o ser que pensa e o ser pensado, porém, introduziu-se também em outras áreas, atingindo o cerne mesmo das instituições do ocidente cristão.

De acordo com Leopoldo e Silva (2001), interpretando Descartes, a hegemonia do sujeito corresponde ao que se convencionou denominar de primado da representação, compreendido como todo e qualquer conteúdo presente na mente. A palavra representação, de raiz medieval, conota, para Abbagnano (2003, p. 853), a referência a uma imagem ou a uma ideia, ou ambas as coisas. Seu uso foi sugerido pelos escolásticos através do conceito de conhecimento como “semelhança” do objeto.

Posteriormente, Imannuel Kant estabeleceu uma noção geral de representação, considerando-a gênero de todos os atos ou manifestações cognitivas, independentemente de sua natureza de quadro ou semelhança, sendo que desse modo passou a ser usado na filosofia. Em outras palavras, a representação pode ser concebida como mediação necessária para qualquer ato cognitivo, bem como um limite para a compreensão ocidental de um conjunto de fenômenos que se implicam ou que se complicam, tais como conhecimento, ensino, aprendizagem, tendo em vista que o sujeito moderno concebido como substância pensante não consegue atingir seu objeto/mundo diretamente, pois este, coisa extensa, difere-se substancialmente do sujeito.

Neste sentido, a representação coloca-se como substituto, como representante do objeto na relação epistemológica entre o sujeito e o mundo/objeto. Por ser produzido pelo sujeito, em última instância, a relação epistemológica poderia significar uma relação em que o sujeito epistemológico configura a si mesmo na medida em que configura seu objeto por meio da intencionalidade.

Para Masschelein (2008), estar atento é não se deixar cativar (aprisionar) por nenhuma intenção, ou projeto, ou visão, ou perspectiva, ou imaginação, que sempre nos dão um objeto e capturam o presente numa representação. Estar atento requer a suspensão do tribunal da razão e implica um tipo de espera, tendo por finalidade cortar a realidade para que possamos ver o ponto cego contido naquilo que é evidente (MASSCHELEIN, 2008). Neste sentido, prestar atenção indicaria uma atitude de estar presente ao presente, de tal forma que ele seja capaz de se apresentar para que possamos ser transformados, atravessados ou contaminados por ele, tornando a experiência possível.

A relação entre atenção e suspensão do julgamento deve estar associada, segundo Masschelein (2008), à vontade de movimentar-se e exaurir a energia da projeção e da apropriação (que repetidamente estabelece sua própria ordem ou casa), através de um esforço concreto, como forma de disciplinar o corpo e a mente. Como ele nos indica, a experiência de caminhar na estrada é diferente da experiência de voar sobre ela, isto ocorre porque quem caminha por dentro da estrada deve ser obediente à evidência de sua manifestação nas clareiras, nas encostas, nos vales, mas quem voa, apenas vê (tem uma representação).

Para que haja um caminhar, com sentido eminentemente (auto)formativo, são necessárias a intenção e a disposição de se colocar em movimento, de perder energia, tempo e recursos em uma atividade que não é nem útil, nem lucrativa. O ato de caminhar nos coloca na condição do vulnerável, oposta condição daquele que procura manter-se constantemente (supostamente) no controle das situações. O princípio fundamental do caminhar é colocar um pé à frente do outro, imprimindo um certo estilo (ritmo) à caminhada.

Requer um grau de atenção diferente do grau atentivo de quem voa (lê um texto) pois a dramaticidade das diferenças do caminho nos co-move e nos ajuda a nos movimentar. Em termos formativos, as questões importantes surgiriam durante a caminhada ou transformariam as questões iniciais que o caminhante trouxe consigo, em todo caso, há um propósito transformador, isto é, de mudança de atitude em relação à vida, vinculado a uma determinada ação corporal.

É preciso reconhecer que muito embora o caminhar exija um certo grau atentivo por nos colocar em situações que requerem escolhas, que nos ex-põem aos riscos do caminho, incluindo o risco de perder-se, seria possível pensar em um caminhante distraído ou ensimesmado, ou seja, desatento. Podemos pensar que a atenção é o elemento formativo presente no ato de caminhar, compreendidos em duas chaves: i) da suspeição do tribunal da razão, que julga a partir das representações a realidade; ii) da abertura para que os objetos/situações se apresentem antes de serem representadas, para que com eles tenhamos relações não mediadas, necessariamente por representações da realidade.

Nos termos do ensino de filosofia, poderíamos conceber a filosofia, ou melhor, a história da filosofia, como sendo uma floresta, com a qual podemos ter duas relações básicas mas contrastantes: na primeira tomá-la-emos como representação, desta forma, assim como aquele que voa pela floresta, poderíamos estabelecer relações em perspectiva entre os pontos salientes da floresta com o caminho, sua direção em relação ao horizonte, a relação dos rios com o caminho, entre outras. Assim como fazemos quando tomamos a história da filosofia como uma representação que traz consigo os sentidos e significados do filosofar.

A segunda relação que podemos estabelecer com a floresta é a de penetrá-la através de um caminho, de vivenciá-la por meio de uma ação que requer a perda de energia, de tempo e de recursos para que o caminhar possa ocorrer, que precisa ter um atenção redobrada por estar vulnerável ao caráter errático do caminho e vulnerável aos limites das encostas, dos precipícios, entre outros. Tais custos não se podem delegar a outras pessoas, não é possível terceirizar a caminhada. Após muito caminhar, isto é, fazer uso do seu pensamento, gastando deliberadamente tempo, energia e recursos, será possível dentro desta floresta o encontro com os filósofos - espécie de pausa para que possamos restaurar as energias para a caminhada restabelecer (fontes de água e de comida, abrigo e um descanso no caminho), assim, os autores da tradição, nos ajudariam a caminhar, isto é, a continuar pensando, mas não apresentariam nenhum sentido ou objetivo (representação) em definitivo que possa submeter ou suplantar a caminhada.

Assim, como nos lembra Gros (2010), após uma exaustiva caminhada somos saciados com coisas simples, um pedaço de pão, um pouco de água, um lugar para recostarmos, o simples passa a ser o mais importante, o mais urgente. Assim como nos caminhos do pensamento que se faz como experiência, chegamos ao cansaço, ao limite que não nos permite seguir. Neste momento faz-se mister uma pausa para um descanso, para um repouso, para aquilo que não é o caminhar, mas que permite o próprio caminhar, o ponto cego contido na evidência do caminhar, assim como o pensamento que encontrará no não-pensamento as suas condições de exercício.

O exercício do pensamento (que se realiza como uma caminhada) permite abrirmos mão do controle, para que a caminhada nos transforme e nos diga algo sobre si e sobre nós mesmos. Tanto o ato de caminhar quanto a atenção solicitam uma disposição inicial, que no primeiro caso reside no movimento característico da caminhada, isto é, colocando um pé à frente do outro; em relação à atenção esta disposição evidencia-se na flexibilidade entre foco e abertura, isto é, no movimento constante entre a fixidez (foco) e a flexibilidade de mudança no foco atentivo (abertura), mantendo, porém um certo tensiosamento, típico da atenção.

Em relação às práticas de ensino com caráter filosófico, o caminhar e a atenção poderiam nos indicar práticas que valorizam mais os movimentos do pensamento que nos conduzem de um ponto ao outro, neste sentido, mais valeria o exercício de um pensamento que se desloca à procura de um sentido do que a assimilação de informações filosóficas. Esta dimensão do caminhar está presente na medida em que nos deslocamos nos caminhos do pensamento, visando a sentidos possíveis. Neste deslocamento, as paisagens também passam e afetam a quem caminha. A vontade de fixar-se em uma paisagem e ali permanecer, são muitas vezes apenas desacelerações, momentos de aconchego, que não demonstram um traço sedentário que pode impedir a própria caminhada do/no pensamento, mas, como já dissemos, momentos de acomodação do já vivido e de restauração das energias para seguir na viagem.

Nos termos do ensino de filosofia, as paisagens que tanto nos apaixonam, chamando a atenção do nosso olhar (em termos de foco), podem ser compreendidas na chave da historiografia filosófica, em que as doutrinas filosóficas surgem como paisagens no caminho. Como dissemos a pouco, como fontes, descanso ou abrigo, nesta perspectiva do ensino de filosofia, as paisagens (as teorias filosóficas) nos ajudam a recobrar o alento, mas o caminho ainda a ser realizado espera pelo caminhante. O sentido de sua caminhada não reside em fixar-se no meio do caminho, atraído por paisagens, mas avançar pelos caminhos ainda desconhecidos.

A atenção possibilitaria um caminhar mais leve e melhor orientado, na medida em que tanto nossa relação com o passado quanto com o futuro cede lugar para que uma relação com o presente se intensifique, tornando possível também “soltar o lastro”, como lembra Esquirol (2008), isto é, descarregar de nossa bagagem teórica, para que ela não substitua (nem represente) a necessidade do próprio caminhar/pensar.

Considerações finais

Analisando o tema da atenção percebemos que ele pode ser abordado em dois registros contrastantes, um de natureza representacional, em que o sujeito ao visar um objeto como foco atentivo, estabelece-se como sujeito epistêmico (de natureza cartesiana), deste modo, mantém-se ascendente sobre seu objeto com a finalidade de dominá-lo, neste caso a intenção é fundamental.

De outro modo, a atenção também pode ser pensada em um registro ético-existencial, em que a soberania do sujeito em relação ao seu objeto é abandonada e neste descentramento um espaço de liberdade prática torna-se possível, de modo tal que a alteridade dos objetos e situações possam se apresentar e não apenas serem representados. Neste sentido, trata-se de um modo de atenção que prescinde de intenção, muito embora, permaneça um tensionamento, manifesto como uma abertura e um estado focado ao que acontece.

Trata-se de uma atitude geral com contorno ético-existencial que possibilita a ex-posição e vulnerabilidade. Ex-posição que significa a saída de uma posição determinada e caminhar, por meio de um movimento que transforma o foco atentivo a cada passo dado, possibilitando a visão dos vales, encostas e planícies e que transforma também o sujeito (da experiência), que vulnerável aos contornos do próprio caminho, é comandando por sua força.

Sobrevoar a estrada, mantendo a ascendência sobre ela, indica que, de cima, é possível relacionar seus pontos e esquematizar diferentes rotas, tem se um conhecimento sobre seu destino, bem como de suas clareiras, enquanto se sobrevoa a floresta, o domínio sobre objeto é mantido e sabe-se dele, tem-se um poder sobre ele, enquanto objeto de conhecimento representado pelo sujeito. Ao passo que o sujeito que produz tais conhecimentos precisa manter-se seguro e imune a transformações que o objeto possa lhe produzir.

Partindo de uma concepção de filosofia desviante dos pressupostos representacionais e presa do discurso epistemológico, queremos considerar uma formação filosófica não restrita ao acúmulo de erudição mas dependente de uma experiência de pensamento que se faz, dependente de um caminho que se percorre, no qual é possível a ex-posição na condição de vulnerável. Embora a historiografia filosófica possa oferecer mapas que indiquem o caminho, possibilitando uma saída mais fácil e previsível, trata-se de um caminhar que deve manter-se obediente aos comandos da estrada.

Formação filosófica pensada desde os riscos de um caminhar sem mapas e sem rotas previamente estabelecidas, dentre os riscos a que o caminhante está sujeito quando anda a pé pela estrada, sem mapas e sem roteiros previamente estabelecidos, a errância é um dos mais comuns. Neste sentido, embora haja um imperativo em caminhar, o caminhante não dispõe dos mapas e não sabe qual caminho tomar, restando-lhe a alternativa de errar.

É nesse processo do perder-se para melhor se encontrar, da errância, que o caminhante, atento as indicações do caminho, descentrados em relação aos domínios (pois lhe faltam) próprios do sujeito do conhecimento, permanece livre, ao menos por um tempo, do peso de um lastro cognitivo (representações) que existe enquanto marcador da realidade, conformando a experiência possível às suas determinações, impedindo, assim, o surgimento do novo e do encontro com a maravilha e a dramaticidade do fora do pensamento.

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1Embora a expressão cause estranheza inicial, a pedagogia pobre como utilizado por Masschelein (2008) pode ser compreendida como uma certa carência intencional de recursos metodológicos sofisticados com vistas à aprendizagem, ou seja, meios que levem a uma finalidade para garantir o tempo da experiência e o estímulo da atenção na medida em que as experiências ocorram.

2Sobre a relação do pensamento com o fora, confira Foucault (1994) O pensamento do fora (La pensée du dehors).

3Neologismo que indica a produção ou a autoprodução de ordem (Cosmos) contrastando com o fenômeno do caos, caracterizado pela ausência absoluta de qualquer tipo de referência. Na natureza, a cosmicidade é revelada em ninhos de pássaros, teias de aranha, formigueiros, na ordem celeste, nos ritmos naturais, entre outros; na cultura, verificamos a cosmicidade nas instituições e seus graus de complexidade, exemplificada na organização escolar, do trânsito, na arte, na música, etc.

4De origem latina, a palavra respectus desmembra-se nos vocábulos re indicando a ideia de voltar, retornar e specto que indica a ideia de olhar, dando-nos o sentido de voltar a olhar, olhar de novo. Apenas olhamos de novo, consideramos algo /situação quando ela demanda ou chama nossa atenção.

5O contexto de nossa problematização se ampara e ressoa os diagnósticos de Benjamin (1986), que enuncia o empobrecimento da experiência pelo processo de sua moralização e no de Agamben (2005), que, demonstrando o aprofundamento ainda maior do problema da experiência, indica a sua expropriação. Não vamos desenvolver o modo como essas duas tradições se correlacionam pelos limites que nos são impostos nessa publicação.

6Para um maior aprofundamento nesta perspectiva sugerimos o trabalho de Livre Docência Dos Cantos da Experiência Formativa aos desafios da arte de viver à educação escolar: um percurso da experiência estética à estética da existência do Prof. Pedro Ângelo Pagni, UNESP-Marílila.

7E-ducação (educere) indica o sentido de “trazer para fora”, de “olhar para fora” em contraste com uma concepção de educação (sem hífen - educare), compreendida como “ensino”, “transmissão”.

8Em referência à feminista Judith Butler, Masschelein (2008) nos diz que prestar atenção é “uma prática de ‘pôr em risco’ sua própria formação de sujeito” (BUTLER, 2001) através de uma relação diferente com o presente - é também por isso que Foucault considera a crítica “uma questão de atitude” (2004, p. 39. Grifo nosso).

9Uma indicação que nos revela uma prática que envolve ver, abrir os olhos, ter um novo olhar e prestar atenção, ao mesmo tempo livre de perspectivas ou visões, que exige um deslocamento, uma mudança que permita que nós estejamos aqui (lá) e para que o lá (aqui) se apresente a nós em sua evidência, vem da experiência do caminhar. Embora, Masschelein (2008) faça referência a um tipo de exercício que requer o movimento do corpo, podemos pensar, no caso da formação filosófica, no movimento (caminhada) do pensamento quando este se torna uma experiência de pensamento filosófica. Para ilustrar este esforço concreto, de maneira esquemática, destacamos três autores que narram suas experiências em que o movimento (do corpo) exaurindo suas energias de projeção e de apropriação através de uma disciplina do corpo e da mente, colocaram-se no lugar do vulnerável: Henry David Thoreau (2012), Frédéric Gros (2010) e David Le Breton (2015). Em Andar a pé, Thoreau (2012) apresenta uma meditação acerca do seu hábito de andar pelas florestas na América do Norte do século XIX. Suas narrativas revelam um processo de (auto)formação que combina a atividade corporal (caminhar) com a atenção, no sentido conferido por Masschelein (2008). Não se trata da caminhada como exercício de desenvolvimento corporal, associado contemporaneamente a noção de performance, mas como diz Thoreau (2012, p. 9), trata-se do motivo e da aventura do dia. Sobretudo, continua ele, devemos “[...] caminhar como um camelo o qual, ao que sabemos, é o único animal capaz de ruminar em marcha.” (THOREAU, 2012 p. 9. Itálico nosso). Quatro ou cinco horas (ou mais) eram necessárias para suas caminhadas pelas matas, colinas e bosques absolutamente isento de qualquer obrigação mundana, em vista de manter sua saúde mental, relata Thoreau (2012). David Le Breton (2015) em Elogio del caminar nos diz que um caminhar realizado com prazer e com o coração, como convite ao encontro, a conversação e ao desfrute do tempo, pode tornar-se uma abertura para o mundo, restituindo ao homem um feliz sentimento de sua existência. Configurando como uma meditação ativa que requer uma sensorialidade plena (LE BRETON, 2015, p.15) e que tem o potencial de nos transformar face às demandas contemporâneas de tempo e lucro, pois “Recurrir al bosque, a las rutas o a los senderos, (...) nos permite recobrar el aliento, aguzar los sentidos, renovar la curiosidad. El caminar es a menudo un rodeo para reencontrarse con uno mismo.” (LE BRETON, 2015, p.15. Itálico nosso). Caminhar no contexto contemporâneo pode servir como resistência política e como triunfo do corpo que proporciona uma filosofia elementar da existência “(...) basada en una serie de pequeñas cosas; conduce durante un instante a que el viajero se interrogue acerca de sí mismo, acerca de su relación con la naturaleza o con los otros, a que medite, también, sobre un buen número de cuestiones inesperadas.” (LE BRETON, 2015, p. 18-19). Frédéric Gros (2010), em Caminhar, uma filosofia, apresenta a ideia de que a caminhada é também um ato filosófico e uma experiência espiritual. Seus interlocutores filosóficos são Nietzsche, Rimbaud, Rousseau, Thoreau e Kant, entre outros. Embora não se enquadre como um tratado filosófico sobre a caminhada, Gros (2010) descreve o estilo de caminhar de alguns importantes filósofos e de como este estilo caracterizava suas filosofias. Suas reflexões abordam os temas existenciais presentes no espírito humano que não descansam até podermos tratá-los, mostrando também, de maneira poética, que importantes insights filosóficos nasceram durante longas caminhadas e perambulações. Muito embora Gros (2010) tematize o ato de caminhar e apresente os estilos de caminhar/fazer filosofia, ele não utiliza o caminhar como modo de produzir narrativas. Em outras palavras, ele não caminha junto com o autor, não realiza uma experiência de pensamento com o autor. Ele produz narrativas sobre determinado filósofo à partir da representação que se tem comumente dele: caminhada metódica - Kant; caminhada raivosa - Rimbaud; caminhada selvagem - Thoureau, por exemplo. Neste sentido, embora trate de um tema essencialmente não representacional, pois requerer um movimento do sujeito e do objeto, suas narrativas são representacionais ao fixar determinadas imagens consolidadas pela tradição, que imunizam o sujeito de uma experiência em vista de (auto) transformação.

10Márcio Danelon (2003), em sua tese de doutorado, procurou demonstrar que a educação, de modo geral, repousa sobre a premissa da existência de um sujeito a ser formado/formatado e as disciplinas que compõem as ciências da educação, seja a psicologia da educação, a sociologia da educação, as metodologias, entre outras, estão baseadas na ideia desse mesmo sujeito a ser educado: sujeito uno, singular, sede da razão, liberdade, vontade e consciência.

Recebido: 17 de Janeiro de 2019; Aceito: 11 de Junho de 2019

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