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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.33 no.69 Uberlândia set./dez 2019  Epub 06-Fev-2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v33n69a2019-47793 

Artigos

Interdisciplinaridade, totalidade e a construção do conhecimento em artigos das áreas de Educação e Ensino

Interdisciplinarity, totality and the construction of knowledge in articles of the areas of Education and Teaching

La interdisciplinariedad, la totalidad y la construcción del conocimiento en los artículos de las áreas de educación y enseñanza

Gabriele de Sousa Lins Mutti* 
http://orcid.org/0000-0002-6347-7207

*Doutora em Educação em Ciências e Educação Matemática e mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professora da Secretaria Estadual de Educação do Paraná e do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu (CESUFOZ). E-mail: gabi_mutti@hotmail.com


Resumo

Neste artigo interrogamos: O que se mostra sobre a interdisciplinaridade e totalidade, tomadas sob a ótica do materialismo dialético, nos artigos de periódicos das áreas de Educação e Ensino, disponibilizados no Google acadêmico? Por meio da análise de conteúdo realizada em 27 pesquisas. Os resultados revelaram que ainda que não exista na literatura uma concepção única do que vem a ser a interdisciplinaridade, há entre os estudiosos a compreensão comum de que ela está vinculada à busca pela ruptura com a fragmentação do conhecimento. No contexto escolar, explicita-se dos artigos analisados, a interdisciplinaridade impulsionada pelos interesses dos modos de produção capitalista, bem como o discurso de que a ampliação do debate sobre ela na escola solicita mudanças no modo como se dá o trabalho pedagógico, uma vez que requer abertura ao estabelecimento de uma relação dialógica para a construção do conhecimento, de modo que a totalidade possa ser almejada sem que as particularidades sejam desconsideradas.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Totalidade; Construção do Conhecimento; Materialismo dialético; Análise de conteúdo

Abstract

Article we question: What is shown about interdisciplinarity and totality, taken from the viewpoint of dialectical materialism, in the articles of Education and Teaching journals made available on Google scholar? Performing A content analysis, we consider 27 researches. The results revealed that even though there is no literature, a unique conception of what is interdisciplinarity, there are among scholars the common understanding that it is linked to the search for rupture with the fragmentation of knowledge. In The school context it is explained by the analyzed articles, the interdisciplinarity driven by the interests of the capitalist modes of production and discourse that the expansion of the debate on it in the school, calls for changes in the way the work is given Pedagogical and openness to the establishment of a dialogical relationship in the construct of knowledge, so that the totality can be pursued without the particularities being disregarded.

Keywords: Interdisciplinarity; All Knowledge Construction; Dialectical Materialism; Content Analysis

Resumen

En este artículo cuestionamos: ¿lo que se muestra acerca de la interdisciplinariedad y la totalidad, tomada desde el punto de vista del materialismo dialectico, en los artículos de Educación y docencia revistas disponibles en Google Academico? Realizando un análisis de contención, consideramos 27 investigaciones. Los resultados revelan que aunque no hay literatura, una concepción único de lo que es la interdisciplinariedad, hay entre los eruditos el museo de común que está vinculado a la búsqueda de ruptura con la fragmentación del conocimiento. En el contexto escolar es explica por los artículos analizados, la interdisciplinariedad por las intereses de los modos de producción y discurso capitalistas que la expansión del debate sobre el mismo en la escuela, cambio s en la forma en que se da el tiempo Pedagógica y apertura al establecimiento de una relación dialógica en la construcción pueda del conocimiento, se puede desear la totalidad sin que se tengan en cuenta las particularidades.

Palabras clave: interdisciplinariedad; todo Construcción del conocimiento; Materialismo dialéctico; Análisis de contenido

1 Introdução

A interdisciplinaridade tem sido mencionada nos documentos que orientam as políticas públicas de ensino brasileiras, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), como um dos objetivos concernentes à educação. Este documento infere que:

A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre

os diferentes campos de conhecimento produzido por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles e questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constitui. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas (BRASIL, 1997, p.31).

Depreende-se da citação, uma compreensão da interdisciplinaridade enquanto “relação entre diferentes campos do conhecimento” (MILITÃO; CUNICO, 2011, p.7). Nesta mesma direção, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dentre seus planos de ação voltados para o ensino e à aprendizagem, visa:

Decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem (BRASIL, 2017, p.12).

Com efeito, o destaque dado à interdisciplinaridade nos documentos oficiais, expresso, inclusive, no modo como se pensa a organização dos elementos que constituem os currículos, revelam o quanto esta temática tem se mostrado presente nas discussões esboçadas no contexto educacional brasileiro. Falar, pois, da interdisciplinaridade envolve, segundo Frigotto (2008, p. 42, inserção nossa), falar de ciências sociais, uma vez que “os processos educativos [são] constituídos nas e pelas relações sociais sendo eles mesmos constituintes destas relações”.

O mesmo autor continua dizendo que “a necessidade da interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, uno e diverso, e na natureza intersubjetiva de sua apreensão” (FRIGOTTO, 2008, p.44, negrito do autor). Quando falamos do caráter uno e diverso da realidade social, voltamo-nos para a categoria filosófica totalidade focando-a, no caso específico deste artigo, sob a ótica educacional.

A relevância de, ao discutirmos a interdisciplinaridade, voltarmo-nos para a categoria totalidade é destacada por Frigotto (2008, p. 44) quando diz que “a compreensão da categoria totalidade concreta em contraposição à totalidade caótica, vazia, é imprescindível para entendermos a interdisciplinaridade como necessidade imperativa na construção do conhecimento social”. A totalidade concreta, entretanto, não envolve tudo e, tampouco, a busca pelo cerne de tudo (KOSIK, 1978), mas sim, o esforço de trazer à luz os múltiplos aspectos históricos que constituem os objetos de estudo.

Considerando a pertinência, já destacada por Fazenda (1996), de dirigirmos a atenção para a interdisciplinaridade no âmbito educacional e, buscando compreendê-la tomando a categoria filosófica totalidade no âmbito das pesquisas do campo educacional, interrogamos: O que se mostra sobre a interdisciplinaridade e totalidade, tomadas sob a ótica do materialismo dialético, nos artigos de periódicos das áreas de Educação e Ensino, disponibilizados no Google acadêmico? O movimento de interrogar o que se mostra dos artigos das áreas de Educação e Ensino se faz relevante, uma vez que não encontramos trabalhos que apresentassem uma síntese do que se diz sobre a indisciplinaridade e totalidade nas pesquisas da referida área.

Sendo assim, no próximo subtítulo discorremos brevemente sobre a interdisciplinaridade, a totalidade e a construção do conhecimento1 ao longo da história humana e explicitaremos os procedimentos metodológicos adotados para a produção deste artigo, pois entendemos que isso contribui com o rigor da pesquisa qualitativa (BICUDO, 2011). Na sequência, diremos o que se mostrou dos trabalhos analisados visando apresentar, mesmo que minimante, um panorama do que se diz sobre a interdisciplinaridade e totalidade nestas pesquisas, tanto no que concerne a referenciais teóricos adotados, quanto às concepções que emergem das discussões quanto a essa temática.

2 Construção do conhecimento: algumas considerações

Neste subtítulo buscamos, suscintamente, discorrer sobre a construção do conhecimento ao longo da história humana, focando-a sob a ótica da interdisciplinaridade e da totalidade. Para tanto, adotamos como referenciais teóricos os autores discutidos na disciplina de Interdisciplinaridade e Totalidade, como esclarecido em nota.

2.1 Animismo e a onipotência de pensamentos

A palavra animismo vem do latim, anima, na alma. Sigmund Freud (1913-1914) disse que o animismo começa como princípio psicológico e dele emerge a ideia de mundo da unidade na alma e de que todas as coisas são animadas. Em síntese, o animismo diz respeito à crença de que as plantas, os animais, os objetos inanimados, os fenômenos naturais e o universo têm propósitos e vontades, e podem auxiliar ou tolher interesses humanos. Ele relaciona-se com a doutrina da anima mundi, suposta força imaterial que dá vida ao universo, coordenando os seus componentes.

O animismo comunga com uma visão de antropomorfização (que tudo tem alma) do mundo. Ele dirigia a vida humana e ordenava o universo pois imperava o pensamento de que as coisas sentem e pensam as mesmas coisas que nós. A visão de mundo pautada na unidade, tinha um sentido ordenador, de modo a permitir ao animismo explicar as coisas.

No que concerne a onipotência de pensamento, Freud (1913-1914) dizia que ela estava relacionada a ideia de que o pensamento tinha força de controlar as coisas. Ele associava esse tipo de onipotência de pensamento ao solipsismo (só existe o eu pensante, somos apenas a projeção dele mesmo).

2.2 A totalidade ontológica e a filosofia como ciência do universal

A história humana da construção do conhecimento foi marcada por períodos em que se utilizavam de mitos (deuses) na tentativa de explicar a realidade. Severino (1999, p. 68) diz que o mito é a “forma mais ancestral de os homens buscarem com alguma sistematicidade, a explicação, o sentido das coisas”. A ruptura com esses mitos começou na divergência ontológica entre a vivência (meio) e o pensamento.

Com efeito, na Grécia antiga o contato entre povos com diferentes costumes acabou contribuindo com a ruptura de tradições de modo que os deuses passaram, paulatinamente, a perder o mistério aproximando-se da humanidade (ANDERY et al., 2012). Andery et al. (2012, p. 29) esclarece que “aí, talvez, que se encontre a explicação para a preocupação que era comum a Homero e Hesíodo: aproximar os deuses dos homens, criar um laço entre homens e deuses que tornasse a vida terrena mais racional e compreensível”.

Vê-se que neste período, a forma como os gregos viviam, a política, as relações econômicas com outras nações, com vários mitos e o choque cultural intensificou a necessidade de compreensão do outro. Na ágora grega, a arte do conhecimento exigia argumentação e neste ambiente o dogma passou a perder a validade. Ocorre, entretanto, que mesmo nas formas racionais não se rompia com a ideia de explicação unitária do mundo, isto é, as formas mais racionais de explicação da realidade buscavam romper com o mito, mas não rompiam com a unidade.

A filosofia emerge nesse contexto, buscando a totalidade do ser, a busca do princípio, do elemento primordial -arché- que pudesse explicar a origem das coisas. Que elemento primordial seria esse? Tales de Mileto, pai da Filosofia, dizia que era a água. Seu discípulo, Anaximandro, dizia que a essência de tudo o que existe no universo era ápeiron, que significa algo sem fim, sem limite e indeterminado (ANDERY et al., 2012).

Anaxímenes, por sua vez, dizia que o ar (pneuma), era o elemento primordial, que ainda que fosse único, dava origem a multiplicidade. Heráclito, fala do fogo. Dele se explicita a compreensão de que “verdade e realidade é um processo, e não algo estático. A busca da verdadeira essência está justamente no fluxo distante, não é em uma coisa fixa ou definida” (CIVIDINI; GOMES, 2017, p.1).

Essas considerações revelam que a filosofia não buscava uma explicação sobrenatural da realidade, prova disso são as ideias dos filósofos associadas aos entes físicos como a água, o ar e o fogo. A ideia de buscar o arché já estabelecia uma fronteira, uma vez que se buscava romper com as explicações cosmogônicas das coisas.

Observa-se que nas filosofias pré-socráticas, buscava-se uma explicação natural da realidade. Vale ressaltar que esses filósofos eram, em sua maioria, físicos, pois physis significa natureza. Heráclito e Parmênides, por exemplo, expressavam diferentes compreensões sobre a construção do conhecimento, discutindo a ideia de mudança e permanência do ser.

Heráclito falava do fogo, da capacidade de se consumir e Parmênides defendia a permanência. Ambos diziam que na natureza há conhecimento. Mas não concordavam quanto à possibilidade de mudança, isto é, de que a realidade poderia dar-se pela mudança. Parmênides dizia que a mudança não permitiria conhecimento. A verdade que se buscava para ele não é da physis, não se encontrava no que existe, no que muda, o que mostra que para ele acreditar que conhecimento e mudança existem, seria paradoxal, uma vez que ele dizia da necessidade de ir além da physis.

2.3 Mundo sensível/mundo das Ideias e o Cristianismo

Em Sócrates e Platão encontramos a compreensão de que conhecer é voltar a lembrar a reminiscência. Referindo-se a reminiscência como entendida por Platão, Severino (1999, p. 83) diz:

Platão explica nosso conhecimento dizendo que ele não passa de uma relembrança do que tínhamos esquecido [...] ao vermos as árvores concretas, imperfeitas, mutáveis, somos estimulados pelos nossos sentidos, sobretudo pela visão, e acabamos nos relembrando da Ideia (sic), da Árvore-Ideia (sic), nossa antiga companheira no Mundo das Ideias (sic)! A dialética é então, para ele, o esforço para recuperarmos nosso antigo conhecimento, apreendendo cada vez mais todas as ideias (sic). (SEVERINO, 1999, p. 83)

Platão defendia a existência de dois mundos: o sensível e o inteligível (logos). O mundo sensível correspondia as coisas concretas decorrentes da experiência humana comum. Já o inteligível dizia das ideias, das experiências perfeitas e imutáveis (SEVERINO, 1999). Esse modo de compreender o conhecimento era idealista, entendendo que o pensamento tem a mesma natureza da realidade por isso que ela consegue compreendê-la.

O platonismo influenciou fortemente o cristianismo, prova disso é que num período da história humana em que imperava a sociedade feudal, na qual a posse de terras era determinante, a construção do conhecimento estava atrelada ao cristianismo e este, por sua vez, estava impregnado de influencias das ideias de Platão (ANDERY et al., 2012; CIVIDINI; GOMES, 2017). Santo Agostinho, como bispo da igreja católica, serviu-se de muitas das ideias de Platão, com pequenas modificações, para “apoiar a teologia e moral cristãs” (SEVERINO, 1999, p. 83).

Aristóteles, por outro lado, entendia que a construção do conhecimento se encontrava nas coisas naturais, sem que houvesse um mundo das Ideias. Severino (1999) chamou a teoria de Aristóteles2 de realismo naturalista e disse que segundo ela:

[...] os entes vão constituindo sua própria existência mediante um processo de atualização, de passagem da condição de potência a uma situação de ato. É a realização da sua essência. Aliás, a essência, em geral, é pura potência, ou seja, define uma possibilidade de existir, mas, para se tornar ato, ela precisa exatamente existir, ser posta na existência [...] uma vez existindo, cada ente existe de acordo com as características de sua essência. Existe como uma substância, delineada pelas características próprias de sua forma específica (SEVERINO, 1999, p. 86).

Vale ressaltar que no século XIII, Santo Tomás de Aquino, incorpora a teoria de Aristóteles ao cristianismo ressaltando, entretanto, a criação do mundo por Deus e a compreensão da imortalidade da alma (SEVERINO, 1999).

2.4 Do feudalismo ao capitalismo

O período que decorre de 1500 a 1800, foi marcado pela transição entre o feudalismo e o capitalismo. Nesta época havia a compreensão, instaurada entre os pensadores, de que a experiência é determinante na construção do conhecimento (TONET, 2013). Segundo Tonet (2013, p. 37):

[...] podemos dizer que foram três os caminhos trilha dos para resolver esta problemática da relação entre a razão e os dados empíricos. Com inúmeras variantes no interior de cada um deles, estes caminhos são conhecidos como Racionalismo, Empiris mo e Criticismo Kantiano.

Os caminhos supracitados, o racionalismo, o empirismo e o criticismo foram representados por Bacon, Descartes e Kant (TONET, 2013). O primeiro deles, Bacon, nasceu na Inglaterra em um período marcado pela transição do catolicismo para o protestantismo. Ele dizia que saber é poder e defendia a ideia de que a ciência deveria contribuir para o avanço da sociedade (ANDERY et al., 2012). Ele defendia o Novum Organum que:

[...] fez uma proposta de reformulação da concepção predominante de Ciência, que era contemplativa. Isso não significa que a ciência não realizasse observações empíricas nem deixasse de fazer experimentos, porém, de fato, a observação e a experimentação efetuadas, por exemplo, por Galeno e Hipócrates, não tinham como objetivo a transformação da natureza, e sim ajudá-la com a arte a realizar o que ela sozinha não teria forças para fazê-lo (ZARTEKA, 2004, p. 101).

Para além disso, Cividini e Gomes (2017, p. 1) dizem que:

O saber, para Bacon, é apenas um meio mais vigoroso e seguro para conquistar o poder sobre a natureza e não tem valor apenas em si mesmo. Cada vez mais, no capitalismo, a ciência vai servir como um instrumento de exploração, ela consegue ser uma ciência que se converte em tecnologia e começa a ter uma relação com as forças produtivas, que revolucionam as estruturas sociais. (CIVIDINI E GOMES 2017, p. 1)

Já Descartes, defendia a compreensão de que a razão tem ideias inatas. Ele se fecha e começa a meditar, apropriando-se da dúvida como método. Descartes busca a verdade como alicerce do conhecimento buscando, a partir dela, construir o edifício do conhecimento.

Descartes tinha certeza de que ele não poderia deixar de duvidar e tomava como segunda verdade: Deus. Ele parte das ideias inatas e posteriormente se dá conta das coisas sensíveis.

Descartes não discute a ideia de todo, mas sim, a decomposição do todo, do real, a analítica, o que o leva a fazer a separação entre a coisa extensa e a coisa pensante, entre corpo e mente. Isso revela o mecanicismo cartesiano, uma vez que o conhecimento passa a se mostrar dependente do sujeito e não do objeto (TONET, 2013; BUCKINGHAM et al., 2011).

Kant, por sua vez, compreendia que era impossível defender a metafísica, pois havia objetos que estão além da experiência e, portanto, impossíveis de serem acessados, mesmo pela razão. Ele chega no idealismo crítico ou transcendental.

Para Kant as ideias não eram uma derivação imediata do ser, pois a razão determinava a forma. Desse modo, as ideias não existiam fora do ser, elas engendravam a realidade de modo que a razão se tornava única, universal. Tivemos, entretanto, uma virada gnosiológica, o que Kant chamou de revolução copernicana, caracterizada pela mudança do geocentrismo para o heliocentrismo. O objeto gravitava o sujeito e não simplesmente o definia (TONET, 2013; BUCKINGHAM et al., 2011).

Ao buscar fugir do ceticismo Kant empenhou-se em resgatar a possibilidade do conhecimento. Ele dizia que a razão sem os conteúdos não produz conhecimento. Para ele existiam categorias a priori, mas elas não tinham recheio, quando incorporadas pelo homem elas davam forma ao conhecimento. Sendo assim, os conteúdos sem a razão não eram nada. A experiência só construía conhecimento quando passava pelo entendimento humano (juízos sintéticos). Há aqui uma blindagem antisubjetivista. O conceito de verdade universal permaneceu intacto em Kant. A objetividade se reduzia ao fenômeno (TONET, 2013; BUCKINGHAM et al., 2011).

A totalidade passou a ser vista no sistema Kantiano como uma categoria lógica, fazendo síntese das partes (categoria objetiva e categoria subjetiva). A categoria totalidade no sentido epistemológico, deveria permitir a compreensão das partes. Nós compreendemos o significado das partes quando conseguimos uni-las ao todo.

Depois do Fordismo e do Taylorismo, iniciou-se a busca pela diferença. Havia uma epistemologia de especialização, mas alinhada ao mercado, a diferença. A cultura emergiu como a chave da diferenciação, de modo que a antiga ideia Kantiana de universalização passou, paulatinamente, a ser rompida. Emergia a ideia constituída de que as pessoas são diferentes e que possuem uma razão cultural.

O sujeito agora não era mais um sujeito universal. Destacava-se que o discurso da universalidade escondia a dominação e buscava-se, agora, a diversidade, a particularidade.

Apresentadas as considerações relacionadas à construção do conhecimento, passaremos à explicitação dos procedimentos metodológicos adotados para essa investigação.

3 Sobre os procedimentos metodológicos

Nesta seção buscamos explicitar o modo como procedemos essa investigação. Entendemos que “esse não é um cuidado subjetivo, carregado de aspectos emocionais. Mas é um cuidado que busca a atenção constante do pesquisador para proceder de modo lúcido, analisando os passos que dá em sua trajetória” (BICUDO, 2005, p.11).

Como dissemos na introdução, a interrogação orientadora desta investigação: O que se mostra sobre a interdisciplinaridade e totalidade, tomadas sob a ótica do materialismo dialético, nos artigos de periódicos das áreas de Educação e Ensino, disponibilizados no Google acadêmico? Levou-nos a buscar pelos artigos da área Educacional, publicados no Google acadêmico e que apresentam discussões sobre interdisciplinaridade e Totalidade. Para tanto, utilizamos como descritores para a busca as expressões “interdisciplinaridade + totalidade + educação+ materialismo dialético” e “interdisciplinaridade + totalidade + ensino”. Desse levantamento emergiram 128 artigos, dos quais 27 se mostraram convergentes ao que buscamos interrogar.

Os 27 artigos selecionados foram por nós cuidadosamente considerados e nomeados documentos primários P1, P2, ..., P27, os quais apresentamos no quadro 1:

Quadro 1: Textos considerados 

Artigo Autor (es) Ano Periódico
P1-A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas Ciências sociais Gaudêncio Frigotto 2008 Revista do Centro de Educação e Letras
P2- Interdisciplinaridade, pesquisa e formação de trabalhadores as interações entre o mundo do trabalho e o da educação Rafael Rodrigo Mueller, Lucídio Bianchetti e Ari Paulo Jantsch 2008 Educação, Sociedade & Culturas
P3- Interdisciplinaridade: fatos a considerar Fernanda Serpa Cardoso, Angela maura Almeida Thiengo, Maria Helena Dias Gonçalves, Nilza Ribeiro da Silva, Ana Lúcia Nóbrega, Carlos Rangel Rodrigues e Helena Carla Castro 2008 R.B.E.C.T
P4-Os desafios da interdisciplinaridade: a busca da construção de uma proposta de organização curricular no contexto do ensino superior Inge Renate FröseS uhr e Kátia Cristina Dambiski Soares 2011 Revista Intersaberes
P5-O papel da interdisciplinaridade e a formação do professor: aspectos histórico-filosóficos Maria Antonia Ramos Azevedo
Maria de Fátima R. de Andrade
2011 Educação Unisinos
P6-Representações sociais e materialismo histórico: contribuição para a educação ambiental crítica Magno da Conceição Peneluc e Sueli Almuiña Holmer Silva 2011 Revista Eletrônica de Educação
P7-Horizontes críticos entre dialética marxista e interdisciplinaridade:
Uma perspectiva à luz da questão ambiental
César Augusto Soares da Costa 2012 Terceiro incluído
P8-Dialética materialista na interdisciplinaridade: uma perspectiva necessária para a educação ambiental César Augusto Soares da Costa 2012 Derecho y Cambio Social
P9-O futuro das práticas interdisciplinares na escola Joe Garcia 2012 Rev. Diálogo Educ.
P10-Interdisciplinaridade e análise da produção científica apontamentos a partir da concepção materialista e dialética da história Elza Margarida de Mendonça Peixoto 2013 Filosofia e Educação (Online)
P11-Interdisciplinaridade, formação
humana e emancipação humana
Ivo Tonet 2013 Serv. Soc. Soc
P12-Educação ambiental crítica e interdisciplinaridade: a contribuição da dialética materialista na determinação conceitual César Augusto Soares da Costa e Carlos Frederico Bernardo loureiro 2013 Terceiro incluído
P13-O ensino por meio de temas-geradores:
A educação pensada de forma contextualizada,Problematizada e interdisciplinar
Jaqueline de Morais Costa e Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro 2013 Imagens da Educação
P14-Interdisciplinaridade e análise da produção científica apontamentos a partir da concepção materialista e dialética da história Elza Margarida de Mendonça Peixoto 2013 Filosofia e Educação (Online)
P15-Dialética marxista e interdisciplinaridade: contribuições ao debate ambiental crítico César Augusto Soares da Costa 2013 Desarrollo Local Sostenible
P16-Concepção teórico-metodológica da proposta curricular de santa catarina (pc-sc) Daniel Skrsypcsak 2014 Saberes e sabores educacionais
P17-Gaudêncio Frigotto: o homem e sua essência intelectual e orgânica nas lidas da questão trabalho e educação Zacarias Gama 2015 Revista Contemporânea de Educação
P18-Integração disciplinar e totalidade: um diálogo entre a interdisciplina e a dialética Fabrizio Cândida dos Santos 2015 Revista Alamedas
P19-Interdisciplinaridade e educação ambiental crítica: questões epistemológicas a partir do materialismo histórico-dialético César Augusto Soares da Costa e Carlos Frederico Bernardo Loureiro 2015 Ciênc. Educ
P20-Interdisciplinaridade e fragmentação dos saberes: concepções de educadores do Ensino Médio Politécnico Lauren Heineck de Souza, Vanessa Vian, Eniz Conceição Oliveira,
José Claudio Del Pino eMiriam Ines Marchi
2016 Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências
P21-O currículo na perspectiva de classe: desafios e possibilidades para a educação profissional Marise Ramo 2016 Educereateducere
P22-Da disciplinaridade para a interdisciplinaridade: Um caminho a ser percorrido pela academia Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira e
Marcia Bento Moreira
2017 Revasf
P23-A interdisciplinaridade como integração do conhecimento: superando a fragmentação do saber Ludmila de Almeida Freire e Ronaldo de Sousa Almeida 2017 Percurso Acadêmico
P24-Interdisciplinaridade: da totalidade à prática pedagógica Fernando José Martins,
Maristela Soldá e
Noemi Ferreira Felisberto Pereira
2017 R. Inter. Interdisc. INTERthesis
P25-A construção do conhecimento sob a ótica da Interdisciplinaridade e totalidade Fátima Regina Cividini
Marcelo Gomes
2017 Contribuciones a lasCienciasSociales
P26-Materialismo histórico e dialético em pesquisas do campo curricular: o ensino de História no curso de Pedagogia Francisco Thiago Silva e Projeção Lívia Freitas Fonseca Borges 2018 Educação
P27-Da construção da ciência à interdisciplinaridade: desafios
Jessica Aparecida Soares 2018 Contribuciones a lasCienciasSociales

Fonte: Os autores

Levantados os artigos das áreas de Educação e Ensino que discutem, de algum modo, a interdisciplinaridade e totalidade, iniciamos a leitura atenta de cada um deles, tomando como técnica para o estudo a Análise de Conteúdo. Moraes (1999, p.1, inserção nossa) diz que a técnica permite “descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos [...] conduzindo a descrições sistemáticas [que favorecem] atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum”, se mostrando, portanto, “[...] como um procedimento confiável para atingir as linhas mestras de um texto" (OLIVEIRA et al., 2003, p.16).

A leitura cuidadosa do que diziam os textos sobre a interdisciplinaridade e totalidade permitiram que constituíssemos unidades de registro que são "[segmentos] de conteúdo considerado como unidades base da análise, visando a categorização” (RICHARDSON, 1999, p.234). Na figura 1, a seguir, apresentamos, como exemplo, a unidade de registro 1:3, que diz respeito ao primeiro destaque que fizemos no documento primário P3.

Fonte: Os autores

Figura 1: Unidade de registro 

Após a leitura e constituição das unidades de registro, passamos a consideração repetida de cada uma delas de modo que foram emergindo possíveis convergências3 e o que nos permitiu construir categorias de análise, as quais nomeamos: 1)Interdisciplinaridade: concepções, características e objetivos, 2)Interdisciplinaridade e os modos de produção, 3) Interdisciplinaridade e totalidade e 4)Interdisciplinaridade e a educação.

No próximo subtítulo apresentamos o que se mostrou dos artigos considerados no que concerne à interdisciplinaridade e totalidade.

4 Interculturalidade e totalidade4: o que se mostra dos artigos de periódico das áreas de Educação e Ensino?

Um primeiro aspecto que emerge da análise dos artigos levantados é o fato de não haver uma compreensão hegemônica do que é a interdisciplinaridade entre os estudiosos. Isso é corroborado pelas unidades de registro 15:4, 9:3 e 2:1, nas quais os autores Garcia (2012, p. 213), Bianchetti e Jantisch (1993, p. 25) e Azevedo e Andrade (2011, p. 207) dizem, respectivamente, que “entre os principais expositores da interdisciplinaridade, não encontramos uma interpretação singular, compartilhada ou estável”, uma vez que a “expressão ‘interdisciplinaridade’ ressurgiu no meio acadêmico evocando as mais variadas concepções, em diferentes níveis de abordagem” e evidenciando “que interdisciplinaridade não é um conceito unívoco”.

Ainda que sejam distintas as concepções da interdisciplinaridade, a unidade de registro 7:10 diz que “existe pelo menos uma posição consensual quanto ao sentido e à finalidade da interdisciplinaridade: ela busca responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento (THIESEN, 2008, p.2)”.

Ocorre, entretanto, que a interdisciplinaridade tem sido tomada, conforme as unidades 4:1, 4:7, 5:15 e 5:17, como “uma panacéia epistemológica, chamada a curar todos os males que afetam a consciência científica de nosso tempo” (GUSDORF,1995, p.7) tendendo até mesmo para um modismo, como expresso por Garruti e Santos (1993). No que concerne à primeira categoria constituída, Interdisciplinaridade: concepções, características e objetivos, composta por 58 unidades de registro, podemos elencar distintas concepções de Interdisciplinaridade das quais destacamos no quadro 2:

Quadro 2: concepções de Interdisciplinaridade 

Concepção Autor/unidade
“Ela (a interdisciplinaridade) é, antes de tudo, uma perspectiva e uma exigência que se coloca no âmbito de um determinado tipo de processo. Ela tem basicamente a ver com a procura de um equilíbrio entre a análise fragmentada e a síntese simplificadora. Entre especialização e saber geral, entre o saber especializado do cientista, do expert e o saber do filósofo”. Siebeneichler (1989, p. 156)
(2:21)
“A interdisciplinaridade poderia ser concebida, então, como o espaço do diálogo e da argumentação que se constrói entre os diversos saberes especializados, tendo por pressuposto comum a conquista da emancipação. A unidade que se manifesta é fruto de uma nova razão, a razão comunicativa”. Azevedo (2011, p.206)
(9:5)
“[...] a interdisciplinaridade pode ser compreendida como esse processo aberto, pessoal e coletivo, de construção do conhecimento pelo diálogo e aproximação entre ciências e saberes, que permita a apreensão da totalidade social, sem, contudo, idealizar o todo ou “misturar” teorias e metodologias que não são compatíveis do ponto de vista ontológico (da constituição do ser social)”. Costa e Loureiro (2015, p. 696)
(20:3)
“A interdisciplinaridade é concebida, conforme o documento, como uma postura político-pedagógica e não como uma justaposição ou apenas afinidades entre os conteúdos, capaz de produzir a síntese da totalidade do conhecimento”. Skrsypcsak
(2014, p. 5)
(16:1)
“Para Paulo Freire (1987), a interdisciplinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com sua cultura” Thiesen (2008, p. 5)
(7:8)
“A interdisciplinaridade, a partir de uma referência de Habermas, consolida-se como uma valorização das diferentes ciências, mas estabelece a condição de diálogo e de conhecimento entre os participantes na busca de uma compreensão que possa dar conta das diferentes razões que constroem os saberes, sem forçar uma unidade que apaga a especificidade”. Azevedo (2011, p. 209)
(9:7)
“A interdisciplinaridade, portanto, deve ser entendida não somente como um método integrador e sim como uma alternativa transformadora para os paradigmas atuais do conhecimento; o diálogo entre as ciências, tecnologias e saberes populares, sendo então, um método produtor de novos conhecimentos”. Oliveira e Moreira (2017, p. 4)
(24:1)
“[...] a interdisciplinaridade equivale à necessidade de superar a visão fragmentada da produção de conhecimento e de articular as inúmeras partes que compõem os conhecimentos da humanidade. Busca-se estabelecer o sentido de unidade, de um todo na diversidade, mediante uma visão de conjunto, permitindo ao homem tornar significativas as informações desarticuladas que vem recebendo”. Garrutti e Santos (2004, p.188)
(4:6)

Fonte: Os autores

Para além das distintas concepções apresentadas, as unidades que constituem essa categoria explicitam, com base nos artigos de periódicos das áreas de Educação e Ensino analisados, objetivos e características da interdisciplinaridade quando tomada sob a categoria Totalidade.

Dentre os objetivos estão, segundo as unidades de registro 27:1, 23:1 e 15:3: “assegurar a cada um seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados positivos” (JAPIASSU, 1976, p. 75); “se [consolidar] como práxis, a partir do trabalho coletivo e da análise dos avanços e limites destas experiências concretas” (MARTINS; SOLDÁ; PEREIRA, 2017, p.10) e “tal como observou Hilton Japiassu (1977), a interdisciplinaridade teria como objetivo utópico a unidade do saber que, embora seja um ideal problemático, constitui uma meta necessária diante da fragmentação instalada no modo como temos produzido conhecimento e o próprio currículo na escola” (GARCIA, 2012, p.214).

No que diz respeito às características da Interdisciplinaridade, as unidades de registro 26:1 e 6:2 dizem: interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico de pesquisa (JAPIASSU, 1976, p. 74)”e “‘a característica central da interdisciplinaridade consiste no fato de que ela incorpora os resultados de várias disciplinas, tomando-lhes de empréstimo, esquemas conceituais de análise a fim de fazê-los integrar, depois de havê-los comparado e julgado (FAZENDA, 1996, 2000)’ (CARDOSO et al., 2008)”.

A segunda categoria, Interdisciplinaridade e os modos de produção, por sua vez, é composta por 17 unidades de registro. Dentre elas a unidade 13:3, diz que “durante anos a escola e a universidade formaram especialistas porque o mercado funcionava sob a égide da divisão técnica e social do trabalho, característica do paradigma taylorista-fordista, exigindo assim trabalhadores parcialmente preparados (MUELLER; BIANCHETTI; JANTSCH, 2004, p. 186)”.

Com o passar do tempo, no entanto, compreendeu-se, conforme a unidade 2:3, que “não podemos considerar a interdisciplinaridade separada do modo de produção em vigor, uma vez que esta demanda produção de conhecimento (filosofia e ciência) e de tecnologia (BIANCHETTI; JANTSCH, 1993, p. 25)”. Ela tornou-se além de “imperativa, [...] uma questão que está lotada na materialidade das relações capitalistas de produção da existência’ (COSTA, 2013, p.5)”(13:3) pois, como previu “‘Alvin Toffler (1980a, 1980b), um dos principais ideólogos da propagada «sociedade do conhecimento», [...] a necessidade de uma determinada interdisciplinaridade demandada pelo mercado na formação e na atuação dos envolvidos no processo produtivo’ (MUELLER; BIANCHETTI; JANTSCH, 2004, p. 186)”.

Sendo assim, a unidade de registro 2:4 explicita o seguinte questionamento:

[...] a tão buscada interdisciplinaridade, hoje, não é, pelo menos em parte, uma imposição da atual materialidade histórica? Parece-nos que a tecnologia já construída, se por um lado (potencialmente) torna possível a dispensa do trabalho manual, por outro lado põe a necessidade de superação do trabalho e do conhecimento fragmentados. Possibilita-se, assim, a nosso ver, o conceito marxista de homem omnilateral. E para confirmar a nossa suspeita do "parece-nos", vemos hoje o grande capital demandar sistematicamente de trabalhadores menos parciais. O trabalhador parcial, superespecializado, está perdendo espaço para aquele capaz de projetar, executar e avaliar (BIANCHETTI; JANTSCH, 1993, p. 26)

Diante dessas considerações avançamos em direção à terceira categoria, Interdisciplinaridade e totalidade, constituída de 29 unidades de registro. Parte dessas unidades dizem que “é dinâmica e não mágica a relação entre interdisciplinaridade e totalidade (SÁ, 1987, p. 288)” (1:3).

Neste sentido, a unidade 2:2 diz que “[...] precisamos pensar a interdisciplinaridade a partir de uma totalidade histórica (impõe-se, pois, a historicidade) (BIANCHETTI, JANTSCH, 1993, p.26)”, pois:

O requerimento da interdisciplinaridade deve ser fundamentado [...]na necessidade ontológica do ser social, e sua busca deve se dar na totalidade concreta da realidade, nas intermináveis conexões e desconexões que formam o tecido do real e da qual faz parte o sujeito cognoscente e impossibilidade de apresentarmos no texto o que dizem todas as unidades, elencamos as unidades (SANTOS, 2015, p. 7) (22:1).

Nessa dimensão, segundo a unidade 17:1:

A interdisciplinaridade seria a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da realidade. Este movimento é também dialético, pois a razão de se estudar qualquer conteúdo não está na sua formalidade, mas na tentativa de captar os conceitos que fundamentam a realidade nas relações que a constituem (RAMOS, 2016, p. 6).

A quarta e última categoria desse estudo, por sua vez, diz da Interdisciplinaridade e a educação. Ela é constituída de 15 unidades de registro e as discussões que se explicitam dessa categoria iniciam-se dizendo que “a vivência da interdisciplinaridade (com a posição da diferença) precisa ser assumida como prioritária pelas universidades. Neste sentido, ela extrapola a natureza apenas epistemológica e assume, também, um caráter político (BIANCHETTI; JANTSCH, 1993, p. 28)”.

A interdisciplinaridade no ensino tem sido tomada, conforme a unidade 4:4, como “uma problemática [focada na] fragmentação do saber. Considerando essa problemática, [os autores] apontam que o ensino, quando pautado pela interdisciplinaridade, possibilita a construção do conhecimento global, em detrimento do saber restrito aos limites disciplinares (GARRUTTI; SANTOS, 1994, p. 195, inserções nossas)”.

Ocorre, entretanto, que “a interdisciplinaridade apresenta-se como um grande desafio a ser assumido pelos educadores, que objetivam a superação da prática fundamentada na rígida divisão do saber em disciplinas (GARRUTTI; SANTOS, 1994, p. 194)” (4:10) pois, como mostra a unidade 8:5 o limite mais sério para a prática do trabalho pedagógico interdisciplinar, situa-se na dominância de uma formação fragmentária, positivista e metafísica do educador e de outra, nas condições de trabalho (divisão e organização) a que está submetido (FRIGOTTO, 2008, p. 59) e a unidade 8:6 continua dizendo que “o especialismo na formação e o pragmatismo e ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem-se em resultado e reforço da formação fragmentária e forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar (FRIGOTTO, 2008, p. 59)”. Sendo assim, a unidade 7:7 destaca que Ivani Fazenda (1979, p. 48-49) citando Thiesen (2008, p. 7) menciona que:

[...] a introdução da interdisciplinaridade implica simultaneamente uma transformação profunda da pedagogia, um novo tipo de formação de professores e um novo jeito de ensinar: Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se estabelece segundo um modelo hierárquico linear, a uma relação pedagógica dialógica na qual a posição de um é a posição de todos.

Para além do já apresentado na quarta categoria, a unidade 15:6 finaliza dizendo que “‘ao longo de décadas, as teorizações sobre a interdisciplinaridade na escola têm anunciado um conjunto de aspirações. Uma delas refere-se a tornar a aprendizagem uma experiência de compreensão de totalidade (FAZENDA, 1994; KLEIN, 1998; LENOIR, 2006)’ (GARCIA, 2012, p. 214)”.

5 Considerações

Ao interrogarmos: O que se mostra sobre a interdisciplinaridade e totalidade, tomadas sob a ótica do materialismo dialético, nos artigos de periódicos da área de Educação e Ensino disponibilizados no Google acadêmico? Vimos que não existe uma compreensão unívoca do que vem a ser interdisciplinaridade, mas, por outro lado, a maior parte dos autores dos artigos analisados concordam que a interdisciplinaridade compreende a busca pela ruptura com a fragmentação do conhecimento, incentivando a valorização das características particulares a cada área de estudo.

O estudo revelou ainda, que desde que o termo interdisciplinaridade passou a ser discutido no contexto escolar e acadêmico, ele teve como pano de fundo os modos de produção capitalista, que ditavam a necessidade da constituição do homem que, para além das especialidades, dominassem habilidades inerentes as múltiplas áreas do conhecimento.

No contexto escolar, a discussão sobre a interdisciplinaridade tem sido dificultada, segundo o que se mostrou dos artigos analisados, pela própria cultura escolar pautada na visão positiva da construção do conhecimento e, na formação docente também alinhada a esse paradigma dominante.

Ampliar, pois, a compreensão da interdisciplinaridade no campo educacional, solicita mudanças no modo como se dá o trabalho pedagógico e a abertura ao estabelecimento de uma relação dialógica de construção do conhecimento, de modo que a totalidade possa ser almejada sem que as particularidades sejam desconsideradas.

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1As discussões que são apresentadas neste subtítulo estão pautadas nas leituras e notas de aula que constituímos ao cursarmos a disciplina de Interdisciplinaridade e Totalidade, ministrada pelo professor doutor Marcelo Gomes, no âmbito do programa de pós-graduação stricto sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

2Em síntese, podemos dizer que a filosofia aristotélica infere que tudo tem um fim e um lugar e há hierarquia entre as coisas.

3Todo o processo de análise foi otimizado com o auxílio do software Atlas Ti.

4Destacamos que neste subtítulo que deixaremos em itálico os trechos do texto que correspondem as unidades de registro constituídas a partir dos textos analisados.

Recebido: 02 de Abril de 2019; Aceito: 30 de Outubro de 2019

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