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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.34 no.70 Uberlândia jan./abr 2020  Epub 06-Fev-2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v34n70a2020-59451 

Editorial

Editorial n.70 v.34 Jan./Abr. 2020

Fillipa Carneiro Silveira* 
http://orcid.org/0000-0002-9270-3517

*Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora do Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: fillipasilveira@gmail.com


Nosso número 70 traz uma série de reflexões que tocam cruzamentos entre a Filosofia, a Educação e, neles, um sentido de formação que, de alguma maneira, reúne em comum essas duas regiões do saber. Aliás, é sobretudo em torno desse sentido de comum, para além do domínio do conhecimento, mobilizando densas questões de ordem moral e política, que o dossiê Governo das diferenças e as cartografias do ingovernável na educação: entre a arte e a política, organizado pelos professores Pedro Ângelo Pagni e Divino José da Silva, nos conduz entre os inúmeros desafios do Mesmo e da Diferença. Aproveitamos para convidar à leitura de sua apresentação!

Nesse momento em que nos movemos, em um mundo que usávamos “partilhar” por meio da informação, e que vemos agora experienciado em comum pela presença global de uma ameaça invisível e pela intensificação de práticas de recusa da diferença: sucumbimos ou resistimos? Que controvérsias produtoras, resistências e afirmações somos capazes de sustentar? Diante do conflito entre uma tradição que nos formou, ao mesmo tempo em que cristalizava preconceitos e privilégios, e os esforços emancipatórios que clamam por diferença e equidade ética, política e material: o que pode nos oferecer o pensamento?

Ele diz respeito ao que nos fortalece diante da experiência oscilante entre o medo e o enfrentamento, ao entrecruzamento mesmo entre o “pessimismo da inteligência” e o “otimismo da vontade” gramscianos. É nele que podemos sustentar o desafio do “um” nas margens e contornos da diferença, desdobrando sentidos do resistir e do formar que, em sentidos distintos de alcance e significância, podemos oferecer aos processos totalizadores de condução da existência.

No primeiro artigo do dossiê, Paulo Silveira, em O lugar próprio no espaço impróprio: o negro, o judeu e o comum nos convida a pensar sobre o exílio e o que nele tornaria comuns aqueles que, vitimados pelo antisemitismo e pelo colonialismo, encetaram, na França do Pós-guerra (contraditoriamente, diríamos), um vasto campo de vivências e debates sobre a condição do desterro e da perseguição.

Na sequência, Jorge Castillas, em Arte, educación y comunidad en la estética pedagógica problematiza a noção de comunidade do ponto de vista dessa tendência estética contemporânea e a partir de um espírito emancipatório. Em sintonia com as teorias mais críticas da sociedade capitalista de produção, aborda a questão do espaço “comum”, nas relações entre arte e educação, reforçando a centralidade dos vínculos sociais, fragilizados na sociedade capitalista.

No terceiro artigo, Em defesa de uma desordem pedagógica: a institucionalização da infância no cinema e no cotidiano escolar , Alexandrina Monteiro e Valéria Aroeira Garcia abordam os filmes A Guerra dos Botões e As Pequenas Flores Vermelhas, trazendo discussões acerca dos mecanismos de resistência a processos gerais de institucionalização da infância e intensificação de aspectos individualistas e narcísicos no ambiente escolar. Os mecanismos de (des) ordem pedagógica constituiriam formas de enfrentamento aos princípios individualizantes da política neoliberal.

Em Por uma política de leitura aberta de mundos: o buraco negro e o fim do mundo como possibilidade de nascimentos crianceiros, Alexsandro Rodrigues e Leonardo de Souza problematizam as relações de poder e os privilégios envolvidos no sistema sexo-gênero nos espaços educativos, discutindo formas de deslocamento dos modos de leitura, assim como dos próprios modos de subjetividade instituídos. A aposta seria em “leituras buraco-negro" como “políticas anais”, práticas revolucionárias de destituição do corpo-cérebro como forma única do pensamento e do modo de pensar e estar no mundo.

O quinto artigo, O governo das diferenças e a potência da vida surda na escola, de Vanessa Martins, parte da compreensão da surdez como acontecimento ontológico e discute o movimento de resistência das pessoas surdas às políticas igualitárias. A surdez não seria vista como apenas uma diferença no sentido linguístico-cultural, mas como “efeito de uma diferença ontológica”, capaz de sustentar o “ser” surdo e as práticas de contra-ação à racionalidade ouvinte, marcada por políticas educacionais normalizadoras.

Em seguida, Carlos Martins e Flávio Alves discutem, em Cartografias da ingovernabilidade dos corpos na arte e na vida, as relações entre os corpos e a cultura em processos de reificação e governo dos corpos contra os quais se insurge a arte, na forma de “cartografia intensiva”. Trata-se de pensar ainda o corpo, irredutível à sua dimensão extensiva, utilitária, funcionalista, normativa e instrumental.

Por fim, o último artigo do dossiê, Sociedade de desempenho e governo da vida deficiente versa sobre a resistência desse modo de vida que retarda e subverte a lógica do cálculo administrativo. Aquilo que, na vida deficiente, constitui recusa à cultura do desempenho e afrontamento ao biopoder produz a experiência do estranhamento pela diferença, impele à crítica da vida normalizada, no sentido da abertura para a alteridade.

Os demais artigos do presente número ampliam e complementam, de formas múltiplas, as análises do dossiê, reverberando questões relativas à formação e suas implicações, e explorando temas gerais na Filosofia e na Educação, como a vida, a memória, a alteridade, a problematização crítica e o ambiente escolar.

Em Desigualdade, pobreza e diferença: precariedade na vida escolar, Antônio Chizzotti e Alípio Casali abordam os efeitos de precarização causados pela pobreza, pela desigualdade e demais processos de inferiorização no âmbito escolar. Apresentam resultados de uma pesquisa de cunho bibliográfico no campo da economia, sociologia, direito e filosofia, em que articulam o problema de uma circularidade entre pobreza e fracasso escolar, um processo de precarização que os projetos pedagógicos e as políticas públicas vigentes não são capazes de romper.

Em seguida, Bruno Borges, em Do passeio pela filosofia Deleuze-Guattariana ao encontro com o possível conceito de programas de vida problematiza o pensamento de Deleuze e Guattari, apresentando um possível plano de desenvolvimento para este conceito não totalmente desenvolvido por esses autores. O “programa de vida” poderia ser entendido como um conjunto de elementos experienciais fortes o suficiente para provocarem uma ruptura na linha perene que perpassa o socius, através das fissuras que encontra no território que percorre e na multiplicidade molecular que atravessa, ainda que ela seja uma realidade circunscrita à narrativa literária ou à experiência do próprio autor.

O terceiro artigo, Filosofia da educação e pesquisa educacional: fragilidade teórica na investigação educacional discute a fragilidade teórica e conceitual com que são empreendidas as pesquisas educacionais. Eldon Mühl e Cláudio Dalbosco nos convidam a pensar de que forma, seja no âmbito filosófico, epistemológico, seja no campo político ou pedagógico, a ausência de diálogo crítico e criativo com a tradição intelectual inviabilizam o desenvolvimento de formas mais genuínas de contribuição à pesquisa educacional.

Em seguida, Carlos Roberto da Silveira, Márcia Mascia e Luciana de Azeredo desdobram os muitos sentidos implicados na célebre expressão socrática sobre a dívida a Asclépio, deus da medicina. No artigo Filosofia e Educação como “Modo de vida”, os autores revisitam os contemporâneos Nietzsche e Foucault, explorando os enigmas inerentes a esta expressão e possíveis formas de extrair dele implicações para o educar contemporâneo.

No quarto artigo, Humanismo do outro homem: perspectivas de uma formação a partir da sensibilidade e da ética com Emmanuel Levinas, Vanderlei Carbonara explora a resposta levinasiana à crise do humanismo. No “humanismo do outro homem”, o conceito de formação é revisado, apresentando uma perspectiva orientada pela sensibilidade e pelo acolhimento da alteridade.

Em A (re)presentação moral: um ensaio sobre a noção de tempo de Merleau-Ponty na Fenomenologia da Percepção, Fabrício Ponti, Tatiana Maia e Camila Barbosa apresentam os problemas implicados moral e politicamente nas questões da representação e da percepção tal como trabalhados por Merleau-Ponty em Fenomenologia da percepção. Haveria uma dimensão moral implicada no processo de apresentação-representação passível de ser estabelecido como um caminho para nossa representação consciente. O caráter moral implicado na abordagem fenomenológica da memória encontraria, na retenção, um fundamento ético cujas implicações difeririam daquelas resultantes de uma análise moral construída no presente-vivido.

Positivista feliz” ou “hipermilitante pessimista”? Sobre os atos de problematização em Michel Foucault é o título do nosso sexto artigo, no qual Jean Soares elucida, no pensamento foucaultiano, a tarefa do pensador crítico e o conceito de problematização. Discute, nesse sentido, a diferença entre uma história das soluções e uma genealogia dos problemas, remetendo às duas atitudes nomeadas no título do artigo, apontando a postura foucaultiana que, antes, apresenta os riscos de nossas atitudes cotidianas, do que exatamente propõe soluções.

No nosso penúltimo artigo, O que professa uma profissão? João e Murilo Cardoso de Castro discorrem sobre o sentido dessa expressão não quanto a técnicas, práticas, atitudes e comportamentos, mas na medida em que a profissão se relaciona com a vocação. Estende, desse modo, uma reflexão sobre a vocação desenvolvida em outro artigo, para pensar a profissão como um aí-se-é que envolve a vocação ligada à formação.

Por fim, Maria dos Remédios Brito encerra nosso número com o Zaratustra e o Fracasso Pedagógico, artigo no qual discute o prólogo do texto nietzschiano, desdobrando os sentidos do diálogo na praça, encetado por Zaratustra como ato fundamental de formação e aprendizado.

Nós, da Revista Educação e Filosofia, esperamos que você, leitora e leitor, façam grande proveito da leitura!

Fillipa Carneiro Silveira, do Comitê Editorial Executivo

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