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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.34 no.70 Uberlândia jan./abr 2020  Epub 06-Fev-2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v34n70a2020-51978 

Dossiê Governo das diferenças e as cartografias do ingovernável na educação

O governo das diferenças e a potência da vida surda na escola

Government of differences and the power of deaf life in school

Gobierno de diferencias y el poder de la vida de los sordos en la escuela

Vanessa Regina de Oliveira Martins* 
http://orcid.org/0000-0003-3170-293X

*Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras e Língua Portuguesa do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: vanymartins@hotmail.com


Resumo

É urgente afirmar a surdez como acontecimento ontológico, produtor de diferenças, as quais se materializam no corpo dos (variados) sujeitos surdos. O artigo objetiva produzir uma análise filosófica da surdez-acontecimento, fazendo um paralelo entre a ação das políticas educacionais (normalizadoras) e a micro relação do cotidiano escolar, pelo movimento de resistência das pessoas surdas às políticas igualitárias. O conceito de governamentalidade, desenvolvido por Michel Foucault, é fundamental para essa reflexão, apontando dois movimentos nas práticas inclusivas: o primeiro, agenciado na pauta da diversidade, com foco em práticas igualitárias e o segundo movimento, produzido na lógica da diferença. Propõe-se anunciar a surdez não apenas pela diferença, linguístico-cultural, mas como efeito de uma diferença ontológica espalhada no corpo social por fluxos ramificados, em movimentos intensivos, minando internamente os sujeitos e por eles, as variadas instituições. É a prática rasteira da contra-ação desse “ser” surdo às ações normalizadoras que interessa aqui ressaltar.

Palavras-chave: Educação de surdos; Políticas inclusivas; Diferenças

Abstract

It is urgent to affirm deafness as an ontological event, producer of differences, which materialize in the body of (varied) deaf subjects. The article aims to produce a philosophical analysis of deafness-event, making a parallel between the action of educational policies (normalizing) and the micro relationship of school daily, by the movement of resistance of deaf people to egalitarian policies. The concept of governmentality, developed by Michel Foucault, is fundamental to this reflection, pointing out two movements in inclusive practices: the first, guided by the diversity agenda, focusing on egalitarian practices and the second movement, produced in the logic of difference. It is proposed to announce deafness not only by linguistic-cultural difference, but as the effect of an ontological difference spread in the social body by branched flows, intensive movements, internally undermining the subjects and by them the various institutions. It is the low practice of counteracting this deaf “being” to normalizing actions that is of interest here.

Keywords: Deaf education; Inclusive policies; Differences

Resumen

Es urgente afirmar la sordera como un evento ontológico, productor de diferencias, que se materializa en el cuerpo de los sordos (variados). El artículo tiene como objetivo producir un análisis filosófico del evento de sordera, haciendo un paralelo entre la acción de las políticas educativas (normalización) y la micro relación de la escuela diaria, por el movimiento de resistencia de las personas sordas a las políticas igualitarias. El concepto de gubernamentalidad, desarrollado por Michel Foucault, es fundamental para esta reflexión, señalando dos movimientos en prácticas inclusivas: el primero, guiado por la agenda de la diversidad, centrado en prácticas igualitarias y el segundo movimiento, producido en la lógica de la diferencia. Se propone anunciar la sordera no solo por la diferencia lingüístico-cultural, sino como el efecto de una diferencia ontológica propagada en el cuerpo social por flujos ramificados, movimientos intensivos, que debilitan internamente a los sujetos y por ellos a las diversas instituciones. Lo que interesa aquí es la baja práctica de contrarrestar este "ser" sordo para normalizar las acciones.

Palabras clave: Educación para sordos; Políticas inclusivas; Diferencias

Introdução

Este artigo é resultado da dupla articulação entre uma fala proposta por mim no VIII Simpósio Internacional em Educação e Filosofia (SIEF) na mesa, “Corpos ingovernáveis, insubmissão (de gênero) e presenças do comum na escola”, em Marília/SP, e os estudos desenvolvidos na área da educação de surdos. Para interlocução neste texto, parto dos encontros produzidos por meio de uma pesquisa em desenvolvimento, na área da educação de surdos, com auxílio da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no período de 2018 a 2020. Anuncio o esforço teórico, o receio e a responsabilidade dessa articulação a partir dos questionamentos que venho me fazendo: “Por onde iniciar minhas reflexões de modo a propiciar devidas articulações, produzindo um texto filosófico?”; “de que modo meus estudos poderiam contribuir com a temática proposta sobre o ingovernável, na promoção de um bom encontro filosófico com a educação de surdos?” Penso, então, que o primeiro movimento deve ser o de apresentar os estudos desenvolvidos nesse cenário, os dilemas na área da surdez, por meio da temática da educação de surdos com propostas inclusivas e bilíngues e, então, apontar a interlocução que tenho procurado fazer, ao “flertar” com os estudos nas filosofias da diferença. Interessa-me problematizar filosoficamente o campo da surdez tomando-a como acontecimento, singular, ético, estético e produtor de vidas surdas, portando, anuncio aqui que parto de uma perspectiva ontológica sobre a surdez. Sobre a pesquisa mencionada na educação de pessoas surdas, a investigação propõe certa análise das políticas educacionais e linguísticas voltadas para os alunos surdos, matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental I (1° ao 5° ano). A problematização tem se dado no que tem sido afirmado legalmente (tomando a temática da inclusão de surdos a qual tem sido pauta social e educacional) e, diante de tais textos jurídicos, o que tem sido produzido nas instituições de ensino públicas como práticas bilíngues para surdos: ou seja, de que modo tais ações tem sido implementadas, a partir do viés legal que incide sobre a acessibilidade linguística para surdos, e ainda, no que se entende, a partir de tais práticas, por instrução escolar em Língua Brasileira de Sinais (Libras)1. Para esse percurso há que se problematizar o entendimento sobre as práticas bilíngues (como tem sido lida e produzida a educação bilíngue de surdos e mais, como a hegemonia das línguas orais ainda enfraquecem as propostas bilíngues) para surdos, atentando para o que os documentos legais afirmam sobre a necessidade da Libras no currículo e no espaço escolar (BRASIL, 2002, 2005, 2015). No artigo 22 do Decreto 5.626/05, o texto afirma que cabe ao estado prover: “I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental [...]” (BRASIL, 2005, sem paginação). Todavia, com variados entendimentos sobre o fazer bilíngue para surdos, é possível ver modos muito diferentes, nos municípios, quanto à oferta e organização de salas bilíngues nos anos iniciais2 - já que a lei afirma a obrigatoriedade de salas bilíngues com instrução em Libras, presença de pedagogos bilíngues nesta etapa educacional (BRASIL, 2005). Imagino que trazer diálogos filosóficos por meio de conceitos como diferença, governamentalidade e resistência, articulados às observações deste cenário educacional bilíngue e inclusivo de surdos, apontando algumas considerações desse cotidiano escolar investigado, possa de algum modo ser interessante para este artigo e aos que interessam no flerte desse estudo com a filosofia. O instigante, para mim, sobre o tema é que ao tratar sobre educação de surdos, sem dúvida, colocamo-nos a refletir sobre a diferença, o diferente, o incomum e porque não, o ingoverbável, uma vez que seu corpo e seus gestos-línguas pluralizam as práticas de ensino, traçando inevitavelmente novos caminhos e um novo olhar sobre o saber comum da escola. A presença do aluno surdo agencia assim novas práticas e novos encontros ao que está posto no cotidiano escolar.

Como balizador filosófico anunciado já e para continuidade desta escrita, que se fez necessário acionar o conceito foucaultiano de governamentalidade para pensar as políticas educacionais atuais. Foucault (2012) apresenta esse conceito como um dispositivo de análise genealógica dos processos históricos e observa como as ações deste agenciador de segurança da população transformou significativamente a questão política da soberania real na ação ramificada de um governo estatal, voltadas à condução das vidas da população na modernidade. Essa produção nova se dá a partir de “um conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas permitindo exercer uma forma bem específica e complexa de poder” (ALVES, 2012, sem paginação). Sobre a nova prática de condução, na sociedade ocidental, Alves (2012, sem paginação) menciona que “tal poder tem a população como alvo principal, a economia política como forma de saber mais importante e os dispositivos de segurança como instrumentos técnicos”. Ao mencionar a governamentalidade aqui, anunciamos que para pensar a condução de vidas, partimos do conceito foucaultiano de poder o qual se dá nas relações (entre os sujeitos) exercendo-se em rede. O poder deve ser “analisado como uma coisa que circula, ou melhor, como uma coisa que só funciona em cadeia” (FOUCAULT, 1999, p. 35). Assim, na reflexão sobre as práticas educacionais para surdos, como a proposta, tomar as relações de poder como algo que circula entre os sujeitos e nos sujeitos é tomar o funcionamento dele na consolidação de verdades e ações institucionais (como a escola). Tal perspectiva é fundamental para entender quais os meios de sujeição do aluno surdo, ou seja, que subjetividades se dão a partir e neste cenário atual.

A análise da governamentalidade, tal qual apresentada, é fundamental para a problematização do exercício do poder e das práticas de disciplinamento escolar que produzem certas conduções sobre a vida dos estudantes surdos que derivam em suas produções e constituições subjetivas: permitindo ou não o uso da língua de sinais na escola e para si mesmo o que resulta em atividades favoráveis a aparição ou invisibilização de suas diferenças (sociais, linguísticas e de vida). Com base na prática de conduções posta na sociedade atual, cabe analisar como essa manifestação de poder produz ações políticas no campo da educação, sobretudo na educação inclusiva. Para isso é importante salientar as distinções propostas por Gallo (2017) sobre as políticas voltadas à diversidade e à diferença. Entende-se, com base na leitura do autor, que a inclusão pela diversidade é tratada a partir de propostas igualitárias, já que toma o sujeito escolar pelo princípio da premissa, somos todos iguais. Tal afirmação se vale do pressuposto de uma essência humana, ainda que tenhamos marcas distintas, internamente há uma base unificadora que nos torna os mesmos. A isso se deve a produção de currículos com afirmações em uma suposta base comum, já que superadas as barreiras, ofertado tecnologias que nivelam os déficits e que nos distingue, somos todos os mesmos. O desafio posto por Gallo (2017) ao campo da educação é o da produção de políticas públicas voltadas às diferenças e singularidades, sem a padronização e unificação de uma base comum essencialista. Essa proposta anuncia a multiplicidade de encontros externos/sociais, que internamente produzem singularidades sendo estas únicas, múltiplas e, portanto, no tal agenciamento acontecimental nos faz ser todos diferentes: aqui não há a essência humana, já que a vida é pluralidade em si mesma. Diante desse princípio, não há como pensar uma base única para a produção de um currículo, já que o currículo estaria articulado no acontecimento e nos encontros entre ele e o sujeito singular. Seria a proposta de uma escola em que o currículo em si é rizomático, diverso e caótico, atendendo às múltiplas formas de vida que a compõe. Os surdos, na escola, anunciam o caos para a política da diversidade com base na suposta igualdade, uma vez que escancaram as produções singulares que seus corpos emitem no uso de uma língua de modalidade gestual e visual. Essa diferença se dá na afirmação de um currículo que toma esse sujeito visual, sua língua, as mesclas e mutações que produzem na apropriação da língua portuguesa escrita, por exemplo, com o chamado português surdo e na forma de apropriação de conhecimentos por meio de suas experiências visuais. O artigo, portanto, versa sobre estas afirmações singulares e as formas de lutas internas à escola, produzidas pelas comunidades surdas, na tensão com as políticas educacionais, que aparentemente têm se dado num diálogo mais voltado à diversidade do que às diferenças.

I. Articulações entre o pensamento filosófico e os estudos sobre a educação de surdos

As palavras-conceito “corpos ingovernáveis”, “insubmissão” e “o comum” propostos no evento mencionado me fizeram pensar que esse é um bom diálogo entre minhas pesquisas e as reflexões filosóficas propostas pelas filosofias da diferença. Tais interlocuções promovidas por essas palavras-conceito serão usadas no processo de análise do cenário inclusivo posto a investigar neste artigo. De que modo? Na afirmação de que o aluno surdo reflete na escola inclusiva estes corpos ingovernáveis e insurgentes. Corpos estes que resistem (com a sua insubmissão feita à língua oral portuguesa e à gestualidade imprevisível que trazem consigo para dentro da escola e das muitas salas de aula) ao governamento direcionado para uma regularidade existencial (populacional), pessoas ouvintes e falantes, sendo estes outros ingovernáveis, pessoas surdas efeito de um rompimento com o comum. Por assim ser ficam fora (de certo modo) do controle discursivo produzido na e pela língua oral, se não se constituem sujeitos por esta mesma língua a qual é usada como dispositivo de governo - por isso a necessidade posta da normalização inclusiva e coaptação dos surdos para o uso da língua oral, como base expressiva para a constituição subjetiva do estudante na escola comum.

Cabe uma pausa para especificar o sentido/conceito usado para pessoa surda neste texto. O termo será usado para marcar um sujeito que é resultado do encontro que a falta de audição, a deficiência em si, promove em sua constituição subjetiva e existencial. Assim sendo, a deficiência não está em foco, mas o resultado cultural desta experiência na constituição subjetiva deste ser, sendo-o produto do encontro entre esse corpo que tem a falta de audição e uma linguagem que se organiza visualmente e assim sendo produz sentidos: essa linguagem organizada também por uma língua que é gestuovisual e que desse modo a linguagem é processada de modo diferente ao que ocorre no encontro corpóreo de pessoas ouvintes (PAGINI; MARTINS, 2019). Tal diferença é manifestada por uma linguagem que é produzida na relação e no encontro com o outro (ouvintes e surdos), por meio de signos, necessariamente visuais, sendo essa relação de linguagem, de outra ordem, incomum para a maioria de nós que somos ouvintes. Por isso é tão difícil o deslocamento ético necessário para se pensar em políticas públicas para surdos e políticas educacionais, quando os que as fazem não sentem ou não se constituem nestes encontros-mundo-diferenças. É preciso a afirmação da presença de pessoas surdas para produzir a pluralidade necessária nas políticas afirmativas de suas diferenças, na escola e em outros ambientes públicos.

A descrição da pessoa surda como produto social, cultural e efeito desta relação sensória (LOPES, 2007; MARTINS, 2008, 2013) fratura com o normal para a condução do ensino, numa escola comum ou regular que se quer fazer inclusiva. Isso ocorre, já que a inclusão passa a ser, para as pessoas surdas, diante do imperativo posto por um governamento comum e geral vinculado ao padrão ouvinte (feito através da língua oral tendo uma língua padrão e régia para a educação, a língua portuguesa) um entrave a ser superado ou uma luta a ser batalhada, na medida em que eles (surdos) nos dizem que a filosofia da inclusão, como se coloca (afirmada com base na ontologia ouvinte), é opressora e pouco oportuniza um espaço de acessibilidade e de manutenção de suas diferenças (CAMPELLO; REZENDE, 2014). Observa-se nas práticas inclusivas a ação de fazê-los (surdos), de algum modo, se curvar e submeter-se ao encontro com práticas, por vezes forçadas e que envolvem sua relação, tanto com a língua oral, quanto com um currículo produzido com base nessa língua. Isso se dá desde a alfabetização produzida na construção silábica, a partir das considerações pedagógicas apontadas na realização da sondagem, por meio da teoria da psicogênese da leitura e escrita, com base nos estudos de Emília Ferreiro e Teberosky (1996), amplamente usado para a formação inicial de docentes. Como resultado temos uma grande lacuna na formação e a carência de docentes que lecionem tendo a Libras como constitutiva das práticas de ensino, tal qual a proposta bilíngue prioriza (RAMOS, 2017).

Para Ramos (2017) há evidências na formação pedagógica direcionada para a alfabetização exclusiva para as pessoas ouvintes, uma vez que o tema da surdez fica apenas em disciplinas que tratam da educação especial (de todas as pessoas deficientes sem marcar as especificidades) e ensino de Libras. Não há evidências, pelas análises curriculares e de ementas realizadas que apontem para a formação reflexiva sobre a alfabetização e o letramento de estudantes surdos, mesmo com a regulamentação da Libras como meio de comunicação e expressão (BRASIL, 2002). Não há promoção de disciplinas voltadas a pessoas não falantes do português como língua matriz, o embasamento teórico se dá no direcionamento para a relação fonema-grafema. Além desse adendo sobre a formação inicial, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)3, como documento norteador das práticas educativas, aponta para a obrigatoriedade do desenvolvimento de competências em oratória, com atividades orientadas para a leitura em voz alta (BRASIL, 2016). Evidencia-se a falta de criticidade para o desenvolvimento de processos ativos que busquem mudanças curriculares voltadas às diferenças que os sujeitos surdos trazem no cotidiano escolar. A BNCC auxilia na produção de um currículo comum a partir do modelo de alunos que nela está idealizado: pessoa ouvinte, falante da língua oral e que fará uso desses conhecimentos para a apropriação da leitura e da escrita, tidas como competências a se desenvolver a partir da língua matriz, o português (RAMOS, 2017). A Libras é mencionada no documento como uma forma de linguagem tal qual a artística, a música, entre outras. Ao separar a Libras das línguas verbais (como português e inglês, por exemplo), pode-se atrelar ao seu funcionamento como parte de uma variação da própria língua portuguesa ou até como sendo uma derivação dela, o que dificulta a produção do ensino a partir das ramificações que essa língua potencializa e de suas singularidades - já que a Libras não é derivação da língua portuguesa, embora sejam línguas que constantemente se interafetam pela própria condução de coabitação em um mesmo país. Sobre a BNCC, Ramos e Martins (2018, p. 24, aspas das autoras) afirmam que:

às significações advindas das palavras “igualdade” e “inclusão” presentes na BNCC: é o estabelecimento da lógica do igual quando se pré-define um currículo padrão, uma base comum e nacional, determinando, portanto, a planificação de um modo único de ensino e de ensinar, indicando muito mais, a nosso ver, uma exclusão no ambiente escolar do que propriamente a inclusão desses alunos. O objetivo da BNCC é genuíno no sentido de traçar diretrizes de um ensino comum e igualitário, mas refletir no processo de construção de uma educação pela equidade é algo que pode favorecer nas reflexões e avanços de documentos norteadores.

Tal ação normativa, com base na igualdade num regime que consolida o mesmo, tem recebido movimentos contrários, tanto no que se refere ao sentido comum usado para o conceito de inclusão de surdos (LACERDA; SANTOS; MARTINS, 2016), quando se coloca em primazia a presença de surdos e ouvintes, sem favorecer o encontro surdo-surdo, quanto a atenção às singularidades de um ensino produzido pela língua de sinais. A militância dessa diferente forma de entender inclusão tem colocado em pauta o questionamento se manter surdos e ouvintes num mesmo espaço para o ensino, se a presença da Libras superficialmente na escola podem ser ações que de fato fazem valer um ensino bilíngue (Libras/Língua Portuguesa na modalidade escrita). A reflexão aponta para o questionamento da equidade de uso dessas línguas na escola (LODI, 2013; LACERDA; SANTOS; MARTINS, 2016; Autor, 2017). É necessário pensar nas reivindicações das comunidades surdas à escola comum e seus desdobramentos.

Para a continuidade da problematização acerca da educação de surdos apresento a surdez como foco ou matriz de experiência. Descrevo-a tal qual o conceito cunhado por Michel Foucault (2010), usado para falar da criminalidade, da loucura e da sexualidade. Faço pontualmente essa interlocução filosófica ao tecer análises sobre os estudos no âmbito da educação de surdos. A primeira interlocução seria o de conceber, portanto, a surdez como uma matriz de experiência inventada a partir do modo de compreensão científico que se tem dela, sendo-a, assim, efeito de uma experiência corpórea que se dá na análise resultante na interação de três eixos elementares: “o eixo da formação dos saberes, o eixo da normatividade dos comportamentos, e, enfim, o eixo da constituição dos modos de ser sujeito” (FOUCAULT, 2010, p. 4).

Carvalho e Martins (2016), a partir das considerações de Morgenstern e Witchs (2015), apontam as duas vertentes atuais referenciadas ao campo de estudo e saber sobre a surdez, a primeira 1) pela negatividade da falta orgânica, pautada na reparação do corpo surdo deficiente, tomando a falta de linguagem resultante pela surdez ajustada e corrigida na medida em que se produzem dispositivos tecnológicos e metodologias que auxiliem o acesso e aprendizado da língua oral por estes sujeitos; e a segunda 2) no rompimento da visão patológica, e vinculação ao campo de estudo da surdez numa proposta social. Esse rompimento produz outra subjetividade à pessoa surda, que se narra a partir deste lugar. Essa experiência é anunciada pela positividade, no sentido de tomá-la também por uma falta, mas sendo essa falta produtora do novo (aqui a positividade ou o a mais que a falta produz): o que seria? A diferença linguístico-cultural (CARVALHO; MARTINS, 2016). Portanto, aqui a surdez é narrada pelos discursos linguísticos que tomam a diferença estrutural (e gramatical) da língua de sinais como produto deste sujeito surdo visual que se produz nesta relação de uma língua de modalidade gesto-visual, diferente da modalidade das demais línguas que são oral-auditivas (LOPES, 2007). Há que se marcar aqui a importância deste rompimento com a visão negativa da surdez, (visão essa patológico-médica, centrada na pauta física), para anunciar outra forma, a perspectiva positiva de uma diferença linguística. Só nisso já manifestamos o indicativo da insubmissão dos surdos que, frente a um currículo pensado pela matriz linguística de uma língua oral, inacessível de modo natural para os surdos, coloca-os como sujeitos ingovernáveis, uma vez que o controle dos corpos na escola não se dá fora de um jogo de linguagem, com uma língua comum compartilhada. Todavia, esse estar fora (do controle e da linguagem comum que perpassa a maquinaria escolar) também os coloca como sujeitos invisibilizados e não escutados, diante da falta de compreensão que seus gestos-línguas manifestam (o estar fora também os coloca à margem do processo do aprender, por exemplo). Daí a revolta dos surdos, numa ação muitas vezes agressivo-militante, ao defender e almejar fazer de sua língua a linguagem comum para a escola (operam num ato de luta menor a perspectiva ou na busca por uma normatização ou majoração de sua língua, ao pleitear que ela esteja no currículo4). Revolta inclusive ao estigma que, por vezes, recebem de serem crianças com hiperatividade, inquietos, insubmissos às normas... entre outros adjetivos dado pela incompreensão de suas formas de vida e a angústia desse fora-dentro opressor produzido na lógica da inclusão pela norma ouvinte.

Num convite feito a mim pelo professor Pedro Pagni, docente na Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Marília, para uma escrita-aventura em conjunto, alguns pontos dessa visão cultural, antropológica (nomeada como positiva) da surdez foram colocadas em xeque (PAGNI; MARTINS, 2019). No processo de escrita, as considerações de Pagni (2015) me fizeram olhar a experiência da surdez a partir do conceito da ontologia da deficiência proposta por Carvalho (2015), articulada à proposta de Pagni (2015), a partir da ontologia do acidente, cunhada por Catherine Malabou (2014). A saber, o que isso opera? Olhá-la (a surdez), então, como uma experiência ética e estética, para além da questão linguística, tão apegada, por mim. Nessa via, a argumentação feita é a de que é possível compreender que, em geral, mais do que obra do desejo ou de uma lógica qualquer, a diferença se produz subjetivamente, especialmente nos modos existentes denominados deficientes, “por meio de acidentes que não são controláveis e que produzem efeitos psíquicos, orgânicos, neuronais, físicos, enfim, de toda sorte sobre a superfície dos corpos, nem sempre se tornando para si mesmos acontecimentos” (PAGNI; MARTINS, 2019, p. 4). Portanto, apresenta-se a deficiência como um acidente pelo qual o sujeito que por diversas situações encontra-se nessa situação, a partir desse lugar (do seu eu com o signo deficiência) é obrigado a re-fazer-se, sendo assim, uma questão ética.

A surdez como acidente é de ordem ontológica e não somente imanente a sua existência, como algo que inesperadamente a atravessa e o torna irreconhecível, como também transcendente, como uma ideia que impera negativamente sobre si e a sua vida, independente das formas que assuma, nesses casos. Tal acidente obriga os sujeitos surdos a se potencializar e se recriar, dobrando-se a um imperativo moral de que jamais seria como o de qualquer outro nesse mundo, exceto se adentrar aos jogos de poder e de subjugação na relação com outrem, mas também demandando linhas de fugas para que, eticamente, escape a essas formas de tecnologias de biopoder. Nesse caso, além das próteses e do domínio de uma língua de sinais como meio de interação e acesso à língua oral, os implantes cocleares seriam tecnologias imprescindíveis para dar conta desse imperativo e para ingressar a um mundo falante, ainda que parcialmente, facultando a participação na biopolítica atual (PAGNI; MARTINS, 2019, p. 12 - itálico dos autores).

Retomo que tal empreitada não foi nada fácil para mim, já que os estudos surdos, na perspectiva antropológica, ao qual me filio, tende veementemente a distanciar a surdez às questões da deficiência, por abordá-la como diferença linguística, tal quais as demandadas postas por grupos minoritários, com línguas minorizadas, como indígenas, línguas de fronteiras, etc. Foi preciso alguém de fora da área para mostrar certas limitações, ajudando significativamente o avanço ou novas possibilidades de como olhar esse objeto de estudo (a surdez): a questão linguística não dá conta da diferença surda (embora importante) que deve ser marcada por uma questão ontológica e, por isso, filosófica. Além disso, penso que para a área, o aceno à questão cultural, tal qual Guattari (2011) aponta em Micropolítica: cartografias do desejo possa, de algum modo, apontar e nos mostrar a armadilha de tratar “A Cultura”, como bloco homogêneo, essencializada e articulada à noção “Da identidade” única. Ação esta nada revolucionária quando se pensa na luta pela pluralidade e multiplicidade de formas de vidas surdas, mas parte do movimento surdo insiste nela e reivindica a constituição da “identidade surda”, tomando como pauta a diferença linguística e, por assim dizer, a diferença cultural entre as pessoas surdas e os ouvintes. O aceno e cuidado a essa articulação cultura-identidade deve ser feito, evidenciando a possível paralisia do ser-surdo atrelado a uma identidade surda, única e comum a todos que se nomeiam como Surdo (com letra maiúscula)5. Penso que a demanda dos surdos à escola não pode ser imputada apenas na ação de uma “cultura comum a todos os surdos”, como uma camisa de força que é imputada ao sujeito, mas a partir dessa diferença, que os surdos ingovernáveis trazem à cena escolar, tomá-la como elemento potente, que nos faz pensar e coloca em pauta à escola a questão do “[...] como agenciar outros modos de produção semiótica, de maneira a possibilitar a construção de uma sociedade que simplesmente consiga manter-se de pé” (GUATTARI, 2011, p. 29) diante da diferença. É essa potência de vida, na multiplicidade de experiências singulares surdas, que prolifera a beleza da diferença e faz da escola e da sala de aula, com surdos, um espaço que não cabe um currículo duro e engessado, não apenas na língua oral, mas na vida (ouvinte) que essa linguagem produz. (PAGNI; MARTINS, 2019), falam de um ser surdo visual que só é efeito por conta da deficiência orgânica sim, mas por via de um acidente-acontecimento que produz essa expressividade singular, ética e estética. Colocar em suspeição a língua (como agente marcador principal da diferença surda) para ver a relação ético-estética de um sujeito constituído pela expressividade de um corpo e que só é possível como efeito da mutação que a própria experiência da não audição (da deficiência) produz é, a meu ver, uma novidade para a área. Retomo aqui que as manifestações sobre o ensino de surdos e a questão da inclusão escolar, de todo modo requer certo distanciamento da área da “educação especial” e da temática da deficiência, por aspectos reforçados na citação, a seguir, de Skliar (2013) ao mencionar que há uma padronização das “necessidades” dos sujeitos que reflete certo “igual” para todos os deficientes:

[...] supõe a existência de uma linha contínua de sujeitos deficientes, dentro das quais os surdos são forçados a existir: o anacronismo de definir um grupo de sujeitos ‘especiais’ que coloca aos surdos, aos deficientes mentais, aos cegos, etc., numa descrição que é na verdade, descontínua. Isto é, juntos, mas separados de outros sujeitos, dentro de um processo indiscriminado de patologização (p. 12 - grifo do autor).

Certamente que isso não ocorre apenas para as pessoas surdas. A homogeneização e padronização de práticas de ensino que tende a certa normatividade, à qual, muitos outros sujeitos, também não se enquadram de imediato, e de algum modo passam a ser capturados e obrigados a certo ajuste/correção, para a sobrevida nestes espaços, é sim ação costumeira. Isso porque a escola se produz na política da larga escala, na regulamentação, a partir de uma lógica que se aplicará ao corpo (do aluno). Esse efeito acontece porque ela está dentro de um padrão normativo e num jogo de saber que lhe confere legitimidade de ação:

cada instante que se indaga pelas condições de saberes que referenciam o campo da educação, ao mesmo tempo, atingem-se as formas pelas quais as regularidades discursivas acabam se naturalizando no seu esteio epistemológico e em suas justificativas empíricas. Ainda mais porque essa atuação se dá, notadamente, no registro das condutas, aliás, no âmbito das empiricidades mais essenciais. (CARVALHO, 2012, p. 130)

Como sair disso? Pesquisar a educação de surdos é fazer-se para si mesmo essa constante pergunta. Para além das petições e rebeldias surdas, por uma escola que inclua a diferença linguística, tal qual Rezende e Campello (2014) - pesquisadoras surdas - apontam, na militância que fazem e expressada na citação abaixo:

Somos intelectuais em busca de uma produção política legítima para a educação dos surdos, que significa uma política educacional permeada pelas necessidades e anseios dos alunos; uma política que condiz com nossa luta, com nossas experiências de vida, com nossos anseios pelos e ao lado de nossos pares surdos, em busca do direito de as crianças surdas terem, desde a mais tenra idade, a possibilidade de adquirir a Identidade Linguística da Comunidade Surda (CAMPELLO; REZENDE, 2014, p. 72-73).

A contribuição de Pagni (2015, 2019), nos permite caminhar para certa ampliação dessa petição, a da “identidade linguística”, devendo dar-se não apenas na diferença do uso de uma língua, mas e antes dela, ser efeito advindo pela experiência material dada pelo “ensurdecimento do sujeito surdo” e do que isso produz no encontro corpóreo (dessa falta) que produz esse ser singular. Nesse lugar, pensar, então, quais os sentidos que essa língua gestual (como a Libras - Língua Brasileira de Sinais) produz nesse corpo que é surdo aos signos sonoros, não podendo estar preso a “uma identidade única”. A surdez, como dito anteriormente, passa a ser uma questão filosófica e não apenas linguística. Aqui evidenciamos a ênfase de construção de uma escola que acolha o ethos surdo plural, na singularidade que este ser-surdo traz consigo (e pluraliza as praticas de ensino). Esse espaço, o da diferença, é algo a ser conquistado e que a luta menor surda nos força a olhar quando falamos de escola e de inclusão de surdos nela.

II. O contexto atual da educação de surdos e os desafios da presença da diferença surda nas políticas educacionais

Com muita tristeza ao olhar para o cenário educacional ainda é possível notar a falta de espaço para a aparição das diferenças surdas nas propostas educativas atuais. Isso é evidenciado mesmo com o arsenal legal e acadêmico de pesquisas que versam sobre a inclusão de surdos e a necessidade da centralidade da pauta linguística para a escola. O projeto escolar, de âmbito nacional, reflexo e produto das palavras-verdades veiculadas juridicamente (BRASIL, 2016, 2019), mesmo com as leis de acessibilidade e reconhecimento da língua de sinais no Brasil (BRASIL, 2000, 2002, 2005, 2015), como já descrito anteriormente, não cabe e nem caberá o aluno surdo se não for proposta uma mudança no objetivo que se tem para o ensino (como um todo) nos anos iniciais para surdos, ao que concerne o aspecto da alfabetização (que se pretende bilíngue, mas foca na língua portuguesa). E nessa afirmação reitero que não adianta continuarmos tentando mostrar a importância da língua de sinais, da diferença surda ou da afirmação da necessária pedagogia visual, afirmando as metodologias de ensino pautada na visualidade, se não tirarmos o alicerce (bem fixo) da proposta educativa que se mantém no viés do para “todos”, na lógica da diversidade e não da diferença (GALLO, 2017) - a ela (esta política educacional) não cabe esse ethos surdo ao qual afirmamos, nem outros que anunciem certa diferença do “padrão”, do “desenho universal” proposto para a escola.

Percebemos no trecho citado que duas palavras se destacam: inclusão e diversidade. Para garantir a universalidade do direito à educação, é preciso incluir a todos; toda a diversidade humana precisa ser abarcada. Chamo a atenção para o fato de que o documento, em qualquer momento, trata de diferenças; é sempre a diversidade que é afirmada. Isto pode parecer de menor importância, mas penso que precisamos examinar com um pouco mais de atenção. A diversidade permite remeter ao direito universal, como aglutinador de tudo aquilo que é diverso. Ela está implicada no conjunto daquilo que compõe o universal. Em outras palavras: há uma unidade que é resultante da diversidade ou, numa direção distinta, a diversidade é nada mais do que o desdobramento de uma unidade. Tomar a diversidade em lugar da diferença significa “domar” a diferença, apaziguá-la, neutralizar os horrores que o efetivamente diferente poderia provocar. No fundo, trata-se de não se suportar a alteridade (GALLO, 2017, p. 1512-1513).

A diferença surda na escola, não está garantida nem com todas as companhas e as ações do atual governo federal, dando certa visibilidade, que em certa medida é totalmente fantasiosa (chamo aqui de migalhas linguísticas) da Libras (Língua Brasileira de Sinais), produzida no discurso ainda marcado por um tom assistencial, de uma língua usada pelo deficiente auditivo6, “na ação de caridade aos menos validos, nas mãos da primeira dama, na posse do atual Presidente, Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. Discursar em Libras, embora traga visibilidade e uma sensação justa de pertencimento aos surdos sinalizadores (ação esta de total mérito) não nos faz avançar (mas para muitos traz esperança, a divisão atual coloca para a área acerca do direcionamento político-partidário) na discussão ainda necessária para as políticas educacionais: a diferença do ethos surdo (sua singularidade) e seu lugar de direito, acolhida suas diferenças, na escola. O aluno surdo que ingressa nos anos inicias no ensino fundamental (1° ao 5º ano) não teve as mesmas (nem de longe) experiências que uma criança ouvinte, no encontro maternal e no afeto que os pais lhe proporcionam ao compartilharem o mesmo idioma. Essa grande lacuna e imensa diferença modifica o percurso e coloca outro ponto de partida para as práticas docentes e objetivo da escola, para estes anos mencionados. Todavia, a realidade é que a escola está focada no ensino do sistema da escrita (alfabetização), tendo como base as experiências orais deste “suposto” aluno, partindo da sua relação com a língua nacional (português) e as produções que os compuseram a partir de suas vivências familiares. Uma ficção!

Deste modo, não temos a inserção de uma política das diferenças (surda) quando se toma, ou se mantém o lugar da reabilitação, usando a língua de sinais como instrumento para reabilitar o deficiente da fala, fazendo a “caridade” de sua inserção num mundo ouvinte. Não há, na escola, um protagonismo desses sujeitos, tomando-os por suas experiências-acontecimentos comuns e singulares, de tempo de aprendizagem, de expressividade, de uso e mestiçagem, as quais seus corpos produzem com a escrita da língua oral, tão diferentes do que ela (essa língua oral) produz em um corpo ouvinte. A ilusão se mantém, ainda, e mesmo com a criação de uma diretoria de educação bilíngue de surdos aberta nessa nova configuração da SEMESP (Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação) e com a extinção da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão). A continuidade de uma ilusão da presença da diferença surda na escola se dá quando não se vai ao cerne da questão: a língua oral não será acessada ao surdo como é pelos ouvintes - ponto! Mesmo com a representação de uma diretora surda na pasta de “Políticas de Educação Bilíngue para Surdos”, não vemos avanços aos limites postos no campo da educação de surdos, quando se tem como objetivo principal da escola, nos anos iniciais, etapa de ensino a qual venho estudando, a alfabetização de uma língua não natural, para as crianças surdas e que deve ser aprendida ao mesmo tempo de crianças ouvintes, desconsiderando que essas crianças estão em aquisição de uma língua de sinais (muitos em aquisição tardia, mais de cinco anos, devido à maior parte de crianças surdas serem filhas de pais ouvintes, sem acesso a língua de sinais antes da entrada na escola e isso mais no ensino fundamental que na educação infantil). E quando se tem a construção de uma política nacional, mesmo na proposta bilíngue, voltada para a alfabetização (comum) com “uma” única metodologia, voltada à perspectiva fonética, como proposta no Decreto 9765/19, o qual institui a Política Nacional de Alfabetização (PNA) e destaca em seu artigo 3°, no item quarto: “IV - ênfase no ensino de seis componentes essenciais para a alfabetização: a) consciência fonêmica; b) instrução fônica sistemática; c) fluência em leitura oral [...]” (BRASIL, 2019, sem paginação).

Para a pesquisa que faço e que está em fase de coleta de dados (2018-2020), com auxilio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a ida a campo nas escolas tem sido fundamental tanto para ver os percalços quanto as criações-fugas que as crianças surdas e os educadores bilíngues produzem em seu “canto”, no micro espaço ou no interior da sala de aula (um universo tão paralelo que pode ser visto nele a ação de uma heterotopia, que seria a produção de um espaço diferente dentro do mesmo espaço. Esta produção de outra aula dentro da suposta mesma aula é algo evidenciado nas salas de aulas inclusivas observadas) (MARTINS, 2017). Tenho observado de que modo as prefeituras têm construído o tal ensino bilíngue para surdos, tendo a Libras como língua de instrução (se isso acontece, como ocorre). Tal como Lodi (2013) evidenciou no paralelo entre o que se produz educacionalmente, postas as contradições entre o discurso cunhado no Decreto 5.626/05, diante da educação bilíngue e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE), voltada à inclusão com base na presença de intérprete fazendo a transposição do conteúdo da língua portuguesa para a Libras em todas as etapas de ensino, nota-se internamente, nas práticas escolares, a ação bem marcada pela autora da instrumentalização da língua de sinais. Isso se dá quando se faz da Libras um meio de condução e de versão entre idiomas e conhecimentos sem tomar as suas singularidades. Observa-se na escola não mais uma ortodoxia para o ensino da fala (oralismo), mas sim para a ascensão e primazia da escrita da língua oral (apenas) - uma nova roupagem do oralismo num escritismo atual. Essa obsessão pela escrita diminui significativamente a presença da Libras nas salas de aula e o ensino de variados conteúdos que poderiam se dar por ela. Afinal o que se quer? Espera-se que o aluno memorize um grupo de palavras em português, como? Usando a Libras. Culpa das docentes bilíngues, da formação que tiveram? De maneira alguma! Há um programa curricular que as obriga à “alfabetização” do aluno surdo no tempo certo. Elas são avaliadas sobre isso cotidianamente, afinal, programas bilíngues são experiências e não políticas de fato (ALMEIDA, 2017). Até mesmo para validar a continuidade de salas e metodologias bilíngues. A argumentação dada é a de que se o aluno tem um ensino em Libras (sem pontuar a qualidade de exposição a essa língua e os falantes em potencial) desde cedo, qual a dificuldade de acesso e imersão na escrita como os ouvintes? E o ethos surdo? E a experiência surda que deveria produzir outro modo de ensino, baseado em sua diferença, em sua mestiçagem com a língua portuguesa? A alfabetização e materialização do sistema escrito ao surdo não se dará de igual modo se tomamos afirmativamente a condição ontológica destes sujeitos. A escola não pode buscar a equidade de ensino pela igualdade de processos.

Como dado para a argumentação do ensino ortopédico via escrita, nota-se a presença da instrumentalização da Libras mesmo em espaços com docentes nomeados como sendo bilíngues (Libras/Língua Portuguesa): o ensino da língua portuguesa ainda é “a” meta principal porque é exigência curricular. Ainda que se tenha clareza, nas várias pesquisas disseminadas na área sobre a importância da língua de sinais no ensino de surdos e com a conquista legal da Libras (BRASIL, 2005), como língua de instrução, o objetivo da escola permanece o mesmo nestes anos (1° ao 5° ano) mencionados: a alfabetização na língua oral. E a alfabetização pactuada como meta federal tendo que ser feita na idade certa, ao final do terceiro ano. Tais ações são cobradas pelos índices mensurados através da avaliação (ANA) - Avaliação Nacional de Educação, reforçados tanto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2016), quanto na atual Política Nacional de Alfabetização (PNA) (BRASIL, 2019). Que idade certa para a alfabetização em língua portuguesa para um aluno surdo em uma escola bilíngue? Os conteúdos podem ser aprendidos em Libras mesmo? Os alunos são avaliados em Libras ou aprendem em língua de sinais os conteúdos, mas são “examinados” na língua portuguesa? E nas avaliações externas feitas pelos alunos para avaliar o desempenho da escola? Em qual língua isso se dá? O que é considerado (bi)língue e instrução em Libras? Essas são algumas inquietações trazidas com a pesquisa neste artigo. Dois pontos ficam evidenciados: ampliar o estudo sobre instrução e educação bilíngue de surdos. É preciso que apontemos mais às claras aquilo que se afirma no documento legal ao mencionar que nas “escolas ou classes de educação bilíngue” se tenha a instrução em Libras “no desenvolvimento de todo o processo educativo” (BRASIL, 2005, sem paginação). Esse aceno deve se dar já que na prática há certo esvaziamento no ensino e na instrução pela Libras pela captura feita na lógica e majoração da língua oral.

A indecisão em nível de política pública, se no âmbito da deficiência ou das minorias linguísticas, produzem o incerto e a dupla forma de condução do ensino de surdos: da instrumentalização da língua pelo intérprete educacional, às formas de ensino e construção de espaços de salas de aulas para alunos surdos nos anos iniciais com professores que tenham conhecimento comprovado do domínio da língua de sinais, ou ainda o agrupamento entre surdos e ouvintes com docentes bilíngues no mesmo espaço. Por meio deste estudo tem se afirmado a surdez como uma questão ontológica (PAGNI; MARTINS, 2019), sendo algo que uniria as perspectivas, de algum modo, tomando sim a deficiência, mas como acontecimento antropológico que não pede o reparo por produzir no corpo deste ser uma experimentação única, produzindo variações de sentidos tão singulares que potencializam a discussão da diferença e sua necessária presença na escola. É essa experiência deste ser surdo (outro) que marca a necessidade de uma afirmação desta vida na escola com suas diferenças, de tempo, de língua, de aprendizado.

Por isso, tais conceitos (da instrução em Libras e do bilinguismo de surdos) carecem de reflexão de modo a problematizar o ensino para este ser que se apresenta e que não tem em seu corpo a mesma relação de aprendizado da língua oral, por exemplo, como ocorre com pessoas ouvintes: o currículo e a funcionalidade da escola nos anos iniciais, só por isso, devem ser repensados. Diante das duas concepções adotadas, pela negatividade ou positividade da surdez, o fazer bilíngue e a instrução na Libras têm sido interpretados de modos bem distintos, proliferando práticas reais também diversificadas nas escolas. As salas bilíngues, como aponta o decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005), têm sido abertas, fisicamente, de maneiras diferentes: algumas escolas, em espaço de multisseriação com salas com docentes fluentes em Libras, sendo este espaço separado dos alunos ouvintes; em outras, a proposta se dá na co-docência compartilhada com alunos surdos e ouvintes, tendo dois professores para conduzir o ensino (um com conhecimento da língua de sinais e outro sem esse domínio). Vemos diferenças nas propostas, mas o comum é que em ambas há o aceno para as distinções metodológicas necessárias para o processo educacional de surdos e as dificuldades que o sistema produz ao fazer o tempo todo paralelos entre surdos e ouvintes.

A caminhada deve se dar agora para a evidenciação das produções-fugas cotidianas que vemos nas escolas com a presença de alunos surdos de modo que apareça o que se deseja por instrução em Libras. Assim, espera-se a aparição de escolas e programas bilíngues que façam valer a potência da vida surda com a língua de sinais na escola, na proliferação de diferenças não como meio ou instrumento de acesso à língua oral. É preciso a luta pela produção de uma educação de surdos talvez normatizada também pela Libras, pelo menos é o que parece marcar o movimento surdo pela via da proposição da educação bilíngue, para a partir disso se ter base para novas lutas, a da produção de multiplicidades de ensino com a Libras, de fugas militantes para variados modos de ensino de surdos em cenário bilíngue. O que penso para o momento é que o reconhecimento ético da surdez, como produtora de vidas surdas, reivindica para si um novo cenário, um espaço diferente para se fazer uma escola inclusiva de surdos e para que o ensino aconteça efetivamente.

III. Considerações para as problematizações tecidas nesta escrita

Algumas considerações podem ser tecidas das argumentações desenvolvidas até o momento. Dentre elas, a que penso estar mais evidente e a que quero deixar como alerta nesta parte final do texto é a de que as práticas inclusivas para surdos têm se dado, ainda em uma racionalidade ouvinte. Essa racionalidade não é nova, tal como descrito por muitos em obras que registram a história da educação de surdos, ela tem se dado com base nas experiências de sujeitos ouvintes. Atualmente o que vemos é a ação da governamentalidade, tomando a racionalidade ouvinte sim, mas com outros focos: há que apontar uma mudança no ordenamento e na condução das vidas surdas para a ortodoxia da escrita, na consolidação de um currículo que confere o esperado, num projeto de trajeto que é feito para ouvintes e espelhado para os surdos (isso fica evidente nos anos inicias do ensino fundamental quando se pretende que a alfabetização se dê nos primeiros três anos, como para alunos ouvintes que ingressam com outro lugar e uso da linguagem oral). O governo (via documentos norteadores para a formação e práticas educacionais) traz como imperativo atual não o exaustivo ensino da fala, mas a incessante produção da escrita, com apontamentos para ser feito passando pelos pressupostos metodológicos da oralidade - tal como argumentado na política nacional de alfabetização, via defesas ao método fônico (BRASIL, 2019). Isso se dá porque não há fixado a relação de linguagem e expressividade que a surdez produz no corpo surdo, como sendo da ordem de certa ressignificação de sua existência: haveria um antes e um depois para o sujeito surdo no encontro com a surdez, produzindo-o dentro de outra lógica, a de um pensamento visual.

Esse não lugar para o surdo em sua diferença pulveriza práticas escolares diversas, que olhadas em seu interior, de modo microscópico, nos possibilita ver as amarras de um sistema que engessa as vivências surdas em sua diferença e enrijece o currículo de modo a fazer da Libras instrumento para a escrita. A Libras, legalmente, é tida como língua de instrução, mas não se produzem avaliações nacionais, materiais didáticos nela, esse fato esvazia as propostas bilíngues e faz com que o professor, em sala, fique refém do ensino passando pela escrita da língua portuguesa, lugar onde se tem os registros culturais veiculados na escola. O governamento mencionado por Foucault (1999) para falar das práticas de conduções das condutas na sociedade ocidental é evidenciado na maquinaria escolar quando se favorece um tipo de condução e por onde (qual língua) ela se dá. Enquanto a escola tratar a inclusão de surdos como pauta da diversidade representada alegoricamente pelo exemplo de apresentações folclóricas de um “coral” com algumas crianças surdas e ouvintes sinalizando em Libras, sons sem sentido, perfazendo uma musicalidade que as crianças surdas não ouvem, a inclusão terá sentido apenas para um único lado deste público. Isso posto, fica mais fácil compreender as brigas internas da “educação especial” em relação à educação de surdos e às petições das comunidades surdas: porque ela (a inclusão) mantém-se como algo vinculado ao espaço físico, ao estar junto, surdos e ouvintes (na mesma escola, na mesma sala), tendo um mesmo ensino, que até pode ser traduzido para a Libras, desde que a língua oficial de partida seja a língua portuguesa. Assim, mantém-se, como de costume, a lógica estrutural para o público ouvinte, o que não nos faz avançar no “tal” ensino bilíngue com instrução em Libras, conquistado legalmente - não no ensino traduzido para a Libras, mas no fazer um ensino em Libras. Com a alegoria do “coral de surdos” entendemos a quem servem as propostas inclusivas. Se a lógica do reparo e da adequação do corpo surdo para as práticas ouvintes se mantiver, a inclusão continuará tendo efeito apenas para o encantamento de quem não “escuta”, ou para aqueles que estão “surdos” as demandas desse ethos singular surdo aqui afirmado. Fecho essa escrita apontando que algo positivo das práticas observadas, na pesquisa desenvolvida, pode nos dar sim esperança e respiro: no interior da escola, no movimento micro-revolucionário, vemos proliferar as resistências surdas e a ação singular de suas vidas-experiências, recriando novas possibilidades, seja na mudança física feita por eles no interior das salas comuns, com suas carteiras em oposto ao dos alunos ouvintes, para um ensino direto em Libras, seja na produção de um português-surdo, tão incontrolável. Nessa luta diária, vemos a ação de rotas de fugas frente ao caos inclusivo e fagocitário. E é isso que nos vigora a continuidade dessa luta por uma escola das diferenças e no desejo que tenha nela a presença constante das insubmissões, como as de vidas surdas.

Referências

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Agradeço à FAPESP e à CAPES pela parceria e apoio para a pesquisa descrita neste artigo.

1Doravante apenas Libras.

2Usarei a nomenclatura anos iniciais referindo-me aos primeiros cinco anos de escolarização do ensino fundamental I, formação oferecida às crianças através do profissional pedagogo. Para esse período de ensino, o Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005) regulamenta a necessidade de se dar, aos surdos, com professores bilíngues (Libras/Língua Portuguesa). É sobre essa diretriz legal e como as salas bilíngues tem sido organizadas que esse artigo trará algumas considerações.

3Doravante apenas BNCC.

4Não aprofundo aqui a distinção conceitual de educação maior e menor, mas aponto a educação menor como máquina de guerra às produções maiores ou verdades que regem o ensino em suas políticas normativas. Para maior conhecimento indica-se a leitura de Gallo (2008), Deleuze & a Educação, autor que funda esse conceito para educação maior e menor baseando-se nas produções teóricas de Deleuze e Guattari (1997), sobre o estudo empreendido de uma literatura maior e menor.

5O uso do S maiúsculo para a escrita da palavra-conceito pessoa Surda tem sido usado na literatura, por alguns militantes e pesquisadores para afirmar a posição antropológica sobre a surdez e com viés aos Estudos Surdos. Essa diferenciação na escrita se dá de modo a marcar uma posição ideológica sobre a pessoa surda na posição da diferença linguística e não a afirmação da deficiência e busca por reabilitação.

6Uso este termo para marcar a ironia da visibilidade atual que a Libras tem tido e as marcas ainda presentes de uma política (social macro e educacional) que se afirma na lógica da reabilitação, ainda que seja via escrita, por isso tomando o sujeito surdo pela sua deficiência auditiva e não por sua diferença ética e linguística.

Recebido: 11 de Dezembro de 2019; Aceito: 21 de Outubro de 2020

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