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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.34 no.71 Uberlândia maio/ago 2020  Epub 06-Fev-2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v34n71a2020-59345 

Dossiê Fenomenologia e Educação

Apresentação do Dossiê Fenomenologia e educação

*Doutor em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: marcio.danelon@ufu.br

**Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia; Cátedra Agostinho da Silva-Universidade Federal de Uberlândia; Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. E-mail: romana.vpinho@ufu.br


A fenomenologia nasceu como teoria do conhecimento. Kant, antes mesmo de Husserl, foi o primeiro a encampar o uso do termo “fenômeno” em suas investigações acerca dos limites e possibilidades do conhecimento. Das reflexões kantianas acerca do dualismo entre fenômeno e noumenon, nasceu sua teoria do conhecimento, posteriormente classificada de criticismo. Assim, é no campo da gnosiologia que o termo fenômeno debuta na cena filosófica. A apropriação do termo fenômeno por Husserl se deu em seu profícuo projeto filosófico de resolução da querela entre racionalistas e empiristas, bem como do enfrentamento da problemática das diferenças, limites e possibilidades do conhecimento científico (entendido enquanto filosofia) e do conhecimento psicológico de um objeto, este tema de muito maior complexidade e fôlego filosófico. Em outras palavras, o enfrentamento do intrincado dualismo entre coisa real e coisa psicológica, o conhecimento do objeto real e o conhecimento psicológico do objeto. Dessas questões nasceu a proposta de Husserl de um método fenomenológico que asseguraria meios de superar essa traiçoeira armadilha que levaram muitas teorias do conhecimento a misturar o objeto real e o objeto psicológico.

A fenomenologia deixou um legado de grande monta para as pesquisas na área da educação. A literatura é vasta, profícua e sedimentada no uso do método fenomenológico na interpretação de dados colhidos em pesquisas qualitativas. Aqui, o uso dos conceitos fenomenológicos na metodologia de pesquisa permite ao pesquisador apropriar-se do objeto investigado naquilo que ele tem de específico, bem como aferir as particularidades e movimentos típicos de um objeto de pesquisa que é vivo e pulsante como a educação. Além disso, também é sedimentada a contribuição da fenomenologia para a Psicologia. Ora, as reflexões inaugurares de Husserl se debruçaram sobre o tema da consciência, em específico, da consciência posicional - aquela que se lança sobre o mundo e se debruça sobre algo visado. Assim, há que se considerar Husserl um psicólogo e, por decorrência, que a Psicologia, há de se considerar também, possuir pés fincados na fenomenologia.

Não obstante isso, fenomenologia ainda é um campo aberto para outros temas afetos à educação. Refiro-me, em particular, as contribuições da fenomenologia para as reflexões em torno de uma antropologia existencial e de uma ética existencial. Refletir sobre o que o homem é, enquanto ser vivido em meio ao mundo, e que este homem é único, com um êthos (modo de vida) singular, são campos de investigações fundamentais para a educação. De fato, aferir que a criança tem uma historicidade própria e irrepetível, que ela é uma singularidade em meio ao mundo e, por fim, que o mundo da vida (lebenswelt) é o universo em que ela se apresenta enquanto pessoa, permitem entender os processos educativos desde um lugar não homogêneo, mas singular e diverso. Ao contrário disso, partir do entendimento de que a criança possui características iguais ou similares entre si e que a aprendizagem segue um padrão de desenvolvimento, são armadilhas típicas que as pesquisas na área da educação se tornam reféns, para não dizer multiplicadoras. Os tão decantados bordões típicos da área da Educação, tais como: “cada criança aprende de um jeito”, “cada criança se desenvolve de forma particular”, “cada criança vem para a escola com um universo cultural próprio”, encontram na fenomenologia aspectos conceituais que permitem uma leitura e interpretação profícuas acerca dessas máximas. Se “[...] a educação tem haver com o nascimento, com o fato de que constantemente nascem seres humanos no mundo”1, então é sobre a antropologia e a ética da existência que a educação encontra um campo dialógico importante, mas ainda incipiente e em aberto. De fato, são poucas as investigações no campo da educação fundamentadas numa antropologia existencial - aquela que concebe o humano enquanto singularidade -, e numa ética da existência - aquela que concebe modos de vida singulares. Se cada ser que nasce é único e é esse ser que torna possível a educação, então uma antropologia existencial e uma ética da existência emergem como teorias afetas à educação. É, enfim, nesse campo, profícuo e em aberto, que este dossiê propõe apresentar contribuições para as pesquisas na área da educação e da fenomenologia.

Abre o dossiê Fenomenologia e Educação o artigo dos professores Paulo Roberto Brancatti e Renata Portela Rinaldi, ambos da Unesp, intitulado A fenomenologia e a história de vida. Neste artigo, os autores apresentam a premissa de que a fenomenologia parte de uma perspectiva que prioriza o ser-no-mundo, contextualizado com sua história, cultura, linguagem e movimento. Posta essa premissa, objetivam com o artigo compreender o entrecruzamento da fenomenologia e do método de história de vida, com intuito de vislumbrar a contribuições para o processo educacional. Em sequência, apresentamos o artigo O movimento escola sem partido e a captura da docência: o professor como técnico do saber especializado, com autoria do professor Márcio Danelon, da Universidade Federal de Uberlândia. Partindo do conceito “técnico do saber especializado”, desenvolvido por Jean-Paul Sartre (1905-1980) na conferência “Em defesa dos intelectuais” (1965), o autor objetiva refletir sobre formas de captura das práticas pedagógicas do professor presentes no projeto de lei proposto pelo Movimento Escola sem Partido. O dossiê segue com o artigo Fenomenologia e educação na perspectiva de Creusa Capalbo, de autoria da professora Constança Terezinha Marcondes César. Neste artigo, retoma a profícua vinculação entre a fenomenologia e a educação feita por Creusa Capalbo, com destaque para a sua crítica sobre pensadores que reduzem a educação à adequação ou à revolta contra a sociedade industrial. Desta forma, segundo a professora Constança, Creusa Capalbo entende que o papel da educação, inspirada em Husserl, Scheler e Buber, é o de propiciar a introdução de valores que assegurem a realização do bem comum. Trazemos em sequência o artigo Indecisão plena de promessas: imagens da vida e da infância na filosofia de Henri Bergson, da professora Magda da Costa Carvalho, da Universidade dos Açores e do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. Neste artigo, a autora parte de uma passagem da obra Évolution Créatrice, de Bergson em que o filósofo recupera a imagem da criança para afirmar que a natureza viva opera através de tendências divergentes. Segundo a professora Magda, apesar de não ter desenvolvido um pensamento de pendor educacional, encontram-se na obra bergsoniana referências que, por um lado, recuperam a dimensão criativa e criadora da infância e, por outro, acentuam a forma infantil dos movimentos do élan vital. Assim, o cruzamento da imagem da vida como infância com a imagem da infância como vida, presentes na obra de Bergson, revela-se, segundo a professora Magda, sugestivo para repensar o que nos habita como constitutivamente outro: a criança que fomos e a natureza que somos. E será através da imagem - como forma de contacto dinâmico com o real - que poderemos, conclui a autora, encontrar respostas para a sugestão bergsoniana de se promover nas escolas um conhecimento infantil. Fecha o dossiê Fenomenologia e Educação o artigo O terceiro-instruído: Ontofenomenologia e educação em Michel Serres, de autoria da professora Romana Valente Pinho, da Universidade Federal de Uberlândia e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Trata-se, segundo a autora, de um estudo que visa compreender a relevância do pensamento ontofenomênico, epistemológico e educacional de Michel Serres para a implementação das categorias filosóficas: contrato natural (como oposição ao contrato social de Rousseau e como defensor do regresso à Terra inteira e ao Amor) e terceira-instrução.

Desejamos a todos excelente leitura.

Márcio Danelon
Romana Isabel V. B. Pinho
(Orgs.)
Outono de 2020

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 223. [ Links ]

1ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 223.

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