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Educação e Filosofia

Print version ISSN 0102-6801On-line version ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.34 no.72 Uberlândia Sept./Dec 2020  Epub Feb 03, 2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v34n72a2020-59279 

Dossiê A ideia de homem em Descartes

Friedrich Nietzsche e a crítica da subjetividade cartesiana

Friedrich Nietzsche et la critique de la subjectivité cartésienne

Friedrich Nietzsche e the criticism of Cartesian subjectivity

*Doutor em Filosofia e Ciência Cognitiva pela Universidade Vita-Salute San Raffaele (Milão, Lombardia, Itália). Professor e Pesquisador na Faculdade de Filosofia da Universidade Vita-Salute San Raffaele. E-mail: gatto.alfredo@unisr.it


Resumo

O nome de Descartes aparece várias vezes nas obras publicadas e nos fragmentos póstumos de Nietzsche. As considerações do filósofo alemão são quase sempre críticas e recuperam, embora com um diferente juízo de valor, a interpretação do pensamento cartesiano fornecida pela tradição idealista. Nesta perspetiva, Descartes é considerado o pai do racionalismo ocidental, o pensador que teria colocado o cogito no centro da representação. A este respeito, analisar criticamente a leitura nietzschiana não significa só questionar a validade da sua interpretação, mas pôr em causa os mesmos cânones da modernidade filosófica.

Palavras-chave: Nietzsche; Descartes; Cogito; Idealismo alemão; Heidegger; Modernidade

Résumé

Le nome de Descartes apparait plusieurs fois dans les œuvres publiées et dans les fragments posthumes de Nietzsche. Les considérations du philosophe allemand sont presque toujours critiques et reprennent, même si avec un diffèrent jugement de valeur, l’interprétation de la pensée cartésienne fournie par la tradition idéaliste. Dans cette perspective, Descartes est considéré comme le père du rationalisme occidental, à savoir, le penseur qui aurait placé le cogito au centre de la représentation. À cet égard, analyser de façon critique l’approche de Nietzsche n’implique pas seulement mettre en question la validité de son interprétation, mais aussi remettre en cause les canons de la modernité philosophique.

Mots-clés: Nietzsche; Descartes; Cogito; Modernité

Abstract

Descartes’ name appears several times in Nietzsche’s published works and in his posthumous fragments. The considerations of the German philosopher are almost always critical and resume, although with a different value of judgement, the interpretation of Cartesian thought provided by Idealistic tradition. In this perspective, Descartes is considered as the father of Western Rationalism, namely, the author that would place the cogito at the center of representation. In this regard, to critically analyzing Nietzschean approach toward Descartes it does not only imply to questioning the validity of his interpretation, but also to questioning the very same canons of philosophical modernity.

Keywords: Nietzsche; Descartes; Cogito; Modernity

1.Descartes e Nietzsche na interpretação heideggeriana

Na historiografia filosófica mais recente, a maioria das referências à relação entre Descartes e Nietzsche é filtrada pela interpretação desenvolvida por Martin Heidegger no curso dedicado ao niilismo europeu (HEIDEGGER, 2007). De acordo com o filósofo alemão, com a doutrina de Nietzsche começaria a história da conclusão do que foi iniciado em metafísica por Descartes. De fato, apesar das diferenças, os dois pensadores seriam unidos por uma relação essencial, a saber, a ligação cada vez mais indissociável entre a condição de possibilidade da verdade e a sua apreensão subjetiva. O que os aproxima não é então uma mera dependência historiográfica, mas uma conexão histórica fundamental. Nesse sentido, a crítica de Nietzsche a Descartes deve ser interpretada como um aspeto secundário que teria a ver só com a exterioridade dos conceitos expressos, e não com os pressupostos que os sustentam. Por conseguinte, para além da explícita tomada de posição de Nietzsche, a cogitatio cartesiana e a metafísica nietzschiana da subjetividade da vontade de potência apontariam na mesma direção.

Na leitura de Heidegger1, a reflexão de Descartes representa a fundação da idade moderna, a conjuntura histórica onde a verdade tornou-se certeza. Na cogitatio cartesiana manifesta-se, na cena metafísica, a relação entre o pensamento e a componente reflexiva que caracteriza a transcendentalidade da representação. Com Descartes, o cogito é sempre um cogito me cogitare. Tudo o que é - a totalidade do ente - está sujeito a um subiectum: dessa maneira, a auto-consciência do homem passa a ser a condição necessária de qualquer certeza e objetividade. Segundo Heidegger, Nietzsche encontra-se em continuidade com esse cenário metafísico e encarna o desenvolvimento extremo da doutrina cartesiana, ao reconduzir cada verdade ao quadro da ação subjetiva. Embora Nietzsche critique Descartes no que respeita à natureza abstrata dos seus pressupostos, a abordagem nietzschiana não afetaria, na realidade, a centralidade do papel desempenhado pelo sujeito2. Portanto, o que o próprio Nietzsche não consegue entender é que atrás da sua recusa do cogito cartesiano haveria uma ligação estreita - uma dependência essencial - com o pensamento de Descartes.

Na interpretação de Heidegger o fio que une e aproxima os dois pensadores é mais profundo do que poderia parecer. Contudo, como veremos, é preciso não esquecer que Descartes e Nietzsche são, mais propriamente, duas máscaras na grande reconstrução da história da metafísica heideggeriana. Para avaliar a exatidão dessa consideração, temos de voltar, em primeiro lugar, aos textos de Nietzsche para analisar os julgamentos sobre Descartes que encontramos no seu corpus filosófico.

2. Nietzsche crítico de Descartes

Nesta perspetiva, a questão principal não é estabelecer a vastidão do conhecimento que Nietzsche tinha da filosofia cartesiana. Como já foi demonstrado (LOUKIDELIS, 2005), o que Nietzsche conhecia da obra de Descartes baseava-se, em larga medida, sobre fontes secundárias. O que é mais interessante, pelo contrário, é investigar se a imagem cartesiana que Nietzsche herdou pela tradição corresponde à letra dos textos cartesianos para tecer, a seguir, algumas considerações.

Na obra do filósofo alemão, o nome de Descartes aparece frequentemente: às vezes figura só como um nome entre outros em uma longa lista, outras vezes como emblema da tradição francesa em conflito com a alemã, em outras ocasiões como o autor que tentou garantir o exercício do pensamento à sombra da veracidade divina. Em geral, no entanto, Descartes aparece com mais frequência - sobretudo no horizonte temporal entre a publicação de A Gaia Ciência (1882) e de Além do Bem e do Mal (1886), e em particular nos fragmentos da segunda metade de 18853 (PARMEGGIANI, 1996) - quando está em questão a noção de subjetividade ou a investigação sobre os fundamentos do racionalismo moderno. Como podemos imaginar após a breve apresentação da interpretação heideggeriana, as referências são, salvo raras excepções4, sempre negativas.

Quem era então Descartes para Nietzsche? Em substância, o pai do racionalismo moderno, o filósofo que encontrou uma autoridade só na razão (NIETZSCHE, 1975, 34 [35], p.110), uma razão nua e transparente em si mesma, onde não há nenhum rasto das atividades que se reviram no interior do corpo e da sua fisiologia (NIETZSCHE, 1975, 40 [21], p.324). A crítica de Nietzsche, de qualquer maneira, não diz respeito apenas à suposta “autoridade da deusa razão” ou à “leviandade dogmática” da dúvida cartesiana (NIETZSCHE, 1975, 40 [25], p.328). Na verdade, o objetivo polémico do pensador alemão está mais ligado ao processo que, de acordo com Descartes, levaria à instituição da cogitatio. A este respeito, Nietzsche contesta com veemência a ideia de que ao cogito cartesiano possa ser atribuído um grau de certeza imediata. A sua crítica de Descartes torna-se assim a crítica dos pressupostos que permitiram ao filósofo francês atribuir ao cogito o caráter da imediatez - ou seja, a estrutura da gramática tradicionalmente entendida e o substancialismo ou hipostatização do sujeito gramatical. A tomada de posição de Nietzsche considera Descartes como o exemplo mais paradigmático desse movimento, mas não se reduz, simplesmente, à desconstrução da abordagem cartesiana.

Ora, entres várias passagens a ser consideradas, podemos nos deter sobre o primeiro capítulo, seções 16-17, de Alem do Bem e do Mal para fazer depois algumas incursões nos fragmentos póstumos de 1885. Para Nietzsche, acreditar que o sintagma “eu penso” (“ego cogito”) seja uma certeza imediata é fruto de uma simples ingenuidade. O próprio conceito de certeza imediata, na verdade, não seria mais do que uma contradictio in adjecto, o resultado da sedução exercida pelas palavras. Com efeito, se nós decompusermos a expressão “ego cogito”, vamos encontrar um conjunto de “afirmações temerárias”, como, por exemplo, que “sou eu que pensa, que tem de haver necessariamente um algo que pensa, que pensar é atividade e efeito de um ser que é pensado como causa, que existe um ‘Eu’, e finalmente que já está estabelecido o que designar como pensar” (NIETZSCHE, 1992, p.22). Para além do processo geral de desconstrução desenvolvido por Nietzsche, que pretende tirar qualquer legitimidade ao fundamento da certeza cartesiana, um dos aspetos contestados tem a ver com a relação causal entre o pensamento, como obra de um sujeito consciente e racional, e os seus próprios conteúdos.

Em suma, o que Nietzsche está tentando minar é o liame que a cogitatio entretém com os objetos da sua representação, a saber, a ideia que os entes intencionados pelo cogito pertencem ao sujeito que os pensa. De fato, como foi salientado por Itaparica (2011, p.66), “inferir da existência do pensamento a existência de um sujeito identificado como autor do pensamento já seria acrescentar algo: que um eu seja a causa dos próprios pensamentos”. Pelo contrário, afirma Nietzsche sublinhando a “superstição dos lógicos”, “um pensamento vem quando ‘ele’ quer, e não quando ‘eu’ quero”; portanto, conclui o filósofo alemão, “é um falseamento da realidade efetiva dizer: o sujeito ‘eu’ é a condição do predicato ‘penso’” (NIETZSCHE, 1992, p.23). Em breve, há alguma coisa que pensa, mas que o que pensa seja o sujeito cartesiano, longe de ser uma certeza imediata, é apenas uma afirmação que pressupõe o peso de uma tradição histórica e metafísica bem definida.

Segundo Nietzsche, a atividade do pensamento não é, na verdade, um meio para conhecer; mais propriamente, representa um instrumento para “indicar e ordenar o acontecer” (NIETZSCHE 1975, 40 [20], p.323), isto é, o que acontece ao pensamento, aquilo em que o pensamento vai se deparar, sem tê-lo decidido e estabelecido antes. Nesse sentido, só as preceptoras ou governantas, cujo conhecimento é moldado pela “verdade eterna” (“veritas aeterna”) da gramática, ainda podem acreditar nos fundamentos cartesianos. Contudo, “ninguém é hoje tão inocente para pôr, à maneira de Descartes, o sujeito ‘eu’ como condição de ‘penso’” (NIETZSCHE 1975, 40 [20], p.323). Por conseguinte, a convicção de que o ego é o fundamento do cogitare, ou que o pensamento é uma atividade para a qual é necessário supor um sujeito é um ato de fé - mais precisamente, um ato de fé na gramática (NIETZSCHE, 1975, 40 [23], p.326). A este respeito, exercer a “ironia contra Descartes” (NIETZSCHE, 1975, 39 [13], p.307) significa interrogar criticamente o seu pensamento, trazer à luz os pressupostos, implícitos e porém sempre presentes, da reflexão cartesiana - implica mostrar que não há, como no caso do ego cogito, uma certeza imediata que não seja o resultado da vontade de pressupor ou ocultar o ponto de partida, sempre determinado, da própria investigação (NIETZSCHE, 1975, 40 [24-25], p.326-328).

O sujeito cartesiano, moderno e racional, não é então - não pode ser e nem sequer torna-se - o começo da pesquisa filosófica, não sendo uma certeza imediata e não tendo o caráter da imediatez; quando muito, após uma análise genealógica, poderia revelar-se o resultado de uma reconstrução metódica e racional5. Também por essas razões, Nietzsche não pode aceitar a ideia, que ele acredita estar implicada na reflexão cartesiana, de que o sujeito de Descartes é a “medida do real” (“Maaß des Wirklichen”) (NIETZSCHE, 1975, 2 [92], p.95). Nesse sentido, Nietzsche acaba por inverter a ordem de prioridade metafísica do filósofo francês: em lugar de “cogito, ergo sum”, onde é o pensamento a deduzir a necessidade da sua própria existência, ele afirma “sum, ergo cogito” (NIETZSCHE, 2001, p.187), ao sublinhar a natureza passiva do elemento reflexivo.

3. Nietzsche e a interpretação cartesiana do idealismo alemão

A consideração relativa à impossibilidade de jugar o pensamento como ratio do real - uma concepção que Nietzsche acreditava fosse atribuível a Descartes - o coloca, talvez além da sua própria consciência, na mesma linha interpretativa da tradição idealista alemã6. De fato, Nietzsche atribui criticamente a Descartes a mesma posição filosófica que Hegel acreditava fosse um dos maiores contributos cartesianos à história da filosofia, a saber, a posição da relação necessária entre pensamento e ser (HEGEL, 1986). De acordo com Hegel, Descartes representa um momento crucial no que diz respeito ao incremento progressivo do binômio certeza-verdade. Graças ao filósofo francês, o conhecimento tornar-se-ia, pela primeira vez, uma unidade imediata de pensar e ser.

Em outras palavras, a partir da mediação cartesiana a totalidade dos entes não é mais considerada no seu isolamento abstrato, como uma objetividade independente do sujeito que a pensa, mas através do horizonte posicional autor-reflexivo do cogito. Embora a autêntica identidade de certeza e verdade esteja afirmada só na auto-compreensão mediata do espírito, a ligação entre o pensamento e o ser é contudo garantida, após Descartes, na sua imediatez. Descartes pode ser então considerado o ponto de partida de uma nova era na história da filosofia, ao ter reconduzido formalmente o estatuto do real no domínio representativo do sujeito. A mesma consideração será confirmada também por Schelling nas suas lições de Munique sobre a história da filosofia moderna (SCHELLING, 2013).

Ora, à luz da breve apresentação da interpretação hegeliana, é preciso reconhecer a substancial proximidade da leitura da cogitatio cartesiana desenvolvida por Nietzsche. De fato, também para ele Descartes representa o pensador da razão e o fundador de uma nova perspetiva, o filósofo que teria colocado o sujeito no centro da representação. A diferença tem a ver apenas com o valor a ser atribuído à empresa cartesiana: se para Hegel o cogito de Descartes consegue reconduzir positivamente, pela primeira vez, o ser ao pensamento, para Nietzsche, ao contrário, afasta o homem da compreensão da sua própria natureza e da fisiologia que a compõe. Portanto, o que merece ser salientado é que, apesar do diferente juízo de valor a ser conferido à viragem cartesiana, Nietzsche acaba por compartilhar a mesma abordagem hermenêutica da tradição idealista - a mesma abordagem que será canonizada, em um contexto teórico ainda diferente, pelo próprio Heidegger, e que irá representar o termo de comparação da crítica ao paradigma da subjetividade desenvolvida, sobretudo na área francesa, na segunda metade do século XX.

A questão agora é estabelecer se a imagem de Descartes como pensador do primado do sujeito, pai iniciador da modernidade e do racionalismo moderno, é verdadeira. Se assim não for, como Descartes é considerado universalmente o fundador da filosofia moderna, torna-se legítimo perguntar-se se não é de fato a nossa ideia de modernidade filosófica que precisa ser repensada. Nesse sentido, a interpretação de Nietzsche nos ajuda, como termo negativo de comparação, a refletir mais uma vez sobre o lugar ocupado por Descartes no processo que levou à fundação da modernidade. Com efeito, como veremos na próxima seção, o Descartes de Nietzsche é um fantasma historiográfico herdado do pensamento idealista, uma máscara funcional à reconstrução de uma determinada tradição filosófica. Se prestarmos atenção à recepção da reflexão cartesiana, não é difícil perceber que Descartes não foi logo ou somente interpretado, entre os seus contemporâneos, como o filósofo do sujeito, mas sim como o pensador que radicalizou a extensão da onipotência divina, pondo em perigo o caminho intelectual que deveria levar à certeza filosófica e a um conhecimento sólido e garantido. Para encontrar uma confirmação dessa abordagem, é preciso nos deter nas primeiras etapas das Meditações de Descartes.

4. Para além do sujeito cartesiano: o poder divino e a dadidade do cogito

O caminho que o cogito percorre para alcançar a certeza de si mesmo não é indiferente para decidir do sucesso da sua empresa. A este respeito, a primeira meditação, onde Descartes apresenta as razões que o levaram à dúvida hiperbólica, não é só fruto de uma ficção metodológica para produzir um suspense narrativo. Pelo contrário, é o lugar onde o filósofo francês carrega sobre os seus ombros o peso de uma longa tradição. As etapas da primeira meditatio são bastante conhecidas, e não adianta nos deter sobre todas as passagens7. É preciso apenas considerar o momento em que Descartes menciona, no momento em que põe em causa todas as certezas anteriores, a existência de uma “velha opinião” (“vetus opinio”) (DESCARTES, 1996, AT, VII, p.21).

Depois de ter discutido as razões para duvidar do mundo sensível, Descartes introduz, de repente, a possibilidade-limite representada pelo conteúdo desta “vetus opinio”: em breve, haveria um “Deus que tudo pode” (“qui potest omnia”), e que poderia subverter a ordem do conhecimento humano, incluindo as verdades mais certas, como as da matemática. As oportunidades proporcionadas por esse Deus, que será identificado como “Enganador”, sublinham a possível fragilidade da razão humana. Com efeito, a razão revela-se frágil porque o conteúdo dessa “velha opinião” não é estabelecido pela cogitatio do homem, mas é recebido e acolhido pela pessoa que duvida. Em outras palavras, a relação entre o cogito e o “Deus que tudo pode” é dádiva. Portanto, a suposta transcendentalidade da cogitatio cartesiana é comprometida ab origine: a dúvida não pode tornar-se hiperbólica se não por causa de uma alteridade radical - isto é, um Deus onipotente e, por isso, eventualmente enganador - que precede e funda o iter dubitativo.

Conforme a indicação de Marion (1996, p.31), “antes de ser coisa pensante, o ego existe como enganado e persuadido, como coisa pensada - res cogitans cogitata. Assim, a primeira verdade, ego sum, ego existo, não diz a primeira palavra. Ela a ouve”. O ego cogito de Descartes pode então pensar porque já pensado; ele pode querer porque já querido. O espaço da sua meditação é já delineado pela onipotência de um Deus que poderia impossibilitar qualquer conquista cognitiva. Ora, se a existência dessa alteridade precede o pensamento humano, ao torná-lo possível, como pode o homem garantir-se, isto é, assegurar a necessidade intrínseca do seu próprio conhecimento?

Essa questão tira toda a sua força e dramaticidade da ligação entre o Deus que “potest omnia” da primeira meditação e o Deus criador das verdades eternas (WILSON, 1978, p.34; JANOWSKI, 2000, p.57). Não estamos afirmando que o Deus Enganador corresponde, sic et simpliciter, à transposição narrativa do Deus que cria, de maneira indiferente e incompreensível, as verdades eternas. Porém, o que é preciso sublinhar é que o domínio de possibilidades à disposição desse Deus só podia surgir a partir das considerações cartesianas sobre a natureza criada das verdades eternas. Aliás, a ideia de que Deus não estivesse, na sua ação, necessariamente ligado - tal como o Deus Enganador da meditatio I - a qualquer modelo eterno, torna-se compreensível só ao considerar os lugares textuais onde Descartes refere-se à sua teoria da livre criação das verdades. Com efeito, é precisamente ali que o filósofo afirma repetidas vezes que Deus é o fundamento arbitrário de qualquer paradigma lógico ou moral, sendo a razão do verdadeiro e do bom (“ratio veri et boni”) (DESCARTES, 1996, AT, V, p.223-224; AT, VII, p.435-436). Por conseguinte, é só à luz do Deus criador das verdades eternas que podia surgir, sem ser logo desqualificada ou excluída, a possibilidade radical encarnada pelo Deus Enganador.

O que ressalta das primeiras tapas do texto é a fragilidade da cogitatio cartesiana. O ego cogito recebe no espaço da sua representação o conteúdo de uma opinião que poderia comprometer o seu conhecimento. O estatuto do cogito é literalmente patológico, ou seja, passivo: é habitado por uma alteridade cujos contornos poderiam mudar os fundamentos da sua própria ordem cognitiva. Nessa altura, seria então razoável esperar uma tomada de posição de Descartes centrada sobre a impossibilidade - lógica, metafísica, moral - de atribuir a Deus o engano. Contudo, Descartes intervém no texto ao livrar-se, de maneira arbitrária, das implicações mais radicais da “vetus opinio”. O filósofo francês afirma: “pode ser que Deus não tenha querido que eu seja enganado assim, pois é considerado sumamente bom” (“At forte noluit Deus ita me decipi, dicitur enim summe bonus”) (DESCARTES, 1996, AT, VII, p.21). As possibilidades decorrentes da hipótese da onipotência do Deus Enganador são recusadas. No entanto, as razões dessa decisão não são ligadas a uma dedução da cogitatio; ao contrário, o conteúdo dessa “velha opinião” é eliminado com um genérico “dicitur”. A saber: Deus “é considerado (dicitur) sumamente bom (summe bonus)”, mas não é apresentada razão alguma para deduzir a impossibilidade de que ele não o seja. É somente graças a dessa premissa, estranha à evolução da dúvida, que Descartes pode eliminar os corolários mais radicais associados à “vetus opinio”.

A decisão cartesiana contradiz assim os pressupostos da dubitatio, como a expressão “dicitur” (“é considerado”) não podia, propriamente falando, nem sequer ser utilizada, dado que nessa fase da meditação o sujeito que duvida tinha decidido recusar qualquer conhecimento prévio. Ao eliminar da cena a possibilidade encarnada por esse Deus, Descartes acaba por modificar, de maneira injustificada, as premissas do caminho dubitativo das Meditações. É só a partir de agora, uma vez eliminada a alteridade radical do Deus Enganador, que o cogito poderá ocupar o centro da representação. Nessa nova perspetiva, o gênio maligno, cujo poder é limitado só à dimensão sensível e não metafísica, será uma figura funcional às exigências do cogito8. De fato, enquanto o gênio maligno é introduzido diretamente por Descartes, e revela-se necessário para conduzir o ego cogito à certeza de si mesmo, o Deus Enganador era uma presença incômoda que se impunha à cogitatio e que podia destituir o projeto de fundação da certeza cartesiana - ele representava, em outros termos, a sombra lançada sobre a clareza e distinção das ideias cartesianas.

Deixando de lado a questão das diferenças entre o Deus Enganador e o gênio maligno e a continuação das Meditações, o que nos propúnhamos sublinhar é a alteridade que limita desde sempre a extensão do cogito, e que o impede de abarcar, no espaço, sempre definido, da sua representação, a totalidade do real. Longe de se constituir como o que esgota o ser no pensamento, o ego cogito cartesiano, de acordo com Alquié (2005, p.281), “é ultrapassado pelo ser de todos os lados (est de toute part dépassé par l’être)”. O sum do cogito, o seu fundamento, não é portanto a sua disposição; é o cogito a ser ultrapassado infinitamente por um ser que, se seguirmos as indicações de Descartes sobre o Deus criador das verdades presente atrás da hipérbole do Deus Enganador, poderia subverter do interior a necessidade das suas humanas razões. Por conseguinte, o ego cogito toma a palavra a partir de um lugar determinado, nunca necessariamente garantido, e é só excluindo da cena das Meditações a onipotência radical daquele Deus que o sujeito cartesiano consegue encontrar a própria certeza. Apesar das interpretações do idealismo alemão e do próprio Heidegger, o percurso das Meditações não é então a descrição de um pensamento que se apropria imediatamente da condição do seu ser, mas sim um caminho para esconder as marcas da sua constitutiva fragilidade.

5. Uma potência para além do bem e do mal

À luz dessas considerações, é difícil não ver como o Descartes dos comentários acima discutidos não é mais do que uma máscara para justificar e legitimar a reconstrução histórica e filosófica dos diversos pensadores. A este respeito, a falta nietzschiana de compreensão da filosofia cartesiana não tem nada a ver com as razões apresentadas por Heidegger. A questão não é que Nietzsche não tenha entendido a continuidade entre si e Descartes, entre o valor incondicional a ser atribuído à vontade de potência e o sujeito cartesiano. Na verdade, o que Nietzsche, na mesma linha que será própria de Heidegger, não tinha compreendido é que o ego cogito de que fala e critica é um espectro historiográfico, isto é, uma imagem que não pertence, pelo menos nesses termos, à reflexão de Descartes. Portanto, a incompreensão de Nietzsche sobre Descartes corresponde à errada interpretação de Heidegger sobre Descartes: ambas essas leituras, tal como a idealista, situam-se na mesma linha, a saber, na convicção de que o sujeito cartesiano é centro e dominus da modernidade.

Ora, pôr em causa essa interpretação - partilhada, apesar das diferenças específicas, por todos os autores citados - significa pôr novamente em questão os cânones da filosofia moderna, como a cristalização dessa abordagem tem consequências no que respeita às diversas perspetivas teóricas com as quais relemos a emergência do paradigma da modernidade. Como tentamos salientar, Descartes não é, ou não é simplesmente, o pensador do ego cogito, do papel central atribuído à subjetividade, mas é também o filósofo que pensou com a maior radicalidade possível a onipotência divina. A reflexão cartesiana sobre a extensão do poder de Deus acaba assim por sublinhar a natureza finita do sujeito, a sua fragilidade intrínseca. Por isso, se indagarmos a recepção do pensamento cartesiano através desse assunto, podemos logo constatar a enorme importância que os mais importantes filósofos do século XVII - Leibniz, Malebranche, Espinosa, entre outros - atribuíram, precisamente a partir da teoria cartesiana das verdades eternas9, à questão da ligação entre a potência absoluta de Deus e a contingência do conhecimento humano.

O centro do debate não estava só focado sobre o papel desempenhado pelo ego cogito, mas sobre as modalidades de preservar e defender a certeza do saber perante o Deus cartesiano. Portanto, apesar das abordagens mais tradicionais analisadas anteriormente, a modernidade filosófica não pode continuar a ser considerada, como se nada fosse, a época da substituição do problema - metafísico - de Deus pela centralidade do sujeito. Se houver algo como um sujeito, é só à sombra de um Deus, criador da existência e da essência moral e metafísica das coisas, que se revela mais livre e onipotente do que seu precursor medieval. A modernidade não corresponde então à época da legitimação e auto-afirmação da razão (BLUMENBERG, 1974), mas àquela conjuntura teórica em que a ratio do homem procura esconder ou mitigar a sua própria finitude, tentando encontrar um fundamento interpretado como garantia. Nesse sentido, a modernidade filosófica poderia ser interpretada como um processo de asseguração, uma tentativa de fazer face aos pressupostos e, sobretudo, às consequências do Deus cartesiano.

A este respeito, de fato, a atenção dos maiores filósofos e teólogos do período dirigia-se em particular à extensão e às prerrogativas do Deus definido por Descartes. As suas preocupações estavam ligadas ao sistema de atributos delineado pelo filósofo francês: em vez de ser o Deus livre, bom e sábio da tradição medieval, o Deus cartesiano era, acima de tudo, um Deus onipotente, indiferente10 e incompreensível11 - de acordo com Sartre (1947, p.305), “a mais livre entre as divindades forjadas pelo pensamento humano”. Em suma, um Deus-potentia para além, literalmente, do bem e do mal.

Essa última consideração lembra, não por acaso, um aspecto fundamental do pensamento de Nietzsche. Naturalmente, não estamos afirmando que a reflexão nietzschiana representa a continuação ou o desenvolvimento da intuição de Descartes. Não tendo tido um acesso direto aos textos cartesianos, Nietzsche não podia conhecer, e talvez recuperar, esse Descartes, sobretudo por causa da manta interpretativa que estava depositada sobre a imagem do filósofo francês. Por essa razão, as suas observações não podiam senão ser críticas e orientadas à desconstrução de uma abordagem que nunca pertenceu, como vimos, à letra do texto cartesiano. Tratar-se-ia, ao contrário, de uma oportunidade perdida. Com efeito, o que Nietzsche teria podido aproveitar, embora no horizonte da absoluta imanência, era o esforço cartesiano de libertar a criação - no seu caso, divina - de qualquer modelo lógico, metafísico e moral pré-determinado, isto é, a tentativa de livrar o domínio da ação de Deus dos paradigmas eternos que sempre tinham acompanhado, e em parte vinculado, a sua onipotência.

Em outros termos, Nietzsche teria podido apreciar a ideia cartesiana de tornar Deus um verdadeiro criador absoluto, livre de qualquer vínculo, mas só para derrubar e inverter, no reino imanente do sujeito, essa abordagem, ao atribuir essas divinas prerrogativas à potência da vontade humana. Aliás, é o próprio Zaratustra a afirmar, nas ilhas bem-aventuradas (NIETZSCHE, 2011, p.83): “que haveria para criar, se houvesse - deuses!”. Para permanecer “fiéis à terra” (NIETZSCHE, 2011, p.14), como nos convida a máscara filosófica e literária do filósofo alemão, é preciso então operar a transposição, no plano da imanência, do que Descartes limitou-se a colocar na essência incompreensível e absolutamente transcendente de Deus. A vontade de potência de Nietzsche pode assim ser considerada como a tradução, no âmbito de uma radical imanência, da vontade do Deus cartesiano, criador das verdades eternas, ratio veri e ratio boni e, por isso, para além do bem e do mal.

Para concluir, apesar da interpretação de Heidegger e de uma leitura que continua ainda a impor-se na historiografia, a vontade de potência do sujeito nietzschiano não pode ser considerada como a prossecução radical do pensamento de Descartes, assim como não tem nada a ver com o ego cogito cartesiano, e não pode certamente ser ligada à fragilidade de um sujeito que, para pensar, precisa ser pensado, e para querer precisa, antes de tudo, ser querido.

Referências

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1 A este respeito, veja-se DE BIASE, 2006; MARION, 1986.

2Sobre a subjetividade cartesiana como modelo para compreender a noção de sujeito em Nietzsche, veja-se também, embora em um contexto diferente, WIENAND, 2015.

3A tradução dos fragmentos de 1885 é nossa e baseia-se na edição de Giorgio Colli e Mazzino Montinari: NIETZSCHE, 1975.

4A única verdadeira exceção é a seguinte: NIETZSCHE, 2007, p.19: “No tocante aos animais, foi Descartes quem, com audácia admirável, primeiramente ousou compreender o animal como máquina: toda a nossa fisiologia se empenha em demonstrar essa tese. E coerentemente não situamos o homem à parte, como Descartes ainda fez: o que hoje entendemos do homem vai exatamente até onde ele é entendido como máquina”.

5Sobre esse assunto, veja-se ONATE, 2000.

6A este respeito, veja-se MORANI, 2007.

7Para uma análise mais aprofundada de todas as passagens da primeira meditação, veja-se KAMBOUCHNER 2005.

8A bibliografia sobre as diferenças entre o Deus Enganador e o gênio maligno é muito ampla: veja-se, entre muitos outros, o seguinte contributo: GREGORY, 1974.

9A este respeito, veja-se, por exemplo, NADLER, 2010.

10Cf. DESCARTES, 1996, AT, I, pp.145-146; AT, I, p.150; AT, VII, p.9; AT, VII, p.55

11Cf. DESCARTES 1996, AT, VII, pp.416-417; AT, IV, pp.118-119; AT, VII, pp.431-436.

Recebido: 17 de Novembro de 2020; Aceito: 30 de Dezembro de 2020

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