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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.34 no.72 Uberlândia set./dez 2020  Epub 03-Fev-2022

https://doi.org/10.14393/revedfil.v34n72a2020-53704 

Artigos

A metafísica de Os Princípios da Matemática de Russell e a controvérsia à respeito da suposta semelhança entre essa metafísica e a ontologia meinongiana

Russell’s The Principles of Mathematics metaphysics and the controversy over the supposed similarity between this metaphysics and the meinongian ontology

La metafísica de Los Principios de las Matemáticas de Russell y la controversia sobre la supuesta similitud entre esta metafísica y la ontología meinongiana

Eduardo Antônio Pitt* 
http://orcid.org/0000-0002-0728-3758

*Doutorando em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), sob orientação do Prof. Dr. João Vergílio Gallerani Cutter. Professor de Filosofia do Curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail: epitt26@yahoo.com.br


Resumo

No presente artigo, objetiva-se apresentar as principais características da metafísica do realismo lógico, desenvolvido por Russell em Os Princípios da Matemática, de 1903, e, principalmente, analisar a controvérsia sobre se os princípios dessa metafísica podem realmente ser interpretados como semelhantes aos princípios da ontologia meinongiana. São comparados os pontos de vista opostos dessa controvérsia à luz dos trechos de Os Princípios da Matemática que supostamente comprometeram Russell de ter elaborado uma gramática filosófica na qual todo e qualquer nome próprio ou descrição definida, ocupando a posição de sujeito lógico nas proposições, referem-se a objetos com alguma categoria de Ser. Ao realizar tal análise, conclui-se que o problema central diz respeito aos nomes próprios vazios e que, portanto, a metafísica de Os Princípios da Matemática expressa uma perspectiva instável da teoria da denotação de Russell.

Palavras-chave: Russell; Ser; Existência; Significado

Abstract

This article aims to present the main characteristics of the metaphysics of logical realism, developed by Russell in The Principles of Mathematics, of 1903, and, mainly, to analyze the controversy about whether the principles of this metaphysics can really be interpreted as similar to the principles of meinongian ontology. The opposing points of view of this controversy are compared in the light of the excerpts from The Principles of Mathematics that supposedly committed Russell to having elaborated a philosophical grammar in which all and any proper names or definite descriptions, occupying the position of logical subject in the propositions, refer to objects with some category of Being. In carrying out such an analysis, it is concluded that the central problem concerns empty proper names and that, therefore, the metaphysics of The Principles of Mathematics expresses an unstable perspective of Russell’s theory of denotation.

Keywords: Russell; Being; Existence; Meaning

Resumen

Este artículo tiene como objetivo presentar las principales características de la metafísica del realismo lógico, desarrollada por Russell en Los Principios de las Matemáticas, de 1903, y, principalmente, analizar la controversia sobre si los principios de esta metafísica pueden realmente interpretarse como similares a los principios de la ontología meinongiana. Los puntos de vista opuestos de esta controversia se comparan a la luz de los extractos de Los Principios de las Matemáticas que supuestamente comprometieron Russell a haber elaborado una gramática filosófica en la que todos y cualquier nombre propio o descripción definida, ocupando la posición de sujeto lógico en las proposiciones, se refieren a objetos con alguna categoría de Ser. Al realizar tal análisis, se concluye que el problema central concierne a los nombres propios vacíos y que, por lo tanto, la metafísica de Los Principios de las Matemáticas expresa una perspectiva inestable de la teoría de la denotación de Russell.

Palabras clave: Russell; Ser; Existencia; Significado

Introdução

Russell, na obra The Principles of Mathematics1, de 1903, apresentou uma articulação muito engenhosa entre as técnicas da lógica matemática e os princípios metafísicos do realismo lógico desenvolvidos conjuntamente com Moore ao longo de 1898, quando ambos romperam com o neo-hegelianismo. Este foi um movimento filosófico que predominou na Inglaterra no fim do século XIX e caracterizou-se pela inspiração no idealismo alemão como contraponto metafísico diante o avanço do naturalismo e do materialismo, que se desenvolveram rapidamente no continente europeu, dominando o cenário acadêmico, principalmente depois da morte de Hegel em 18312. Nesse sentido, uma vez que Russell graduou-se em Cambridge entre o ano de 1890 e o ano de 1894, ele foi fortemente influenciado por aquele ambiente acadêmico e desenvolveu, até meados de 1898, o projeto inacabado da dialética das ciências, fundamentado na sua filosofia idealista pluralista e na sua teoria das relações internas3.

A nova filosofia que Moore e Russell apresentaram foi fortemente identificada com o realismo lógico, pois se caracterizou pelas teses antinaturalistas, antipsicologistas e pela crença em uma objetividade a priori como característica de entidades lógicas objetivas, atemporais e imutáveis que têm Ser acima de qualquer eventual possibilidade de existirem no espaço e no tempo4. Assim, The Principles of Mathematics é a principal obra que marcou essa nova fase do pensamento de Russell, na qual se encontram intimamente relacionados o argumento logicista - que consiste na tentativa da redução dos princípios da matemática pura a partir de conceitos fundamentalmente lógicos - com a metafísica realista e atomista do realismo lógico. Contudo, a transição do neo-hegelianismo para o realismo lógico não ocorreu de forma imediata, tendo em vista que essa transformação exigiu alguns anos de esforço e amadurecimento intelectual da parte de Russell.

Primeiramente, Russell precisou inteirar-se dos avanços das teorias matemáticas do séc. XIX e leu, por exemplo, os trabalhos de Whitehead, De Morgan e outros, a partir dos quais pôde aprofundar seus conhecimentos em relação a aritmetização do cálculo matemático. Russell, gradativamente, entendeu a importância e a profundidade dos trabalhos de matemáticos como Weierstrass, Cantor, Dedekind, entre outros, sobre a teoria dos números e as noções de infinito e continuidade para a filosofia da matemática. Em linhas gerais, pode-se dizer que a revolução que ocorreu na matemática no séc. XIX foi decorrente da aritmetização da Análise Matemática, que elevou o nível de rigor no cálculo e, consequentemente, o abandono do ponto de vista que a matemática é a ciência da quantidade. Segundo Boyer (1996), a Análise Matemática, entendida como o estudo de processos infinitos, esteve ligada a noção de quantidade desde que Newton e Leibniz associaram a análise das grandezas contínuas às variações de quantidades de comprimentos, áreas, velocidades e acelerações5. Por causa da completa aritmetização da Análise, Russell deu um passo importante na sua pesquisa acerca da fundamentação da matemática, pois abandonou a visão do séc. XVIII de que ela seria a ciência da quantidade desde quando compreendeu que a matemática pura é a ciência das formas livre da intuição geométrica - no sentido de tratar-se de um sistema axiomático, como o de Peano, por exemplo -, prezando pela descoberta de axiomas e pela absoluta correção nas demonstrações6.

Nesses termos, os avanços no campo da matemática pura proporcionaram a Russell a fundamentação teórica necessária para o ponto de vista de que a matemática é incondicionalmente verdadeira independentemente da subjetividade, e isso contrariava a teoria da matemática de Kant - outrora fonte de inspiração de Russell - pois aquela fundamentava a matemática nas intuições a priori da sensibilidade. Portanto, o desenvolvimento da matemática pura no séc. XIX mostrou a Russell que ela era capaz de resolver problemas filosóficos como, por exemplo, as noções engendradas pela noção de infinito.

Por outro lado, Russell teve uma ótima impressão da lógica de Peano e de sua escola. O contato de Russell com a lógica de Peano é datado em 1900 com a participação de Russell no Congresso de Filosofia em Paris. A partir de então, ele ficou impressionado com o poder e o alcance da lógica na fundamentação da matemática pura, ao mesmo tempo que ficou impressionado com o alto grau de rigor que os métodos axiomáticos impunham nas demonstrações. Tudo isso o levou a desenvolver o instrumental lógico simbólico de Peano para outras áreas, principalmente para a lógica das relações.

A partir desse longo desenvolvimento intelectual, Russell, em The Principles of Mathematics, tentou demonstrar que a lógica matemática identificada com a filosofia metafísica do realismo lógico era a única teoria filosófica capaz de responder pelo significado das noções mais fundamentais da matemática pura. Para realizar esse projeto, Russell precisou associar de tal maneira a lógica matemática com a metafísica do realismo lógico que elas se tornaram homogêneas na obra The Principles of Mathematics. Portanto, antes de se analisar a polêmica em torno da suposta ontologia meinongiana do realismo lógico defendido por Russell em 1903, faz-se necessário analisar as principais características metafísicas e epistemológicas que permearam The Principles of Mathematics.

As noções fundamentais da metafísica de The Principles of Mathematics

Russell, em 1898, no manuscrito An Analysis of Mathematical Reasoning, apresentou uma taxonomia de proposições7, elaborada a partir de uma teoria dos termos muito próxima às teses que Moore apresentou naquele ano no artigo “The Nature of Judgment”. Contudo, ao mesmo tempo, nesse manuscrito, Russell ainda defendeu a sua teoria das relações internas de tal forma que a sua análise das proposições da aritmética não classificou as relações como termos irredutíveis e autossubsistentes como os demais termos da gramática filosófica. Como dito anteriormente, Russell abandonou a teoria das relações internas depois desse manuscrito de 1898, e isso significou uma transformação na sua teoria metafísica da filosofia da matemática, pois a sua metafísica dos termos foi ampliada de tal maneira que a análise da gramática filosófica assumiu a irredutibilidade e a autossubsistência das relações. A referência a Moore em The Principles of Mathematics refere-se, especialmente, a esse aspecto particular da reviravolta da filosofia de Russell, como se pode ver no seguinte trecho:

Em questões fundamentais da filosofia, minha posição, em todas as suas principais características, deriva do Sr. G. E. Moore. Aceitei sua concepção sobre a natureza não existencial das proposições (exceto as que afirmam existência) e a independência delas de qualquer mente que conhece; também o pluralismo que considera o mundo, tanto o dos existentes quanto o das entidades, como composto por um número infinito de entidades mutuamente independentes, com relações que são últimas e não redutíveis a adjetivos de seus termos ou do todo que estes termos compõem. Antes de aprender esses pontos de vista com ele, eu me vi completamente incapaz de construir qualquer filosofia da aritmética, enquanto a aceitação deles provocou uma libertação imediata de muitas dificuldades que eu considero, de outro modo, insuperáveis. (RUSSELL, 1903, p. xviii, tradução nossa)8.

O trecho acima mostra que Russell em The Principles of Mathematics deu um passo além do que tinha dado em An Analysis of Mathematical Reasoning, pois conjuntamente com Moore, passou a defender uma metafísica na qual o fundamento último da explicação da realidade é um completo atomismo de termos autossubsistentes, no sentido de que a realidade é constituída por conceitos e proposições com total independência da mente do conhecedor. Dessa forma, a principal característica do realismo lógico foi o status ontológico que Moore e Russell delegaram a essas entidades, pois os conceitos e/ou termos e as proposições foram considerados entidades lógicas objetivas, atemporais e imutáveis, que têm Ser acima de qualquer eventual possibilidade de existirem no espaço e no tempo.

No entanto, Russell desenvolveu essa perspectiva elaborando uma gramática filosófica que não se encontra na teoria da proposição de “The Nature of Judgment” de Moore. Entende-se que o uso da lógica matemática como uma ciência universal pressupôs muito da metafísica de The Principles of Mathematics, tendo em vista que a linguagem lógica se aplicaria a entidades que estão incondicionalmente fora do espaço e do tempo. A premissa colocada pelo realismo lógico, em relação à constituição da realidade como uma pluralidade de termos mutuamente independentes e com relações irredutíveis aos adjetivos desses termos, visou estabelecer de forma definitiva a natureza exterior dos objetos em relação à mente do conhecedor. Do ponto de vista epistemológico, na visão de Russell, a mente não cumpria qualquer função na constituição dos termos da realidade, pois a separação radical entre a mente e o objeto não deixou papel algum a ser cumprido pela mente, no sentido de colocar condições a aquilo que se pode conhecer ou estar em familiaridade. Portanto, o logicismo de The Principles of Mathematics foi um forte argumento contra as filosofias da matemática da época, porque Russell pretendeu demonstrar que a matemática pura, uma vez reduzida a leis puramente lógicas, também era uma ciência absolutamente verdadeira e completamente independente das condições restritivas das mentes.

Na época de The Principles of Mathematics, Russell pareceu não estar preocupado em aprofundar as discussões sobre epistemologia ou em elaborar alguma teoria complexa sobre o processo de conhecimento dos objetos. Não obstante, pode-se considerar, conforme Hylton (1990 e 2005), que Russell deu indicações de ter como pressuposto que a relação entre a mente e o objeto seria algo trivial, melhor dizendo, a relação entre a mente e o objeto seria direta e imediata. No Prefácio de The Principles of Mathematics, Russell tratou brevemente dessa noção, apresentando a seguinte descrição, na qual sugere que a mente tem de entrar em um tipo de relação especial com o objeto exterior a ela para que possa ter conhecimento dele.

A discussão dos indefiníveis - que constitui a parte principal da lógica filosófica - é o esforço de ver claramente, e fazer com que os outros vejam claramente, as entidades envolvidas, para que a mente possa ter o mesmo tipo de familiaridade com elas que possui com a vermelhidão ou com o gosto do abacaxi. (itálico nosso) (RUSSELL, 1903, p. xv, tradução nossa)9.

A descrição é um tanto inusitada, mas a simplicidade da explicação elucida bastante o que Russell estava querendo dizer sobre o tipo de familiaridade que a mente tem com o objeto conhecido. Em primeiro lugar, considera-se que Russell, na época em que escreveu The Principles of Mathematics, já fazia uso da noção de familiaridade10, mesmo que de forma genérica e irrestrita, pois nessa época a noção de familiaridade não possuía ainda a relevância filosófica que passaria a ter nos anos subsequentes da sua filosofia. Nesse aspecto, concorda-se com Wahl, quando este afirma o seguinte “a primeira teoria dos conceitos denotativos de Russell andava de mãos dadas com o princípio de familiaridade, [...]” (WAHL, 2007, p. 7, tradução nossa)11. Contudo, vale a pena destacar que a noção de familiaridade cumpriu ali um papel de coadjuvante em um cenário onde o principal objetivo era eliminar qualquer ação da mente na constituição dos objetos do conhecimento. Se quiser ir além, o fato de Russell não ter elaborado a noção de familiaridade da forma que fez nos anos seguintes pode ser explicado levando em conta a trivialidade da relação, ou seja, entendendo que a mente é completamente passiva e possui um caráter puramente receptivo na relação com os objetos do conhecimento. Logo, se a mente estabelece com o objeto apenas uma relação de conhecimento e nunca de agente reguladora da sua natureza, então pode-se pensar que Russell deva ter considerado trivial essa relação e não viu a necessidade de colocar restrições no Princípio de familiaridade.

Hylton enfatiza o aspecto trivial da noção de familiaridade presente em The Principles of Mathematics, dizendo que “nada precisa ou pode ser dito sobre como conhecemos apenas conhecemos; portanto, minha ênfase na relação ser ‘direta’ e ‘imediata’” (HYLTON, 1990, p. 111, tradução nossa)12. A forma que Hylton explica a relação de familiaridade tenta deixar claro o caráter indubitável da relação epistêmica entre a mente e o objeto, pois o fato de a relação epistêmica ser direta e não evidencial significa que não faz sentido perguntar “que evidências temos?” para dizer que se conhece algo, quando esse conhecimento é por familiaridade. Consequentemente, a natureza passiva e receptiva da mente na relação de familiaridade diz muito sobre o antipsicologismo de Russell, pois, ao esvaziar as funções da mente em relação à constituição da realidade, ele deixou o caminho aberto para considerar as entidades lógicas como autossubsistentes e imunes às restrições da mente.

Em segundo lugar, a forma como Russell se expressou na citação acima deixou margem para supor-se que a noção de familiaridade utilizada em The Principles of Mathematics era uma noção irrestrita. Pelo fato de Russell não ter desenvolvido uma teoria epistemológica complexa nessa obra, fica-se carente de explicações sobre o que realmente significou a mente ter a capacidade de ter familiaridade com objetos de naturezas diferentes. A citação anterior é justamente inusitada porque parece que Russell entendeu que a mente seria capaz de ter familiaridade com fenômenos como cores e sabores de frutas, mas, ao mesmo tempo, com fenômenos do tipo dos objetos abstratos matemáticos, como algumas proposições, as relações, as variáveis etc. Dessa forma, o significado da noção de familiaridade apresentado por Russell transmitiu o recado que a mente é uma receptora passiva capaz de ter familiaridade, portanto, capaz de ter conhecimento direto e imediato com uma pluralidade de objetos independentes de forma irrestrita.

Talvez o caso paradigmático seja o das proposições. No entender de Russell, apesar da realidade ser constituída por uma pluralidade de termos independentes uns dos outros, eventualmente ou quase sempre, esses termos formam complexos proposicionais passíveis de serem percebidos pelas mentes. Portanto, a maneira como a mente entra em familiaridade com esses objetos sempre se dá por meio de proposições. Isso significa dizer que se pode ter familiaridade com algum número por meio de alguma proposição do tipo /Há um número primo par/. Pode-se ter familiaridade com alguma qualidade de algum objeto por meio de proposições do tipo /Sócrates é sábio/. Mas também se pode ter familiaridade com relações entre objetos através de proposições do tipo /Dois é menor do que cinco/. Em suma, na visão de Russell, a realidade, no sentido geral do termo, é constituída por proposições verdadeiras e proposições falsas com as quais temos familiaridade, porém os fatos que se apresentam à percepção, dão-se sob a forma de proposições verdadeiras. Sendo assim, essa tese metafísica explica a forma como a teoria do realismo lógico postulou a proposição verdadeira como um fato da realidade e descartou a explicação da Verdade segundo alguma correspondência entre ambos.

Para exemplificar essa perspectiva do realismo lógico, vale citar um trecho de “The Nature of Judgment”, que fornece alguma explicação da natureza da relação perceptiva com as proposições existenciais. Segundo Moore, “parece agora que a percepção deva ser considerada filosoficamente como o conhecimento de uma proposição existencial; [...]” (MOORE, 1898, p. 183, tradução nossa)13. Ou seja, o pensamento subjacente à fala de Moore (e não se tem motivos para duvidar que Russell pensasse o mesmo) é que se conhece os fenômenos por meio da relação de familiaridade que as mentes estabelecem com as proposições e com os objetos que são os seus constituintes. Nesse sentido, Russell elaborou uma gramática filosófica em The Principles of Mathematics com o objetivo de desenvolver uma lógica correta e de desenvolver uma teoria capaz de classificar todas as ocorrências lógicas dos constituintes das proposições com as quais se tem familiaridade.

O interesse de Russell em tal procedimento não se deu meramente pela intenção de elaborar uma filosofia da linguagem ordinária ou tampouco de desenvolver uma lógica que meramente manipulasse sinais e não expressasse conteúdo objetivo algum. Ao contrário, a razão para tal procedimento é que, em 1903, Russell acreditou que a sentença espelhasse fielmente a forma lógica da proposição que ela expressa. Por isso, uma forma confiável de entender o funcionamento lógico dos constituintes das proposições seria por meio da análise das posições que as palavras ocupam no interior das sentenças. A estratégia era desenvolver uma gramática filosófica que correspondesse às ocorrências das entidades não linguísticas que constituíam a proposição. Russell, em certa medida, deu sinais de estar interessado em tal procedimento, conforme observamos na seguinte declaração.

A correção de nossa análise filosófica de uma proposição pode, portanto, ser utilmente verificada pelo exercício de atribuir o significado de cada palavra na sentença que expressa a proposição. No geral, a gramática me parece muito mais próxima de uma lógica correta do que as opiniões atuais dos filósofos; e no que se segue a gramática, embora não seja a nossa mestra, ainda será tomada como nossa guia. (RUSSELL, 1903, p. 42, tradução nossa)14.

Quando se pensa em gramática ou em análise gramatical, refere-se geralmente ao conjunto de regras que prescrevem a maneira correta de utilizar qualquer língua, seja na forma escrita, seja na forma falada. Todavia, é de suma importância ter clareza e reconhecer que as sentenças das diferentes línguas e suas respectivas gramáticas são frutos de evoluções culturais oriundas de convenções e desenvolvimentos históricos. Nesse sentido, quando alguém pronuncia ou afirma cotidianamente alguma sentença, essa pessoa estabelece com a respectiva sentença, a entidade linguística, uma relação psicológica, pragmática, comportamental, temporal etc.

Seguramente não era esse o objeto do estudo de Russell, e, de fato, o não interesse por essas relações de fundo subjetivo e temporal sustentava a convicção de que a gramática filosófica deveria servir apenas como uma mera guia a ser seguida sem, contudo, assumir a importância de mestra na investigação. O que interessava realmente a Russell era a proposição, pois é a proposição a entidade lógica não linguística que a sentença expressa. Como dito anteriormente, a proposição ocupou um lugar de destaque no realismo lógico de Moore e de Russell. Por isso, o objetivo final foi desenvolver uma análise lógica da proposição, afirmada no sentido lógico atemporal, pois são a essas entidades lógicas que se anexam a Verdade ou a Falsidade, enquanto propriedades lógicas imutáveis. Possivelmente, essa perspectiva levou Russell a considerar a gramática filosófica a melhor guia para a elaboração de uma lógica correta, ou seja, pode ter sido a convicção de que o conhecimento das proposições e a articulação lógica de seus constituintes possa ser elaborado através da análise das sentenças que as expressam.

Como um exemplo do desenvolvimento da teoria dos termos apresentada em An Analysis of Mathematical Reasoning, Russell elaborou em The Principles of Mathematics, a noção de “conceito”, a partir de Moore15, e definiu a noção de “termo” da forma mais abrangente do ponto de vista lógico, metafísico e epistemológico. É a partir da noção de “termo” que Russell desenvolveu a gramática filosófica, a julgar pela posição lógica dos termos no interior das proposições. Russell a apresentou da seguinte forma:

Qualquer coisa que possa ser um objeto de pensamento, ou possa ocorrer em qualquer proposição verdadeira ou falsa, ou possa ser contada como um, eu chamo de termo. Essa, então, é a palavra mais ampla do vocabulário filosófico. Usarei como sinônimas dela as palavras unidade, indivíduo e entidade. As duas primeiras enfatizam o fato de que cada termo é um, enquanto a terceira é derivada do fato que cada termo tem ser, ou seja, é em algum sentido. (RUSSELL, 1903, p. 43, tradução nossa)16.

A natureza ontológica subjacente à noção de termo foi baseada na visão de que necessariamente cada uma das entidades é idêntica consigo mesma e diversa de todas as demais. Essa visão pluralista, atomista e realista dos termos foi o alicerce filosófico do realismo lógico de Moore e Russell, uma vez que cada um dos termos tem Ser no sentido de serem completamente independentes de nós os pensarmos e das suas relações com o espaço e o tempo. Assim, a noção de “termo” na metafísica de The Principles of Mathematics cumpriu a função de caracterizar cada entidade imutável, irredutível e indestrutível que ocorra nas proposições.

Essa forma de caracterizar os termos pode parecer um tanto controversa, pois a mutabilidade das coisas no espaço e no tempo não se ajusta adequadamente bem à tese de que os termos são imutáveis e atemporais. Contudo, a questão pode ser apaziguada se levar-se em consideração que o realismo lógico de Moore e Russell tinha como princípio uma metafísica que incluía os termos em uma única categoria abrangente de tudo o que há, no sentido de terem Ser. Nesse aspecto, a característica principal dessa metafísica é justamente a independência do Ser, mesmo quando os termos possuam, momentaneamente, alguma relação com o conceito de existência ou com algum ponto do espaço ou com algum momento do tempo. Para esclarecer esse aspecto da metafísica do realismo lógico, é preciso destacar a distinção entre as noções de Ser e existência explicada em The Principles of Mathematics.

Ser é aquilo que pertence a todo termo concebível, a todo objeto de pensamento possível, em resumo, a tudo o que possa ocorrer em qualquer proposição, verdadeira ou falsa, e a todas essas proposições. Ser pertence a tudo que pode ser contado. Se A for qualquer termo que possa ser contado como um, é claro que A é algo e, portanto, que A é. [...]. Existência, pelo contrário, é prerrogativa de apenas alguns entre os seres. Existir é ter uma relação específica com a existência - uma relação, a propósito, que a própria existência não possui. (RUSSELL, 1903, p. 449, tradução nossa)17.

Foi dessa forma que Russell tratou todos os termos e qualquer constituinte de proposições, como estando incluídos na mesma categoria ontológica do Ser, pois não havia distinções entre categorias de entidades. Entende-se que não havia espaço para que algum conceito se sobressaísse ontologicamente sobre os demais pelo fato de os termos e as proposições serem entidades objetivas, não mentais e irredutíveis a qualquer explicação que envolvesse as noções de espaço e de tempo. Todos os termos pertenciam ao mesmo patamar ontológico e, da mesma forma, estavam sujeitos a possíveis combinações lógicas por meio de relações irredutíveis e autossubsistentes. A imagem que essa metafísica passa é a de uma realidade constituída por termos e proposições atemporais, imutáveis, independentes entre si e que podem eventualmente existir se, de alguma forma, entrarem em relação lógica com o conceito de existência. A engenhosidade da teoria é algo surpreendente, pois ela permitiu a Moore e a Russell explicarem, sem cair em contradições, de que forma a mutabilidade das coisas se adequava a imutabilidade dos termos. A explicação é encontrada no seguinte trecho de The Principles of Mathematics:

[...] a mudança se deve, em última análise, ao fato de muitos termos terem relações com algumas partes do tempo que não têm com outras. Mas, todo termo é eterno, atemporal e imutável; as relações que ele pode ter com partes do tempo são igualmente imutáveis. É apenas o fato que diferentes termos estão relacionados em diferentes momentos que faz a diferença entre o que existe em um tempo e o que existe em outro. E embora um termo possa deixar de existir, ele não pode deixar de ser; ele ainda é uma entidade, que pode ser contada como uma, e sobre a qual algumas proposições são verdadeiras e outras falsas. (RUSSELL, 1903, p. 471, tradução nossa)18.

Não é o objetivo deste artigo julgar o quanto é convincente a metafísica que subjaz a filosofia de The Principles of Mathematics, porém é interessante refletir sobre os motivos pelos quais Moore e Russell aderiram a ela. E, nesse ponto, Hylton consegue dar uma boa justificativa ao afirmar que “a distinção entre ser e existência é necessária para garantir a objetividade do que não existe no tempo - e assim, em particular, das entidades da matemática. Somente fazendo essa distinção, Russell afirma, podemos evitar o psicologismo” (HYLTON, 1990, p. 172, tradução nossa)19. Hylton tem alguma razão na medida em que a metafísica de The Principles of Mathematics se contrapôs absolutamente ao ponto de vista psicologista justamente porque a explicação desta fundamentava as entidades matemáticas e lógicas a partir das leis inerentes ao pensar, fazendo com que essas entidades fossem de natureza subjetiva e psicológica. Portanto, mesmo que a metafísica de The Principles of Mathematics pareça uma forma extremada de realismo, a distinção entre Ser e existência assegurou tanto à lógica quanto à matemática a natureza pura e a priori. Essa característica foi fundamental para o argumento logicista de Russell, pois a lógica, enquanto uma ciência universal que se aplica a entidades objetivas atemporais, não poderia, em qualquer sentido filosófico, ser reduzida nem a conceitos empíricos e nem a imagens mentais.

Ainda assim, mesmo que o interesse de Russell fosse a proposição, e não as entidades linguísticas, o entendimento de que a forma sentencial reflete a forma proposicional o levou a tratar das relações semânticas entre as palavras e os termos. O risco que se corre ao se tratar dessas relações linguísticas é o fato de ser difícil desassociar os elementos subjetivos do significado do uso das palavras, pois de uma forma geral, nas relações cotidianas, é natural que elementos psicológicos se misturem ao conteúdo das entidades linguísticas. Ciente dessa dificuldade Russell, sabia que “todas as palavras têm significado, no simples sentido de que elas são símbolos que representam algo diferente delas mesmas” (RUSSELL, 1903, p. 47, tradução nossa)20. Todavia, isso não o impediu de separar o significado no sentido lógico do significado no sentido psicológico. Essa é uma característica importante da teoria semântica de The Principles of Mathematics, pois Russell definiu duas noções semânticas de significado. Esse destaque não é novidade entre os comentadores de Russell. Por exemplo, encontra-se em Rodríguez-Consuegra a mesma percepção que corrobora o ponto de vista apresentado:

Um primeiro resultado foi uma distinção importante que geralmente é mal compreendida. Existem dois tipos de significado. O primeiro se aplica às palavras e afirma uma relação psicológica e linguística segundo a qual as palavras representam ou indicam outras coisas ou conceitos que não são símbolos. O segundo se aplica apenas a certos conceitos e afirma uma relação lógica (denotação) entre esses conceitos e coisas, ou seja, consiste na designação ou descrição de um termo por um conceito. (RODRÍGUEZ-CONSUEGRA, 1989-1990, p. 101, tradução nossa)21.

O indício presente no trecho citado acima mostra que Russell tratou de relações psicológicas da linguagem, mas, de forma nenhuma, esse comportamento arruinou as suas pretensões de elaborar uma análise lógica das proposições. Não custa lembrar que o próprio Russell alertara de que a gramática seria utilizada apenas como uma guia para se alcançar as proposições e, com esse objetivo em mente, foi cuidadoso ao distinguir na gramática filosófica as relações semânticas relevantes para a elaboração de uma lógica correta. Contudo, isso não o privou da necessidade de classificar as relações semânticas puramente lógicas daquelas envoltas em elementos psicológicos. Por isso, esses elementos psicológicos que permeiam as relações linguísticas não contaminaram a teoria lógica da proposição de Russell e devem, com certa cautela, serem desconsiderados, porque a linguagem, uma vez estando sujeita à análise, não passa de uma “roupagem linguística” para as legítimas entidades lógicas, que são as proposições.

A seguir, será analisada a controvérsia a respeito da metafísica de Russell de The Principles of Mathematics. A polêmica questiona se Russell endossou ou não uma ontologia semelhante à de Meinong. Através da análise de trechos de The Principles of Mathematics e da opinião de comentadores de Russell, pretende-se chegar a alguma conclusão se realmente Russell defendeu o ponto de vista que cada nome próprio ou cada descrição definida deve necessariamente nomear alguma entidade que exista ou que tenha Ser.

A análise da suposta ontologia meinongiana de The Principles of Mathematics

A polêmica sobre a metafísica de The Principles of Mathematics consiste na discussão a respeito de qual é a melhor maneira de se interpretar alguns trechos dessa obra na qual Russell deu indícios de defender uma metafísica e uma semântica semelhantes à filosofia de Meinong22. É importante deixar claro que a expressão “ontologia meinongiana” está sendo usada para se referir à posição ontológica na qual se assume como princípio semântico que todo e qualquer termo singular, ocupando a posição de sujeito lógico nas proposições, refere-se a objetos com alguma categoria de Ser. O modo como utiliza-se essa expressão é inspirado em Graham Stevens23, uma vez que o autor concebe que:

O meinongianismo, como eu o defini, considera que a falha da referência é uma ilusão. Termos singulares vazios são apenas aparentemente vazios; embora eles não se refiram a nada existente, eles se referem mesmo assim a algo inexistente. Esse algo é uma entidade simplesmente em virtude de ser nomeada. (STEVENS, 2011, p. 51, tradução nossa)24.

No contexto da metafísica de The Principles of Mathematics de Russell, pode-se afirmar que, no centro dessa discussão, estão a noção de termo, a distinção entre Ser e existir e o papel semântico referencial que expressões como os nomes próprios e as descrições definidas cumprem nas proposições. Sendo assim, serão analisadas as interpretações que sustentam essa controvérsia, à luz dos trechos de Russell de The Principles of Mathematics, a fim de compreender os pontos de vistas envolvidos em questão.

As razões para interpretar que Russell, em The Principles of Mathematics, tinha a mesma visão de Meinong, aparentemente, não são poucas. Russell, ao definir a noção de termo como todo possível objeto do pensamento, tornou-a suficientemente abrangente para cobrir qualquer entidade que ocorresse em proposições verdadeiras ou falsas. Assim, se segundo Russell tudo é um termo, à primeira vista, parece não haver restrições metafísicas e semânticas sobre quais entidades podem ocorrer no lugar do sujeito lógico das proposições. Além disso, como um incentivo às interpretações dessa natureza, ainda se tem registrada uma declaração do próprio Russell afirmando ter adotado a perspectiva metafísica e semântica de Meinong antes de ter elaborado a teoria das descrições de 1905.

Outra distinção importante entre nomes e descrições é que um nome não pode ocorrer significativamente em uma proposição, a menos que exista algo que ele nomeie, enquanto uma descrição não está sujeita a essa limitação. Meinong, por cujo trabalho eu tinha um grande respeito, não notara essa diferença. Ele ressaltou que é possível fazer afirmações nas quais o sujeito lógico é ‘a montanha de ouro’, embora não exista nenhuma montanha de ouro. [...]. Confesso que, até me deparar com a teoria das descrições, esse argumento me pareceu convincente. (RUSSELL, 1959, p. 84, tradução nossa)25.

Declarações como essa, somadas às características metafísicas da noção de termo, influenciaram interpretações de alguns acadêmicos26, no sentido de os levarem a construir uma narrativa que colocou Russell como, de fato, um adepto por completo da ontologia meinongiana em The Principles of Mathematics. Talvez a interpretação mais famosa seja a de Quine, em “Russell’s Ontological Development”, de 1966, pois a leitura que ele demonstra ter feito, claramente, colocou Russell como um defensor de uma ontologia intoleravelmente indiscriminada.

Em Principles of Mathematics, 1903, a ontologia de Russell era irrestrita. Cada palavra se referia a algo. [...]. Ora, essa é uma ontologia intoleravelmente indiscriminada. Pois, tome números impossíveis: números primos divisíveis por 6. Deve, em certo sentido, ser falso que existam; e deve ser falso no sentido em que é verdade que existem números primos. Nesse sentido, existem quimeras? As quimeras são tão sólidas quanto os bons números primos e mais sólidas que os primos divisíveis por 6? Russell pode ter pretendido admitir certas quimeras (as possíveis) no reino do ser, e ainda assim excluir os primos divisíveis por 6 como impossíveis. Ou ele pode, como Meinong, ter desejado um lugar até mesmo para os objetos impossíveis. Não vejo que, em Principles of Mathematics, Russell tenha enfrentado essa questão. (QUINE, 1966, p. 658, tradução nossa)27.

Aqueles que, como Quine, interpretaram a metafísica de The Principles of Mathematics com essa perspectiva, certamente, fazem parte de um dos polos dessa polêmica. Ao que parece, segundo esses intérpretes, sustentados pelas próprias palavras de Russell, não restariam dúvidas a respeito da subsistência de certos objetos, nomeados por expressões como “a montanha de ouro”, habitando algum reino platônico do Ser. O raciocínio subjacente a essas interpretações supõe uma irrestrita subsistência de objetos em um reino atemporal do Ser e, se Russell foi um adepto dessa tese metafísica, não haveria motivos para ele rejeitar o princípio semântico de que a falha referencial é uma ilusão. Porém, essa parece ser uma visão enganosa, pois o fato é que em The Principles of Mathematics tem-se explicitamente o reconhecimento de que alguns conceitos denotativos simplesmente não denotam coisa alguma.

Todos os conceitos denotativos, como vimos, são derivados de conceitos-classe; e a é um conceito-classe; quando ‘x é um a’ é uma função proposicional. Os conceitos denotativos associados com a não irão denotar nada quando e somente quando ‘x é um a’ for falso para todos os valores de x. Essa é uma definição completa de um conceito denotativo que não denota nada; e, nesse caso, diremos que a é um conceito-classe nulo e que “todos a’s” é um conceito de classe nulo. (RUSSELL, 1903, p. 74, tradução nossa)28.

Diferentemente do que Quine afirmou, Russell, na citação acima, enfrentou a questão da falha referencial e, como se vê, não a tratou como uma mera ilusão. O reconhecimento da ocorrência de conceitos de classe nulo é um duro golpe na interpretação meinongiana radical de The Principles of Mathematics, pois eliminou a possibilidade de Russell ter se comprometido metafisicamente com objetos impossíveis ou contraditórios. Por exemplo: dado o conceito denotativo /um número primo divisível por 6/, a função proposicional /x é um número primo divisível por 6/ tem como valor uma proposição falsa para todos os valores de x. Sendo assim, o conceito denotativo /um número primo divisível por 6/ é um conceito de classe nulo. Esse resultado, do ponto de vista do projeto de Russell de fundamentar a matemática em termos puramente lógicos, é natural, na medida em que o argumento logicista não poderia ter resultados consistentes se Russell delegasse Ser a números impossíveis ou a objetos logicamente contraditórios.

Russell chegou a esse resultado ao analisar a classe nula. Para Russell, uma classe é sempre uma extensão (finita ou infinita) e, por isso, ela não pode ser vazia, ou seja, não há “classe vazia”. Há conceitos de classe que não denotam nada, por exemplo, /o atual Rei da França/, /a montanha de ouro/, /o círculo quadrado/ etc. Tais conceitos denotativos não denotam a mesma coisa, isto é, esses conceitos não denotam a “classe vazia”, eles simplesmente não denotam nada. Assim, na perspectiva de Russell, é um contrassenso falar em “classe vazia” porque uma classe é constituída por seus componentes e por nada mais. Se não há componentes, não há classe. Se há um só componente, esse único componente é a classe. Se há dois componentes, os dois componentes são a classe etc. Dessa forma, para Russell “classe vazia” é uma contradição em termos, pois se é classe, não pode ser vazia.

Contudo, aqueles que interpretam a metafísica de The Principles of Mathematics como um exemplo de ontologia meinongiana podem sempre apelar aos trechos onde Russell tratou de temas metafísicos gerais a respeito da noção de termo. Hylton, que discorda das interpretações meinongianas de The Principles of Mathematics, explica com propriedade porque é difícil livrar-se dessa polêmica.

A abordagem de Russell da matemática exige que a noção de denotar deve, desde o início, permitir a possibilidade de conceitos denotativos que não denotam nada. Devemos ser capazes de dizer que não há membros de uma determinada classe, que não há um número maior do que todos e assim por diante. [...]. Russell parece, no entanto, perder de vista essa possibilidade nas partes dos Principles em que questões metafísicas gerais estão sendo discutidas. Embora a teoria dos conceitos denotativos permita a Russell, nos Principles, negar que o atual Rei da França tem ser, não há sinal de que ele perceba esse fato. Mais importante, talvez, é que não há sinal de que ele veja qualquer razão para negar ser ao atual Rei da França. Nesse livro, ele está notoriamente disposto a atribuir ser a qualquer suposto objeto que possamos nomear. [...]. Pelo contrário: fora do contexto da matemática, Russell de bom grado afirma que toda expressão que parece se referir a algo se refere de fato a uma entidade real, que tem ser mesmo que não exista no espaço e no tempo. (HYLTON, 1990, p. 241, tradução nossa)29.

Hylton parece adotar um ponto de vista intermediário na polêmica. Ele reconhece que a teoria da denotação de 1903 possuía formas de evitar uma ontologia meinongiana, mesmo sem saber se Russell era consciente disso, porém, ao mesmo tempo, Hylton dá créditos à ideia de que Russell, fora do contexto da matemática, estava disposto a delegar Ser irrestritamente a qualquer tipo de objeto que possa ser nomeado. Por isso, é melhor ir direto à fonte da controvérsia para analisar a natureza do problema. Abaixo, foram reunidos os trechos polêmicos de The Principles of Mathematics para se ter uma visão do todo e facilitar a presente análise.

Um homem, um momento, um número, uma classe, uma relação, uma quimera ou qualquer outra coisa que possa ser mencionada certamente será um termo; e negar que tal e tal coisa seja um termo deve sempre ser falso. (itálico nosso) (RUSSELL, 1903, p. 43, tradução nossa)30.

Todo par de termos, sem exceção, pode ser combinado da maneira indicada por A e B, e se nem A nem B forem muitos, então A e B são dois. A e B podem ser quaisquer entidades concebíveis, quaisquer objetos possíveis de pensamento, podem ser pontos ou números, proposições verdadeiras ou falsas ou eventos ou pessoas, enfim, qualquer coisa que possa ser contada. Uma colher de chá e o número 3, ou uma quimera e um espaço quadridimensional, são certamente dois. Portanto, nenhuma restrição deve ser colocada em A e B, exceto que nenhum deles deve ser muitos. Deve-se observar que A e B não precisam existir, mas devem, como qualquer coisa que possa ser mencionada, ter Ser. (itálico nosso) (RUSSELL, 1903, p. 71, tradução nossa)31.

A não é’ deve sempre ser falso ou sem sentido. Pois, se A não fosse nada, não se poderia dizer que ele não é; ‘A não é’ implica que existe um termo A cujo ser é negado e, portanto, que A é. Assim, a menos que ‘A não é’ seja um som vazio, ele deve ser falso - seja o que for que seja A, ele certamente é. Números, os deuses homéricos, relações, quimeras e espaços quadridimensionais todos têm ser, pois, se não fossem entidades de um tipo, não poderíamos fazer proposições sobre eles. Assim, ser é um atributo geral de tudo, e mencionar qualquer coisa é mostrar que ela é. (itálico nosso) (RUSSELL, 1903, p. 449, tradução nossa)32.

Esses três trechos são os que supostamente comprometeram Russell com a controvérsia em questão e, por isso, são constantemente citados como indícios por aqueles intérpretes que são a favor da leitura da metafísica de The Principles of Mathematics como semelhante à ontologia meinongiana. Contudo, pode-se dizer que ao menos as interpretações mais radicais devem ser descartadas, pois Russell admitiu abertamente a possibilidade de haver conceitos denotativos nulos. Entretanto, ainda é necessário apresentar a interpretação do polo oposto da polêmica e, por conseguinte, entender como essa interpretação explica o que Russell quis dizer quando afirmou que qualquer termo que for mencionado nas proposições tem Ser. Nesse sentido, será apresentada a interpretação feita por Nicholas Griffin (1991 e 1996) referente a esses trechos enigmáticos, tendo em vista que essa leitura parece apresentar-se bastante fiel aos princípios metafísicos de Russell de The Principles of Mathematics.

Na minha interpretação, no entanto, devemos concluir que Russell está se referindo aqui aos próprios conceitos denotativos, não aos termos que parecem denotar. Pois, o próprio conceito denotativo é sempre um termo, embora, a meu ver, frequentemente não exista um termo adicional denotado por ele. Essa leitura da passagem, eu concordo, é tensa na ausência de qualquer indicação explícita de que Russell esteja mencionando conceitos denotativos. No entanto, é de fato o que eu acho que ele quis dizer. (GRIFFIN, 1996, p. 54, tradução nossa)33.

A interpretação oferecida por Griffin34 parece apresentar uma boa solução para a polêmica, ao passo que se mantém fiel aos três trechos citados acima e, concomitantemente, não descaracteriza a metafísica de The Principles of Mathematics, pelo menos para os casos dos conceitos denotativos.

Em primeiro lugar, o fato de haver conceitos denotativos nulos não significa que os conceitos denotativos não são alguma coisa, eles continuam sendo conceitos denotativos, isto é, eles são o significado lógico de expressões denotativas e são os constituintes das proposições. Esse parece ser o pensamento subjacente à afirmação de Russell, “é claro que existe um conceito como nada e que, em certo sentido, nada é alguma coisa” (RUSSELL, 1903, p. 73, tradução nossa)35. Assim, uma sentença como “O atual Rei da França é calvo” não deixa de expressar uma proposição porque o conceito denotativo /o atual Rei da França/ é nulo. O constituinte da proposição é o conceito denotativo /o atual Rei da França/, e é com essa entidade que as mentes possuem familiaridade quando se compreende a proposição /O atual Rei da França é calvo/. Dessa forma, levando em conta a interpretação de Griffin, há fortes indícios de que Russell não se comprometeu com uma ontologia meinongiana porque não há a necessidade de haver um objeto meinongiano que seja nomeado por cada um dos conceitos denotativos nulos. O que Russell parece ter admitido é o Ser do conceito denotativo, e tal compromisso metafísico é condizente com a metafísica de The Principles of Mathematics, pois o conceito denotativo é um termo e, na perspectiva de Russell, cada termo é uma entidade atemporal, eterna, imutável e autossubsistente.

Em segundo lugar, a interpretação de Griffin encontra respaldo nos três trechos citados acima. Apesar de Griffin reconhecer que o ponto fraco da sua interpretação é não haver indícios explícitos de que Russell estava mencionando os conceitos denotativos, estranhamente se encontra em todos os três trechos a explícita indicação de que Griffin reclama estar ausente. Por isso, o itálico nas citações para destacar a presença do termo “mencionar”. É fato que Russell não é totalmente claro em marcar a sua intenção de mencionar os termos exemplificados, mas talvez isso seja de menor importância, dado que Russell fez questão de usar a palavra “menção” nos três trechos citados acima. Esse é um forte indício de que Russell tinha em mente a menção do conceito denotativo, e não o uso dele, pois, do contrário, Russell se comprometeria a ter que responder qual seria o objeto nomeado quando usamos a expressão denotativa “o atual Rei da França” ou “a montanha de ouro”. Portanto, a interpretação de Griffin para os conceitos denotativos, talvez, seja mais razoável do que a leitura que associa uma completa ontologia meinongiana para The Principles of Mathematics.

Porém, não se pode dar a polêmica como resolvida porque o caso mais complicado de se chegar a alguma conclusão ainda não foi analisado. A questão que merece a maior atenção, pois talvez nela se concentre a verdadeira controvérsia, são os casos de nomes próprios. O que ajuda a tornar a ocorrência dos nomes próprios realmente complicado é o fato de Russell, nos três trechos citados acima, não ter mencionado nenhum nome próprio. Todos os exemplos mencionados por Russell foram de conceitos denotativos, e não se encontrou, em nenhum lugar de The Principles of Mathematics, uma declaração de Russell do tipo: o nome “Apolo” indica um objeto que tem Ser ou subsiste em algum reino platônico. Decerto, o que era indiscutível para Russell, na gramática filosófica de The Principles of Mathematics, era que os nomes próprios indicam os seus termos diretamente e não possuem significados como os conceitos denotativos. Abaixo dois trechos que comprovam a afirmação em tela:

Entre os termos, é possível distinguir dois tipos, que chamarei respectivamente de coisas e conceitos. Os primeiros são os termos indicados pelos nomes próprios, os últimos os indicados por todas as outras palavras. Aqui, os nomes próprios devem ser entendidos em um sentido um pouco mais amplo do que o habitual, e as coisas também devem ser entendidas como abrangendo todos os pontos e instantes particulares, e muitas outras entidades que normalmente não são chamadas de coisas. (RUSSELL, 1903, p. 44, tradução nossa)36.

E no apêndice A, Russell, ao analisar a teoria semântica de Frege, diz:

Essa teoria da indicação é mais abrangente e geral do que a minha, como transparece no fato de que todo nome próprio deve ter os dois lados. Parece-me que é apenas a respeito dos nomes próprios derivados de conceitos por meio do o que podemos dizer que eles têm significado, e que palavras como John meramente indicam sem significar. (RUSSELL, 1903, p. 502, tradução nossa)37.

Sendo assim, na época de The Principles of Mathematics, era inconcebível para Russell tratar os nomes próprios como descrições definidas disfarçadas, pelo menos não se encontra nenhuma afirmação de Russell nessa obra que leve a pensar assim. O que alimenta a polêmica é Russell não ter tratado os casos de nomes próprios fictícios. Todos os seus exemplos são sobre “John” e “Eduardo VII”, ou seja, Russell somente usou exemplos de casos de seres existentes em que as entidades nomeadas são os constituintes das proposições. Agora, se a teoria da denotação também é importante para a teoria da identidade, como Russell diz “se nós dissemos, ‘Eduardo VII é o Rei’, nós afirmamos uma identidade” (RUSSELL, 1903, p. 64, tradução nossa)38, então o que Russell diria quando afirmamos a sentença “Apolo é o Deus do Sol”? Graham Stevens é um dos intérpretes do polo oposto à interpretação meinongiana de The Principles of Mathematics que encara essa polêmica a respeito dos nomes próprios vazios. Graham Stevens traça o seguinte cenário:

A análise da denotação de Russell estava em um estado de quase constante fluxo durante o período em questão - incluindo o período em que o capítulo sobre denotação nos Principles foi escrito. A concepção declarada nos Principles não é, portanto, mais completa nem mais permanente do que qualquer outra visão expressa na longa linha de evolução de seu pensamento sobre o tema antes dele finalmente se estabelecer na teoria apresentada em ‘On Denoting’. Visto fora desse contexto, passagens como a do §427 dos Principles, citado anteriormente, parecem firmes declarações de fidelidade a compromissos ontológicos grotescos. Voltando ao contexto mais amplo, no entanto, eles não têm o mesmo significado. No entanto, o meinongiano-nominal é capaz de responder, tomado como um intervalo de tempo, não importa o quão pequeno, do desenvolvimento ontológico de Russell, os Principles parecem capturar um período em que Russell pensou que os objetos meinongianos eram os referentes de nomes vazios. Se for esse o caso, no entanto, o intervalo de tempo captura uma notável aberração no pensamento de Russell. (STEVENS, 2011, p. 59, tradução nossa)39.

A perspectiva histórica colocada por Graham Stevens a respeito do desenvolvimento gradual e contínuo do pensamento de Russell sobre a relação de denotação até a elaboração de “On Denoting” é correta. No entanto, a intenção de Graham Stevens é oferecer uma visão do todo, isto é, do panorama do desenvolvimento do pensamento de Russell e, por isso, a sua análise extrapola os limites de The Principles of Mathematics. Para se livrar do argumento do meinongianismo nominal a todo custo, Graham Stevens propõem que se analisem os nomes próprios vazios em The Principles of Mathematics como descrições definidas disfarçadas:

Tudo o que é necessário para eliminar o meinongianismo nominal é a percepção de que esse tratamento de descrições vazias pode ser estendido também a nomes vazios. Portanto, a ontologia dos Principles não deve mais abrir as suas portas para os deuses homéricos do que para a denotação do conceito denotativo nada. Os significados /Apolo/ e /o atual Rei da França/ têm Ser, mas Apolo e o atual Rei da França não. (STEVENS, 2011, pp. 61-62, tradução nossa)40.

Entretanto, esse foi o posicionamento que Russell adotou nos textos intermediários41 entre The Principles of Mathematics e “On Denoting”, e, consequentemente, essa solução para os nomes próprios vazios não encontra nenhum respaldo teórico em The Principles of Mathematics. A primeira evidência que se tem de que Russell começou a analisar alguns nomes próprios como descrições definidas disfarçadas está no texto “On the Meaning and Denotation of Phrases”, de 1903, após The Principles of Mathematics. Russell diz: “assim, quando nós procuramos Apolo (se é que alguma vez fazemos isso) em um dicionário clássico, nós descobrimos uma descrição que é uma definição; [...]. Portanto, os nomes próprios imaginários são realmente substitutos das descrições” (RUSSELL, 1903, p. 285, tradução nossa)42. Logo, “On the Meaning and Denotation of Phrases” marcou o momento em que Russell, explicitamente, passou a considerar alguns nomes próprios como descrições definidas disfarçadas, além de esclarecer que, nesses casos, a entidade com que se tem familiaridade é o significado do nome porque este passou a ser analisado como um nome descritivo.

Considerações finais

Sendo assim, uma vez proposta fidelidade à gramática filosófica de The Principles of Mathematics, precisa-se reconhecer que há realmente uma controvérsia na metafísica dessa obra em relação aos nomes próprios vazios de seres fictícios. Se for colocado o problema sob a perspectiva epistemológica, a questão parece se agravar, pois de que maneira a noção de familiaridade em The Principles of Mathematics explicaria a relação da mente com o objeto Apolo, uma vez que o nome próprio “Apolo” não tem significado da mesma forma que a descrição definida “o Deus do Sol”? Sabe-se que Russell não se propôs nessa obra à elaboração de uma teoria epistemológica complexa que inibisse compromissos ontológicos bizarros, tendo em vista que a noção de familiaridade foi usada sem qualquer indício de haver restrições sobre os tipos de objetos com os quais as mentes poderiam ter contato direto e imediato. Contudo, é certo que Russell não se comprometeu com uma completa ontologia meinongiana, dado a análise que ele elaborou a respeito dos conceitos denotativos nulos. À vista da análise apresentada, chega-se à conclusão de que a metafísica de The Principles of Mathematics era uma metafísica instável, em evolução, uma vez que Russell não explorou todas as consequências dessa teoria metafísica, sobretudo os casos dos nomes próprios vazios dos seres fictícios.

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1Para aqueles que se interessarem em conhecer os detalhes do desenvolvimento passo a passo entre o ano de 1900 e o ano de 1903 do projeto de Russell que culminou no livro The Principles of Mathematics, sugere-se o artigo “How did Russell write ‘The Principles of Mathematics’ (1903)?”, de Grattan-Guinness.

2Segundo Garciadiego, “no fim do século XIX, as ideias de Bradley e, indiretamente, as de Thomas H. Green (1836-1882), que emergiam da filosofia de Hegel, dominavam a filosofia em Cambridge” (GARCIADIEGO, 1992, p. 52, tradução nossa). No original: “At the end of the nineteenth century, the ideas of Bradley and indirectly those of Thomas H. Green (1836-1882), which emerged from Hegel's philosophy, dominated Cambridge philosophy”.

3O manuscrito An Analysis of Mathematical Reasoning, de 1898, pode ser considerado o último texto em que Russell estava ligado à filosofia neo-hegeliana, trabalhando na sua dialética das ciências. Nesse manuscrito, Russell percebeu que as várias contradições que encontrou na dialética das ciências eram oriundas da sua principal teoria neo-hegeliana: a teoria das relações internas. A teoria das relações internas de Russell foi a tese de que as relações presentes em proposições relacionais não são termos externos, autossubsistentes e irredutíveis, uma vez que são fundamentadas nos adjetivos intrínsecos dos termos dessas proposições. Russell compreendeu que a teoria das relações internas aplicada à análise das relações transitivas assimétricas da matemática o levou à contradição da relatividade, isto é, a contradição de uma diferença entre dois termos sem uma diferença de concepção aplicável a eles. A história do desenvolvimento da teoria das relações de Russell é longa e complexa e não se vai pormenorizar esse assunto aqui. Para aqueles que se interessam em conhecer os detalhes da filosofia idealista pluralista e da teoria das relações internas de Russell, sugere-se a leitura de Russell’s Idealist Apprenticeship, de Nicholas Griffin. O fato é que somente quando Russell abandonou a teoria das relações internas, ele conseguiu avançar nas pesquisas do campo da fundamentação da matemática. No artigo “The Classification of Relations”, de 1899, pode-se ver claramente que Russell abandonou a teoria das relações internas em razão de se encontrar, nesse artigo, a sua primeira classificação das relações como termos irredutíveis e autossubsistentes.

4Bernard Placidus Johann Nepomuk Bolzano (1781-1848) teria sido o pioneiro do realismo lógico no séc. XIX. A obra de Bolzano Wissenschaftslehre, de 1837, inseriu-se no projeto mais amplo de aritmetização do cálculo, isto é, da redução das noções básicas do cálculo a noções aritméticas simples, e tinha como objetivo último a eliminação da intuição pura dos juízos sintéticos a priori. Para maiores detalhes da obra de Bolzano e do surgimento do realismo lógico no séc. XIX, sugere-se a leitura dos artigos de Luis Niel (2013 e 2014) e Mário Ariel González Porta (2002, 2003 e 2004).

5Nesse sentido, Boyer afirma: “vimos que a revolução na geometria teve lugar quando Gauss, Lobachevsky e Boliay se libertaram das preconcepções do espaço. Um tanto no mesmo sentido, a completa aritmetização da análise só se tornou possível quando os matemáticos compreenderam que os números reais devem ser encarados como ‘estruturas intelectuais’ e não como grandezas intuitivamente dadas, legadas pela geometria de Euclides” (BOYER, p. 389, 1996).

6De acordo com os moldes da matemática pura do séc. XIX, Russell em “Recent Work on the Principles of Mathematics”, de 1901, pôde declarar a sua tese logicista, “em termos gerais, a lógica se distingue pelo fato de que suas proposições podem ser colocadas em uma forma em que se aplicam a qualquer coisa. Toda matemática pura - Aritmética, Análise e Geometria - é construída por combinações das ideias primitivas da lógica, e suas proposições são deduzidas dos axiomas gerais da lógica, como o silogismo e as outras regras de inferência” (RUSSELL, p. 367, 1901, tradução nossa). No original: “Logic, broadly speaking, is distinguished by the fact that its propositions can be put into a form in which they apply to anything whatever. All pure mathematics - Arithmetic, Analysis, and Geometry - is built up by combinations of the primitive ideas of logic, and its propositions are deduced from the general axioms of logic, such as the syllogism and the other rules of inference”.

7Para fins de padronização, a partir de agora, vai-se seguir Griffin (1980) e usar “/” quando forem mencionadas entidades não linguísticas como proposições, funções proposicionais e termos constituintes de proposições.

8No original: “On fundamental questions of philosophy, my position, in all its chief features, is derived from Mr. G. E. Moore. I have accepted from him the non-existential nature of propositions (except such as happen to assert existence) and their independence of any knowing mind; also the pluralism which regards the world, both that of existents and that of entities, as composed of an infinite number of mutually independent entities, with relations which are ultimate, and not reducible to adjectives of their terms or of the whole which these compose. Before learning these views from him, I found myself completely unable to construct any philosophy of arithmetic, whereas their acceptance brought about an immediate liberation from a large number of difficulties which I believe to be otherwise insuperable”.

9No original: “The discussion of indefinables - which forms the chief part of philosophical logic - is the endeavour to see clearly, and to make others see clearly, the entities concerned, in order that the mind may have that kind of acquaintance with them which it has with redness or the taste of a pineapple”.

10Russell, no final do artigo “On Denoting”, expressou que o Princípio de familiaridade era um interessante resultado da teoria das descrições de 1905. Pressupõe-se, como Hylton (1990), que essa declaração de Russell não significa literalmente que o Princípio de familiaridade é uma novidade oriunda da teoria das descrições de “On Denoting”, mas entende-se que Russell estava se referindo ao Princípio de familiaridade que resultou de um longo processo de desenvolvimento após The Principles of Mathematics. Quer-se dizer com isso que “On Denoting” afirmou o Princípio de familiaridade, contudo a noção de familiaridade de “On Denoting” não é a mesma noção de The Principles of Mathematics por causa das várias restrições epistêmicas que Russell impôs a essa noção entre o ano de 1903 e o ano de 1905. Essas restrições podem ser encontradas, por exemplo, nos textos “On the Meaning and Denotation of Phrases”, de 1903, “Points about Denotation”, de 1904, “On the Meaning and Denotation”, de 1904, “The Existential Import of Propositions”, de 1905, e “On Fundamentals”, de 1905. Todos esses textos são anteriores a “On Denoting”.

11No original: “Russell’s earlier theory of denoting concepts went hand in hand with the principle of acquaintance, […]”.

12No original: “Nothing needs to be said, or can be said, about how we know, we just do know; hence my stress on the relation being ‘direct’ and ‘immediate’”.

13No original: “It now appears that perception is to be regarded philosophically as the cognition of an existential proposition; […]”.

14No original: “The correctness of our philosophical analysis of a proposition may therefore be usefully checked by the exercise of assigning the meaning of each word in the sentence expressing the proposition. On the whole, grammar seems to me to bring us much nearer to a correct logic than the current opinions of philosophers; and in what follows, grammar, though not our master, will yet be taken as our guide”.

15Russell, em The Principles of Mathematics, diz: “a noção de termo aqui estabelecida é uma modificação da noção de conceito do Mr. G. E. Moore em seu artigo ‘On the Nature of Judgment’, Mind, N. S. Nº 30, diferindo dela, porém, em alguns aspectos importantes” (RUSSELL, 1903, p. 44, tradução nossa). No original: “The notion of a term here set forth is a modification of Mr. G. E. Moore’s notion of a concept in his article “On the Nature of Judgment” Mind, N. S. No. 30, from which notion, however, it differs in some important respects”.

16No original: “Whatever may be an object of thought, or may occur in any true or false proposition, or can be counted as one, I call a term. This, then, is the widest word in the philosophical vocabulary. I shall use as synonymous with it the words unit, individual, and entity. The first two emphasize the fact that every term is one, while the third is derived from the fact that every term has being, i.e. is in some sense”.

17No original: “Being is that which belongs to every conceivable term, to every possible object, of thought in short to everything that can possibly occur in any proposition, true or false, and to all such propositions themselves. Being belongs to whatever can be counted. If A be any term that can be counted as one, it is plain that A is something, and therefore that A is. […]. Existence, on the contrary, is the prerogative of some only amongst beings. To exist is to have a specific relation to existence - a relation, by the way, which existence itself does not have”.

18No original: “[…] the change is due, ultimately, to the fact that many terms have relations to some parts of time which they do not have to others. But every term is eternal, timeless, and immutable; the relations it may have to parts of time are equally immutable. It is merely the fact that different terms are related to different times that makes the difference between what exists at one time and what exists at another. And though a term may cease to exist, it cannot cease to be; it is still an entity, which can be counted as one, and concerning which some propositions are true and others false”.

19No original: “The distinction between being and existence is required to guarantee the objectivity of what does not exist in time - and thus, in particular, of the entities of mathematics. Only by making this distinction, Russell claims, can we avoid psychologism”.

20No original: “Words all have meaning, in the simple sense that they are symbols which stand for something other than themselves”.

21No original: “A first result was an important distinction which is usually misunderstood. There are two kinds of meaning. The first applies to words and states a psychological and linguistic relation according to which words stand for or indicate other things or concepts which are not symbols. The second applies only to certain concepts and states a logical relation (denotation) between those concepts and things, i.e. it consists in the designation or description of a term by a concept”.

22Alexius Meinong é conhecido principalmente por sua teoria dos objetos. De acordo com Findlay (1963) e Farrell Smith (1895), Meinong distinguiu três categorias de objetos: os objetos existentes (o que estão dentro do espaço e do tempo), os objetos subsistentes (proposições) e os objetos não existentes (o círculo quadrado, o atual Rei do Brasil etc.).

23A explicação completa de Graham Stevens para o meinongianismo é, “a seguir, usarei o termo ‘meinongianismo’ para denotar um certo tipo de posição ontológica que é motivada principalmente por considerações semânticas: usarei o termo para denotar qualquer posição ontológica que faça com que a existência de um objeto siga-se imediatamente do uso do termo para se referir a esse objeto, assim como para expressar uma proposição sobre ele, e que trata a questão se um termo é um termo referente como sendo totalmente respondida pela observação de seu comportamento gramatical. Qualquer expressão localizada na categoria gramatical das frases nominais não pode deixar de se referir a um objeto nessa definição” (STEVENS, 2011, p. 50, tradução nossa). No original: “In what follows, I will use the term ‘Meinongianism’ to denote a certain kind of ontological position which is primarily motivated by semantic considerations: I will use the term to denote any ontological position which takes the existence of an object to follow immediately from the use of a term to refer to that object so as to express a proposition about it, and which treats the question whether a term is a referring term to be wholly answered by observation of its grammatical behaviour. Any expression located in the grammatical category of noun-phrases cannot fail to refer to an object on this definition”.

24No original: “Meinongianism, as I have defined it, thus takes reference-failure to be an illusion. Empty singular terms are only apparently empty; though they do not refer to anything existent, they refer all the same to something non-existent. That something is an entity simply by virtue of being named”.

25No original: “Another important distinction between names and descriptions is that a name cannot occur significantly in a proposition unless there is something that its names, whereas a description is not subject to this limitation. Meinong, for whose work I had had a great respect, had failed to note this difference. He pointed out that one can make statements in which the logical subject is ‘the golden mountain’ although no golden mountain exists. […]. I confess that, until I hit upon the theory of descriptions, this argument seemed to me convincing”.

26Pode-se citar como exemplo, a interpretação feita por David Pears que diz, “Russell acreditava [em POM] que toda expressão, longa ou curta, deve denotar algo, ou então carecer de sentido. Ora, essa teoria não implica que uma palavra como ‘dragão’ denote uma espécie real de animal, ou que a expressão ‘a filha de Hitler’ denote uma mulher real. Mas, quando uma expressão não possui uma denotação real, a teoria credita a ela uma denotação que não pertence ao mundo real. Os Dragões e os filhos de Hitler deveriam existir em outro mundo [...]” (PEARS, 1967, p. 13, tradução nossa). No original: “Russell had believed [in POM] that every phrase, long or short, must denote something, or else be meaningless. Now that theory does not imply that a word like ‘dragon’ denotes an actual species of animal, or that the phrase ‘the daughter of Hitler’ denotes an actual woman. But, when a phrase lacks a actual denotation, the theory would credit it with a denotation nor belonging to the actual world. Dragons and Hitler’s children are supposed to exist in another world […]”. Outro exemplo é a interpretação feita por Alfred Ayer que diz, “qualquer coisa que pudesse ser mencionada era considerada um termo; e qualquer termo poderia ser o sujeito lógico de uma proposição; e qualquer coisa que pudesse ser o sujeito lógico de uma proposição poderia ser nomeada. Seguia-se que, em princípio, alguém poderia usar nomes para se referir não apenas a qualquer coisa em particular que exista em qualquer lugar ou tempo, mas a entidades abstratas de todos os tipos, a coisas inexistentes como o atual Czar da Rússia, a entidades mitológicas como o Ciclope, e até mesmo a entidades logicamente impossíveis, como o maior número primo” (AYER, 1971, p. 28, tradução nossa). No original: “Anything that could be mentioned was said to be a term; and any term could be the logical subject of a proposition; and anything that could be the logical subject of a proposition could be named. It followed that one could in principle use names to refer not only to any particular thing that existed at any placed or time, but to abstract entities of all sorts, to nonexistent things like the present Tsar of Russia, to mythological entities like the Cyclops, even to logically impossible entities like the greatest prime number.”.

27No original: “In Principles of Mathematics, 1903, Russell’s ontology was unrestrained. Every word referred to something. […]. Now it is an intolerably indiscriminate ontology. For, take impossible numbers: prime numbers divisible by 6. It must in some sense be false that there are such; and this must be false in some sense in which it is true that there are prime numbers. In this sense are there chimeras? Are chimeras then as firm as the good prime numbers and firmer than the primes divisible by 6? Russell may have meant to admit certain chimeras (the possible ones) to the realm of being, and still exclude the primes divisible by 6 as impossible. Or he may, like Meinong, have intended a place even for impossible objects. I do not see that in Principles of Mathematics Russell faced that question”.

28No original: “All denoting concepts, as we saw, are derived from class-concepts; and a is a class-concept when ‘x is an a’ is a propositional function. The denoting concepts associated with a will not denote anything when and only when ‘x is an a’ is false for all values of x. This is a complete definition of a denoting concept which does not denote anything; and in this case we shall say that a is a null class-concept, and that ‘all a’s’ is a null concept of a class”.

29No original: “Russell's account of mathematics demands that the notion of denoting must, from the outset, allow for the possibility of denoting concepts which do not denote anything. We must be able to say that there are no members of a given class, that there is no greatest number, and so on. […]. Russell seems, however, to lose sight of this possibility in those portions of Principles where more general metaphysical questions are under discussion. Even though the theory of denoting concepts would enable Russell, in Principles, to deny that the present King of France has being, there is no sign that he realizes this fact. More important, perhaps, there is no sign there that he sees any reason to deny being to the present King of France. In that book he is, notoriously, willing to attribute being to any putative object we can name. […]. On the contrary: outside the context of mathematics, Russell willingly asserts that every expression which seems to refer to something does in fact refer to a real entity, which has being even if it does not exist in space and time”.

30No original: “A man, a moment, a number, a class, a relation, a chimaera, or anything else that can be mentioned, is sure to be a term; and to deny that such and such a thing is a term must always be false”.

31No original: “Every pair of terms, without exception, can be combined in the manner indicated by A and B, and if neither A nor B be many, then A and B are two. A and B may be any conceivable entities, any possible objects of thought, they may be points or numbers or true or false propositions or events or people, in short anything that can be counted. A teaspoon and the number 3, or a chimaera and a four-dimensional space, are certainly two. Thus no restriction whatever is to be placed on A and B, except that neither is to be many. It should be observed that A and B need not exist, but must, like anything that can be mentioned, have Being”.

32No original: “‘A is not’ must always be either false or meaningless. For if A were nothing, it could not be said not to be; ‘A is not’ implies that there is a term A whose being is denied, and hence that A is. Thus unless ‘A is not’ be an empty sound, it must be false - whatever A may be, it certainly is. Numbers, the Homeric gods, relations, chimeras and four-dimensional spaces all have being, for if they were not entities of a kind, we could make no propositions about them. Thus, being is a general attribute of everything, and to mention anything is to show that it is”.

33No original: “On my interpretation, however, we must conclude that Russell is referring here to the denoting concepts themselves, not to the terms they appear to denote. For the denoting concept itself is always a term, though, in my view, there will often be no further term denoted by it. This reading of the passage will, I concede, seen strained in the absence of any explicit indication that Russell is mentioning denoting concepts. Yet it is in fact what I think he meant”.

34Graham Stevens também propõe uma interpretação similar, senão idêntica à de Griffin. Graham diz, “na proposição de que o atual Rei da França é calvo, o atual Rei da França não é encontrado, apenas o conceito denotativo /o atual Rei da França/ está presente em seu lugar. Mas, neste caso, o argumento anteriormente adotado para garantir o ser de a irá somente, quando transposto para este caso, assegurar o ser do conceito /o atual Rei da França/, ele não irá assegurar o ser de uma entidade meinongiana idêntica ao atual Rei da França. Em suma, o argumento para as entidades meinongianas, como dado até agora, não é um argumento para aceitar que o atual Rei da França esteja enumerado entre os objetos meinongianos. Pois, uma vez admitidos os conceitos denotativos, tudo o que é necessário é permitir casos em que alguns conceitos não denotam, a fim de evitar o meinongianismo (para esses casos)” (STEVENS, 2011, p. 56, tradução nossa). No original: “In the proposition that the present King of France is bald, the Present King of France is not to be found, only the denoting concept /the present King of France/ is present in his place. But, in this case, the argument previously taken to ensure the being of a will only, when transposed to this case, ensure the being of the concept /the present King of France/, it will not ensure the being of a meinongian entity identical with the present King of France. In short, the argument for meinongian entities, as given thus far, is not an argument for accepting that the present King of France is numbered among meinongian objects. For once we admit denoting concepts, all that is required is to allow for cases where some concepts do not denote in order to avoid meinongianism (for those cases)”.

35No original: “It is plain that there is such a concept as nothing, and that in some sense nothing is something”.

36No original: “Among terms, it is possible to distinguish two kinds, which I shall call respectively things and concepts. The former are the terms indicated by proper names, the latter those indicated by all other words. Here proper names are to be understood in a somewhat wider sense than is usual, and things also are to be understood as embracing all particular points and instants, and many other entities not commonly called things”.

37No original: “This theory of indication is more sweeping and general than mine, as appears from the fact that every proper name is supposed to have the two sides. It seems to me that only such proper names as are derived from concepts by means of the can be said to have meaning, and that such words as John merely indicate without meaning”.

38No original: “If we say, ‘Edward VII is the King’, we assert an identity […]”.

39No original: “Russell’s analysis of denoting was in a state of almost constant flux during the period in question -including the period when the chapter on denoting in the Principles was written. The view stated in the Principles is thus no more complete, nor permanent, than any other view expressed in the long line of evolution of his thinking on the topic before he finally settled on the theory given in ‘On Denoting’. Viewed out of this context, passages like that from § 427 of the Principles quoted earlier look like firm statements of allegiance to grotesque ontological commitments. Returned to the wider context, however, they do not command the same significance. Nonetheless, the Nominal-Meinongian is apt to reply, taken as a time-slice, no matter how slender, of Russell’s ontological development, the Principles looks to capture a period when Russell thought Meinongian objects were the referents of empty names. If this is the case, however, the time-slice captures a remarkable aberration in Russell’s thought”.

40No original: “All that is needed to dispose of Nominal-Meinongianism is the realization that this treatment of empty descriptions can be extended to empty names as well. Hence, the ontology of the Principles ought no more to open its doors to Homeric gods than to the denotation of the denoting concept nothing. The meanings /Apollo/ and /the present King of France/ have being, but Apollo and the present King of France do not”.

41Russell desenvolveu essa tese nos textos “On the Meaning and Denotation of Phrases”, de 1903, “Points about Denotation”, de 1904, “On the Meaning and Denotation”, de 1904, “The Existencial Import of Propositions”, de 1905, e “On Fundamentals”, de 1905. Esses textos mostram que o pensamento de Russell estava em completa evolução e repleto de incertezas até a primeira elaboração da teoria das descrições no texto “On Fundamentals”, mas que se tornou academicamente reconhecida no célebre artigo “On Denoting”, de 1905.

42No original: “Thus when we look up Apollo (if we ever do) in a classical dictionary, we find a description which is really a definition; [...]. Thus, imaginary proper names are really substitutes for descriptions”.

Financiamento de pesquisa:CAPES.

Recebido: 10 de Abril de 2020; Aceito: 08 de Dezembro de 2020

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