SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.35 número73¿Puede el maestro enseñar algo a través del habla? Un análisis de las obras De Magistro de San Agustín y Tomás de AquinoFilosofía, educación y descolonización epistémica del conocimiento índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.73 Uberlândia ene./apr 2021  Epub 11-Ene-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n73a2021-57450 

Artigos

Um esboço sobre a natureza dos objetos da matemática1

The nature of mathematical objects outlined

Un esbozo sobre la naturaleza de los objetos matemáticos

Iuri Kieslarck Spacek* 
lattes: 8231413467135132; http://orcid.org/0000-0002-8785-9912

William Casagrande Candiotto** 
lattes: 7532006364279710; http://orcid.org/0000-0002-0955-5577

Ademir Damazio*** 
lattes: 4995772976409473; http://orcid.org/0000-0002-6755-3377

*Doutorando em Educação na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). E-mail: iurisk@hotmail.com

**Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor na Fundação Educacional Barriga Verde (FEBAVE). E-mail: williamcasagrande@hotmail.com

***Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Aposentado e Pesquisador Independente E-mail: addamazio71@gmail.com


Resumo

A natureza dos objetos da Matemática é um dos temas que reflete posicionamentos distintos em relação ao processo de ensino da disciplina. Ao adotar essa premissa, o presente texto tem como objetivo discutir o processo histórico e lógico de desenvolvimento da Matemática, na especificidade de seus objetos, com base em concepções realistas e antirrealistas. Além disso, atenta para as manifestações de uma inversão metafísica da compreensão desses objetos. Esse objetivo tem como referência o seguinte questionamento: Qual é a compreensão sobre a natureza dos objetos da Matemática, no processo de desenvolvimento dessa ciência, revelada pelas concepções materialistas e idealistas, realistas e antirrealistas? A discussão inicia pela caracterização dos objetos da Matemática em suas manifestações realistas e antirrealistas, com ênfase nos processos de entificação realizados pelos pitagóricos, por Platão e por Aristóteles. Em seguida, realiza-se um movimento de caracterização da compreensão dos objetos da Matemática com centralidade no idealismo e do materialismo. Tais abordagens são realizadas com fundamentos em uma outra, a filosófico-histórica, com o intuito de desnudar a essência pela qual se expressa o entendimento sobre os objetos matemáticos como necessário em processos de educação escolar.

Palavras-chave: Filosofia da Matemática; Concepções de Matemática; Educação Matemática

Abstract

The nature of mathematical objects is one of the themes in the process of teaching mathematics that reflects distinctive positions. Based on this premise, the present article aims to discuss the historical and logical process of development of Mathematics, taking into account the specifics of its objects, found on unrealistics and realistics concepts. Furthermore, it considers the manifestations in the comprehension of metaphysics inversion of these objects. This objective has as reference the following question: What is the comprehension of the nature of mathematical objects, in the process of development of this science, disclosed by materialistic and idealistic, realistic and unrealistic concepts? The discussion begins with the characterization of the mathematical objects from the realistics and unrealistics manifestations, with an emphasis on the process of entification which was carried out by pythagoreans, such as Plato and Aristotle. Subsequently, it provides the characterization of the comprehension of the mathematical objects based on idealism and materialism. The approaches applied are based on another one, that is the philosophical and historical one, which intends to unveil the essence by which it expresses the comprehension of the mathematical objects as paramount for the educational process.

Key-words: Philosophy of Mathematics; Mathematical concepts; Mathematics Education

Resumen

La naturaleza de los objetos matemáticos es uno de los temas que refleja diferentes posiciones en relación al proceso de enseñanza de la disciplina. Al adoptar esta premisa, el presente texto tiene como objetivo discutir el proceso histórico y lógico de desarrollo de las Matemáticas, en la especificidad de sus objetos, basándose en concepciones realistas y antirrealistas. Además, atenta a las manifestaciones de una inversión metafísica en la comprensión de estos objetos. Este objetivo tiene como referencia la siguiente pregunta: ¿Cual es la la comprensión de la naturaleza de los objetos de las Matemáticas, en el proceso de desarrollo de esta ciencia, revelada por las concepciones materialistas e idealistas, realistas y antirrealistas? La discusión comienza con la caracterización de los objetos de las Matemáticas en sus manifestaciones realistas y antirrealistas, con énfasis en los procesos de entificación realizados por los pitagóricos, Platón y Aristóteles. seguida continuación, se realiza un movimiento de caracterización de la comprensión de los objetos de las Matemáticas con centralidad en el idealismo y el materialismo. Tales abordajes son realizados con fundamentos en un otro, el filosófico-histórico, con el intuito de develar la esencia por la cual se expresa el entendimiento sobre los objetos de las Matemáticas como necesarias en los procesos de la educación escolar.

Palabras clave: Filosofía de la Matemática; Concepciones de Matemáticas; Educación Matemática

Introdução

O escopo do presente artigo é a evidência de determinadas compreensões referentes à natureza dos objetos da Matemática produzidas no processo histórico e lógico de desenvolvimento da referida ciência. Dada a abrangência da temática, a delimitação recai nas concepções realistas e antirrealistas, bem como nas manifestações de uma inversão metafísica da compreensão desses objetos. A discussão se volta à natureza dos objetos matemáticos e seu papel no processo de conhecimento da realidade. Ao mesmo tempo, trata do aspecto norteador e da influência das diversas formas de compreensão do processo de apropriação e conhecimento da realidade sobre o ensino. Ou seja, o pressuposto é de que o entendimento do processo de compreensão da realidade - e, em particular, dos objetos de conhecimento matemático - pode influenciar nas finalidades, nas ações e nos motivos da atuação do professor. De acordo com Fiorentini (1995, p. 3), “[...] cada professor constrói idiossincraticamente seu ideário pedagógico, a partir de pressupostos teóricos e de sua reflexão sobre a prática”. Desse modo, é possível considerar que

[...] por trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de Educação. O modo de ensinar sofre influência também dos valores e finalidades que o professor atribui ao ensino de Matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem. (FIORENTINI, 1995, p. 4).

Portanto, a premissa é de que a organização do ensino, seja qual for a base teórica, está articulada à condição essencial, entre outras, de o professor estar atento à finalidade da sua proposta, assim como às formas de alcançá-la. Por consequência, requer um modo de compreensão da realidade da qual se fundamenta a referida proposta, bem como do papel do conhecimento a ser ensinado, o que aponta para a sua finalidade. Nesse sentido, o requisito que se apresenta, ao professor, é o entendimento do objeto e de seu conteúdo, tanto da disciplina curricular quanto dos conceitos a serem ensinados.

Nesse contexto, apresenta-se o presente estudo, o qual constitui parte de uma pesquisa mais ampla referente às bases e aos princípios de uma organização de ensino que promova o desenvolvimento do pensamento matemático teórico dos estudantes (DAVÍDOV, 1988). Esse recorte diz respeito ao primeiro movimento de análise, cuja centralidade é um dos aspectos que exercem influência sobre a ação dos professores de Matemática, a saber: a natureza dos objetos do conhecimento da Matemática. Tal escolha se justifica pelo pressuposto de que a compreensão dos objetos em questão se constitui em necessidade para a organização do ensino. Consequentemente, tem implicações sobre o modo de entendimento da realidade, o que vislumbra o alcance, com ciência, de possibilidades e limites de atuação do professor.

Esta pesquisa adotou uma abordagem filosófico-histórica, com o intuito de desnudar a essência pela qual se expressa o entendimento sobre os objetos matemáticos com base nas concepções supracitadas. O questionamento central em movimento foi: Qual é a compreensão sobre a natureza dos objetos da Matemática, no processo de desenvolvimento dessa ciência, revelada pelas concepções materialistas e idealistas, realistas e antirrealistas?

Para tanto, no processo de investigação e exposição, a preocupação foi com a caracterização analítica das concepções realistas e antirrealistas em relação à ontologia dos objetos matemáticos e do conhecimento matemático, com base no idealismo e no materialismo. O argumento para a adoção de tal procedimento tem em vista que tal compreensão se reflete, de maneira direta ou indireta, em tendências de ensino de Matemática que, por sua vez, influem no processo de formação de professores e, por consequência, no ensino da referida disciplina.

Em tal caminho percorrido, não se perde de vista a caracterização das concepções realistas e antirrealistas em relação à ontologia dos objetos matemáticos, bem como valor de verdade (SHAPIRO, 2000). Tais referências subsidiam uma discussão sobre as concepções realistas que se desenvolveram na Grécia Antiga, em especial aquelas desenvolvidas pelos pitagóricos, por Platão e por Aristóteles. A validade de tal abordagem é decorrente da forte influência que a discussão acerca da natureza dos objetos matemáticos - realizada pela corrente pitagórica, assim como as interpretações de Platão e Aristóteles - exerce sobre as tendências de ensino da Matemática. Cita-se, por exemplo, as tendências Formalistas Clássica (FIORENTINI, 1995; MIGUEL, 1995) e Moderna (FIORENTINI, 1995), além dos resquícios das referidas concepções em outras tendências. Para além disso, também se justifica pela influência estabelecida sobre outras correntes filosóficas mais atuais, apesar de suas evidentes especificidades (CASTRO, 2014; SHAPIRO, 2000; SILVA, 2007).

Vale antecipar os primeiros anúncios referentes à análise por meio da caracterização do objeto do conhecimento matemático com base nas concepções idealistas e materialistas. Para as primeiras, o conhecimento matemático possui uma estrutura independente da realidade física e sua constituição ocorre em seu próprio processo de composição. Portanto, possui existência na ideia, seja ela subjetiva - como querem os idealistas subjetivos - ou objetiva - como pretendem os idealistas objetivos. O segundo grupo de concepções, dos materialistas, apresenta uma compreensão diametralmente oposta, pois defende que o conhecimento matemático possui uma estrutura própria na matéria.

Na presente pesquisa, a opção é pela defesa dialética-materialista de que os objetos matemáticos se constituem em abstrações próprias ao processo de conhecimento da realidade na atividade do ser humano. Dito de outro modo, é reflexo da realidade, mas não se caracteriza em uma transposição mecânica desses objetos para a consciência, como define a concepção materialista mecanicista. Nas seções subsequentes, são aprofundadas essas primeiras incursões.

A natureza dos objetos da Matemática: um debate histórico e filosófico

De acordo com Castro (2014), as entidades matemáticas abstratas foram foco do debate travado entre realismo e antirrealismo em Matemática. De um lado, há o “platonismo”, que defende a existência de entidades matemáticas abstratas e, de outro, o “antiplatonismo”, que a nega. Segundo Linnebo (2018, p. 1, tradução nossa, itálicos no original), “Platonismo em matemática (ou platonismo matemático) é a visão metafísica de que existem objetos matemáticos, os quais independem de nós ou de nossa linguagem, pensamento e práticas”. Shapiro (2000) esclarece que o debate sobre os objetos matemáticos se estabelece a partir de duas esferas: uma ontológica, que se refere à existência ou não de objetos matemáticos, e outra, iniciada por Georg Kreisel2, que desloca a essência do debate em questão para a objetividade do discurso matemático. Em outras palavras, a investigação sobre a matemática e seus objetos é transferida da discussão sobre a sua classificação ontológica à própria problematização da sua natureza (onto)lógica.

É recorrente considerar o realismo, em ontologia, “[...] como sendo o ponto de vista de que pelo menos alguns objetos matemáticos existem objetivamente independentemente do matemático” (SHAPIRO, 2000, p. 49). Em contraposição a essa tese, existem as correntes idealistas e as nominalistas. As primeiras argumentam em favor da existência de objetos matemáticos, com a condição de que eles só existem dependentemente da consciência humana. Contudo, Shapiro (2000) considera que há tipos distintos de idealistas. Um deles são os idealistas subjetivos, para quem os objetos matemáticos são constructos emergentes da atividade mental de cada matemático. O outro, os idealistas intersubjetivos, que concebem os objetos matemáticos comungados por todos os humanos como sendo parte do tecido mental. Por sua vez, os nominalistas3 ou ficcionistas em Matemática são adeptos de uma doutrina mais radical que nega a existência de objetos matemáticos abstratos.

No que se refere ao valor de verdade, podem-se considerar realistas os defensores de que as proposições matemáticas existem a despeito da mente, de convenções ou de caracterizações dos matemáticos. Em resumo, essa concepção compreende que “[...] a linguagem matemática é bivalente, no sentido de que cada frase não ambígua é ou determinadamente verdadeira ou determinadamente falsa. A bivalência parece fazer parte do pacote da objetividade” (SHAPIRO, 2000, p. 55).

Os antirrealistas partem da premissa de que há algum valor de verdade nas proposições matemáticas, que são dependentes do matemático. Isso leva à defesa da cognoscibilidade de todas as verdades matemáticas, das quais nenhuma delas está para além dos limites da capacidade humana de conhecê-la, uma vez que seus valores dependem da consciência. Shapiro (2000, p. 55) expressa essa tese da seguinte forma: “[...] para qualquer proposição matemática Φ, se Φ é verdadeira, então, pelo menos em princípio, Φ pode tornar-se conhecida”.

Tais concepções têm um longo desenvolvimento na história da humanidade. Na Antiguidade, por exemplo, a Matemática teve um papel essencial no desenvolvimento das ideias sobre o mundo. Um destaque é para o novo conteúdo adquirido pela Matemática entre os gregos, que se distingue daqueles encontrados entre outros povos antigos, como os egípcios, os babilônios ou os chineses. Uma das principais conquistas na sociedade grega foi o caráter rigoroso ante o conjunto de conhecimentos que, atualmente, denominamos Matemática. Esse novo conteúdo, por sua vez, é engendrado a partir da união de diversos fatores - políticos, geopolíticos, econômicos e sociais - que influenciaram o referido povo. Os gregos investigaram sistematicamente a matemática a partir de questionamentos que visavam à abordagem do todo da realidade no que diz respeito ao homem (antropos), à natureza (physis) e ao universo (cosmos). Um dos principais motivos para o engendramento desse novo conteúdo foi a influência dos aqueus, um povo nômade que se fixou na região da Grécia. De acordo com Burnet (apudBICUDO, 1998a, p. 308), “[...] foi provavelmente devido aos aqueus que os gregos nunca tiveram uma classe sacerdotal, e isso pode bem ter tido algo a ver com o aparecimento da ciência livre entre eles”.

Desse modo, a ausência do monopólio de conhecimento, pela classe sacerdotal, possibilitou o surgimento de questionamentos sobre componentes objetivos da realidade. Perguntas - como: “Existe um princípio único, para além da diversidade, ao qual tudo se reduza?”; “Qual a estrutura do Universo?”; “Como foi criado o Universo?”; “Como se movem os astros e por quê?” - guiaram pensadores em busca de respostas que possibilitaram o entendimento do mundo sem recorrerem ao pensamento mitológico, comum na época. O surgimento desses tipos de perguntas permitiu um salto nas formas de pensamento e, por decorrência, produziu novas maneiras de pensar o mundo.

A inexistência de uma classe sacerdotal também ajudou na elucidação dos motivos que culminaram no novo conteúdo da Matemática entre os gregos, o qual se caracteriza pela introdução e pelo desenvolvimento de um método rigoroso de demonstração dos conceitos matemáticos. Isso porque nas sociedades onde o monopólio do conhecimento matemático era de uma classe ungida por supostos deuses não havia a necessidade de demonstração da verdade de certas afirmações, afinal, a legitimidade e o caráter de verdade desses conhecimentos eram proporcionados pela autoridade divina de quem os detinham, ou seja, os sacerdotes. Devido a não formação da referida classe entre os gregos, o conhecimento em geral e o matemático em particular eram propriedades dos “seres mundanos”. O pressuposto é de que a não centralidade da posse do conhecimento em um determinado grupo social levou ao estabelecimento de métodos e critérios de demonstração e prova de que determinados conhecimentos possuíam um caráter verdadeiro e deveriam ser aceitos pela sociedade em geral.

No que se refere aos questionamentos filosóficos supracitados, várias foram as respostas dadas. Devido aos limites e objetivos do presente texto, não entraremos nos pormenores dessas respostas e das ideias filosóficas nas quais elas se embasaram. Contudo, destacamos uma em especial, que resultou na articulação sistemática entre os aspectos relativos às ideias matemáticas com a explicação do Universo, a saber: a corrente conhecida como “pitagórica”4. Para essa escola de pensamento, que unia aspectos místicos e científicos e que teve influência a partir do século VI a.C., o universo poderia ser explicado com base em suas diferenças quantitativas e no arranjo da forma das coisas, isto é, no número e na harmonia (CARAÇA, 2003). A expressão dessa concepção está na afirmação de que “[...] o mundo é determinado, antes de tudo, por um arranjo bem-ordenado e tal ordem se baseia no fato de que as coisas são delimitadas e podem ser distinguidas umas das outras” (ROQUE, 2012, p. 104). Essa ideia é considerada por Caraça (2003) como fecunda, pois admite a existência de uma ordenação matemática do universo na qual as suas leis traduziriam uma harmonia universal, que resulta em outra muito menos promissora: todas as coisas são números. Para se apoiar em tal ideia, segundo Caraça (2003), os pitagóricos procuraram por um modelo de estruturação da matéria que fosse idêntico ao da estrutura numérica. Em decorrência, surgiu a concepção de que a matéria se formava por:

[...] corpúsculos cósmicos, de extensão não nula, embora pequena, os quais reunidos em certa quantidade e ordem, produziam os corpos; cada um de tais corpúsculos - mónada5 - era assimilado à unidade numérica e, assim, os corpos se formavam por quantidade e arranjo de mónadas como os números se formam por quantidade e arranjo de unidades. (CARAÇA, 2003, p. 70, grifo do autor)

O realismo matemático dos pitagóricos, que concebia os números como entes concretos e que não admitia a separação entre os números e seus entes corpóreos, foi abandonado devido a diversas inconsistências. No entanto, exerceu influência sobre outros sistemas de pensamento. Em sua base, como afirma Prado Júnior (1963), é possível ser encontrada uma espécie de entificação dos objetos da Matemática, confundidos, aqui, com partes que compõem todo o universo. A existência deles, na linguagem usada pelos pitagóricos, constitui-se em “individualidades”, “coisas” ou “mónadas” necessárias ao pensamento humano para que possa entender a regência e a forma de funcionamento do universo.

Esse processo de entificação, típico de uma inversão metafísica do entendimento da realidade, tornou-se comum ao pensamento daqueles que se ocuparam da Matemática durante muitos séculos. À medida que o pensamento humano se deparou com novos objetos da Matemática - contradizentes com essa concepção por mostrarem que eles não eram entes, mas representações de relações -, ocorreu a tentativa de escamoteá-los a partir de concepções filosóficas que, em alguns casos, chegaram a barrar o desenvolvimento dessa ciência. Um exemplo foi o descobrimento do fenômeno da incomensurabilidade, fato que desferiu um duro golpe à concepção dos pitagóricos. Isso porque mostrou que essa relação não poderia ser representada pelos números até então considerados, pois faz com que o universo não possa ser constituído por mónadas (PRADO JUNIOR, 1963). Nesse sentido, a medida da hipotenusa de um triângulo retângulo tendo por base um dos seus catetos, processo que fez emergir o fenômeno da incomensurabilidade, trouxe à tona a ideia de que os números são expressões de relações.

De acordo com Caraça (2003), como consequência do surgimento da descoberta da incomensurabilidade, a Matemática passou a se reduzir a figuras e alicerçou-se no método construtivo de reprodução gráfica de figuras, o que reduziu todo raciocínio à operação de construção. Essa tendência a centrar-se nas figuras tem como obra referencial “Os Elementos6 de Euclides. Trata-se de uma tentativa de lidar formalmente apenas com figuras individualizadas e suportes de qualidades, que são as propriedades geométricas. Naquele contexto, o matemático, ao tratar das figuras, tinha em mente que trabalhava com entes. No entanto, conforme Prado Junior (1963), isso é uma ilusão, pois a figura se “desmancha” sem suas partes, mostrando, portanto, que só existe enquanto há relações. Conforme o autor, “[...] toda figura, ao mesmo tempo que determina ou condiciona as partes que a constituem, é determinada por essas partes; e essas por seu turno se determinam mútua e reciprocamente” (PRADO JUNIOR, 1963, p. 212). Nas figuras geométricas, “[...] o todo e as partes existem em simbiose integral e completa, e subsistem apenas no conjunto” (PRADO JUNIOR, 1963, p. 212, grifo do autor).

No âmbito dessas discussões, apesar de anterior à obra de Euclides, Platão conviveu com a tendência de entificação dos objetos matemáticos, além de criar sua própria interpretação desses objetos como individualidades. O referido filósofo grego entendia que a realidade possuía duas esferas: uma transcendente, perfeita e imutável (mundo das Ideias); e outra imperfeita, corruptiva e mutável (mundo dos sentidos). A primeira das esferas seria acessível pela razão ou pelo entendimento, enquanto a acessibilidade da segunda ocorreria pelos sentidos. As Ideias matemáticas estariam localizadas na esfera transcendente e possuem infinitas instâncias de si mesmas. Silva (2007) cita como exemplo a Ideia de duplicidade, que tem como entidade o “2”. Caso só existisse a Ideia de duplicidade e, portanto, apenas “2” no mundo do Ser, não faria sentido a igualdade “2+2=4”, em que se fazem presentes duas instâncias do “2”. Por isso, para Platão, existem infinitas instâncias do número 2 que, como são perfeitas, não são acessíveis aos sentidos. No entanto, a Ideia de duplicidade - “2” - não se subordina a suas instâncias. Os objetos do mundo físico, corruptível, só estabelecem relação de semelhança com as instâncias perfeitas.

Um triângulo sensível é apenas aproximadamente um triângulo em sentido matemático estrito, uma coleção de dois objetos sensíveis tem apenas aproximadamente a forma do 2. [...] As formas7 ocupam, assim, uma posição intermediária entre as Ideias e as coisas do mundo físico, o mundo imperfeito acessível aos sentidos. (SILVA, 2007, p. 41)

Shapiro (2000) chama a atenção de que em diversos diálogos de Platão há menções aos “números físicos”, próprios do mundo do Devir, e aos “próprios números”, que não podem ser apreendidos pelos sentidos. No entanto, os objetos matemáticos, por excelência, habitariam o mundo do Ser. Eles ocupariam uma hierarquia intermediária entre as Ideias e os objetos do mundo dos sentidos, do mundo físico, acessível aos sentidos. Para Platão, os objetos da Matemática não são as Ideias, mas as formas, isto é, as instâncias perfeitas das ideias de dualidade (“2”), de circularidade (os círculos) etc. (SHAPIRO, 2000). As Ideias constituem, por excelência, os objetos da filosofia e deles se ocupa a dialética8. Nessa direção, Bicudo (1998b) defende que, para Platão, a Matemática está vinculada à ideia de téchne, vinculada aos modos e às habilidades de fazer, mesmo que ela prepare para a epistéme, isto é, para a atividade ligada ao conhecer. Os objetos da Matemática, segundo Bicudo (1998b) - diferentemente das Ideias que são objetos da epistéme -, caracterizam-se a partir de uma geração (génesis) com uma finalidade que não desempenha papel algum, resultando em um conjunto de possibilidades e, não, realidades. Trata-se de uma decorrência do caminho percorrido pela Matemática, que é descendente, por partir das hipóteses e caminhar em direção às consequências.

Diferentemente, a dialética possui um caminho ascendente, que busca um princípio não hipotético. À dialética, em posse desse princípio não hipotético, é permitida a construção de realidades e não apenas de possibilidades. Os princípios do matemático se resumem a hipóteses isoladas que não têm conexão com o princípio de toda a existência.

A matemática é, portanto, téchne e não epistéme. Porém, ela nos auxilia a conceber a essência e existência das realidades inteligíveis, as Idéias, objetos da epistéme. Por seu método, ela é o prelúdio da epistéme. Em virtude de esse método permitir o estabelecimento de relações entre seres perfeitos, a matemática tem à sua frente a visão de conjunto do mundo inteligível, mas tem acesso a apenas parte desse mundo. [...] Serve de propedêutica à dialética, que conduz ao “mundo das verdades e das essências”, chamadas também Idéias [sic] - imutáveis, objetivas e universais. Mas a matemática não é epistéme [...]. (BICUDO, 1998b, p. 80, grifo do autor)

Platão pode ser considerado realista tanto no que se refere à ontologia como em valor de verdade. Para ele, as Ideias e instâncias sobre os objetos matemáticos, sejam números ou figuras geométricas, preexistem à atividade matemática, além de serem eternas. Elas habitam o mundo do Ser, que não é acessível por meio dos sentidos, mas apenas pela razão ou pelo entendimento, em dependência daquilo que se busca. No que se refere ao valor de verdade, Platão também pode ser chamado de realista, pois considerava que proposições da Matemática são verdadeiras ou falsas independentemente do mundo, do matemático ou da mente (SHAPIRO, 2000). Ele explicou o processo de conhecimento a partir da teoria da reminiscência9, bem como, por meio dela, como a alma racional, que já habitou o mundo das Ideias, pode se reascender e revisitar-se, o que possibilita o conhecimento das Ideias por meio do intelecto.

Outra concepção, na Antiguidade, foi a apresentada por Aristóteles, que se contrapôs em muitos aspectos à filosofia de Platão. Uma dessas discordâncias diz respeito à compreensão acerca dos objetos matemáticos. Para Aristóteles, não existe uma distinção entre o mundo das Ideias e o mundo sensível. Seu entendimento é de que a essência de determinado objeto empírico é parte constituinte dele mesmo e não uma Ideia imutável que habitava um mundo transcendente. Segundo Körner (1985), Aristóteles estabeleceu a diferença entre a possibilidade de abstração de determinadas características matemáticas de objetos e a existência independente dessas características. Para tanto, destacou que a possibilidade de abstração não resulta na existência independente do que é ou pode ser abstraído. Desse modo, o “[...] objeto da matemática é constituído por aqueles resultados de abstração matemática que Aristóteles chama de ‘objetos matemáticos’” (KÖRNER, 1985, p. 20). Um determinado “[...] objeto empírico é um objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático” (SILVA, 2007, p. 44, grifo do autor).

A abstração - entendida no sentido aristotélico como operação lógica de destaque e separação de determinada característica de um objeto para transformá-lo em objeto de estudo - é uma característica da Matemática. Esta estudaria os objetos a partir de determinadas características, tais como sua forma ou quantidades. Nesse sentido, a abstração também resultaria em um processo de idealização, pois ao abstrair determinada propriedade matemática de um objeto empírico como, por exemplo, sua forma, aproximá-la-ia de uma outra ideal, que por sua vez só é perfeita como idealização da propriedade analisada.

Nesse caso, o papel do matemático não é de simples contemplação. Dependendo do conhecimento, em certa medida, da atividade em que se inclui o processo de abstração, essa concepção caracterizar-se-ia, conforme Silva (2007, p. 54), como “[...] uma forma branda de idealismo epistemológico”. No entanto, os objetos matemáticos, mesmo de certo modo atrelados a um certo grau da atividade do matemático, são configurados em objetos empíricos sem os quais deixam de existir. Segundo Shapiro (2000), ao estabelecer o estudo das propriedades de objetos físicos, a concepção de Aristóteles apresenta certos traços de empirismo.

Independentemente das diferenças conceituais entre essas concepções acerca do objeto da Matemática, há entre elas uma constante: a entificação ou individualização dos objetos da Matemática. Seja nos pitagóricos, em Platão ou em Aristóteles, os matemáticos estudam “objetos”, “entes” e “coisas”. Entretanto, Prado Júnior (1963) aponta, como já mencionado, que essa compreensão é de certa maneira uma inversão metafísica dos objetos da Matemática. Conforme o autor, esses objetos só existem na forma de relação, entendida como a “[...] existência concomitante e simultânea de termos [...] que existem um no outro e não separadamente; e devem por isso ser apreendidos por uma operação única do pensamento” (PRADO JÚNIOR, 1963, p. 233). Essa relação - em especial aquelas que representam os números e as formas geométricas em suas feições mais elementares - surge de necessidades empíricas e representam determinadas vinculações reais. Desse modo, os objetos da Matemática só existem como relações de determinados sistemas as quais, no desenvolvimento histórico, originam-se a partir de necessidades empíricas, mas depois se descolam dessa realidade e obtêm uma autonomia relativa (JARDINETTI, 1996).

Assim, essas concepções traçam delineamentos que compõem o arcabouço teórico-metodológico da compreensão dos objetos matemáticos, os quais, por sua vez, ocupam papel importante no processo de formação humana no que se refere à educação, em especial a escolar. Por exemplo, Miguel (1995) - ao se referir a chamada continuidade epistemológica entre os pitagóricos, Platão e a empreitada euclidiana - mostra como essas concepções, que não são descoladas da cosmovisão desses pensadores, influenciaram de maneira direta o paradigma Formalista Clássico em Educação Matemática. Essa tendência, segundo Fiorentini (1995), foi predominante no Brasil até o final da década de 50 do século passado. Consequentemente, a maioria dos livros didáticos, durante esse período, apresentava implicitamente “[...] o modelo euclidiano, pois geralmente partem de elementos primitivos e definições para prosseguir com a teoria (teoremas e demonstrações). Só após está [sic] apresentação completa, é que aparecem os exercícios de aplicação” (FIORENTINI, 1995, p. 6).

A manifestação em tendências de ensino e nos livros didáticos subsidia a compreensão de que o objeto do conhecimento da Matemática influi, no contexto brasileiro, na organização do ensino da referida disciplina, em especial na sua forma escolar. A partir dessas considerações, aprofunda-se, na sequência, o debate de como o objeto do conhecimento matemático se expressa nas concepções idealistas e materialistas, em especial na concepção dialético-materialista.

Caracterização do objeto do conhecimento matemático: um esboço com base nas concepções idealistas e materialistas

Vale reafirmar o entendimento que movimenta o presente estudo: o conhecimento matemático tem um papel no processo de formação e desenvolvimento do ser humano. Tal afirmação toma por base o longo processo de hominização e o constante processo de humanização do ser humano em seu constante desenvolvimento, desde o homem primitivo até o estágio em que nos encontramos atualmente.

O nosso pressuposto, com fundamento dialético-materialista, é de que a compreensão das relações quantitativas e espaciais se apresenta consoante a esse processo e promove a possibilidade de um reflexo dessa realidade. Ao analisar a história da Matemática, percebe-se uma indissociação entre o conhecimento matemático e a linguagem verbal (falada e escrita). O homem se desenvolveu em um mundo caracterizado pelo movimento e pela forma e limitado no tempo, todos eles constituintes da matéria.

O processo de adaptação ativo do homem o fez produzir e reproduzir sua vida com base em conhecimentos necessários à sua evolução histórica, isto é, gerou sua forma de ser e estar no mundo. O conhecimento matemático se constituiu, liminarmente, em uma base rudimentar de regras que supriam necessidades elementares e somente ao longo de sua história evoluiu a ponto de contribuir para o desenvolvimento de necessidades mediatas como, por exemplo, as artes.

Um requisito para estabelecer a conexão entre a realidade material e a Matemática é a compreensão da relação necessária entre o ser e a consciência. A definição da prioridade ontológica desse par categorial permite o entendimento das bases dialético-materialistas que fundamentam a concepção de Matemática aqui defendida e, por conseguinte, de mundo, ser humano e sociedade.

Ao longo da história da Matemática, observa-se a constituição dedo um processo de formalização idealista dessa ciência que, por sua vez, cristalizou sua estrutura interna. Tal afirmação pode ser observada nos axiomas euclidianos que sobressaltaram como verdade por cerca de dois mil anos. Eles causaram impactos profundos em áreas como a Filosofia, assim como no processo de entificação de figuras geométricas e números, conforme tratado anteriormente. A Matemática passou a configurar como um campo do conhecimento puramente abstrato, próprio das diversas variantes do idealismo. Nesse sentido, Prado Júnior (1963) destaca que as demais ciências se ocupam mais diretamente de dados de fatos concretos e objetivos. Por sua vez, os dados dos quais se ocupa a Matemática, aparentemente, seriam abstratos puros, bem como inatos ao pensamento ou entendimento do ser humano. Segundo o autor, esse foi o pensamento dominante em relação aos objetos do conhecimento matemático até pouco tempo.

Porém, a defesa expressa neste texto é por uma compreensão que caminha na contramão dessa concepção, isto é, não trata o objeto do conhecimento matemático como puramente abstrato, tampouco como parte constituinte dos objetos físicos, conforme defende Candiotto (2016) ao tratar do objeto da Geometria. Assim, afirmamos que o objeto do conhecimento matemático está nas relações entre as grandezas (ALEKSANDROV, 1991), o que está em conformidade com a afirmação de Ríbnikov (1987, p. 9, tradução nossa): “[...] constituem este objeto, segundo a definição de F. Engels, as relações quantitativas e as formas espaciais do mundo real”.

Por um lado, o marcante espectro mecanicista presente em concepções materialistas, referente ao conhecimento matemático, expressa uma ciência alheia às relações estabelecidas epistemologicamente. Assim, seja com base na concepção materialista mecanicista ou nas variantes idealistas, o conhecimento matemático é apontado como absoluto e alienado de um desenvolvimento histórico. Por outro lado, o conhecimento se configura em uma estrutura utilitarista e em uma concepção idealista que se caracteriza pela transcendência em relação à realidade física. Ao observar “[...] a extrema abstração e força lógica dos resultados matemáticos, os idealistas imaginam que a matemática surja do pensamento puro” (ALEKSANDROV, 1991, p. 23, tradução nossa).

Para uma concepção idealista, o conhecimento matemático se estrutura independentemente da realidade física. Sua base, seus nexos e sua estrutura constituem-se no próprio processo de gênese e desenvolvimento da Ideia, seja ela subjetiva ou expressão daquilo que em filosofia se chama Ideia absoluta. Tal proposição apresenta indícios de que os objetos matemáticos “[...] não representam diretamente a realidade dada, eles são fruto da abstração” (RÍBNIKOV, 1987, p. 11, tradução nossa). Nessa afirmação se encontram mais elementos para a compreensão do processo de inversão metafísica dos objetos da Matemática.

Para Aleksandrov (1991, p. 11), “[...] esta qualidade das matemáticas deu lugar, já na antiguidade, a noções idealistas sobre sua independência a respeito do mundo material”. Isso se expressa não somente na Matemática, mas também nas ciências em geral, por consequência de um processo de construção do conhecimento científico atravessado por cosmovisões prioritariamente idealistas. Uma expressão disso é o surgimento dos paradoxos que, uma vez não resolvidos na esfera das relações materiais, evidenciam um caráter idealista da compreensão da realidade. As contradições expostas pelos paradoxos não configuram uma impossibilidade de cognoscibilidade do mundo material, mas uma barreira transponível entre as novas configurações dessa realidade e nossas limitações diante desses novos objetos de conhecimento.

Tal compreensão se torna possível quando fazemos uma análise histórica dos objetos do conhecimento, em especial do matemático. Este se configura tanto a partir das relações estabelecidas na realidade material - nas relações entre grandezas físicas - quanto nas relações da própria lógica interna de constituição dos conceitos matemáticos ditos puros. Vale alertar que mesmo em relação aos conceitos desenvolvidos e surgidos internamente à Matemática, sua gênese e seu desenvolvimento se constituem sempre com base no espelhamento corretivo da realidade material. Para Aleksandrov (1991, p. 35, grifo do autor, tradução nossa), “[...] a história dos conceitos da aritmética mostra o quanto é equivocado o ponto de vista idealista de que surgem do ‘pensamento puro’, da ‘intuição inata’, da ‘contemplação de formas a priori’, ou algo similar”. Isso se aplica, deveras, aos outros objetos da Matemática.

Ríbnikov (1987) segue na mesma linha conceitual, no que se refere à compreensão das abstrações matemáticas, ao afirmar que:

O abstrato do objeto da matemática somente escamoteia o surgimento (frequentemente complexo, multigradual, mediado) de todos os conceitos da matemática a partir da realidade material, mas em nenhum momento o suprime. A história mostra que o acúmulo das relações quantitativas e formas espaciais estudadas pela matemática, constantemente crescem em relação indissolúvel com as exigências da técnica e das ciências naturais, ampliando cada vez mais o rico conteúdo da definição geral da matemática. (RÍBNIKOV, 1987, p. 11, tradução nossa, grifo nosso).

A afirmação de Ríbnikov traz, subjacentemente, a explicação de como o processo de inversão metafísica da realidade - ou uma projeção para fora do pensamento que comporia uma realidade exterior à esfera mental na forma de “entidades” ou “individualidades” com existência própria - fossilizou-se no pensamento filosófico e matemático por séculos. Desse modo, deixou escondido a origem do processo de constituição dessa esfera do conhecimento. No entanto, segundo Prado Júnior (1963), a compreensão moderna tem assim desvelado a gênese desse processo:

Em suma, números e figuras geométricas já perderam por completo, em face das conclusões da ciência moderna, a auréola mística de dados suprassensíveis que lhe era atribuída, e não passam hoje de simples conceitos derivados em última instância da experiência sensível; e elaborados por um processo psicológico que não se distingue daquele que se observa em outros setores do conhecimento. Como quaisquer conceitos, representam a conceptualização de experiências sensíveis obtidas pelo indivíduo pensante no curso de atividade práticas e correntes [...]. (PRADO JÚNIOR, 1963, p. 195, grifo do autor).

Quando não se considera o surgimento da Matemática com fundamento na realidade material - do processo de conhecimento das relações entre grandezas - obstrui-se o seu processo tanto histórico quanto lógico. Desse modo, quando as abstrações matemáticas não são hipostasiadas, permanecem sob o jugo de espectros idealistas. Na citação anterior, Ríbnikov (1987) destaca a dinâmica da constituição do processo de desenvolvimento das relações indissociáveis entre a complexificação do conhecimento matemático e as exigências das demais ciências.

A Matemática pura, com base em uma inversão metafísica, oferece subsídios para fundamentar uma perspectiva idealista de seu objeto. Para Engels (1976):

A aparente demonstração das grandezas matemáticas não prova tampouco sua origem apriorística, mas apenas sua concatenação racional. [...] As matemáticas, assim como tôdas as outras ciências, surgiram das necessidades dos homens, da necessidade de medir terras e volumes, do cálculo do tempo e da mecânica. Mas, como acontece em todos os campos do pensamento humano, ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as leis abstraídas do mundo real se vêm separadas dêsse mundo real do qual nasceram, consideradas como se fôssem alguma coisa a parte, como se fôssem leis vindas de fora e às quais o mundo se deveria ajustar [sic]. (ENGELS, 1976, p. 34-35, grifo do autor)

O autor evidencia a eliminação da unidade processual histórico elógica na compreensão do desenvolvimento das ciências, em particular da Matemática, bem como os caminhos que levam a delineamentos idealistas. Assim, esses conceitos abstratos, surgidos da ideia absoluta, configuram-se protótipos a serem encontrados no mundo físico.

Para Engels (1976) e Aleksandrov (1991), os objetos da Matemática se constituem nas relações entre grandezas com base nas comparações entre os corpos físicos, dos quais se abstraem as outras propriedades. Esse processo de abstração, necessário ao desenvolvimento da Matemática, torna-se um caminho frutífero para elaborações idealistas.

Engels (1976) afirma que

Se quisermos progredir um pouco, não teremos outro remédio senão introduzir nas verdades, fenômenos reais, relações e formas plásticas, tomadas da realidade. As ideias de linha, de superfície, de ângulo, de quadrado, de quadrilátero, de esfera, etc., etc., são todas ideias derivadas da realidade, e apenas quem professa uma ideologia inteiramente ingênua pode crer nos matemáticos quando estes dizem que a primeira linha se originou do movimento de um ponto no espaço, a primeira superfície do movimento de uma linha, o primeiro corpo, do movimento de uma superfície, e assim sucessivamente. (ENGELS, 1976, p. 35-36)

Vemos nessa citação uma postura ontologicamente fundada na dialética materialista ao tomar como critério de verdade a prática e, em particular no processo de conhecimento da realidade, a prática social. Ao não adotarem essa postura, as concepções idealistas tomam para seus argumentos as características das abstrações que tendem a fundamentar, segundo tais concepções, o caráter apriorístico dos conceitos matemáticos.

Com base em uma compreensão dialético-materialista, as abstrações matemáticas são espelhamentos corrigidos da realidade na consciência. Tratam-se, pois, das formas puramente teóricas que são elementos epistemológicos próprios do processo de conhecimentos, uma vez que os espelhamentos dos objetos não se constituem em uma transposição mecânica dos objetos físicos para a consciência, como querem os materialistas mecanicistas.

Lukács (2012) corrobora essa argumentação ao afirmar que

De nenhuma lógica do mundo poder-se-ia obter a proposição de que a circunferência do círculo é igual a 2πr. Por outro lado, tais proposições não precisam ser corroboradas na realidade física. Ao contrário, a geometria espelha uma realidade reduzida à pura espacialidade e, portanto, homogeneizada, investigando nesse meio homogêneo as conexões legais de configurações puramente espaciais. (LUKÁCS, 2012, p. 64-65)

Nessa citação, o autor se refere às relações entre o ser e seu reflexo na consciência. Mais particularmente, diz respeito às interconexões das grandezas físicas com os conceitos matemáticos que as representam na consciência em forma de conceitos. Claro está que tais reflexos são constantemente complexificados para satisfazer a necessidade humana de aprofundar cada vez mais o conhecimento da essência dos seus objetos.

Para o autor, essa homogeneização é própria das abstrações que compõem sua estrutura interna e edificam o processo de elaboração conceitual necessário à compreensão da realidade. Tal processo possui uma relativa autonomia, ou seja, não carece - e não é possível - de uma aproximação plena da realidade a ser conhecida. Isso quer dizer que as abstrações são justamente o processo de afastamento da própria realidade a ser conhecida para poder destrinchar conceitualmente todas as propriedades dos objetos do conhecimento. Porém, esse processo sofre um detour, isto é, toma um caminho de volta para corroborar tal conceituação em relação à própria realidade estudada. De acordo com Davýdov (1982), tal caminho se compõe no movimento de redução do concreto ao abstrato e de ascensão do abstrato ao concreto.

Todo o percurso até aqui descrito expressa uma compreensão dialético-materialista do processo de conhecimento. No referente à Matemática, o processo não se reduz a uma discussão epistemologicamente centrada, mas a uma análise ontológica de constituição do seu conhecimento e, para além dele, dos objetos físicos que espelham os peculiares conceitos. Nesse entendimento está o fundamento de uma concepção de ser humano, mundo e sociedade.

Além disso, uma reflexão dialético-materialista referente à Matemática contribui para uma compreensão conceitual das outras áreas do conhecimento - Biologia, História, Medicina, Sociologia, Engenharia etc. - com base na mesma concepção e vice-versa. Todas as relações estabelecidas entre os objetos de conhecimento das diversas ciências estão ligadas, entre outras categorias, pelo movimento ineliminável da materialidade que as compõem. Nesse sentido, a compreensão sobre conhecimento matemático tem como um de seus pilares o entendimento da categoria movimento, o qual constitui uma das formas fundamentais de existência da matéria, presentes nas esferas inorgânica, orgânica e social. Quando se exclui o movimento, surge o viés idealista com sua inversão metafísica de interpretação da realidade. De acordo com Gerdes (2008, p. 27), “[...] a matemática das grandezas variáveis representa o reflexo matemático dum problema de fundo: o domínio de movimentos”.

O domínio dos movimentos, citado pelo autor, está concatenado ao desenvolvimento dos objetos da Matemática em uma unidade histórico e lógica, que não acontece linearmente como aparenta quando analisamos a síntese de um conceito. Tal síntese representa um repouso relativo no âmbito de um ineliminável movimento absoluto da materialidade do mundo, quer física ou não.

Da linha de raciocínio até então adotada, é possível a elaboração de que o conhecimento matemático se desenvolve, na unidade do histórico com o lógico, no próprio processo de desenvolvimento da capacidade humana de compreensão da realidade. Dito de outro modo, essa ciência é produto e produtora da constituição humana cada vez mais desenvolvida, é síntese de múltiplas determinações.

Por isso, segundo Aleksandrov (1991, p. 17, tradução nossa), alguns traços são característicos do conhecimento matemático: “[...] a abstração, a precisão, o rigor lógico, o irrefutável caráter de suas conclusões e o amplo campo de aplicações”. Não é o intuito deste texto discuti-los pormenorizadamente, mas importa dizer que eles revelam indícios da processualidade histórica dessa ciência na constituição do conhecimento humano da realidade.

Enfim, uma análise dos objetos da Matemática, com base na dialética materialista, apresenta indícios de uma interpretação da realidade fidedigna à sua essência. Ou seja, busca compreender os seus objetos no movimento da síntese de seu próprio processo de constituição. Com isso, nossa hipótese é a de que esse movimento possa contribuir para a organização de um sistema de ensino que torne possível a formação da atividade de estudo pelos estudantes, cooperando, desse modo, para que eles elaborem o pensamento teórico, conforme defendido por Davýdov (1982, 2017).

Portanto, entendemos que nas relações entre conteúdo e forma, estabelecidas na educação escolar, como unidade de contrários não antagônicos, é o primeiro que possui prioridade ontológica. Nessa mesma direção, Davídov (1988, p. 172, tradução nossa) afirma que, para a organização de uma aprendizagem que vise ao desenvolvimento dos estudantes, é necessário se apoiar na tese de que a base para essa aprendizagem seja o “[...] seu conteúdo, do qual se derivam os métodos (ou procedimentos) para organizar o ensino”. Assim, defendemos que, para o desenvolvimento de um novo processo de ensino e aprendizagem conceitualmente fundamentado e metodologicamente organizado com base nos pressupostos da dialética materialista, é necessário um novo conteúdo aos conceitos que são objeto de apropriação na escola. Isso, por sua vez, guiará os métodos, ou seja, a forma pela qual se deverá abordar esse mesmo conteúdo. Nesse sentido, justifica-se a necessidade de compreender a natureza dos objetos da Matemática em seu processo de desenvolvimento, revelada pelas concepções materialistas e idealistas, realistas e antirrealistas, conforme fundamentado com base na pergunta central que desenhou o presente texto.

Considerações Finais

O processo de compreensão da natureza dos objetos da Matemática é complexo devido a diversos fatores, em especial àqueles de natureza ontológica e epistemológica. Conforme destacado, a discussão aqui apresentada constitui um movimento de aproximação e enfrentamento de um problema, que delineia consequências em diferentes âmbitos e esferas ligadas aos processos da aprendizagem da Matemática, em particular no que se refere à educação escolar. Trata-se de um debate necessário, uma vez que o processo educativo, particularmente o referente à Matemática, tem sido questionado amplamente e que uma das principais acusações se volta para a organização curricular com base em princípios da lógica formal (DAVÝDOV, 2017; FIORENTINI, 1995). Isso conclama pela análise, por exemplo, do processo de inversão metafísica dos números e das figuras geométricas como forma de auxiliar os professores na compreensão da Matemática a partir de determinados vieses. Dentre eles, está aquele no qual não se configura um realismo em que os objetos possuem existência própria objetiva. Do mesmo modo, nem mesmo se conforma em um idealismo no qual os objetos da Matemática dependem apenas da consciência. Em vez disso, a compreensão é de que esses objetos se constituem pela experiência humana, no enfrentamento de necessidades oriundas de processos históricos e sociais.

Tal entendimento constitui-se importante contribuição para a possibilidade de apreensão do movimento histórico e lógico de constituição dessa área do conhecimento. Por decorrência, torna-se um instrumento argumentativo para o enfrentamento das tendências de ensino da Matemática que se fundamentam em concepções idealistas ou materialistas mecanicistas, sejam elas fundamentadas no realismo ou antirrealismo no que se refere à ontologia dos objetos da Matemática ou ao valor de verdade dos enunciados a eles pertinentes. Portanto, o conhecimento dessas percepções pode contribuir para a organização da aprendizagem, uma vez que possibilita a desmitificação tanto das relações genéticas constitutivas dos conceitos matemáticos, em particular, quanto da própria área de conhecimento.

Vale ressaltar que o presente texto não teve a pretensão de esgotar a discussão sobre a temática em foco. A tarefa estabelecida foi a explicitação do conteúdo constitutivo das correntes explicativas, que foram abordadas, e suas diferenças. Conforme mencionado, é necessário ampliar a discussão e aprofundar os estudos dos traços característicos da Matemática. É sugestivo que se tenha como referência a obra de Aleksandrov (1991), além da própria discussão histórica e filosófica sobre outras correntes e pensamentos. Também, é carente o estudo sobre as inter-relações entre os objetos da Matemática e seu papel no processo de inversão metafísica, bem como de suas implicações pedagógicas na objetivação em distintas tendências de ensino de Matemática.

Nesse sentido, defendemos que é necessário um entendimento mais aprofundado dos problemas aqui elencados para uma apropriação da natureza do que são os objetos nos quais se debruça o campo de conhecimento que convencionamos chamar de Matemática.

Referências

ALEKSANDROV, A. D. Vision general de la matematica. In: ALEKSANDROV, A. D. et al. La matemática: su contenido, métodos y significado. Madrid: Alianza, 1991. p. 17-89. [ Links ]

BICUDO, I. Matemática: Técnica ou ciência? Hypnos: Revista do Centro de Estudos da Antiguidade, São Paulo, ano 3, n. 4, p. 74-81, 1998b. Disponível em: https://hypnos.org.br/index.php/hypnos/article/view/298. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

BICUDO, I. Platão e a Matemática. Letras Clássicas, São Paulo, n. 2, p. 301-315, 1998a. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2358-3150.v0i2p301-315. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/letrasclassicas/article/view/73741. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

BUENO, O. Nominalism in the Philosophy of Mathematics. The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Stanford, 16 set. 2013. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/nominalism-mathematics/#pagetopright. Acesso em: 22 jul. 2020. [ Links ]

CANDIOTTO, W. C. Crítica da razão matemática: uma análise do objeto da Geometria. 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Centro de Ciências de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/167822. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

CARAÇA, B. J. Conceitos Fundamentais da Matemática. 5. ed. Lisboa: Gradija, 2003. [ Links ]

CARNEIRO, O. L. Aprender é recordar: conhecimento e aprendizagem por reminiscência no Mênon de Platão. 2008. Tese (Doutorado em Letras Clássicas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. DOI: https://doi.org/10.11606/T.8.2009.tde-23112009-145646. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8143/tde-23112009-145646/pt-br.php. Acesso em: 23 jul. 2020. [ Links ]

CASTRO, E. Realismo/Anti-Realismo. In: BRANQUINHO, J.; SANTOS, R. (Eds.). Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2014. p. 1-32. [ Links ]

DAVÍDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación psicológica teórica y experimental. Moscú: Editorial Progresso, 1988. [ Links ]

DAVÝDOV, V. V. Análise dos princípios didáticos da escola tradicional e dos possíveis princípios do ensino em um futuro próximo. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V. (Orgs.). Ensino Desenvolvimental: Antologia. Livro I. Uberlândia: Editora EDUFU, 2017. p. 211-223. [ Links ]

DAVÝDOV, V. V. Tipos de generalización en la enseñanza. Habana: Pueblo y Educacion, 1982. [ Links ]

ENGELS, F. Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. [ Links ]

EVES, H. Introdução à história da matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 2004. [ Links ]

FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemática no Brasil. Zetetiké, Campinas, v. 3, n. 1, p. 1-36, 1995. DOI: https://doi.org/10.20396/zet.v3i4.8646877. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8646877. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

GERDES, P. Os manuscritos filosófico-matemáticos de Karl Marx sobre o cálculo diferencial: uma introdução. Maputo: TLANU, 2008. [ Links ]

JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Zahrar, 1985. [ Links ]

JARDINETTI, J. R. B. O abstrato e o concreto no ensino da Matemática: algumas reflexões. Bolema, Rio Claro, ano 11, n. 12, p. 1-12, 1996. Disponível em: https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/bolema/article/view/10648. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

KÖRNER, S. Uma Introdução à Filosofia da Matemática. Rio de Janeiro: Zahrar, 1985. [ Links ]

LINNEBO, Ø. Platonism in the Philosophy of Mathematics. The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Stanford, 18 jan. 2018. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/platonism-mathematics/#pagetopright. Acesso em: 22 jul. 2020. [ Links ]

LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012. [ Links ]

MIGUEL, A. Constituição do Paradigma do Formalismo Pedagógico Clássico em Educação Matemática. Zetetiké, Campinas, v. 3, n. 2, p. 7-40, 1995. DOI: https://doi.org/10.20396/zet.v3i3.8646908. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/view/8646908. Acesso em: 27 fev. 2023. [ Links ]

PRADO JÚNIOR, C. Dialética do Conhecimento. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1963. (Tomo 1). [ Links ]

RÍBNIKOV, K. História de las matemáticas. Moscú: Mir, 1987. [ Links ]

ROQUE, T. História da matemática: Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. [ Links ]

SALIS, F. Fictionalism. In: BRANQUINHO, J.; SANTOS, R. (Eds.). Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2014. p. 1-17. [ Links ]

SHAPIRO, S. Filosofia da Matemática. Lisboa: Edições 70, 2000. [ Links ]

SILVA, J. J. Filosofias da Matemática. São Paulo: Editora UNESP, 2007. [ Links ]

TRABATTONI, F. Reminiscência e metafísica em Platão. Revista Archai, Brasília, n. 26, p. 1-16, 2019. DOI: https://doi.org/10.14195/1984-249X_26_7. Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/index.php/archai/article/view/1984-249X_26_7. Acesso em: 23 jul. 2020. [ Links ]

1O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Brasil - Código de Financiamento 001.

2Georg Kreisel (1923-2015), matemático nascido na Áustria, que realizou estudos no campo da Matemática, Lógica e Filosofia.

3De acordo com Bueno (2013), o nominalismo em matemática é uma concepção segundo a qual os objetos matemáticos, as relações e as estruturas não existem, ou não existem como objetos abstratos. Nessa corrente, há diferentes formas de responder ao problema ontológico dos objetos da matemática: ficcionismo matemático, nominalismo deflacionário e estruturalismo modal. Devido ao objetivo do presente trabalho e da profundidade e extensão da discussão sobre essas correntes, não a abordaremos pormenorizadamente, assim como as outras correntes antirrealistas. Para mais aprofundamentos, consultar Castro (2014), Shapiro (2000), Bueno (2013) e Salis (2014).

4Para Roque (2012), a falta de fontes e o enviesamento dos textos disponíveis permitem a dúvida em relação à existência de um matemático chamado “Pitágoras”. Por isso a opção, neste texto, pela referência aos “pitagóricos” quando as ideias são atribuídas a Pitágoras em diversos textos.

5Segundo Japiassú e Marcondes (1985), o termo mónada foi utilizado na filosofia antiga para designar aqueles tipos de elementos simples, segundo os quais o universo é composto. Por sua vez, Platão utilizou-o relacionado às ideias ou às formas. No começo do pensamento moderno, o termo foi retomado e passou a ocupar uma posição central no pensamento de Leibniz.

6Os Elementos é uma obra escrita pelo matemático grego Euclides de Alexandria, a qual é composta por 465 proposições distribuídas em treze livros. Aborda geometria, teoria dos números e álgebra elementar (geométrica). Conforme Eves (2004), o texto é provavelmente aquele que, com exceção da Bíblia, foi o mais usado e estudado durante a história. Possivelmente, também é um dos que mais exerceu influência no pensamento científico. Segundo o autor (EVES, 2004), é provável que Os Elementos sejam compostos, em sua maioria, por uma compilação de outros trabalhos anteriores a eles, mas, além das prováveis demonstrações e aperfeiçoamentos, propostos por Euclides. Seu mérito está na seleção e no arranjo em uma sequência lógica das proposições.

7Silva (2007) chama a atenção no que diz respeito às “Ideias” e à “forma” possuírem o mesmo significado na filosofia de Platão. No entanto, Silva (2007), para fins de exposição, chama de “Ideia” as Ideias matemáticas propriamente ditas, como, por exemplo, a dualidade, a triangularidade etc. É a referência à “forma” como instância perfeita das Ideias que habitam o mesmo mundo do Ser, mundo transcendente, mas que se difere delas. Quando estivermos nos referindo às “formas” no contexto da filosofia de Platão, estaremos seguindo esse mesmo entendimento.

8A dialética, para Platão, seria o método filosófico que objetiva a ascensão de determinados conceitos a conceitos mais gerais, universais. Sua característica é a busca da verdade a partir de determinado método hierárquico.

9A teoria da reminiscência (anamnesis) descreve o processo de conhecimento como rememoração. Apesar de algumas diferenças entre os escritos de Platão, a essência estaria no fato de que a alma antes de encarnar no mundo sensível tenha tido contado com as Ideias no mundo transcendente. Entretanto, no processo de encarnação, ela se esquece, sendo necessário para que rememore um processo dialético que traz à tona aquilo que já estava presente na alma. Trabattoni (2019) defende a impossibilidade de redução dessa teoria a seu aspecto epistemológico, como ocorre no debate hodierno. É premente considerá-la como condição, em Platão, da possibilidade de operações cognitivas, o que é possível somente pelo seu aspecto metafísico, que envolve a teoria dos dois mundos e a passagem da alma de um a outro desses mundos. Para melhor compreensão dessa teoria, além de textos do filósofo grego, como Mênon, Fédon, A República, entre outros, ver Carneiro (2008).

Recebido: 22 de Setembro de 2020; Aceito: 28 de Abril de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons