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Educação e Filosofia

Print version ISSN 0102-6801On-line version ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.73 Uberlândia Jan./Apr 2021  Epub Jan 11, 2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n73a2021-59375 

Artigos

Desafios e dilemas da condição de trabalho de professores iniciantes no magistério público no DF

Challenges and dilemms of the working condition of initiating teachers in the public magistery in DF

Challenges and dilemms of the working condition of initiating teachers in the public magistery in df

Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-9808-4577; lattes: 3683106502240116

Deise Ramos Rocha** 
http://orcid.org/0000-0002-5608-9425; lattes: 9567141312757077

*Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: katiacurado@unb.br

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Professora no Instituto Federal de Brasília (IFB). E-mail: deise.rocha@hotmail.com


Resumo

Este trabalho se origina nas preocupações voltadas às condições de trabalho de professores que iniciam na docência e tem por objetivo estudar a condição de trabalho do professor no início da carreira, buscando entender os desafios e dilemas enfrentados, no intuito de contribuir com a análise da realidade da atividade docente. O foco é o professor iniciante na Secretaria de Educação do Distrito Federal. Os resultados são obtidos a partir da análise documental em legislações e publicações no Diário Oficial do DF, e na aplicação de questionários e entrevistas. Os dados revelam um quantitativo expressivo de desistentes na carreira, compreendido em um terço dos professores que são aprovados no concurso público, anunciando questões objetivas ligadas as condições de trabalho, nos levando em questionar a necessidade de políticas de formação pensadas a partir da realidade do trabalho docente. Chamamos atenção para a omissão de políticas públicas diante do caso, como um fator condicionador para intensificar ainda mais as dificuldades enfrentadas nesta etapa da carreira. Se espera contribuir para a produção de conhecimento na área de formação de professores no que se refere aos dilemas vividos pelo professor iniciante, visando fundamentar propostas sobre acompanhamento profissional dos docentes iniciantes na carreira.

Palavras-chave: Trabalho Docente; Professor Iniciante; Condições de Trabalho

Abstract

This work originates from concerns about the working conditions of teachers who start teaching and aims to study the teacher's working condition at the beginning of their career, seeking to understand the challenges and dilemmas faced, in order to contribute to the analysis of reality teaching activity. The focus is the beginner teacher at the Education Department of the Federal District. The results are obtained from documentary analysis in legislation and publications in the Federal Official Gazette, and in the application of questionnaires and interviews. The data reveal an expressive number of dropouts in the career, comprised in one third of the teachers who are approved in the public exam, announcing objective questions related to working conditions, leading us to question the need for training policies designed from the reality of the work. teacher. We call attention to the omission of public policies in the case, as a conditioning factor to further intensify the difficulties faced at this stage of the career. It is expected to contribute to the production of knowledge in the area of teacher training with regard to the dilemmas experienced by the beginning teacher, aiming to substantiate proposals on professional accompaniment of teachers beginning in their careers.

Key words: Teaching Work; Beginner Teacher; Work conditions

Resumen

Este trabajo surge a partir de la preocupación por las condiciones laborales de los profesores que se inician en la carrera docente, y tiene como objetivo estudiar como son esas condiciones al inicio del ejercicio profesional, buscando comprender los desafíos y dilemas a los que se enfrentan, contribuyendo así, al análisis de la realidad del ejercicio docente. El foco de estudio son los profesores que inician en la Secretaría de Educación del Distrito Federal (D.F.). Los resultados se obtuvieron a partir del análisis documental de publicaciones y legislaciones hechas en el Diario Oficial del D.F., y mediante la aplicación de cuestionarios y entrevistas. Los datos revelan un número significativo de abandonos en la carrera, constituyendo un tercio de los profesores que son aprobados en el concurso público, debido a cuestiones objetivas relacionadas con las condiciones laborales, lo que nos lleva a cuestionar la necesidad de políticas de formación diseñadas a partir de la realidad del trabajo docente. Resaltamos la omisión de políticas públicas frente al caso, como factor condicionante para intensificar aún más las dificultades enfrentadas en esta etapa de la carrera. Pretendemos contribuir con la generación de conocimiento en el área de formación docente en torno a los dilemas vividos por los profesores principiantes, con miras a fundamentar propuestas sobre el acompañamiento profesional de los docentes al inicio de la carrera.

Palabras clave: Trabajo Docente; Profesor principiante; Condiciones de trabajo

Introdução

A pesquisa se propôs a estudar a condição de trabalho do professor no início da carreira, buscando entender os desafios e dilemas enfrentados. Para caracterizar tais elementos procuraremos considerá-los a partir da natureza do trabalho docente, em que o professor, vivencia tanto na sua formação como na sua trajetória profissional, o ato de ensinar e formar, que estrutura a natureza deste trabalho e é permeado de questões objetivas e subjetivas, tais como as condições de trabalho, a relação professor-aluno-pares, o desenvolvimento curricular entre outras.

O período de iniciação é a etapa em que o professor busca conhecer a sua própria situação e definir os comportamentos que serão adotados no exercício da atividade profissional. Huberman (2000) ressalta o início da docência como o estágio de sobrevivência e descoberta. A sobrevivência está relacionado com o choque do real, no qual entre tantas experiências, o professor passa por um tatear constante, percebe distância entre os seus ideais e as realidades cotidianas da sala de aula. O professor só consegue enfrentar este primeiro aspecto por acontecer paralelamente à descoberta, que é o entusiasmo do professor por estar em uma situação de responsabilidade. Em outras instâncias que provocam sofrimento e dificuldades, pode levar o professor a desistência da carreira docente.

Para a realização desta pesquisa, utilizamos de uma análise documental nos editais de concurso para o magistério público no DF, registrados no Diário Oficial do Distrito Federal e nas legislações para o magistério público da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Também nos debruçamos em 283 questionários com questões fechadas e abertas, aplicados aos professores que ingressaram na carreira do magistério público no DF, pelos editais de 2010 e 2013. O público-alvo para a aplicação dos questionários é justificada na base teórica em Tardiff (2002), compreendo o período de cinco anos como fase iniciante na carreira, por ser a fase em que ainda está consolidando o trabalho docente. A partir dos questionários, foi possível entrar em contato com 10 professores com até dois anos de carreira, que concordaram em ceder entrevistas. O roteiro da entrevista consta com 10 perguntas abertas que permitissem compreender o perfil profissional e as condições de trabalho.

Desafios e Dilemas das Condições de Trabalho

Para iniciar nossa pesquisa, coletamos dados no Diário Oficial do Distrito Federal, entre os professores convocados nos editais de 2010 e 2013 para professor da SEDF. Tal pesquisa nos revela uma incidência de 923 candidatos que não chegam a assumir a vaga/cargo, representando 16% pelo edital de 2010 e 10% pelo edital de 2013. Observando nas Tabelas 1 e 2, pelo edital de 2013 percebemos que há um número menor de convocados, representando uma porcentagem de desistência consideravelmente maior, em proporção aos quantitativos obtidos pelo edital de 2010.

Nas disciplinas como física e química, o quantitativo de nomeações sem efeito atinge uma proporção grande e equivalente ao total de convocados. Observando que a porcentagem de desistentes atinge 18% e 28% respectivamente, no edital de 2010, e 100% de desistentes pelo edital de 2013. Ao observarmos a área de atividades, correspondente aos graduados em pedagogia, obtemos um percentual de 12% pelo edital de 2010 e 13% pelo edital de 2013. O número de desistentes empossados também assusta. Ao solicitar para a SEDF o quantitativo de professores em exercício, e as sua locações, nos deparamos com um total de 2680 professores em atuação, dentre os 3274 que tomara posse pela convocação do edital de 2010, e 1983 em exercício, entre os 2477 que assumiram a vaga pelo edital de 2013. Ao colocar esses dados em porcentagem, teremos um quantitativo de 18% e 19%, respectivamente, de desistentes.

Quadro 1: Convocados por área - Editais de 2010 e 2013 

Concurso / Área Nomeações Nomeações sem Efeito Posse
2010 2013 2010 2013 2010 2013
Artes 258 35 47 2 211 33
Artes cênicas/teatro -- 47 -- 6 -- 41
Artes música -- 38 -- 2 -- 36
Artes visuais -- 29 -- 7 -- 22
Artes/dança -- 18 -- 6 -- 12
Atividades 1936 1165 248 162 1688 1003
Biologia 272 90 93 14 179 76
Ciências naturais -- 26 -- 1 - 25
Educação Física -- 470 -- 13 - 457
Filosofia 91 4 22 0 69 4
Física 81 1 15 1 66 0
Geografia -- 222 -- 27 -- 195
História -- 246 -- 14 -- 232
LEM/espanhol 97 -- 11 -- 86 --
LEM/francês 20 -- 3 -- 17 --
LEM/inglês 162 74 30 8 132 66
Letras/libras -- 17 -- 0 -- 17
Língua portuguesa 513 158 49 20 464 138
Matemática 274 119 73 6 201 113
Música/ diversas áreas 39 4 4 0 35 4
Química 78 1 22 1 56 0
Sociologia 84 5 14 2 70 3
TOTAL POR ANO 3905 2769 631 292 3274 2477
TOTAL 6674 923 5751

Fonte: Vicentim; Lima (2015). Organização de própria autoria.

Do universo de total de professores convocados pelo edital de 2010, 34% desistiram da carreira, e pelo edital de 2013, esse número representa em 29%. Ou seja, basicamente um terço dos professores desistiram da carreira, logo em seu início. Esse número expressivo de desistentes pode estar diretamente ligado às condições de trabalho e condições de valorização profissionais objetivas ao trabalho docente, mostrando aspectos dos dilemas e desafios do ser docente. Esse dado se mostra alarmante, considerando que atualmente o Distrito Federal tenha um dos melhores salários1 entre os professores da educação básica, na esfera nacional, entre outros fatores como o choque de realidade e as dificuldades da docência.

Tabela 1: Professores convocados, desistentes e atuantes - Editais de 2010 e 2013 

Edital de 2010 Edital de 2013 Total
Total de nomeados 3905 2769 6674
Total de nomeação sem efeito 631 292 923
Total de empossados 3274 2477 5751
Total de desistentes 594 494 1088
Total de atuantes 2680 1983 4663

Fonte: Vicentim; Lima (2015). Organização de própria autoria.

A SEDF é dividida em 15 regionais de ensino, aglutinando as escolas pela região geográfica. Nessa repartição, há as regionais de ingresso e as regionais de transferência - destinadas aos professores com um tempo considerável de carreira, e regulado na Portaria nº 29 de 29 de janeiro de 2013, que dispõe sobre os critérios para Distribuição de Carga Horária, os procedimentos para a escolha de turmas e para o desenvolvimento das atividades de coordenação pedagógica e, ainda, os quantitativos de Coordenadores Pedagógicos Locais, para os servidores da Carreira do Magistério Público do Distrito Federal em exercício nas unidades escolares da rede pública de ensino do DF - Distrito Federal. Um fator interessante a ser observado é que o professor em período de estágio probatório, e, portanto, no início da carreira não possui lotação efetiva, mas provisória em uma escola. A sua lotação está como efetiva na regional de ensino.

Essa mesma divisão recai sobre as chamadas escolas modelo - que são as escolas com melhores condições estruturais de desenvolvimento do trabalho educativo, por diversos fatores, como o envolvimento com a comunidade, o nível de formação do corpo docente, a disposição de recursos materiais e de estrutura física, entre outros fatores - que aparentam ter sempre melhores condições de trabalho, e para a qual, professores efetivos e com maior tempo de docência tem preferência para atuar.

A escolha de turma é realizada uma única vez no início do ano letivo (ou semestre letivo, de acordo com a formação disposta pela unidade escolar), segundo dia e horário disposto pela SEDF, em que são observados os componentes curriculares e o cargo concursado ou habilitações para as quais o professor está em disposição para trabalhar. A própria Portaria nº 29/2013 prioriza os professores que tem mais tempo de serviço na SEDF, Regional de Ensino e/ou na unidade de ensino (escola).

Há, ainda, gratificações oferecidas para atuações com o ciclo da alfabetização, educação especial e sala inclusiva, e para unidades localizadas em zonas rurais. Essas gratificações são reguladas também na Portaria nº 29/2013, dando direito de recebê-las o professor que atuar na série/ano ou instituição escolar que entram nas especificidades normalizadas legalmente. Em nosso entendimento, turmas multisseriadas ou que concentram alunos retidos na série/ciclo, ou mesmo escolas localizadas em zonas periféricas deveriam ter a oferta de uma gratificação extra, por compreendermos que são os professores experientes que deveriam lecionar nessas turmas e escolas, para contribuir com a oferta de uma educação de qualidade ao público atendido nesses critérios.

Esse pensamento coaduna com a mesma lógica da oferta de gratificações para as que já constam na lei, atendendo ao raciocínio de que as especificidades do público da zona rural e turmas de alunos em alfabetização, inclusiva ou especial exigem a presença de professores experientes. A realidade revela um massivo ingresso de professores iniciantes para lidar com as complexidades apresentadas em zonas periféricas e em turmas multisseriadas e de alunos retidos na série/ciclo, o que agrava as condições de professores iniciantes, na fase da aprendizagem da docência (VAILLANT e MARCELO, 2012).

Entre os professores respondentes aos nossos questionários, obtivemos que 57% tem até cinco anos de carreira, e que 42% já tem mais tempo de experiência de docência, no entanto, estão na fase de ingresso na SEDF, revelando muitas apreensões que são vivenciadas pelos professores iniciantes. Entre os professores iniciantes com até cinco anos de experiência docente, obtivemos um número representativo de 30% que se encontram no primeiro ano de carreira, 18% no segundo ano, 14% no terceiro ano, 11% no quarto ano e 25% no quinto ano da docência.

Entre as variantes que levam à escolha profissional pelo curso de licenciatura, 47% revela que o fator incentivador foi a identificação com a área de conhecimento. Do universo total entre os professores respondentes, 41% diz ser por interesse pela profissão. As outras variantes caem em quase metade, revelando que 26% escolheu a profissão pela acessibilidade ao curso, 23% por vocação, 19% por um objetivo de realização pessoal, 14% pelas possibilidades de oferta de emprego. Com um representativo pequeno em relação às outras respostas, 8% revelam que fez a escolha profissional pelo interesse em trabalhar e por gostar de crianças, 6% por influência de familiares, 4% por falta de opções, e 3% por influência de amigos ou por questões financeiras quanto aos custos com o curso de ensino superior. Para responder a esta pergunta, cada respondente poderia marcar mais de uma opção.

Ao indagarmos sobre possíveis interesses por cursar outra graduação, 49% afirmaram ter interesse em fazer outro curso superior, enquanto que quase a metade disse não possuir vontade. Outros 26% disseram não saber ainda se quer se formar em outra especialidade profissional. Comparado com o questionamento se desejam fazer outro concurso para sair da SEDF, 43% disseram que sim, justificando o desinteresse na profissão ligado às questões de desvalorização profissional, condições de trabalho e desgaste físico e emocional. Enquanto que 34% afirmaram querer permanecer na SEDF. Outros 23% não souberam responder.

Esses dados nos revelam ser preocupantes ao nos atentarmos que, conforme já expusemos aqui nesta pesquisa, cerca de 30% desistiram da profissão, o que corresponde a um terço dos professores convocados para o magistério público nos últimos cinco anos. Pelas respostas obtidas, outros 30% revelaram desânimo e desinteresse pela atuação profissional na escola. Essa perca de interesse nos leva a preocupar e indagarmos se a desistência ou o pensar em outros espaços de atuação seja pela perda do sentido de ser professor, ou por não haver um sentido de um projeto de escola conciso que oriente no início/ingresso da carreira.

Entendemos que as análises sobre as condições de trabalho devem ser situadas na conjuntura histórica, política e econômica que as engendram (ANTUNES, 2007). A condição do trabalho docente na atualidade implica em considerar que as mesmas são resultados de uma ordem social objetiva, que infere na relação subjetiva do professor com a atividade. O que afirmamos é que as condições de trabalho do professor são constituídas das determinações da organização do trabalho, e são posições políticas, tomadas em instâncias hierárquicas. Constrói-se uma estrutura de condição de trabalho, que intensifica a atividade docente, permitindo, inclusive, manter o controle sobre a categoria que ensina, e do conhecimento historicamente acumulado pelo homem.

Demandas das condições de trabalho são enfrentadas pelos profissionais da educação, quando é possível nos debruçarmos sobre a qualidade com que professores exercem sua função na rede pública de ensino, considerada como uma das melhores carreiras de magistério público da educação básica. Com o olhar sobre o professor no início da carreira, é possível perceber que a profissão ainda se intensifica com outras demandas que são postas para esse ciclo da carreira e uma grande preocupação que nos aparece como dado: a naturalização do sofrimento ao ofício da profissão. “Dificuldade”, “tentativa de acerto”, “sofrimento” são palavras que aparecem constantemente, na fala de nossos professores colaboradores entrevistados, mesmo para aqueles que apresentam resistência ao modelo de escola que está posto, e assumem fazer disputa por outro projeto de escola.

Diante disso, condição de trabalho se torna uma categoria estruturante para esta pesquisa. É interessante destacar sobre como esses mesmos fatores vão se mostrando como fenômenos compreendidos nas estruturas diacrônicas e sincrônicas, reveladas ainda nas categorias mediação, contradição, formação profissional. Um está imanente ao outro, e não se pode compreender o objeto sem a totalidade desses intérpretes da realidade.

Partindo de Vaillant e Marcelo (2012), desenvolvimento profissional é também aprendizagem da docência, e por isto, a necessidade e a luta pela valorização de uma formação contínua. Ter um acompanhamento para o início da carreira se mostra importante tanto para as questões pedagógicas, quanto para outros elementos como o acompanhamento à saúde do professor, e para o tramite de questões burocráticas e administrativas como parte do ofício do trabalho. Elementos, esses, que nos aparecem e nos levam a entender que não somente o lidar com o ensinar é um fator preocupante para o início da carreira, e sim, para o professor, como sujeito humano nesse processo que o atinge de diversas formas - físico, emocional e psicologicamente.

Na fala dos professores entrevistados nos aparecem depoimentos os quais daremos ênfase, por enxergar que elas são necessárias: não pode ser naturalizado professores relatarem do desgaste físico e emocional, principalmente em se tratando de profissionais no início da carreira, ou mesmo que muito lhes parece que entram na escola, como docentes, “na marra”, pois os fatores do cotidiano são intensificados quanto aos enfrentamentos das dificuldades. Os questionários revelam em número que 84% dos professores apresentam como aspecto negativo da profissão o desgaste emocional, e 61% que apontam também ser o desgaste físico.

Os professores ingressantes da SEDF que estão entre os cinco primeiros anos da carreira estão cansados e desgastados. Esse dado revela como fenômeno importante para entender as condições de trabalho, e o impacto que isso causa na qualidade de um ensino-aprendizagem. Olhando para o que os questionários nos trazem, 53% dos professores que ingressaram como professores efetivos pelos editais de 2010 e 2013 assumiram a sala de aula logo no primeiro dia de aula, sem qualquer suporte de acompanhamento e contextualização desse professor.

Ao indagarmos quais são as informações repassadas ao professor, em sua chegada a escola, nós temos um dado de que 69% dos ingressantes obtiveram acesso a informações sobre a estrutura física da escola, se tratanto sobre os ambientes, material pedagógico, materiais didáticos de apoio, entre outros fatores que pudessem aparecer. 35% tiveram informações sobre a estrutura pedagógica, correspondendo ao planejamento curricular ou da escola, as formas de avaliação que a escola adere, o Projeto Político Pedagógico, sobre os encontros pedagógicos, documentos, currículo, etc. 27% foram informados sobre serviços de apoio ao professor e ao aluno. 67% foram informados sobre regras funcionais como horário, regimento, procedimentos administrativos, pedagógicos, disciplinares, etc. 56% desses professores foram repassadas informações sobre a rotina. 33% foram informados sobre o perfil da turma.

Mesmo que corresponda a uma porcentagem que represente menos da metade do total de respostas obtidas, queremos chamar a atenção, alarmando para o fato de que 31% dos professores não foram informados sobre a estrutura física, 33% não foram informados sobre as regras funcionais, 44% não foram informados sobre a rotina da escola. Agravando a situação, 67% de nossos respondentes não foram informados sobre o perfil da turma que iria assumir, 73% não foram informados sobre os serviços de apoio ao professor e ao aluno; e 65% não obteve informações sobre a estrutura pedagógica.

E um percentual pequeno, entretanto, bastante representativo de 4% que não teve acesso a nenhuma das informações listadas. Supondo que esses 4% correspondem aos 53% que assumiram a turma no primeiro dia de aula, há de se imaginar sobre quais condições esse professor teve que trabalhar, e as possíveis dificuldades com o ensino dos conteúdos e a relação com a turma, tão veemente apontados nas pesquisas levantadas, como um fator sério a ser considerado no acompanhamento pedagógico do professor em início de carreira. Chamamos a atenção para a fala de uma de nossas professoras entrevistas, “parece que a gente entra na escola na marra”, são demonstrados em número, sobre como o choque de realidade é um fator objetivo e inerente a um projeto de escola que peneira os professores que se mantém na carreira, e os professores que fazem parte do um terço que desiste da carreira, ou mesmo correspondem 43% que querem fazer outro concurso público para sair da SEDF.

Ainda fazendo relação entre o que os professores respondem nos questionários e o que respondem nas entrevistas, adentramos na relação entre os pares e a equipe gestora. No questionário, ao indagarmos sobre o nível de receptividade dos pares ao se apresentar à escola, entre as variantes péssima, ruim, regular, boa ou ótima, obtivemos um percentual relativamente positivo, ao avaliarem a coordenação, a equipe gestora (diretor e vice-diretor), professores e alunos (sendo estes responsáveis pela porcentagem mais alta), com porcentagens acima de 30% em cada uma das variantes “boa” ou “ótima”. Para a variante “regular”, o percentual se demonstra relativamente mediano, em relação aos demonstrados afirmativos, com um representativo acima de 20%. E para as variantes “péssimo” ou “ruim”, nenhuma atingiu uma porcentagem acima de 10%.

Entretanto, apenas duas de nossas entrevistadas não relataram nenhum tipo de conflito com os pares, dois professores (do sexo masculino) relataram ter uma relação relativamente boa ou harmoniosa, e os outros seis professores relataram ter conflitos com os pares, que variam entre as divergências de técnicas, saberes e competências pedagógicas, valores morais e éticos, ao passo que entendemos serem fatores ligados ao projeto de escola ou ao fazer pedagógico. Entre nossos entrevistados, há professoras relatando a resistência com a técnica nova de ensinar e relatando a possibilidade de haver acomodação por parte dos pares mais velhos. Outro fator alarmante, é que duas professoras chegam a evidenciar em suas falas o assédio por parte dos pares mais velhos com mais tempo de carreira na educação pública, podendo ser ligadas a distância entre idade e ao fato de serem novas na escola. Uma das professoras relata até mesmo a ocorrência de uma docente mais experiente adentrar em sua sala de aula e interferir na relação professor e aluno, por duas vezes, sem que lhe fosse solicitado.

Os relatos de conflitos entre iniciantes e professores já experientes se pautam com bastante frequência no confronto de ideias, de ligadas a questões morais e de valores, ou mesmo porque os professores iniciantes/ingressantes trazem novas ideias e maneiras de ensinar, o que viria a “desestabilizar” o modo de ensinar construído há tantos anos. Ocorre-nos que para além do conflito inerente ao modo de como articula a prática pedagógica, e com isso, a maneira de lidar com o conhecimento, esses professores mais antigos na docência, pela fala das professoras, demonstram também já ter desistido da carreira, quando se escutam falas como “quando eu entrei eu também queria fazer diferente” ou “você ainda está nova, pode mudar de carreira”.

Os questionários também nos trazem que entre uma escala de um a sete, os professores e os coordenadores são pares que auxiliam na aprendizagem da docência, com uma nota de grau cinco. Entretanto, 47% dos respondentes avaliam em grau sete a importância do auxílio dos professores para o início da profissão, e 39% também em grau sete para os coordenadores. Esse quantitativo revela que o tempo inteiro, a relação entre os pares demonstram contradições que ocorre nas relações entre o aprender a profissão, a sensação de isolamento ou contentamento com o trabalho coletivo da escola, nas divergências e convergências com um projeto de educação, e que são relações que vão formando o projeto coletivo de escola, ou que mesmo propiciam para que o contrário aconteça: a não existência de um trabalho coletivo porque não há um trabalho coletivo.

Entre o total dos professores respondentes aos questionários, 77% dão valor atributivo de muito importante para o trabalho coletivo, na aprendizagem da docência. Isso também nos leva a entender que tanto o valor positivo quanto o valor negativo das relações contribuem para uma aprendizagem. O fato é que, o trabalho coletivo, no modo como ele funciona também propiciará a forma como os professores se relacionam. A entrevista cedida pela professora identificada como FPED-30 revela a força e contentamento com o trabalho coletivo na escola em que ela está, porque há um projeto coletivo construído pela escola. Ter um projeto de escola se torna importante porque o projeto é quem orienta nas relações entre os pares, e na prática pedagógica dos professores. Essa afirmação nos leva a perceber que também gera impacto nas condições de trabalho.

Na fala entre os professores entrevistados, há o reconhecimento de que a gestão é uma liderança importante e influente na forma de funcionar o trabalho docente na unidade escolar. Quando o professor MPED-33 nos relata que “eu percebi que por mais que estivesse solto na escola que eu tivesse esse sentimento a escola em momento nenhum foi impedimento foi entrave que me impedia tocar algum tipo de projeto muito pelo contrário teve muito espaço”, é possível perceber que a ausência dessa liderança também é provocativa, e pode culminar em ações positivas de um professor encabeçar e tornar-se líder no processo do trabalho coletivo, que aos poucos vai envolvendo outros profissionais e alunos, ou pode reforçar a sensação de isolamento relatado por FBIO-23 e FPED-27, que tocam suas ações pedagógicas sozinhas.

A professora FPED-23 vai nos relatar que a gestão ainda pode reforçar as relações hierárquicas de tempo de profissão, ao fazer observações sobre como a gestão em relação a professores mais antigos na unidade escolar. Mais de um professor ainda relata que a postura da gestão conduz para uma boa ou má estrutura de trabalho e de desenvolvimento de atividades pedagógicas. E ainda a ausência de liderança de uma gestão que faça atividades receptivas, que informe e acompanhe esse professor iniciante, com o cuidado sobre a aprendizagem da docência como a qualidade do ensino-aprendizagem dos alunos são impactos multideterminantes para a constituição de um projeto de escola e do trabalho docente.

Considerações finais

Diante da síntese exposta sobre os dilemas e desafios com que os professores iniciantes se deparam nessa etapa da carreira, e o quantitativo revelado de desistentes, nossa proposta culmina na defesa de uma política de formação continuada, que embase um programa de recepção, acompanhamento, formação e avaliação do professor iniciante na carreira, a partir da realidade do trabalho docente. Não é o direcionamento apenas para o saber fazer pedagógico-didático, mas para a totalidade de elementos que estão presentes no cotidiano.

Elementos como precarização e intensificação das condições de trabalho (ANTUNES, 1995; 2007; KUENZER e CALDAS, 2009; OLIVEIRA, 2005), além de se explicitar dilemas e desafio, demonstram as questões estruturais a serem enfrentadas para a inserção docente. Constata-se com isso, que o trabalho docente não pode estar dissociado, mas sim, precisa buscar a unicidade de modo participativo em diferentes dimensões, não se processando única e exclusivamente nas perspectivas técnica e ou cognitiva, mas de forma ampla, de modo que possa atender as condições de realização de subjetivação do ser.

A partir da pesquisa e dos estudos, constatou-se que a desvalorização docente é histórica e continua na atualidade e se mostra como entrave para a permanência na carreira docente. As respostas mostram uma árdua realidade que assola a categoria docente. Pelos estudos realizados, foi possível perceber que para o binômio trabalho e condições, no Brasil houve poucos avanços. Políticas públicas que avancem no sentido do acolhimento (inserção) e invista nas condições de trabalho são caminhos adequados para a inserção docente que tanto angústia os profissionais da educação.

Portanto, o que nos alarma não é falta de um programa oficial que pense no professor em início de carreira, mas sim, a omissão diante do caso: agravar a situação do professor na fase das descobertas e choques de realidade, ao iniciar no magistério, dificulta ainda mais as condições com que o professor perpassa nesta etapa da carreira.

Defendemos o espaço escolar como a instituição social responsável pelo desenvolvimento intelectual científico do sujeito. Essa é a função da escola. A escola, enquanto instituição isolada não consegue desenvolver esse papel por se sobrecarregar com as múltiplas diversidades e situações vivenciadas cotidianamente e que se relacionam diretamente com a sociedade.

Todas essas são ideias que, a partir dos dados obtidos, se espera que possamos produzir conhecimentos na área de formação de professores no que se refere aos dilemas vividos pelo professor iniciante, visando contribuir para a fundamentação de propostas sobre acompanhamento profissional dos docentes iniciantes na carreira no magistério público, na educação básica. E apresentar critérios e princípios relativos aos maiores desafios vivenciados e as possibilidades de acompanhamentos como base para pensar as condições de trabalho e propor programas de formação contínua dos professores da educação básica.

Referências

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1Vencimento básico inicial estimado em R$3.929,70. Fonte: Edital nº 01, de 04 de setembro de 2013, publicado no DODF nº. 185, em 05/09/2013, pág. 76.

Recebido: 18 de Fevereiro de 2020; Aceito: 30 de Junho de 2021

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