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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.74 Uberlândia maio/ago 2021  Epub 15-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n74a2021-58994 

Artigos

Elementos para uma psicopedagogia da cultura digital*

Elements towards a Psychopedagogy of Digital Culture

Elementos hacia una Psicopedagogía de la Cultura Digital

Marcus Vinicius de Souza Nunes** 
lattes: 6806171853753974; http://orcid.org/0000-0002-7340-4642

**Doutorando em Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: mvinicius.snunes@gmail.com


Resumo

a cultura digital é um paradigma emergente que coloca questões a serem tratadas pelas mais diversas áreas do conhecimento. A educação é uma das áreas mais questionadas, exigindo-se dela uma constante renovação para acompanhar as mudanças que o mundo digital provoca no processo de aprendizagem. A psicopedagogia da cultura digital é uma proposta epistemológica de reflexão sobre o processo de aprendizagem permeado por desafios informacionais e comunicacionais. Nesta pesquisa, fazendo análise de bibliografia no campo da psicopedagogia, mas também da teoria da comunicação e da filosofia da mente, propomos um quadro teórico que visa fundamentar tais exigências epistemológicas em educação. Apresentamos, por fim, alguns elementos teóricos, advindos das demandas da cultura digital, que permitem-nos pensar um outro paradigma psicopedagógico e outra abordagem da aprendizagem.

Palavras-chave: Educação; Cultura Digital; Psicopedagogia; Epistemologia; Fundamentos da Educação

Abstract

digital culture is an emerging paradigm that poses questions to be addressed by the most diverse areas of knowledge. Education is one of the most questioned areas, requiring a constant renewal to accompany the changes that the digital world causes in the learning process. The psychopedagogy of digital culture is an epistemological proposal of reflection on the learning process permeated by informational and communicational challenges. In this paper, making bibliographic analysis in the field of psychopedagogy, but also in the theory of communication and the philosophy of mind, we propose a theoretical framework that aims to base such epistemological demands on education. Finally, we present some theoretical elements, coming from the demands of digital culture, which allow us to think of another paradigm psychopedagogic and another approach to learning.

Keywords: Education; Digital Culture; Psychopedagogy; Epistemology; Foundations of Education

Resumen

La cultura digital es un paradigma emergente que pone cuestiones a ser tratadas por distintas áreas del conocimiento. La educación es una de las más cuestionadas, exigiéndose de ella una renovación continua a fin de acompañar los cambios que el mundo digital provoca en el proceso de aprendizaje. La psicopedagogía de la cultura digital es una propuesta epistemológica de reflexión sobre el mismo proceso de aprendizaje, traspasado por retos informacionales y comunicacionales. En esta recerca, haciendo uso de análisis bibliográfica en el campo de la psicopedagogía, así come de la teoría de la comunicación y de la filosofía de la mente, proponemos un cuadro teórico que intenta fundamentar tales exigencias epistemológicas en educación. Presentamos, al fin, algunos elementos teóricos, desde las demandas de la cultura digital, que nos permiten pensar otro paradigma psicopedagógico y otro abordaje del aprendizaje.

Palabras clave: Educación; Cultura digital; Psicopedagogía; Epistemología; Fundamentos de la educación

Introdução

O mundo da tecnologia, da informação, da comunicação, do uso das mídias e plataformas digitais já não é mais uma novidade. A cada dia que passa, todavia, os processos educativos são mais e mais desafiados por essa pletora de conceitos, dispositivos, aparatos eletrônicos, softwares. A emergência pandêmica do COVID-19, até agora o fato do século, acelerou processos de digitalização e pôs a descoberto o profundo fosso social e tecnológico entre sociedades do primeiro mundo de um lado, e sociedades emergentes e do terceiro mundo de outro. Além disso, dentro do mesmo país, como é o caso brasileiro, a distância entre pobres e ricos se faz sentir quando os filhos de uns e de outros precisaram usar tecnologias digitais para continuar seu processo escolar.

Isto é apenas uma parte daquilo que nós chamamos as ambiguidades da cultura digital. Não é mais uma cultura à parte, um evento passageiro, mas um novo meio ontológico no qual vivemos. Neste artigo nos perguntamos pelo papel da psicopedagogia nesse contexto e pelos elementos epistemológicos que uma reflexão psicopedagógica pode oferecer à educação.

A psicopedagogia é um olhar específico, com suas características próprias, sua metodologia, seu método de intervenção e processo diagnóstico, sua base teórica e seu procedimento prático, que tem como objeto o sujeito aprendente e os processos inerentes à aprendizagem. Será que é possível falar de uma psicopedagogia da cultura digital? Mais que isso, será que é necessário tratar deste tema? Adiantamos que a nossa resposta é afirmativa nos dois casos.

Este trabalho se situa no campo da reflexão teórica sobre os fundamentos epistemológicos da psicopedagogia como uma ciência do sujeito aprendente e em sua relação com o processo educativo em seu amplo sentido, como educação escolarizada e como processo cultural e social. Pensamos ainda em como a psicopedagogia pode contribuir para aprofundar a reflexão em ciências da educação sobre as relações entre os sujeitos aprendentes e a cultura digital. Para alcançarmos o nosso objetivo, tendo este escopo metodológico, fizemos largo uso da bibliografia especializada, apresentando nossa argumentação em quatro tópicos.

No primeiro tópico, tentamos nos aproximar da psicopedagogia, dos principais momentos da sua história, suas principais tendências, seu objeto e corte epistemológico. No segundo tópico buscamos formular um conceito de cultura digital. Fizemos isso apresentando reflexões no campo da filosofia da mente e da teoria da comunicação. Procuramos indicar também as contradições da cultura digital, a nova ontologia e os problemas epistemológicos que implica. No terceiro tópico apresentamos as conquistas e limites de algumas posições teóricas em psicopedagogia e a necessidade de uma epistemologia emergente para responder às questões levantadas. Por fim, à maneira de conclusão, indicamos as características que são necessárias, mas talvez não suficientes, para fundamentar uma psicopedagogia da cultura digital.

Uma aproximação à psicopedagogia

Numa primeira definição e, por consequência sumária, tomamos a psicopedagogia como uma ciência da aprendizagem: preocupa-se com as relações entre os sujeitos em seu processo de educação e escolarização, com as instituições educativas e com as dificuldades no processo de aprender. Começa a se desenvolver na passagem do século XIX ao XX na Europa, como um saber dependente da ciência médica e da pedagogia. O posterior desenvolvimento da psicanálise, da epistemologia genética de Piaget, da psicologia de Wallon e das teorias da aprendizagem como um todo foram, pouco a pouco “liberando” a psicopedagogia de sua dependência da medicina, distanciando-a do paradigma patogenético. Detenhamo-nos um pouco mais pormenorizadamente em alguns momentos desse processo.

No início a psicopedagogia preocupou-se exclusivamente com a patogênese das dificuldades de aprendizagem. Sob esta preocupação escondiam-se vários pré-conceitos teóricos. Primeiro, que uma dificuldade de aprendizagem se constitui necessariamente em patologia. Ora, excetuando-se os fatos ontogeneticamente dependentes de distúrbios e necessidades especiais manifestas, que acarretam uma dificuldade no processo de escolarização, por que uma mudança no ritmo de aprendizagem deva obrigar o psicopedagogo a orientar-se pela patogênese? Neste paradigma, a psicopedagogia é uma atividade dependente da ciência diagnóstica: o pedagogo percebe uma deficiência, o sujeito é encaminhado a um psiquiatra, um diagnóstico qualquer é realizado (TDAH, por exemplo) e o psicopedagogo torna-se o agente que realiza a adaptação do sujeito à instituição. Esta era uma abordagem centrada na institucionalização dos sujeitos, na escolarização.

O segundo pré-conceito que este paradigma põe em relevo é a própria posição epistemológica da psicopedagogia. Claro, esta tem um caráter híbrido, inter e multidisciplinar (CASTANHO, 2018). Posicionada entre as ciências da saúde, em especial no campo do mental, e as ciências da educação, a ciência psicopedagógica é um saber sobre a saúde escolar, sobre a saúde institucional, ou ainda, sobre a saúde aprendente. Para isso, tem de se alimentar dos dados das mais variadas epistemes: educação, psicologia, psicanálise, fonoaudiologia, linguística, neurociência, motricidade. Isto, entretanto, não faz dela uma ciência dependente.

A falta de regulamentação da profissão, como é o caso da legislação brasileira, que causa uma incerteza do lugar desse saber, apenas põe em relevo o quanto as produções discursivas, os regimes de saber e as tecnologias de poder, os regimes políticos, são codependentes nas sociedades modernas (FOUCAULT, 2007). Pensar o lugar político da psicopedagogia deve nos levar a pensar seu lugar epistemológico, que de maneira alguma redunda de sua novidade, já que a psicopedagogia nasce e se desenvolve no mesmo período do grande boom das ciências humanas e sociais.

Ao migrar para a América Latina, em especial para o Brasil, a psicopedagogia precisou preocupar-se com outro campo de demandas, que novamente pôs seu estatuto epistemológico em questão. Os problemas sociais, a pobreza endêmica, os limites da educação formal, exigiram do psicopedagogo ampliar o seu olhar da relação indivíduo-instituição escolar para as condicionantes socioeconômicas. Descobre-se o sujeito no processo de aprendizagem como um sujeito socialmente e historicamente situado.

Dois ramos se firmaram como instituintes do olhar, da escuta e do discurso psicopedagógicos: a psicopedagogia clínica e a psicopedagogia institucional. Não são duas ciências diferentes, mas duas abordagens distintas e complementares.

A psicopedagogia institucional é centrada nos indivíduos inseridos na instituição educativa, seja a escola, a universidade ou outra. Hoje não está mais restrita à adaptação dos sujeitos ao processo de educação formal, mas é uma formadora do desejo de aprender. Isto significa dizer que “o psicopedagogo é aquele profissional que busca intensamente despertar o desejo de saber do sujeito e, como um espelho, pode realçar suas potencialidades escondidas até então não reveladas” (BASTOS, 2015, p. 21). A psicopedagogia não está na escola, na universidade, ou outra instituição, para tratar deficiências, inabilidades ou transtornos. É uma ciência geradora, que estimula os sujeitos, por meio de intervenções com técnica própria, a explorarem o seu potencial de aprendizagem, cognitivo e emocional.

A outra abordagem instituinte da psicopedagogia, a clínica, como o nome sugere, está vinculada ao atendimento em consultório de sujeitos, em geral com dificuldades de aprendizagem. O paciente/aprendente que chega na clínica psicopedagógica costuma ser enviado por outros profissionais (professor, psicólogo, psiquiatra, fonoaudiólogo), a fim de auxiliá-lo a sanar um limite e/ou dificuldade de aprendizagem. O psicopedagogo clínico é, por vocação, parte de um grupo multidisciplinar que, embora os seus membros não trabalhem juntos e coletivamente, está pressuposto na totalidade do cuidado. Um psicopedagogo não faz diagnóstico de transtornos, não trata questões psicológicas ou outras não inerentes ao processo de aprendizagem. Na emergência de tais questões recomenda ao sujeito, ou a seus responsáveis legais, a busca de profissionais competentes na área.

A atual prática clínica em psicopedagogia não pode ser confundida com o mero tratamento do sintoma. Mais que isso, é “uma escuta” orientada para “a singularidade do sujeito” (BASTOS, 2015, p. 32). Cada indivíduo é único, “com estilos próprios de aprender ou de não aprender” (BASTOS, 2015, p. 31). A clínica psicopedagógica não é uma “clínica normalizante”, um olhar classificatório que impõe a pecha de normal ou não-normal ao sujeito (FOUCAULT, 2006). É uma ferramenta que qualifica o sujeito, a partir do diagnóstico do sintoma, a elaborar uma narrativa e a desenvolver habilidades que o ajudem a lidar com os conflitos que o levaram a uma tal dificuldade ou limite.

Dessas duas abordagens principais surgem outros olhares psicopedagógicos. Hoje temos uma psicopedagogia hospitalar, que além de lidar com os pacientes em idade escolar nas suas dificuldades específicas, enquanto sujeitos em situação de enfermidade, também aborda o hospital como instituição educativa. Temos ainda uma psicopedagogia empresarial, direcionada à educação corporativa. Há também a psicopedagogia comunitária, voltada aos instrumentos e ambientes não formais de educação nas comunidades, com forte acento nas questões sociais. Todas estas abordagens, a nosso ver, são dependentes da articulação clínica-institucional.

A psicopedagogia é uma ciência em movimento, voltada à escuta dos sujeitos aprendentes. Segundo Maria Cecília Almeida e Silva (2019, p. 30) é uma ciência do eu cognoscente pluridimensional, do eu que conhece e que envolve nesse conhecer várias dimensões do seu ser: corpo, cognição, desejo. Por conseguinte, deve ser uma ciência aberta à percepção das várias mudanças pela qual passa o sujeito humano e que envolvem especificamente compreendê-lo enquanto um ser que conhece. Especial acento deve ser colocado nas últimas décadas do século XX, e no início do XXI, onde podemos destacar muitas mudanças sociais, políticas, econômicas, éticas e culturais que influenciam o processo de aprendizagem.

Talvez a mais significativa mudança é a que envolve o amplo campo da cultura digital. A nossa pesquisa no campo psicopedagógico nos leva a afirmar a emergência de uma psicopedagogia da cultura digital, uma prática que não apenas usa tecnologias digitais no seu trabalho, mas que é epistemologicamente instituída como um saber digital. Mas, para chegarmos a tal afirmação, ainda nos é necessário esclarecer o que entendemos como cultura digital, o que faremos no tópico seguinte.

Cultura digital: mente computacional e o ser humano do futuro

A despeito dos exageros dos tecnofóbicos e dos tecnofílicos, do extremo da desconfiança e da confiança exacerbada, o ser humano é um ser tecnológico (SANTAELLA, 2016). E não é tecnológico há pouco tempo. Mais que isso, o ser humano sempre produziu tecnologias para si mesmo, sempre agiu destacando-se da natureza. Esta é a sua característica mais eminente: não somos apenas homo sapiens, nem apenas homo rationalis, mas homo faber, um homem que produz, que cria, e talvez mais ainda homo agens, uma espécie agente.

A primeira cena do filme 2001: Uma Odisseia no espaço (2001), originalmente lançado em 1968, do diretor Stanley Kubrick, é muito significativa a esse respeito. Quando um pitecantropo, um macaco humanoide, pela primeira vez toma um pedaço de osso e olhando-o enxerga um algo para fazer algo, um instrumento, e com ele mata outro pitecantropo, demos o salto inicial humanizante. É o “pecado original”, o momento em que nos separamos da ingenuidade dos primórdios e nos afirmamos como seres intencionais, por mais difícil e filosoficamente complexo que seja dar um conceito exato de intencionalidade. Mas o artista captou o espírito da coisa. Quando o pitecantropo termina de matar o outro da sua espécie com a ferramenta que aquele pedaço de osso acabara de se tornar e lança a ferramenta no ar, a próxima cena já é uma nave espacial num futuro incerto. O que há no meio de uma coisa e outra é uma única história de desenvolvimento tecnológico e, até certo ponto, irrelevante.

O momento tecnológico que vivemos, contudo, tem uma textura própria. Sempre usamos ferramentas, ou ao menos, enquanto humanos somos potencialmente usuários de ferramentas. Entretanto, fora do uso essas ferramentas eram inertes. Um martelo parado numa caixa não é uma ferramenta. Ele não faz nada, não age. Apenas no uso que fazemos dele, ele se realiza enquanto martelo. É uma explicação um tanto aristotélica, de fato, mas que evidencia algo fundamental: o martelo, a ferramenta, não conhecia um modo de ação independente do momento em que o usamos.

Depois da Segunda Grande Guerra (1939-1945), com o desenvolvimento da computação, primeiro para fins militares e depois para fins comerciais e privados, passamos pela revolução dos instrumentos. Um celular não é uma ferramenta com a mesma textura que um martelo. Um celular é capaz de comunicar, capaz de partilhar informação. Lidamos com ferramentas inteligentes, que são capazes de comunicar-se com humanos e entre si. M2M é uma sigla em inglês utilizada no mundo da tecnologia que indica a capacidade de uma máquina comunicar-se diretamente com outra, sem a intervenção de um humano. Isto inaugura a nova fase da internet, a IoT (Internet of things), internet das coisas.

Desde quando Alan Turing, pai da computação, lançou o artigo Computational machinery and intelligence (1950) temos nos deparado com novos problemas. Turing se perguntava se uma máquina poderia pensar, se ela teria inteligência. Sua resposta era afirmativa. Mas pensamento e inteligência não são iguais à consciência humana. Ademais, Turing concebia uma máquina calculadora, que é o significado primário de computacional: computar, calcular, resolver problemas, uma máquina que resolve um algoritmo. Uma máquina que resolve problemas para os humanos.

Quando a computação nasce, máquina e ser humano são vistos como entidades radicalmente distintas. O “perigo” que a máquina representa é imitar as ações humanas. Por isso as perguntas mais comuns são se uma máquina é inteligente como um humano, se ela é capaz de pensar como um humano, ou se ela pode ou não ter consciência como um humano. Os dois se emulam, talvez são até hostis entre si, mas permanecem como radical e ontologicamente diferentes.

Esses “perigos” ainda nos rondam. Quando Ray Kurzweil, no livro The singularity is near (2005), lançou o conceito de singularidade, parece que havíamos chegado aos limites do distópico. Uma singularidade é uma máquina capaz de pensar não só tal como o ser humano pensa. O supercomputador do futuro pensa mais que o humano. Isto parece uma realidade irrecusável. Caminhamos para lá, só não sabemos quando. A questão é que os apóstolos de tais ideias tem um dogma básico: que mente e cérebro coincidem e que pensamento é só informação. Assim, uma máquina não só poderia imitar, mas replicar um humano, apagando consideravelmente as diferenças ontológicas entre uns e outros.

Isto não está nem de longe ser resolvido. Segundo João de Fernandes Teixeira em O cérebro e o robô: inteligência artificial, biotecnologia e a nova ética (2015) uma das mais importantes questões a ser tratada em filosofia é o binômio mente-cérebro. Será que podemos reduzir os processos mentais aos processos neuroquímicos? Ou ao contrário, o pensamento é imaterial, não como o conceito metafísico de alma propunha, mas imaterial como a informação computacional?

A própria linguagem que utilizamos para nos referir ao problema mudou. Turing repercutia uma questão do início da modernidade, que apareceu já na filosofia de Descartes: uma máquina pode pensar tal como um humano pensa? Hoje, muitas teses em filosofia da mente, em ontologia, em neurociência, em psicologia e em ciências da educação questionam se os humanos pensam como computadores: seria a nossa mente uma mente computacional?

A nosso ver, estamos nos perdendo no campo das figuras de linguagem, tomando a alusão literalmente. Guy Lefrançois em Teorias da Aprendizagem: o que o professor disse (2018) nos previne que a psicologia opera por metáforas e que a literalidade, isto é, a coincidência total entre o que se diz sobre a psique e o que a psique é, antes de ser uma realidade é um horizonte para o qual toda teoria intenta se dirigir. Entretanto, ainda que a metáfora computacional seja útil em certos casos, ela não é a primeira nem a última a ser usada para explicar a existência de algo como um “aparelho psíquico”.

Além disso, muitos têm usado a metáfora computacional aplicada a outros campos do saber. Assim, o código genético seria tal qual um software, as células se comunicariam compartilhando informações, da mesma forma que computadores partilham informações, e o universo inteiro seria nada além de um gigantesco supercomputador quântico. Para o filósofo John Searle (1997) todos esses são meros modelos explicativos que poderiam ser substituídos por outras teorias mais parcimoniosas. Seriam, por conseguinte, metáforas dispensáveis em ciência, ainda que úteis.

Para Edward Feser em From Aristotle to John Searle and back again: formal causes, teleology, and computation in nature (2016), onde discute os limites da crítica de Searle, é impossível sustentar a metáfora computacional de um ponto de vista meramente materialista. Pensar o universo, a matéria, o código genético ou o funcionamento das células como se operassem tal qual um computador exigiria pensar que compartilham informação de maneira intencional, caso contrário deveríamos fazer recurso a um ser místico que pessoalmente intenciona e programa os seres do mundo. Reconhecer intencionalidade nas coisas implicaria recuperar um modelo ontológico aristotélico, que postula não apenas a existência de causas formais não materiais para a existência dos entes em particular, quanto toda uma noção de teleologia e de causalidade com fim necessário.

Todas essas diversas posições, e outras mais, se dão no campo da diferença e separação entre ser humano e máquina, uma espécie de ideia de “uns contra os outros”. A semioticista e teórica da comunicação Lúcia Santaella nos adverte para outro paradigma que já está presente nessas teorias: o hibridismo. O problema que se impõe não é um corpo e uma psique tal qual uma máquina ou uma máquina que pensa como um humano, mas a profunda simbiose entre ambos. É o paradigma emergente do transhumano, ou como usa Santaella, do pós-humano, ou ainda, pós-biológico.

Ora, quando as coisas começam a adquirir um grau de autonomia a ponto de falar, até mesmo entre si, quando o que costumávamos chamar de tecnologia passa a ficar impregnada de componentes capazes de comportamentos vitais, assim como o reverso, o orgânico indissoluvelmente hibridizado com a tecnologia, surge daí, no coração pulsante daquilo que costumamos chamar de realidade, uma assombrosa reviravolta, que nos coloca diante da necessidade premente de repensar, nas suas raízes mais íntimas, tudo aquilo que herdamos do passado ocidental a título de ontologia e epistemologia. (SANTAELLA, 2016, p. 123).

A ideia de prótese já é uma velha conhecida. Braços mecânicos, pernas mecânicas, até mesmo órgãos internos sintéticos, têm convivido bem com o corpo orgânico há algumas décadas. A grande questão que se impõe é que as próteses ganharam uma característica a mais: têm a capacidade de armazenar informação e de comunicar-se. Não precisamos imaginar nenhum futuro de ficção científica ou distópico para visualizar isso. Tornamo-nos seres híbridos, inseparáveis de nossa tecnologia inteligente, interativa e comunicacional. Basta pensarmos nos celulares, nos computadores, nas tags que abrem portas, nas identificações biométricas que nos dão acesso a caixas eletrônicos, desbloqueiam as telas de nossos celulares, e por aí vai.

O quanto essa nova realidade implica em mundanças na nossa ontologia, isto é, no modo que representamos o mundo e o nosso lugar entre as coisas? No século XX o pensamento, em especial as ciências humanas e suas transversalidades, se depararam com o chamado linguistic turn. A linguagem se tornou opaca, um problema, um tema. As mais diferentes formas de análise do discurso espelham isso, da talking cure psicanalítica à desconstrução como método de pesquisa em educação. Quando as coisas começam a comunicar-se entre si, nosso olhar é tragado de volta à materialidade dos objetos que nos rodeiam. Mais que isso, o corpo que havia substituído o eu das filosofias do sujeito da modernidade (SANTAELLA, 2004), passa a ser questionado pela nossa relação com a tecnologia. Já não é um corpo orgânico, molhado, mas um corpo úmido, em que se misturam as ligas de carbono da matéria orgânica com o silício das secas tecnologias.

Podemos cada vez mais protetizar o corpo, a ponto de haver a pretensão de duplicar os corpos, isto é, de ter vários corpos simultaneamente. O devastador desmoronamento que isso provoca nas confortantes noções de identidade nunca poderá ser suficientemente enfatizado. [...] Quando o corpo e todos os seres vivos tornam-se informação codificada, o que permite a manipulação e a replicação da própria vida, é a transformação ontológica do humano que está em jogo. (SANTAELLA, 2004, p. 31)

Uma nova ontologia, uma nova forma de ser no mundo, exige uma nova epistemologia, uma nova teoria geral sobre as formas possíveis de conhecer essa realidade. Cada vez mais uma separação rígida entre ser humano e máquina, entre sujeito cognoscente e coisas, vai se tornando insustentável. O ser híbrido deixa de ser uma metáfora produzida na ficção e migra para o nosso dia a dia.

Para Santaella (2010) o cotidiano já é permeado pela ubiquidade informacional. Há informação em tudo e em toda parte. Exemplo disso é o uso que fazemos de celulares. Já não são meras ferramentas. Fazem parte do corpo, o integram, são indispensáveis. De certa forma, cumprem a “profecia” de Herbert Marcuse em Eros e civilização (1975): todo nosso prazer, todo nosso gozo, nossa tristeza e alegria, nosso trabalho, se dá em conexão com a máquina. Falhamos, todavia, quando imaginamos uma máquina industrial, pesada, onde o operário passaria seus dias. A máquina é a máquina informacional, comunicativa, que Pierre Lévy no livro Cibercultura (1999), com precisão, analisou sob a perspectiva do “problema da interatividade”.

Cada dispositivo de comunicação diz respeito a uma análise pormenorizada, que por sua vez remete à necessidade de uma teoria da comunicação renovada, ou ao menos a uma cartografia fina dos modos de comunicação. [...] A interatividade assinala mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação, do que uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema específico. (LÉVY, 1999, p. 82).

Duas coisas ainda devemos dizer antes de terminarmos este tópico. Primeiro, assumir esses conceitos apresentados por Santaella e Lévy não significa reduzir toda pesquisa no campo da educação, nas suas múltiplas articulações, à teoria da comunicação. Significa, antes, que o paradigma ontológico e epistemológico emergente, que nos desafia, que nos interpela, é permeado pelas noções de informação e comunicabilidade. Desde Turing temos nos debatido com a possibilidade de os computadores pensarem autonomamente, possuírem uma inteligência independente da humana, muito embora a efetividades dessa possibilidade não indique necessariamente que as máquinas tenham ou possam vir a ter consciência. Esta já é outra discussão, para outro momento. Entretanto, as máquinas são informacionais, as coisas se comunicam entre si. Pensar a educação, mais que nunca, exige pensar a comunicação, a informação, a tecnologia e a simbiose do nosso corpo orgânico e da nossa psique com essas máquinas.

Segundo, conquanto nossa preocupação, neste artigo, seja eminentemente psicopedagógica, não exigimos que a psicopedagogia, como um campo específico do saber, seja obrigada e fornecer os elementos dessa nova teoria da comunicação emergente. Entretanto, a psicopedagogia tem de se deixar questionar por esse paradigma emergente. Como apresentamos neste tópico, a preocupação premente já não é apenas relativa ao uso das tecnologias, ou ao impacto das mesmas. A questão é saber como esse novo ser híbrido, realidade sempre mais cotidiana e corriqueira, aprende nesse novo paradigma.

A nossa intuição teórica é que não basta usar os elementos da cultura digital, ou incorporar tecnologias, ou acolher as demandas informacionais. Mais que isso, é oferecer uma verdadeira psicopedagogia da cultura digital. No próximo tópico apresentamos algumas ideias e conceitos que nos ajudam a pensar essa possibilidade.

Psicopedagogia da Cultura digital

Vimos o quanto tem se complexificado o debate a respeito do desenvolvimento da tecnologia. A característica da inteligência, que hoje reconhecemos nos mais “simples” softwares que rodam em nossos celulares e computadores, parece poder apagar as diferenças entre humanos e máquinas. Mantendo o conceito desenvolvido por Maria Cecília Almeida e Silva (2019), que tipo de eu cognoscente é esse que é objeto da psicopedagogia neste mundo de revoluções digitais?

Em geral, uma ciência clínica faz largo uso de estudos de caso. E não pode ser diferente. No caso emerge o real, ainda que seja o real psicanalítico, o real impossível, irredutível ao discurso. Mas “não basta apenas sistematizar a experiência, é preciso um corte epistemológico para que se realize a passagem de um pré-saber para um saber” (SILVA, 2019, p. 19). De onde, entretanto, emerge o paradigma da decisão, o acontecimento que nos permite estabelecer o corte?

Semelhante questão foi posta também por Jorge Visca (1991), o introdutor da psicopedagogia na Argentina e um dos responsáveis pelo seu desenvolvimento também no Brasil. Relata que no início de seu trabalho manteve uma verdadeira “confusão teórica” pela falta de um referencial epistemológico sólido e que posteriormente o buscou nas “teorias psicanalítica e piagetiana” que, segundo ele, lhe “explicaram os aspectos afetivos e cognitivos” envolvidos no processo de aprendizagem (1991, p. 23). Além dessas corretes, também a psicologia social de Pichon Rivière marcou o desenvolvimento de seu método.

Em outra fase de sua pesquisa, que Visca chama “integracionista”, ele procurou sintetizar os vários elementos das distintas correntes teóricas que aportavam à sua prática psicopedagogia, criando a noção de epistemologia convergente, marca de seu pensamento. Nela aplicava seis modelos, ou “esquemas de aprendizagem” que integravam as bases epistemológicas com os dados advindos da prática-clínica, a saber, “o esquema evolutivo de aprendizagem, o modelo nosográfico, a matriz de pensamento diagnóstica, o processo diagnóstico, a entrevista operativa centrada na aprendizagem e o processo corretor” (VISCA, 1991, p. 24). Visca formou escola, tanto na Argentina quanto no Brasil, e sua teoria constitui uma das mais importantes formulações epistemológicas no campo da psicopedagogia.

O problema com o qual nos deparamos é que tais construções epistemológicas são baseadas numa concepção de sujeito distinto e separado das coisas que conhece. De um lado está posto o eu cognoscente, que apreende objetos, forma representações, desenvolve ritmos de aprendizagem, e do outro estão as coisas. É certo, sabemos, que existem abordagens da aprendizagem de foco mais interacionista, que sublinham a importância das relações com o ambiente e os outros sujeitos. Mas a questão que a cultura digital nos coloca é outra. Não é apenas a interação de dois entes distintos, mas a interatividade como problema (Lévy) e um hibridismo ontológico (Santaella) em que sujeito e objeto se confundem, em que nos tornamos parte de nossos instrumentos informacionais.

No campo metodológico já muita coisa tem sido feita. O desenvolvimento de metodologias ativas aplicadas à educação tem ganhado impulso no Brasil, com a geração de alguns paradigmas teórico-práticos próprios (BACICCH, MORAN, 2018). São metodologias com forte ênfase no uso de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) e com uma característica híbrida. Neste caso, a educação híbrida, ou blended learning, indica que o uso de TDIC não substitui a sala de aula tradicional, mas são integradas na mesma, criando novos modelos, por vez mais ou menos disruptivos.

Outro índice para medirmos a influência da cultura digital sobre os processos de aprendizagem é o impacto dos jogos digitais na educação. O jogo em si não é um desconhecido da psicopedagogia. Ao contrário, o uso do jogo e do lúdico é parte fundamental da intervenção psicopedagógica (BARRERA, 2020). O jogo digital, por sua vez, abre outras perspectivas que começam a ser exploradas: uma nova forma de estruturação do currículo e avaliação (TOMCEAC, ALMEIDA, 2020) e mesmo a experiência de produzir jogos digitais em plataformas apropriadas como parte integrante do processo formativo (ZELTZER et alii, 2020). Tampouco este aspecto passa descurado pela psicopedagogia, onde já há, inclusive, o registro de experiências com oficinas de jogos digitais e o uso de métricas para avaliar o desempenho de aprendentes nelas envolvidos, com resultados altamente satisfatórios (MAMEDE-NEVES 2017).

Entretanto, não se pode deixar de considerar a existência de um olhar sob a ótica do conflito, que mira com desconfiança os resultados das interações entre aprendentes e tecnologias. É uma postura que não tememos pôr a pecha de conservadora, no sentido que não consegue realizar o passo epistemológico que os paradigmas emergentes têm indicado.

A literatura ressalta, ainda, que o aumento dos conflitos familiares geralmente vem acompanhado de menos proximidade do convívio, principalmente em relação ao tempo que adolescentes e pais passam juntos. Quando as tecnologias digitais usadas de forma inadequada e excessiva, entram como catalisação para alterar a forma como o convívio familiar é tratado. Elas abrem uma lacuna nas relações familiares e deixam pais e filhos em mundos totalmente diferentes. (SILVA, SILVA, 2017, p. 90).

Não obstante o mérito de tantas pesquisas que o relato de experiência citado acima indica, tais podem ser incluídas no que chamamos paradigma epistemológico conservador. O seu foco é no uso, quando o horizonte é de simbiose entre nós e a máquina. Mais à frente, a relato indica os malefícios do uso excessivo de mídias, entre os quais se destaca o de desenvolvimento de “características narcisistas, ter comportamento antissocial, tendências agressivas, manias, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, problemas na linguagem escrita e transtornos de atenção e aprendizagem” (SILVA, SILVA, 2017, p. 92). Ademais, indica ainda que os adolescentes “têm mais contato com o mundo digital, e isso gera diversos problemas, devido a estarem sempre dividindo sua atenção entre o mundo real e o virtual” (SILVA, SILVA, 2017, p. 92).

Uma psicopedagogia da cultura digital tem de abrir mão desse paradigma conservador. Isto de modo algum implica que desprezemos as preocupações éticas e de saúde. Não podemos, porém, lançar mão irrefletidamente de conceitos que exigem uma revisão crítica. A diferença entre mundo real e virtual, por exemplo, é uma delas. Embora o conceito de ciberespaço, por exemplo, não seja de todo dispensável, como dizer que há uma separação tão rígida entre esses mundos se todas as nossas relações e mesmo o uso de um banco, ou a abertura de uma porta com uma tag, pressupõe essa comunicação informacional entre as coisas e, portanto, virtual? Ou ainda, como falar em tempo de uso se tendemos, quase que inevitavelmente, a uma ligação permanente do corpo orgânico com a máquina informacional?

Fazer uma psicopedagogia da cultura digital é mais do que refletir sobre o uso de TDIC, ou usar jogos digitais, ou pensar metodologias ativas, ou usar softwares que facilitem o atendimento e a intervenção. É romper com o velho paradigma da escolarização, pois a escola já não é o único, nem o principal, instrumento de informação e formação. É reconhecer que as instituições formais têm o seu papel, mas não detêm o monopólio do processo de aprendizagem. É reconhecer a simbiose que se está operando e que ela não é necessariamente má, nem necessariamente boa, mas ambígua, como é ambíguo tudo que é humano. É permitir a irrupção de um novo paradigma.

Conclusões

Até aqui tentamos apresentar alguns elementos para refletir sobre a possibilidade de uma psicopedagogia da cultura digital. Ainda não falamos que o nome não é fora de propósito. Da cultura digital, porque a psicopedagogia que propomos emerge dessa realidade já não tão nova, mas que insiste em “bagunçar” os nossos esquemas conceituais. Psicopedagogia da, porque nos voltamos em direção à cultura, com todo o aparato teórico-prático que a ciência psicopedagógica construiu ao longo de sua história. A psicopedagogia não é passiva, mas intervém, no amplo sentido de sua intervenção: clinicamente, institucionalmente e epistemologicamente, colaborando com a construção de modelos para compreender os fenômenos emergentes.

Na tentativa de sintetizar nossa proposta, apresentamos sete pontos que podem nos ajudar no projeto da psicopedagogia da cultura digital.

  1. É um projeto prático e teórico: a cultura digital emerge na prática psicopedagógica, seja como um problema a ser resolvido, seja como um instrumento a ser utilizado. É preciso acolher esses elementos que o mundo da prática tem apresentado ao mesmo tempo que se faz uma elaboração de uma teoria correspondente. A ciência psicopedagógica é prática e teórica.

  2. Uma nova psicopedagogia para uma nova ontologia e epistemologia: passamos por uma mudança daquilo que somos. Como a ciência que tem como seu corte epistemológico o sujeito aprendente não vai mudar? As transformações informacionais e comunicacionais a nível planetário, a simbiose humano-máquina, cada vez mais profunda e contínua, não permite que nos acomodemos nos esquemas sujeito-objeto que não dão mais conta de uma ontologia em que coisa e sujeito compartilham o mesmo espaço, interagem, aprendem um do outro.

  3. A cultura digital não é amiga nem inimiga: é uma realidade que se impõe. Não temos de ser tecnofílicos, nutrindo profunda confiança que as novas tecnologias resolverão tudo. Tampouco podemos ser tecnofóbicos, tratando o mundo digital como um inimigo moral que invade as nossas casas e destrói as famílias. O mundo digital é operado por seres humanos, com as suas ambiguidades contradições. Portanto, também será ambíguo e contraditório. A postura da psicopedagogia deve ser crítica, aliás, como deve ser sempre toda postura científica.

  4. Olhar e escuta digitais: segundo Bastos (2015) a marca do fazer psicopedagógico é um olhar e escuta atentos, que sabe reconhecer a singularidade de cada sujeito. Que capacidade temos de desenvolver um olhar e uma escuta digital, isto é, que emergem da cultural digital dialogando com ela?

  5. Uma tarefa ética: a psicopedagogia é uma ciência ética, isto é, uma ciência que potencializa o outro para realizar-se na sua liberdade, da qual o desejo do saber é parte integrante e fundamental. Isso implica que sua reflexão também deve se estender às consequências éticas dos problemas surgidos na cultura digital. De forma alguma isso pode ser confundido com uma visão moralizante. Repetimos, nenhuma tecnologia é, a priori, inimiga de ninguém.

  6. Uma ciência em projeto: já falamos que a psicopedagogia é uma ciência em movimento. Para tal, tem de acompanhar, criticamente, o movimento da cultura. Mas é também uma ciência ainda por fazer-se. Permanece em construção porque o seu objeto (o sujeito aprendente, o eu cognoscente, os processos de aprendizagem) também está em construção. Não sabemos ainda ao certo o que será esse sujeito digital do futuro, mas temos de estar abertos, como ciência dialogante, para conversar com ele.

  7. Permitir-se questionar o próprio paradigma: isto não vale apenas para a psicopedagogia, mas para qualquer ciência. Ter a coragem de reinventar-se, permitir-se um saber falho, incompleto, passível de modificação. O reconhecimento dos limites da pesquisa, do paradigma, da elaboração teórica, é o que permite o avanço da ciência.

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* Pesquisa desenvolvida com financiamento CAPES.

Recebido: 23 de Janeiro de 2021; Aceito: 22 de Setembro de 2021

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