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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.74 Uberlândia maio/ago 2021  Epub 15-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n74a2021-63276 

Dossiê Colóquio Medieval

É a metafísica uma ciência a priori ou a posteriori’? Suárez e a fundamentação da metafísica

Is metaphysics an a priori or an a posteriori Science? Suárez and the foundation of metaphysics

La métaphysique est-elle une science a priori ou a posteriori ? Suárez et le fondement de la métaphysique.

*Doutor em Filosofia, Teologia Católica, Filologia Clássica pelo Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn. Professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). E-mail: cesarcezar@hotmail.com


Resumo

Contra a interpretação de François Courtine, Rolf Darge afirma que para Francisco Suárez a metafísica é uma ciência que trata do ente entendido não como aquilo que pode ser objeto para a mente humana, mas como aquilo que é apto a existir de fato. A metafísica seria uma ciência real, entre outras razões, porque ela é uma ciência a posteriori. Este artigo pretende verificar melhor a afirmação de que a metafísica de Suárez é uma ciência a posteriori. Pois, se de fato for assim, a interpretação realista que Rolf Darge oferece da metafísica de Suárez adquire maior plausibilidade.

Palavras-chave: Objeto da Metafísica; Empirismo; Realismo

Abstract

Against the interpretation of François Courtine, Rolf Darge affirms that for Francisco Suárez metaphysics is a science that deals not with being as that which can be an object for the human mind, but with being as that which is apt to actually exist. Metaphysics would be a real science, among other reasons, because it is a posteriori science. This article aims to verify the claim that Suárez's metaphysics is a posteriori science. If this is so, the realistic interpretation that Rolf Darge offers of Suárez's metaphysics acquires greater plausibility.

Key-words: Object of Metaphysics; Empiricism; Realism

Résumé

Contre l'interprétation de François Courtine, Rolf Darge affirme que pour Francisco Suárez la métaphysique est une science qui traite de l'étant compris non comme ce qui peut être un objet pour l'esprit humain, mais comme ce qui est susceptible d'exister réellement. La métaphysique serait une vraie science, entre autres raisons, car c'est une science a posteriori. Cet article vise à mieux vérifier l'affirmation selon laquelle la métaphysique de Suárez est une science a posteriori. S'il en est ainsi, l'interprétation réaliste que propose Rolf Darge de la métaphysique de Suárez acquiert une plus grande plausibilité.

Mots-clés: Objet de la Métaphysique; Empirisme; Réalisme

Introdução

François Courtine sugere em seu estudo ‘Suarez et le système de la metaphysique’ que o ser real é reduzido pelo doutor Exímio ao ser objetivo, isto é, ao mero poder ser objeto para uma mente, ao mero ser cogitado; assim, seria um ente real mesmo um ente forjado pela mente humana, um fictum; a metafísica teria ‘secretamente’ deixado de ser uma ciência sobre o ‘ser real’ e se tornado uma ciência sobre o ‘ser objeto’1. Esta interpretação, como Rolf Darge coloca, sugere que para Suárez a metafísica não trata do ente ‘real’, mas do ente ‘objetivo’, isto é, do ente como uma estrutura intramental2. A metafísica não trataria propriamente das propriedades, causas e tipos fundamentais das coisas reais fora da mente humana, mas sim daquelas estruturas subjetivas fundamentais do ‘ser objeto’ para a mente humana. A metafísica trataria de tudo aquilo que é pensável sem contradição, isto é, de tudo aquilo que pode ser objeto para a mente humana e, portanto, seria implicitamente uma ciência sobre o objeto da mente humana3. Esta interpretação buscaria confirmar em Suárez uma hipótese histórica, delineada por Heidegger e Gilson, segundo a qual a metafísica sofreu a partir de Duns Escoto, passando por Suárez, Leibniz e Wolff, um processo de subjetivação que termina em Kant, no qual ela deixa de ser ciência do ente real e é transformada numa ciência sobre o que pensável e, portanto, numa ciência sobre estruturas a priori do pensamento e conhecimento humano 4.

Rolf Darge, porém, coloca-se contra esta interpretação e sustenta que para Suárez a metafísica trata do ente ‘real’ e não do ente como objeto do pensamento humano.5 Os conteúdos intencionais de nossos conceitos, os chamados ‘conceitos objetivos’, não seriam separados da realidade concreta das coisas, mas seriam as próprias coisas ou o conteúdo real das próprias coisas6. Haveria nas coisas contingentes do mundo empírico algo de necessário, que as torna objetos possíveis de uma ciência necessária; a metafísica consideraria as coisas contingentes enquanto ente, revelaria as estruturas necessárias do ente real enquanto tal e teria como referência a existência independente do pensamento7. Isto seria confirmado pelo fato da metafísica ser uma ciência a posteriori, que só pode descobrir e explicar as estruturas necessárias do ente real através de uma análise dos conceitos, os quais foram todos obtidos a partir da experiência8.

A interpretação de Rolf Darge me parece mais plausível, tendo em vista o fato de Suárez ter explicitamente colocado a questão sobre o objeto da metafísica no início de suas ‘Disputas Metafísicas’, de ter rejeitado a tese de que a metafísica trata também de entes de razão - isto é daquilo que pode ser pensado, mas não pode existir fora da mente humana - e de ter sustentado que a metafísica trata do ente real enquanto tal - isto é daquilo que é apto a existir fora da mente humana9.

Neste texto, entretanto, pretendo verificar mais especificamente aquele argumento que aparece muito rapidamente no texto de Darge. Como vimos acima, ele sugere que a metafísica é para Suárez uma ciência sobre o ‘real’ e não meramente sobre o ‘objetivo’, porque ela é para Suárez uma ciência a posteriori. Esta sugestão é bastante plausível. Com efeito, é possível traçar um paralelo entre este raciocínio e o pensamento de Kant. Pois parece que para este a metafísica deixa de ser a ciência do real para se tornar uma ciência sobre as estruturas a priori da mente humana, justamente porque para ele a metafísica não poderia ser uma ciência a posteriori10. Com efeito, se a metafísica é composta de proposições necessárias e universais e se, como destaca Norman Kemp-Smith, um pressuposto fundamental do pensamento de Kant é que a universalidade e a necessidade não podem ser alcançadas através de nenhum processo que seja empírico, então é plausível concluir que não há uma ciência metafísica que trata do real fora da mente humana, mas no máximo uma ciência que trata daquilo que a mente a priori exige para algo ‘ser objeto’ para ela11. Assim também, em sentido contrário, se as proposições necessárias e universais da metafísica forem derivadas em última instância da experiência, é plausível concluir que ela trata das estruturas necessárias do ente real.

Neste texto, portanto, pretendo verificar se de fato e em que sentido a metafísica é para Suárez uma ciência a posteriori. Assim, vou primeiro expor resumidamente como exemplo de dedução metafísica sua demonstração da existência de Deus, destacando algumas das proposições que nela aparece a título de exemplo; em segundo lugar, vou mostrar em que sentido estas proposições são ditas a priori, mostrando como podem ser reduzidas a uma explicação ou análise do conceito ‘ente’; em terceiro lugar, vou mostrar como o conceito ‘ente’ é derivado em última instância da experiência, apresentando alguns elementos de sua teoria do conhecimento.

I

Nas Disputas 28 e 29 Suárez busca demonstrar a existência de Deus, entendendo a palavra ‘Deus’ como ente necessário único. Farei uma exposição simplificada desta demonstração com o intuito de destacar algumas proposições que nela aparecem para usá-las como exemplos de proposições metafísicas e depois mostrar em que sentido elas são a priori e em que sentido a posteriori.

Constatamos na experiência que há entes que não existem por si mesmos, mas a partir de outro. Com efeito, constatamos coisas que não existiam e passaram a existir. Ora, antes de existirem, estas coisas não eram nada e no nada não poderia haver algo que tivesse a capacidade de produzir alguma coisa. Uma coisa, portanto, não pode produzir a si mesma. Assim, se uma coisa não existia e passou a existir, então já existia algo antes que tinha alguma capacidade de comunicar a existência para aquilo que foi produzido. Constatamos, portanto, na experiência que há entes que existem a partir de outros entes12.

Entretanto, se há entes que surgiram a partir de outros entes pré-existentes, este outro ente pré-existente, por sua vez, pode também ser um ente que não existe por si, mas cuja existência ele recebeu de um terceiro. Não se pode, porém, seguir ao infinito numa cadeia de entes que só existem por que recebem sua existência de outro, isto é, não se pode ir ao infinito numa cadeia de entes dependentes. Deve haver pelo menos um ente que existe por si, isto é, deve haver pelo menos um ente necessário e independente. Com efeito, uma cadeia infinita de entes dependentes seria um conjunto composto de um número infinito de membros todos eles dependentes. Caberia então perguntar: seria este o conjunto composto por um número infinito de membros dependentes necessário e independente? Evidentemente que não, pois o ser do conjunto não é distinto do ser dos membros do conjunto. Se todos os membros-indivíduos de um conjunto são dependentes, então o conjunto como um todo é dependente. Assim, não se pode negar a existência de pelo menos um ente independente e necessário. Com efeito, ao se negar a existência de pelo menos um ente necessário, supõe-se que haja uma série infinita de entes dependentes, recebendo cada um dos quais recebendo sua existência do ente anterior ao infinito. Supõe-se, portanto, que de fato existe um conjunto infinito de entes dependentes. Mas deste modo também o conjunto como um todo é dependente para existir. Assim, se este conjunto de fato existe, ele recebeu sua existência de algo exterior a ele. Portanto, deve ser afirmada a existência de pelo menos um ente independente e necessário exterior ao conjunto infinito de entes dependentes13.

Entretanto, só pode haver um único ente necessário. Com efeito, se fosse possível mais do que um ente necessário, então seria possível um número infinito de entes necessários. Com efeito, se houvesse uma espécie ‘ente necessário’, por que haveria nela somente dois ou três ou quatro indivíduos? Por que não haveria nela um número infinito de indivíduos? Assim, se for possível mais do que um ente infinito, então é possível um número infinito de entes necessários. Mas se um ente necessário é possível, então ele de fato existe. Um ente necessário não pode existir a partir de outro, mas só por si mesmo. Assim, a possibilidade de ele ser só pode surgir de si mesmo. Assim, ele só é possível, porque de fato existe. Assim, se fosse possível um número infinito de entes necessários, existiriam de fato um número infinito de entes necessários, o que ninguém admite. Há, portanto, um único ente necessário14.

Nesta versão simplificada da demonstração da existência de Deus de Suárez três proposições se destacam: ‘uma coisa não pode produzir a si mesma’, ‘o ser do conjunto não é distinto do ser dos membros do conjunto’ e ‘se um ente necessário é possível, então ele de fato existe’. Tomando estas três proposições como exemplos, buscarei mostrar em seguida em que sentido estas proposições podem ser ditas a priori e depois como elas são em última instância a posteriori.

II

Na Disputa I, seção 3 Suárez diz que a metafísica é uma ciência no sentido aristotélico da palavra, isto é, ‘um conhecimento ou hábito que proporciona um conhecimento certo e evidente das coisas necessárias pelos princípios e causas delas, se for ciência perfeita e a priori15. Ela é, portanto, uma ciência a priori, na medida em que nela há demonstrações a partir de princípios e de causas. Como toda ciência neste sentido, é tarefa dela demonstrar proposições, nas quais certos predicados - que significam propriedades ou afecções - são atribuidos a um sujeito - que significa o objeto desta ciência. Estas demonstrações são feitas a partir de princípios - no sentido de proposições compostas conhecidas pelos próprios termos - os quais, portanto, são conhecidos a partir de outros princípios - no sentido de causas reais ou razões formais que explicam porque certo tipo de efeito surge de certo tipo de causa ou porque certo tipo de propriedade pertence a certo tipo de coisa. Tais demonstrações são chamadas a priori16.

Isto é dito com mais clareza na Disputa 3, seção 3, onde Suárez explica quais são os dois tipos de demonstração que ocorrem na metafísica. Ele repete que é tarefa de uma ciência demonstrar quais propriedades necessariamente cabem ao objeto dela; ora, se o objeto desta ciência é o ente real, então esta ciência deve demonstrar quais são as propriedades necessárias do ente real enquanto tal. Mas para fazer isto, ela deve explicar que tipo de demonstração aparece nela ou, mais especificamente, que tipo de princípio de conhecimento é usado nela. Assim, ele se pergunta se a proposição ‘é impossível o mesmo ser e não ser simultaneamente’, a qual chamarei neste texto de ‘princípio de não-contradição’, é o primeiro e como que único princípio das demonstrações da metafísica.17

Antes de responder esta pergunta, ele fará algumas observações: primeiro, que para que a metafísica seja uma ciência deve haver na base dela princípios que são conhecidos por si mesmos, isto é, proposições que não são demonstradas a partir de outras proposições, mas cuja evidência é imediata. Com efeito, as ciências são um conjunto de conclusões suficientemente demonstradas e uma conclusão só pode ser suficientemente demonstrada se ela for derivada de proposições evidentes por si mesmas; do contrário, a demonstração não terminaria nunca e a conclusão não seria suficientemente demonstrada. É a partir destes princípios que serão demonstrados os atributos transcendentais dos entes e os atributos de alguns entes particulares.18

Segundo, para que a metafísica seja uma ciência que deve haver na base dela mais do que um princípio indemonstrável nesta ciência, pois toda demonstração supõe duas premissas. Assim, para que uma conclusão seja suficientemente demonstrada são necessárias duas proposições evidentes por si. Portanto, se princípio é entendido como ‘proposição conhecida por si mesma’, não pode haver único primeiro princípio da metafísica e o princípio de não-contradição, tal como formulado acima, não pode ser o único princípio da metafísica. Entretanto, pode-se perguntar se um princípio é anterior a outro em outros sentidos, isto é, na medida em que é mais conhecido por nós ou é mais evidente para nós, ou na medida em que sua aplicação é mais universal que outro19.

Tendo feito estas observações, ele faz a distinção entre dois tipos de demonstração: a primeira é chamada ‘ostensiva’: a partir das causas são mostrados os efeitos, ou a partir da essência da coisa são mostradas certas propriedades dela. Esta demonstração é chamada a priori, pois ela não depende da experiência, mas do conhecimento da causa ou da essência da coisa20. A metafísica trata do ente real enquanto tal; assim, para que ocorra nela demonstrações ‘ostensivas’, deve haver na base dela proposições evidentes por si mesmas, cujo sujeito seja o ente real e cujos predicados indiquem propriedades ou afecções que surgem como necessariamente ligados ao ente real. Uma vez conhecida a noção intrínseca - ou essência ou natureza - do ente real não será preciso recorrer à experiência para mostrar que a proposição ‘todo ente é uno’, por exemplo, é verdadeira. Basta conceber distintamente a noção - ou essência ou natureza - de ente real e de uno para saber que ‘todo ente é uno’. Esta proposição é assim conhecida por si mesma; ela é, neste sentido, um primeiro princípio, e partir dela outras proposições podem ser demonstradas ‘ostensivamente’21.

O outro tipo de demonstração é ‘conduzir ao impossível’ (a costumeiramente chamada ‘redução ao absurdo’). Por causa da fraqueza do intelecto humano ou por causa de algum defeito moral, nem sempre concebemos distintamente as essências ou naturezas significadas pelos sujeitos ou predicados dos primeiros princípios e, portanto, não reconhecemos de maneira direta e evidente a verdade deles. Nestes casos, como não se pode demonstrar diretamente um princípio a partir de outro princípio, pode-se levar o intelecto humano indiretamente a dar o assentimento ao princípio, mostrando que a negação dele levaria algo impossível. Em outras palavras, podemos demonstrar indiretamente a verdade de um princípio, mostrando que o mesmo não pode ser e não ser simultaneamente ou que duas afirmações contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras, o que ocorreria ao se negar o princípio em questão. E em geral é desta maneira que se demonstra as conclusões derivadas de primeiros princípios22. Este tipo de demonstração está baseado no princípio ‘é impossível o mesmo ser e não ser’, pois toda demonstração por redução ao absurdo termina neste princípio. Caso não tenha ainda chegado nele, a demonstração não foi concluída e o intelecto não é levado a dar seu assentimento à proposição em questão.23 O princípio ‘é impossível que o mesmo, simultaneamente, seja e não seja’ pode ser dito ‘primeiro’ nas ciências humanas e, sobretudo, na metafísica humana, não no sentido que através dele se demonstra ‘ostensivamente’ a verdade dos outros princípios, como se o conteúdo peculiar de cada princípio pudesse ser retirado dele, mas no sentido em que sempre precisamos do princípio de não-contradição para mostrar a impossibilidade de negar um princípio. Portanto, ele é ‘primeiro’ no sentido em que sua aplicação é mais universal do que outros princípios. Mas o princípio de não-contradição também é ‘primeiro’ no sentido em que ele é o mais evidente para nós. Ele ajuda nosso intelecto a compreender e a dar seu assentimento àqueles princípios, cujas noções significadas não são facilmente concebidas distintamente, o que costuma ocorrer na metafísica, cujas noções são inicialmente apreendidas de modo tão confuso que suas proposições e demonstrações parecem todas tautológicas e vazias24.

Entretanto, o próprio princípio de não-contradição é uma proposição conhecida por si mesma direta e ostensivamente. Com efeito, ele está baseado ‘na natureza do próprio ser, que por si exclui o não ser’. Afirmamos que ‘é impossível que o mesmo seja e não seja simultaneamente’, isto é, afirmamos que o ente é distinto do não-ente, por que há uma incompatibilidade formal entre o que é significado por estes termos. Em suma, princípio de não-contradição, ainda que formulado negativamente, é uma explicação da noção de ente 25 .

Assim, todas as demonstrações da metafísica, sejam demonstrações ‘ostensivas’, sejam demonstrações por absurdo, podem ser reduzidas a princípios que são explicações da noção de ente real. A metafísica parece, portanto, ser uma mera análise da noção de ente real26.

Isto pode ser confirmado através daquelas proposições que destacamos acima na demonstração da existência de um único ente necessário. Em primeiro lugar, a proposição ‘uma coisa não pode produzir a si mesma’. É ela uma explicação do conceito de ente? Sim, pois nela se exprime a diversidade fundamental entre o ente e o nada. E se alguém a nega, isto é, se alguém disser que ‘uma coisa que não era nada pode produzir a si mesma’, implicitamente ele está dizendo que o nada é algo, que o não-ente é um ente. Em segundo lugar, a proposição ‘o ser do conjunto é o ser dos membros do conjunto’. É ela também uma explicação do conceito de ente? Sim, pois nela se exprime que o ente real é individual e que, portanto, não se tem uma noção correta do ente real ao se conferir realidade ao que não é individual, isto é, ao se conferir realidade a um conjunto em si, como se ele fosse independente dos indivíduos dele. Em terceiro lugar, a proposição ‘se o ente necessário é possível, então ele de fato é’. Também é uma explicação do conceito de ente? Sim, pois nela se exprime que um ente real só pode existir, se já houver um ente real existente; com efeito, um ente real não poderia existir a partir do nada; portanto, se ele pode existir, ele pode existir a partir de algo que já existe; ora, o ente necessário não existe a partir de outro, mas de si mesmo; portanto, se ele é possível, ele existe.

Estes princípios não são derivados diretamente do princípio de não-contradição. Eles são antes explicações ‘ostensivas’ ou ‘positivas’ do conceito de ente real. Entretanto, como a noção de ente é inicialmente apreendida por nós de modo confuso, de modo que nem sempre compreendemos distintamente aqueles princípios, usamos o princípio de não-contradição para compreendê-los indiretamente. Através da não-contradição nosso intelecto é como que levado a compreender com clareza as noções presentes naqueles princípio e a lhes dar assentimento. Mas também o princípio da não-contradição é uma explicação da noção de ente. O uso dele na demonstração indireta de outros princípios está fundada na evidência direta dele, que é a mais evidente para nós.

Além disso, retornando à Disputa 1, na seção 4, Suárez diz que a metafísica ajuda o intelecto a reconhecer os primeiros princípios explicando qual é o significado dos termos deles ou através de uma comparação com aquilo que não é o significado do termo ou por alguma descrição daquilo que significam 27.

Parece claro, portanto, que a metafísica é uma explicação da noção de ente real, seja ela uma explicação direta e ostensiva, seja ela indireta, através do princípio de não-contradição. Ela é uma ciência a priori, portanto, na medida em que nela as deduções se dão pela causa ou pela razão e dependem somente do conhecimento da noção de ente real.

Mas cabe perguntar como se dá este conhecimento da noção de ente real. Com efeito, não parece que a noção de ente real é um conceito totalmente produzido pelo intelecto humano ou um conceito inato no intelecto humano, mas algo concebido pelo intelecto humano a partir da experiência. Com efeito, na Disputa I, seção 4, ele afirma que o intelecto humano é uma pura potência, como que uma tabuinha raspada e que o conhecimento dos primeiros princípios, do qual depende a metafísica enquanto conhecimento de conclusões, não deve ser confundida com a luz natural do intelecto humano ou com a faculdade de inteligir28. Diz lá também que o conhecimento sensível é necessário para qualquer ciência, pois é necessário para a apreensão dos termos e para o conhecimento dos princípios, pois todo nosso conhecimento começa pelos sentidos29. Parece, portanto, que em última instância nenhum dos conhecimentos da ciência metafísica é inato ao intelecto humano, mas que todos eles são adquiridos a partir da experiência e que a metafísica é em última instância uma ciência a posteriori.

Pretendo, portanto, em seguida mostrar em que sentido para Suárez a experiência é necessária para o surgimento da noção de ente real na mente humana.

III

Na Disputa 2, seção 1, Suárez esclarece que o termo ‘conceito’ é correntemente entendido em dois sentidos: como conceito formal, isto é, como o ato pelo qual o intelecto concebe alguma coisa ou alguma noção comum; ou como conceito objetivo, isto é, como aquela coisa ou noção que é conhecida ou representada pelo conceito formal.30 E afirma que de fato o ser humano possui um conceito formal de ente enquanto tal, distinto de outros conceitos formais e que corresponde a este conceito formal um único conceito objetivo adequado de ente, que abarca tudo que de algum modo é31. E que foi convencionado usar o termo ‘ente’ para significar muitas coisas em um mesmo sentido, justamente porque há um único conceito objetivo comum a muitas coisas, que é diretamente significado por este termo 32.

O termo ‘ente’, portanto, é um termo universal, pois significa um conceito formal universal que representa muitas coisas num único conceito objetivo comum a elas. Para Suárez, entretanto, os universais enquanto universais só existem na mente humana. Na realidade fora da mente humana não há nada comum a muitas coisas singulares, mas só as próprias coisas singulares33.

Assim, para responder a questão se a metafísica trata somente do conceito objetivo de ente - como que somente uma estrutura mental - ou se ela trata do ente real fora da mente, cabe perguntar em geral como surgem os conceitos comuns ou universais na mente humana e em geral se eles representam algo fora da mente. O conceito ‘ente’, com efeito, é só um caso particular de conceitos objetivos comuns ou universais.

O primeiro ponto que deve ser destacado é que Suárez afirma que, mesmo sendo produzidos pela mente humana, os universais têm um fundamento nas coisas individuais fora da mente humana34. As coisas individuais fora da mente podem ter uma natureza singular ou uma essência singular tal que não lhe repugna haver outras coisas singulares com naturezas ou essências semelhantes. Assim, elas podem ser semelhantes umas às outras segundo suas naturezas ou essências. Elas podem coincidir umas com as outras segundo as essências e segundo as propriedades que são conectadas intrinsecamente a estas essências. Quando isto ocorre, o intelecto humano pode abstrair destas coisas individuais conceitos comuns a elas e a partir deles podem ser feitas predicações universais, isto é, podem ser formuladas proposições que exprimem a conexão intrínseca entre as essências e as propriedades representadas. A verdade destas proposições será necessária na medida em que elas exprimem relações intrínsecas entre as essências e as propriedades delas de modo atemporal. Tais proposições representam diretamente conceitos objetivos comuns a muitos objetos singulares, mas isto não quer dizer que elas não representam de nenhum modo as próprias coisas singulares fora da mente35.

Isto é reforçado se considerarmos o modo como conceito universal é produzido.

Na Disputa 6, seção 6 ele explica como é produzido um universal. O intelecto humano considera primeiramente no conceito de um indivíduo a natureza deste indivíduo de maneira precisa, isto é, separada de suas propriedades individuais. Assim, separo no conceito de Pedro as propriedades individuais e considero nele somente sua natureza. Neste primeiro momento, o momento da ‘precisão’ ou ‘separação’, obtém-se o chamado ‘universal absoluto’, mas ele ainda não é reconhecido em sua universalidade36. No segundo momento, o intelecto compara a natureza de Pedro com a natureza de Paulo e reconhece a semelhança entre elas. Esta comparação, entretanto, só é possível, porque antes o intelecto havia considerado nos conceitos individuais de Pedro e de Paulo suas naturezas ‘precisamente’. Num terceiro momento, o intelecto, ao comparar Pedro e Paulo e reconhecer que a semelhança entre eles se dá segundo a natureza ‘ser humano’, reconhece diretamente a própria natureza, compara-a com os indivíduos particulares, Pedro e Paulo, e reconhece que a natureza é apta a estar em muitos indivíduos. É neste momento que surge na mente humana o conceito universal enquanto tal37. O conceito universal, portanto, é produzido pela mente humana por atos de ‘precisão’, nos quais ao isolar nos conceitos individuais as naturezas são produzidos conceitos da natureza ‘absoluta’, e depois por atos de ‘comparação’ entre a natureza e os indivíduos, nos quais reconhecemos a aptidão da natureza anteriormente isolada estar em muitos.

Como para a produção dos conceitos universais são necessários por atos de ‘precisão’, nos quais são isoladas as naturezas nos conceitos individuais, o intelecto humano deve possuir anteriormente conceitos das coisas indivíduais. E de fato, Suárez afirma no seu comentário ao Sobre a alma de Aristóteles que temos conceitos próprios e distintos das coisas individuais, por ex. de Pedro38. O intelecto produz primeiro a partir da imagem sensível de Pedro uma ‘especie inteligível’ que representa Pedro e só depois, a partir das ‘espécies inteligíveis’ que representam individuos é que ele produz uma ‘espécie inteligível’ comum a muitos indivíduos39. Ora, esta ‘espécie inteligível’ do indivíduo representa a mesma natureza que a ‘espécie sensível’ (a imagem) representa. Somente o modo de ser das espécies sensíveis e inteligível são distintas, não o que é representado por elas40. Mas esta espécie sensível interior (esta imagem), por sua vez, representa o mesmo que a espécie sensível exterior. Em outras palavras, aquilo que é representado no sentido interior, na imaginação, é o mesmo que o que é representado no ato da visão41. Os atos dos sentidos exteriores, por fim, se dão por uma certa união da coisa individual com a potência sensitiva e com o orgão correspondente, união que se dá através de uma ‘espécie sensível’ que emana da coisa e que a representa, não no sentido que tenha a mesma forma que a coisa representada, mas tal como uma sombra ou uma pintura representam uma coisa 42.

Assim sendo, nos conceitos universais não é representado nada além do que já estava representado nos conceitos individuais, nestes não é representado nada além do que já era representado nas imagens e nas imagens são representadas as mesmas coisas que nos aparecem nos atos dos sentidos exteriores. Portanto, se através dos atos dos sentidos exteriores conhecemos as coisas fora da mente humana, então através dos conceitos universais também conhecemos as coisas exteriores à mente humana43. Assim, só se poderia dizer que a metafísica para Suárez trata das estruturas fundamentais da mente humana e não das coisas de fato existentes, se se disser que para ele os atos dos sentidos exteriores não representam as coisas exteriores, o que ele nunca disse.

A metafísica, portanto, trata das coisas reais, porque ela trata do conceito objetivo de ente real, que foi adquirido a partir das sensações, que representam as coisas que de fato existem e não estruturas mentais interiores. Assim, a metafísica é uma ciência a posteriori, isto é, fundada na experiência no sentido de ´conhecimento obtido a partir da percepção sensorial. Mas cabe perguntar se a metafísica também não está baseada na experiência em outro sentido. Com efeito, para Suárez o termo ‘experiência’ também pode ser entendido como uma certa habilidade que surge quando várias percepções singulares são recordadas e confrontadas umas com as outras e através da qual a mente acaba reconhecendo uma conexão usual entre causas e efeitos. Neste sentido, ‘experiência’ é o conhecimento obtido pelo processo de indução, isto é, o processo, pelo qual o intelecto recorda e compara diversas percepções singulares e estabelece ‘leis’ que descrevem a associação frequente entre tipos de fatos 44.

Seria a metafísica fundada na experiência neste sentido? Para Suárez, não. A experiência neste sentido não alcança todos os casos singulares, de modo que através dela nunca chegamos a proposições necessárias e universais, que deve haver numa ciência. Ela não gera a certeza própria da ciência. E na melhor das hipóteses, gera um conhecimento de ‘que’ as coisas são assim, mas não do ‘por que’ as coisas são assim, o que também é necessário numa verdadeira ciência 45.

Assim, a metafísica não é derivada da experiência entendida como indução, mas é derivada da experiência entendida como conhecimento sensível em geral 46. Com efeito, é a partir da percepção sensível que nosso intelecto entende os conceitos expressos nos termos dos princípios, a partir dos quais são derivadas as conclusões desta ciência.

Entretanto, além desta função, a ‘experiência’ parece ter outra na produção desta ciência. Com efeito, ao ler as ‘Disputas Metafísicas’ frequentemente encontramos argumentos nos quais ele recorre diretamente à experiência. Por exemplo: para mostrar que todos os entes finitos têm causas finais, ele recorre à experiência da ordem no mundo, ordem esta que seria inexplicável sem causas finais47; para mostrar que todos os entes finitos têm uma causalidade eficiente própria a eles, ele recorre à experiência da existência de órgãos e instrumentos nos seres vivos, existência esta que seria inexplicável se não houvesse uma causalidade eficiente real neles48. Nestes casos, ‘experiência’ não aparece nem como percepção sensível, a partir da qual abstraimos os conceitos universais, nem como uma indução, que fundamentaria um princípio. Qual seria a função da ‘experiência’ nestes casos?

Nestes casos, a experiência aparece como uma ‘disciplina’, que ajuda o intelecto humano a conceber corretamente as naturezas das coisas, ao comparar os conceitos universais nele presentes e as proposições deles derivadas com a experiência, corrigindo-os caso sejam contestados por alguma experiência. Com efeito, o intelecto humano é limitado e imperfeito e nem sempre concebe corretamente as naturezas das coisas e costuma errar sobre elas ao se afastar da experiência. Assim, ao propor um princípio, o intelecto precisa compará-lo com a experiência e verificar se ele não sofreu nenhuma contestação dela. Só então se pode saber que tal proposição não é a explicitação de um conceito forjado arbitrariamente, mas de um conceito verdadeiramente abstraído de coisas reais fora da mente. 49

Por exemplo: independente da experiência se pode forjar um conceito de ente, que não tenha uma causa final e a partir deste conceito propor o princípio ‘não há nos entes uma causalidade final’. Mas ao se comparar este princípio com a experiência, constata-se que esta proposição não está de acordo com aquilo que empiricamente constatamos, a saber, a ordem ou a regularidade entre os fatos singulares. Somos assim levados a rejeitar aquele conceito forjado de ente sem causa final e a conceber o ente como tendo uma causa final. Como este novo conceito de ente não sofre contestação da experiência, temos a confirmação de que ele representa as coisas fora da minha mente, isto é, que é o conceito que representa os entes reais. Outro exemplo: pode-se forjar um conceito de ente finito incapaz de causalidade eficiente própria e dele formular o princípio ‘não há causalidade eficiente entre os entes finitos’. Entretanto, na experiência constatamos que muitos entes finitos têm orgãos, que tem formas adequadas a certas funções: espinhos para a proteção, dentes para mastigar, olhos para ver etc. Mas se não houvesse causalidade eficiente entre os entes finitos, não haveria razão para estes orgãos terem estes formatos. Assim, somos levados a corrigir o nosso conceito de ente finito de modo a incluir neles alguma causalidade eficiente própria.

Conclusão

Para Suárez, a experiência é necessária para o surgimento do conceito universal de ‘ente real’ na medida em que qualquer conceito universal só pode surgir na mente humana depois de uma percepção sensorial e segundo ela. E a experiência também serve para corrigir falsos conceitos de ‘ente real’ que eventualmente surjam em nossa mente. A experiência é fonte e disciplina da ciências em geral e da metafísica em particular.

Assim, parece-me que a interpretação de R. Darge é correta. A metafísica é em última instância uma ciência a posteriori, pois ela é uma explicação do conceito de ‘ente real’ que foi obtido a partir da experiência. E ela se refere não só a estruturas fundamentais da mente humana, mas a estruturas fundamentais das coisas reais. Só é possível negar isto, recusando totalmente à percepção sensível a capacidade de representar as coisas reais. Mas isto claramente Suárez nunca fez50.

Na verdade, como bem aponta Jack Zupko, a capacidade das perceções sensíveis de representar as coisas exteriores, é algo que só se torna problemático, se você tiver uma concepção dualista do ser humano, no qual temos de um lado uma coisa pensante totalmente desconectada do corpo e do mundo material. Uma vez feita esta separação, fica difícil explicar como se passa de um lado para o outro e como as percepções sensíveis podem representar as coisas reais. Mas isto não é tão problemático para um escolástico que tem a concepção do ser humano próxima daquela de Aristóteles. Ele não tem tal concepção dualista do ser humano, pois para ele é a mesma alma que organiza a matéria e dá vida e forma para o fígado, por exemplo, tornando-o capaz de certas funções, que dá vida e forma para os olhos, tornando os capaz de percepções sensíveis, nas quais as coisas materiais são representadas, e que a partir destas percepções produz conceitos universais numa potência chamada ‘intelecto’. Não há nele uma separação radical entre entre matéria e vida, nem entre corpo e espírito. Nele não há separação radical, portanto, entre a visão, enquanto potência da alma, e os olhos, enquanto orgãos materiais vivos desta potência. Assim sendo, a capacidade das percepções sensíveis de representar coisas reais não é tão misteriosa como é para os discípulos de Descartes51. E não pode haver dúvida que Suárez seja um destes escolásticos52.

Referências:

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1COURTINE, Jean-François. Suarez et le système de la metaphysique. Paris. 1990. p. 186 ‘Suarez identifie l’esse essentiae avec l’esse reale, lui-même interprété comme l’esse objectivum.’; p.264: ‘ “Avoir entité”, c’est-à-dire “realité”, voilá assúrement le propre de l’étant réal, lequel, notons le bien, pour Suárez comme pour Clauberg , désigne d’abord ce qui peut être (posse esse), et non point l’être effectif (…); or, précisement l’étant réal , abstraction faite de l’exercice de l’existence, ne peut se definer que de et à partir de l’objectité, ou du degré zéro de l’objectité, qu’est le être du fictum , l’esse comme cogitari’; pp. 264-265: ‘(…) on peut se demander si la métaphysique générale comme ontologie, institueé par Suarez (…) n’est pas secrètement sous-tendue par une onto-logique de l’object en général (etwas), de telle sorte que le premier ici serait (...) l’être en sa pure et simple objectité?’.

2DARGE, Rolf. ‘Suárez on the Subject of Metaphysics’. P.93 : ‘Many scholars hold that, for Suárez, the subject of metaphysics is not ‘real’ but ‘objetive being’, in the sense of an inner-mental-objetive structure’.

3Idem, Ibidem p. 94: ‘Suárezian metaphysics turns out to be theory of the ‘super-transcendental’ objectivity, concerning that which is logically possible (possible logicum), thinkable without contradiction (cogitabile) …’.

4Idem, ibidem p. 94.: ‘The guiding interest of this interpretation is directed towards the confirmation of a specific scheme of the development of metaphysics from the late middle ages to modernity. According to this sheme - inspired by Heidegger, but outlined first by Gilson in his famous study of the history of the question of being - a line of development of metaphysical thought may be drawn from Scotus to Suárez, then from Suárez to the seventeenth-century school of metaphysics, and from this to Leibniz, Wolff, and finally, to Kant. This development may be characterized as a way of rationalization, subjetivication, and epistemological orientation of metaphysical thought. It leads to a destruction or overcoming (‘sublation’) of metaphysic, understood as doctrine of being. At the road’s end stands modern ontology as a mere ‘onto-logic’, which prepares the reversal of Kant’s transcendentalism’.

5Idem, ibidem. p. 93: ‘Against this view, following a closer examination of the ontological status that Suárez assigns to the so called ‘objective concept of being’ (conceptus objetivus entis), Jorge Gracia has argued in favour of a ‘realistic’ conception of metaphysics in Suárez. ‘. Idem, ibidem, p. 96.‘Suárez does not intend to transcend the Aristotelian science of being towards a theory of the super-transcendental object of thought(…)’.

6Idem, ibidem, p. 111 : ‘ (...) the objective concept is not a separate form apart from the concrete reality of things , but is the concrete thing, or the real content of the thing itself(….)’.

7Idem, ibidem, p. 119. ‘According to this view, contingent existing things of the empirical world have something necessary wherein they can be objects of the science of being. Conversely, this means that the science of being, by considering the contingent thing as being, concentrates on its quidditative formal structure, by which it is necessarily oriented towards an existence independent from thought, (…)’.

8Idem, ibidem, p. 119: ‘This necessary structure, however, cannot be detected and explicated in any other way than by an a posteriori reasoning, which starts from experience and from an analysis of our empirical concepts of real things, for ‘all our knowledge begins with sensual perception’.’

9SUAREZ, Francisci. Disputationes metaphysicae. In: SUAREZ, Francisci. Opera Omnia. Paris: Vivés. 1861. T. XXV e XXVI. (Abreviação: DM 1,1,6 = Disputationes Metaphysicae, Disputa 1, seção 1, paragrafo 6) Disputa 1, : ‘Sic igitur, quamvis haec scientia multa consideret de entibus rationis, nihilominus merito excluduntur ab objetcto per se et directe intento (...)’; DM 1,1,26: ‘Dicendum est ergo, ens in quantum ens reale esse objectum adaequatum huius scientiae’; DM 2,4,14 :’Quod vero essentia aut quidditas realis sit, intelligi non potest sine ordine ad esse et realem entitatem actualem; non enim aliter concipimus essentiam aliquam, quae actu non existit, esse realem, nisi quia talis est, ut ei non repugnet esse entitatem actualem, quod haber per actualem existentiam(...)’.

10Immanuel Kant. Critica da Razão Pura. Lisboa. 1989. B 18 : ‘Na metafísica (...) deve haver juízos sintéticos a priori (...). A metafísica, pelo menos em relação aos seus fins, consiste em puras proposições sintéticas a priori.’

11Norman Kemp Smith. Commentary to Kant’s “Critique of Pure Reason’. Amherst. 1999. P. xxxiii: ‘The fundamental pressuposition upon which Kant’s argument rests (…) is that universality and necessity cannot be reached by any process that is empricial in character. By way of this initial assumption Kant arrives at the conclusion that the a priori, the distinguishing characteristics of which are universality and necessity , is not given in sense but imposed by the mind (…)’.

12DM 28,1,6: ‘manifestum est, multa esse entia, quae habent esse communicatum ab alio, quae non existerent, nisi ab alio esse reciperent, ut experientia ipsa satis probat.’; DM 28, 1. 6: ‘(...) non potest idem efficere seipsum’; DM 29,1,20: ‘(...) nihil potest efficere se. Nam res quae fit per effectionem acquirit esse: res autem, quae facit aut producit, supponitur habere esse, et ideo claram repugnantiam involvit, quod idem faciat se ipsum: prius enim, quam res sit, non potest esse in actu formali vel virtuali ad faciendum se(...)’;‘quod autem efficitur, non supponitur esse, sed potius supponitur non esse, antequam fiat; in ipso autem non esse non potest esse virtus ad efficiendum se(...)’.

13DM 28,1,6: ‘Rursus est evidens non omnia entia posse esse huiusmodi, nam, si omnia individua alicujus speciei sunt ab alio, necesse est etiam totam speciem ab alio esse, quia nec species existit nisi in individuo, neque individua habent alium modum connaturalem recipiendi esse, nisi quem species postulat.’; DM 29,1,28: ‘si omne ens, divisive seu distributive sumptum, esset dependens et factum, etiam collectio omnium entium esset dependens et facta(...) non enim alia ratione potest esse dependens aliqua collectio entium, nisi quia in ea nullum est ens, quod non dependeat; ergo si tota collectio [entium] etiam esse non potest dependens, ut ostensum est, necesse este esse in illa collectione [entium] aliquod ens omnino independens et non factum’.

14DM 29,3,15: ‘Non est major repugnantia quod sint possibilia illa duo individua, quam tria vel quatuor, vel in quolibet alio numero(...), si ergo duo entia improducta, solo numero disticta, essent possibilia, essent et tria et quatuor, et sic in quolibet numero. Quot autem essent possibilia, tot necessario essent, nam in his maxime verum habet illud axioma: in aeternis idem esse et posse; nam, si sunt per se necessaria entia, non est in eis posse esse, sed actu esse; non ergo sistere possemus in aliquo numero finto talium entium. (...) Nemo autem admittet dari entia improducta actu infintita; ergo sistendum est in uno solo enti improducto’.

15DM 1,3,1: ‘(...) supponimus id, quod certum ac per se notum est, metaphysicam esse vere et proprie scientiam, ut Aristoteles, in princ. Metaphysicae et aliis innumeriis locis docuit, et constat ex definitione scientiae, quae ex 1 Posterior. et 6 Ethicor. cap. 3, sumitur, scilicet, quod sit cognitio seu habitus praebens certam et evidentem cognitionem rerum necessariarum per propria earum principia et causas, si sit scientia perfecta et a priori.’

16DM 1,1,27: ‘hoc est munus scientiae, demonstrare, scilicet, proprietates de subjecto suo(...)’.DM 1,1,29: ‘(...) respondetur imprimis duplicia principia posse in scientia requiri: quaedam dicuntur complexa seu composita, qualia sunt illa ex quibus demonstratio conficitur; alia sunt simplicia, quae significantur per terminos, qui loco medii demonstratione a priori sumuntur. Priora dicuntur principia cognitionis, posterioria autem principia essendi. In hac ergo scientia non desunt principia complexa (...). At vero principia incomplexa duplici modo intelligi possunt: primo, quod sint vera causa secundum rem aliquo modo distinctae ab effectibus vel proprietatibus quae per illas demonstrantur; (...) [hujusmodi principia vel causae] necessariae non sunt ad veras demonstrationes conficiendas (...). Deus enim est objectum scibile, et de eo demonstrantur attributa, non solum a posteriori, sed etiam a priori, unum ex alio colligendo (...). Alio modo dicitur principium seu causa, id quod sit ratio alterius, secundum quod objetive concipiuntur seu distinguuntur; et hoc genus principii sufficit ut sit medium demonstrationis;nam sufficit ad reddendam veluti rationem formalem, ob quam talis proprietas rei convenit’.

17DM 3,3,1:’ Haec quaestio praecipue proponitur propter Aristotelem, qui 4 Metaph. c.3 text. 8, docuit illud principium, impossibile est idem simul esse et non esse, esse primum et fere unicum, ad quod resolvi debent omnes hujus scientiae demonstrationes, imo et aliarum scientiarum, saltem virtualiter.’

18DM 3,3,2.

19DM 3,3,3.

20 DM 3,3,6. :’(...) distinguere oportet duplex genus demonstrationis: unum dicitur ostensivum, aliud deducens ad impossibile. Primum est per se et directe ad scientiam requisitum; et in eo proceditur a causis ad effectus , et ab essentia rei ad passiones demonstrandas; loquimur enim in scientia a priori et propter quid; nam quod est a posteriori, non resolvitur in principia de quibus nunc agimus, sed in experientia potius.’

21DM 3,3,7.

22DM 3,3,7.

23DM 3,3,8.

24DM 3,3,9.

25 DM 3,3,10: ‘(...) haec ipsa divisio entis a non ente fundatur in eo quod non potest idem simul esse et non esse, propter repugnantiam formalem horum terminorum. (...) licet tota veritas ejus fundetur in natura ipsius esse, quod per se excludit non esse, tamen hoc ipsum per illud principium, quamvis negativum, explicatur evidentissime et aptissime (...)’.

26 V. também DM 1,1,28-29; 1,4,20.

27DM 1,4,20: ‘(...) versetur metaphysica circa prima principia, juvando et confirmando intellectum in assensu eorum. (...) Imprimis enim tradit et declarat rationem ipsorum terminorum, ex quibus prima principia constant(...). Nam licet per se loquendo ex parte simplicium rerum et terminorum non requiratur demonstratio, (..) quoad nos saepe potest demonstrari, prasertim utendo divisione constante ex oppositis membris et demonstrando quid res non sit (...) et inde concludendo quid sit. Saepe etiam hoc fit, tradendo aliquas descriptiones rationum simplicium (...).’

28DM 1, 4, 18: ‘Nam in priori loco ponit illum [sc. Habitum principiorum] inter habitus seu virtutes intellectus; si autem non esset res distincta ab ipsa facultate intelligendi, impropriissime, imo et falso diceretur esse habitum intelectus. In posteriori autem loco apertius sentit esse habitum, non a natura inditum, sed acquisitum, (...)’;‘(...) nulla esse ratio aut fundamentum cur existimaretur esset qualitas aliqua distincta a lumine naturali intellectus, seu ab ipsa facultate intelligendi, tum quia, ut Aristoteles dixit, tertio de Anima, capite 4, intellectus natura sua est pura potentia in ordine intellgibilium, et tamquam tabula rasa (...)’.

29DM 1,6,27: ‘(...) si generatim agatur de quacunque sensibili cognitione necessaria ad terminorum apprehensionem et intelligentiam, clarum este hanc esse necessariam ad cognitionem principiorum, quia omnis nostra cognitio a sensu incipit(...)’.

30DM 2,1,1: ‘Supponeda imprimis est vulgaris disctinctio conceptus formalis et objectivi; conceptus formalis dicitur actus ipse seu (quod idem est) verbum quo intelectus rem aliquam seu communem rationem concipit (...). Concepturs objectivus dicitur res illa, vel ratio, quae proprie et immediate per conceptum formalem cognoscitur seu representatur (....)’.

31DM 2,1,9: ‘dicendum est, conceptum formalem proprium et adaequatum entis ut sic, esse unum, re et ratione, praecisum ab aliis conceptibus formalibus aliarum rerum et objectorum’; DM 2,2,8: ‘Dico primo conceptui formali entis respondere unum conceptum objectivum adaequatum et immediatum, qui expresse non dicit substantiam, neque accidens, neque Deum nec creaturam, sed haec omnia per modum unius, scilicet quatenus sunt inter se aliquo modo similia, et conveniunt in essendo’.

32DM 2,2,24: ‘haec vox ens, ita significat plura, ut ex unica et prima impositione illa omnia comprehendat; ergo, signum est non significare illa immediate, sed medio aliquo conceptu objetctivo commmuni omnibus illis’.

33DM 31,11,4: ‘Actualis ergo existentia (...) intrinsece concipi debet ut individua et singularis (...), et hoc modo nulla est existentia, etiam ratione distincta, quae immediate respiciat naturam communem (...). Quaprotper simpliciter dicendum est, existentiam proprie et immediate solum esse rerum singularium (...).’

34DM 6,2,8-9: ‘Tertia opinio est, naturas fieri actu universales solum opere intelectus, precedente fundamento aliquo ex parte ipsarum rerum (....) Haec postrema sententia est sine dubio vera.’ DM 6,5,1: ‘Dicendum itaque est unitatem universalem per intellectus functionem insurgere, sumpto ex ipsis rebus singularibus fundamento seu occasione.’ V. também: DM 6,2,1 e De anima 4,3,21.

35DM 6,5,3: ‘(...) jam declaratum est quomodo natura in re sit communicabilis multis (...) per non repugnatiam ipsarum rerum singularium, ut habere possint alia sibi similia(...). Ad tertium respondetur, omnia illa attributa [sc. immutabilia et perpetua, ingenerabilia et incorruptibilia] dicere aliquo modo ordinem ad intellectum; fundatur autem in rebus ipsis, non quatenus in ipsis natura habet aliquam universalitatem, sed quatenus in ipsis individuis est convenientia et similitudo in proprietatibus eius, et in intrinseca connexione quam inter se habent essentia et proprietates, ratione cujus abstrahuntur conceptus communes objectivi, ex quibus fiunt universales paedicationes, necessariae et perpetuae veritatis, prout a tempore abstrahuntur. Et hoc modo dicitur esse scientia de universalibus et non de singularibus, non quia sit de nominibus et non de singularibus, sed quia est de conceptibus objectivis communis (...)’.

36DM 6,6,11: ‘Variis enim modis potest universalis natura praescindi vel comparari. Primo enim abstrahi potest natura communis per puram praecisionem naturae ab uno inferiori absque ulla comparatione, vel superioris conceptus ad aliquem inferiorem, vel ipsorum inferiorum inter se, ut quando a solo Petro simpliciter praescindo individuantes proprietates et sisto in humanae naturae consideratione. Et per hanc notitiam pure praecisivam putant aliqui nullum universale fieri. Verius tamen est per eam etiam fieri universale absolutum (...), haec notitia non sufficiat ad cognoscendam in natura sic sic concepta universalitatem (...)’.

37DM 6,6,12: ‘Secundo abstrahi potest natura communis per comparationem singularium, seu inferiorum inter se, ut quando conferendo Petrum cum Paulo, cognosco eos esse inter se similes in natura humana. Quae comparatio supponit priorem praecisionem, nam supponit de utroque singulari esse talis naturae, unde supponit conceptum talis naturae, ut praescinditur a singulis individuis. (...) Postquam enim intellectus apprehendit Petrum et Paulum esse similes in esse hominis, rursus considerat hoc praedicatum, homo, habere se ad Petrum et Paulum, ut commune ad particularia; et in hac comparatione videtur consumari ratio universalis, etiam respectivi.’

38Há dois comentários de Suárez sobre o De anima de Aristóteles, um de 1572 e outro parcialmente revisado de 1621. V. KNUUTTILA, S. ‘Suárez’s Psychology’. P. 192. Seguirei neste artigo a versão de 1621 disponivel na edição Vivés. SUAREZ, Francisci. Tractatus De Anima. In: Opera omnia. Paris: Vivés. 1856. T. III. (Abreviação: De anima 1,1,1 = Tractatus de anima, livro 1, capitulo 1, parágrafo 1). De anima 4,3,3 : ‘Intellectus cognoscit singulare formando proprium et distincum conceptuma illius’.

39De anima 4,3,12: ‘Posito phantasmate Petri, verbi gratia, intellectus agens producit speciem Petri in intellectu possibili, (...) ergo non efficit speciem hominis universalis’; De anima 4,3,13: ‘dum intellectus cognoscit diversa singularia etiam eiusdem rationis (...) per diversa plane species ea intelligit, cum a diversis phantasmatis fuerint abstractae: species eiusmodi partim in representatione conveniunt, partim differunt (...), intelectus ergo vim habet tum ad consideranda individua ipsa, ut talia sunt, tum etiam id, quod commune illis per species representantur, quod est considerare universalia’.

40De anima 4,2,18: ‘Intellectum ergo abstrahere speciem, nihil aliud quam virtute sua efficere speciem spiritualem repraesentantem eamdem naturam, quam phantasmate representat, modo tamen quodam spirituali’.

41De anima 3,9,5: ‘Dicendum superest de sensu interno, (...). Species sensatas vocant in quibus eodem modo, in quo in externis sensis objecta representantur, qualis species parietis, quae ex visu in imaginatione imprimuntur(...).’

42De anima 3,1,5: ‘Inter potentias cognoscentes, quaedam cognoscunt intuitive, id est, objecta sibi praesentia, ut sensus externus, aliae cognoscunt abstractive, id est, objecta absentia : in utroque vero genere potentiarum inveniemus esse necessariam conjunctionem objecti cum potentia ad cognoscendum. Nam inter sensus externus, tactus et gustus requirunt objecta materialiter conuncta. An vero in illis detur conjunctio per species necne, infra dicetur. In visu etiam (...) multis experimentis cognoscuntur species provenientes ab objecto.’ DM 3,2,20:’Species intentionales non representant formaliter objecta, sed effective tantum.’ DM 3,2,25: ‘ideo multum deficiens est talis conformitas, sive unitas sicut umbra, vel pictura a realitate exemplaris deficit.’

43Simo Knuutila destaca que uma das principais características da psicologia de Suárez é a doutrina das conexões psicológicas não-causais. Os atos vitais não podem ser causados por causas eficientes exteriores. Assim, as mudanças não-vivas no meio e no orgão não podem ser causas das percepções. A percepção sensível não é causa eficiente da ‘espécie sensível’ na imaginação. E a especie inteligível não é causada eficientemente pela especie sensível. Entretanto, isto não faz com que os conceitos não representem as coisas exteriores. O intelecto produz uma especie inteligível que representa a mesma natureza que a imagem. Os atos do sentido interno tem um conteúdo cognitivo semelhante ao da percepção. E a percepção representa o objeto exterior na medida em que é também determinada pela especie sensível emanada do objeto exterior. Isto tudo ocorre porque há uma coordenação entre os atos vitais, uma harmonia entre eles derivada do fato de todos eles são produzidos pela mesma alma. Knuuttila, Simon. Suárez’s Pyschology. In: Salas, Victor et Fastiggi, Robert. A companion to Francisco Suárez. Brill. 2015. p.195:’‘Vital-acts, as distinct from the changes in non-living things, are not caused by an external efficient cause’. p. 203: ‘the non-vital changes in the medium and the organ cannot be the cause of perception, which is a vital act’ (….). p. 211: ‘The production of the representation of the sensed species in the internal sense is dependent on the sensory act, to be sure, but this connection is not a case of efficient causality’. p.214: ‘Efficient causation is already blocked for Suárez by the principle that there cannot be any actual influence between the powers that belong to hierarchically different ontological levels, such as imagination and intellect’. p. 215:. ‘the active intellect by its power produces a spiritual species which represents the same nature which the phantasm represents ‘. p. 210: ‘the cognitive contents of the simple acts of the internal sense about sensory objects are similar to those of perception,’. p. 204: ‘The species is representative because it emanates from the sensible object and its presence in the composite sensory instrument unites the act with the external object’. p. 196: ‘Vital acts, which are not externally caused, may be determined by non-vital changes or by other acts. (…) Suárez explains the coordination of the vital acts in terms of the harmony that is derived from the fact that the acts are ultimately dependent on one soul’. V. também: PERLER, Dominik. 'Suárez on Intellectual Cognition and Occasional Causation'. InCausation and Cognition in Early Modern Philosophy, ed. Dominik Perler and Sebastian Bender, 18-38. London: Routledge, 2020. HEIDER, Daniel. ‘Abstraction, intentionality and moderrate realism: the ontology and epistemology of universals in Francisco Suárez and John Poinsot’. In:SALAS, Victor M. Hircocervi and other metaphysical wonders. Milwaukee: Marquette University Press. 2013. 177-211.

44DM 1,6,23: ‘Potest enim experientia late sumpta dici de quacumque perceptione unius singularis, (...)’. ‘Imo nec satis est ad propriam experientiam et perfectam, saepius eumdem effectum experiri (...), sed ad perfectam experientiam ulterius requiritur collatio quaedam eorum singularium (...)’. ‘Hoc igitur modo propria est hominis experientia, quae licet sensu inchoetur, mente tamen et ratione perficitur, ut declaratur est. Unde non consistit in notitia apprehensiva, sed in judicativa, ex qua generatur habilitas quaedam, qua homo promptus redditur ad judicandum hunc effectum solere a tali causa prodire (...).’

45DM 1,6,25: ‘(...) humanum experimentum est fallax, ut ex Hippocrate dixi, et quamvis demus interdum esse certum certitudine sensus, illa tamen certitudo minor videtur, quam ea quae ad scientiam requiritur; maxime quia experimentum non est universale, seu de omnibus omnino singularibus, scientia autem est universalis simpliciter, et complectitur ea etiam singularia, quae sub experientiam non ceciderunt. (...) ex his quae experimur (...) ad summum sufficiet ad scientiam quia, non vero propter quid’. DM 1,6,26: ‘Igitur nec immediata principia per se cognoscuntur per experientiam tanquam per proprium medium ; hoc enim modo non cognoscerentur ut principia, sed ut conclusiones a posteriori demonstratae, et scitae per scientiam quia; ut sic autem non possent esse sufficientia ad generandam scientiam propter quid conclusionis, quia non potest causa nobiliorem effectum producere quam ipsa sit.’

46DM 1,6,27: ’Dixi, si de experientia propria sit sermo, quia si generatim agatur de quacunque sensibili cognitione necessaria ad terminorum apprehensionem et intelligentiam, clarum est hanc esse necessariam ad cognitionem principiorum, quia omnis nostra cognitio a sensu incipit; haec autem non est proprie experientia, quae, ut ex dictis constat, in judicio seu habitu judicativo consistit;(...)’

47DM 23,10,1: ‘Atque hoc confirmat experientia; nam videmus hirundinem ita congregare paleas, vel aliquid simile efficere, sicut expedit ad finem suum, et sic de aliis.’ DM 23,10,2: ‘Atque hoc evidentissime docet ipsa universi pulchritudo, et mira partium ejus et causarum omnium consensio et ordinatio. Ex qua non solum sancti Patres, sed etiam sapientiores philosophi unum esse hujus universi auctorem et gubernatorem, qui in finem a se intentum omnia constituit et ordinavit, intellexerunt(...)’.

48DM 18,1, 7: ‘Praeterea fit simile argumentum ex variis organis et instrumentis, quibus Deus composuit corpora, praesertim viventia ; nam, sicut quaedam ex ipsa dispositione apparent apta ad re- cipiendum, ita etiam alia sunt ad agendum, quae omnia essent superflua, si hae res nihil agerent.’

49DM 1,6, 29: ‘Ratio autem est, quia nostra intellectiva cognitio valde limitata est et imperfecta, nimiumque a sensu pendet ; et ideo sine sufficiente adminiculo ejus non potest cum sufficiente certitudine et firmitate procedere, et inde accidit saepe ut qui multum de intellectu confidunt, sensum deserentes, facile in rebus naturalibus errent, ut annotavit Aristoteles, 8 Physicorum, c. 3.’; DM 1,6,30: ‘verisimile est necessariam esse experientiam et collationem multorum singularium, ad firmum et evidentem assensum eorum, non tantum via inventionis, quod est notissimum, sed etiam via disciplinae, quia rationes terminorum in his principiis non sunt ita notae ac faciles, ut sufficiat quaeibet propositio eorum, nisi is qui addiscit, eas conferat cum singularibus quae novit, et videat, cum illis, et cum omnibus, quae de talibus rebus expertus est, recte consentire; nunquam item talia principia, instantiam (ut dicunt) passa esse.’

50S. Knuuttila. Suárez’s Psychology. P. 204.

51Jack Zupko. Horse sense and human sense: the heterogeneity of sense perception in Buridan’s philosophical psychology. In: Knuutila, S. et Kärkäinnen , P. Theories of perception in medieval and early modern philosophy. Springer2008. p.170 ‘We are all familiar - perhaps all too familiar - with the Cartesian problem of how the mind is related to the body. On this account, the problem is how to explain the relation between the immaterial human mind and its extended or material body. How is the mind able to direct the movements of the body and be affected by bodily sensations, given their fundamentally different natures? Medieval philosophers were less interested in this problem in part because they viewed the theoretical landscape differently. On the one hand, they were influenced by Aristotle’s De Anima and the commentary tradition that surrounded it to regard the human soul as a tripartite entity, whose different parts reflect Aristotle’s broader taxonomy of life forms as vegetative, sensitive, or intellective. The hard questions about the relation between its material and immaterial aspects are less apparent if it is assumed at the outset that the same thing can operate both materially and immaterially, as if nourishing and sensing and understanding were simply different modes of the same thing - alternative ways its animate nature becomes evident to us.

52V. por exemplo. De anima 1, 3, 1-24; 1, 13, 11.

Recebido: 16 de Setembro de 2021; Aceito: 20 de Outubro de 2021


Dossiê Colóquio Medieval

Comentário ao artigo “Metafísica como ciência a posteriori de acordo com Suarez”

Carlos Arthur Ribeiro Nascimento1 

O texto do Cesar é claro e fornece uma informação precisa sobre o assunto

1) Suarez parece se situar dentro da tradição aviceniana. Isso fica indicado desde a primeira página da apresentação do Cesar em que se fala da demonstração da existência de um ser necessário e da demonstração de seus atributos. É o próprio procedimento de O começo e o retorno de Avicena. Este não foi traduzido na Idade Média, mas a Metafísica da Shifa foi. O mesmo se diga a propósito da essência neutra de Avicena e seus dois estados de singularidade nas coisas e de universalidade no intelecto. Sto. Tomás também utiliza esse esquema.

2) O texto parece usar duas concepções de necessário. A aristotélica (necessário é o que existe sempre) e a aviceniana (necessário é o que se negado, implica contradição).

O mesmo se diga de real - real (existente x fantasia); real (res, coisa, essência: o que não é contraditório pode existir).

Disp. III, seção IV, nº 2 - 15, p. 177

Ente (ente real) não é atribuído apenas às coisas existentes mas também às naturezas reais consideradas de acordo consigo, quer existam, quer não, como a metafísica considera o ente e deste modo o ente é dividido em dez predicamentos.

Disp. III, seção IV, nº 3, p. 177.

Se ente for tomado na medida em que é o significado desta palavra tomada com força de nome, sua noção consiste nisto que seja o que tem essência real, isto é, não fictícia nem quimérica, mas verdadeira e apta a existir realmente.

3) Fala-se de metafísica humana. Haveria uma divina e uma angélica? O princípio de contradição vale apenas para as ciências humanas? Seria Suarez um Ockamiano neste ponto?

4) No aspecto em que o sujeito das ciências é obtido por indução, todas as ciências, exceto as formais, são a posteriori. Parece que a metafísica poderia ser considerada a priori, uma vez obtido seu sujeito.

5) Suarez parece ter um conceito simplificado de abstração: passagem dos singulares ao universal.

O conceito de Tomás por exemplo é muito mais elaborado. Há uma abstração do todo (universal), da forma (quantitativa) que se dão pela primeira operação do espírito.

A abstração do todo é um procedimento geral do conhecimento humano e das ciências da natureza. A da forma é própria da matemática. O procedimento da metafísica pode ser chamado de separação (Comentário ao De Trinitate de Boécio) ou abstração (Suma de teologia, Iª, q. 85, a. 2). Mas, sendo um procedimento da segunda operação do espírito, tem de se conformar à estrutura das coisas, o que não é necessário estritamente na abstração praticada pela primeira operação: o intelecto considera à parte o que não é à parte na coisa.

Nesse sentido, a ciência da natureza e a matemática são ciências abstratas e a metafísica é uma ciência concreta.

6) Distinguir

composição e divisão - proposições - 2ª operação do espírito

apreensão e juízo - - atos do intelecto

certeza/opinião/suspeita/dúvida - estado do intelecto

(assentimento)

Suarez distingue?

7) Conteúdo da metafísica

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