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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.75 Uberlândia set./dez 2021  Epub 16-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n75a2021-53523 

Artigos

A formação política do professor: um olhar sobre a história

Teacher policy education: a look at history

La formación política del profesor: una mirada a la historia

Evandro Luiz Ghedin* 
lattes: 5879015398476679; http://orcid.org/0000-0002-2844-6122

Carlos César Macêdo Maciel** 
lattes: 4475656102366988; http://orcid.org/0000-0002-6722-6712

*Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: evandroghedin@gmail.com

**Doutorando em Educação na Professor na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: carlosmacielufam@gmail.com


Resumo

A presente pesquisa tem como finalidade possibilitar uma compreensão do desenvolvimento dos processos de formação política dos professores no âmago de um corpo social capitalista, objetivando fornecer as condições necessárias para repensar o contexto contemporâneo fundamentado na história. Partindo essencialmente da formação de professores, essa compreensão foi relacionada ao cenário político, econômico e social, uma vez que são as influências políticas reinantes no corpo social que sistematizam os processos formativos. A partir disso foram elaboradas observações a respeito dos referenciais teóricos que trabalham a temática; o exame dos contrassensos da formação política no corpo social capitalista; o professor enquanto intelectual orgânico; função política e social do professor no contexto da educação brasileira, assim como o delineamento dessa educação no contexto neoliberal e sua privatização. Tratou-se de uma Pesquisa Bibliográfica, de natureza Qualitativa. Este estudo permitiu compreender que é há a necessidade de discorrer sobre a formação de professores, uma vez que compreendemos que o contexto histórico da formação política do professor já necessitaria ser uma fase conquistada no momento em que objetivamos alcançar uma formação pedagógica de suma importância para todos os sujeitos.

Palavras-chave: Formação Docente; Formação Política; História; Educação

Abstract

The purpose of this research is to enable an understanding of the development of teachers' political formation processes in the core of a capitalist social body, aiming to provide the necessary conditions to rethink the contemporary context grounded in history. Starting essentially from teacher education, this understanding was related to the political, economic and social scenario, since it is the reigning political influences in the social body that systematize the formative processes. From this, observations were elaborated about the theoretical references that work the theme; the examination of the countermeasures of political formation in the capitalist social body; the teacher as an organic intellectual; political and social function of the teacher in the context of Brazilian education, as well as the delineation of this education in the neoliberal context and its privatization. It was a Bibliographic Research, of a Qualitative nature. This study allowed us to understand that there is a need to talk about teacher education, since we understand that the historical context of political teacher education would already need to be a stage achieved when we aim to achieve a pedagogical training of paramount importance for all the subjects.

Key-words: Teacher Training; Political Formation; Story; Education

Résumé

La presente investigación tiene como objetivo permitir una comprensión del desarrollo de los procesos de formación política de los docentes en el núcleo de un cuerpo social capitalista, con el objetivo de proporcionar las condiciones necesarias para repensar el contexto contemporáneo basado en la historia. Fundamentalmente basado en la formación del profesorado, esta comprensión estuvo relacionada con el escenario político, económico y social, ya que son las influencias políticas que prevalecen en el cuerpo social las que sistematizan los procesos de formación. En base a eso, se hicieron observaciones sobre los marcos teóricos que funcionan con el tema; el examen de las contradicciones de la formación política en el cuerpo social capitalista; el profesor como intelectual orgánico; función política y social del docente en el contexto de la educación brasileña, así como el diseño de esa educación en el contexto neoliberal y su privatización. Fue una Investigación Bibliográfica, de carácter Cualitativo. Este estudio permitió comprender que existe la necesidad de hablar de formación docente, pues entendemos que el contexto histórico de la formación política docente ya tendría que ser una etapa alcanzada en la que pretendemos lograr una formación pedagógica de suma importancia para todos los actores. asignaturas.

Palabras clave: Formación Docente; Formación Política; Historia; Educación

Introdução

Em conformidade com a percepção histórico-crítica, compreendemos Educação enquanto acontecimento que se mostra como relação dialógica e comunicativa entre seres humanos livres em diferentes níveis de maturidade humana, presentes em uma determinada conjuntura histórica. Em razão disso, de acordo com Saviani (1989, p.51), pode-se definir como função das instituições educacionais: “ordenar e sistematizar as relações homem - meio para criar condições de desenvolvimento às novas gerações, cuja ação e participação permita a continuidade e a sobrevivência da cultura e, em última instância do próprio homem”. Dessa forma, o significado da educação precisa ser o do desenvolvimento do ser humano, e, conforme Saviani (1989, p.51):

[...] se promover o homem significa libertá-lo de toda e qualquer forma de dominação; se, nas sociedades em que vigora o modo de produção capitalista, a dominação se manifesta concretamente como dominação de classe, então educar, isto é, promover o homem, significa libertá-lo da dominação de classe, vale dizer, superar a divisão da sociedade em classes antagônicas e atingir um estágio de sociedade regulada.

Sob o prisma da educação, a promoção humana representa tornar o ser humano continuamente preparado para compreender os elementos de sua circunstância, intervindo sobre ela, modificando-a mediante um alargamento da liberdade, da comunicação e assistência mútua entre os seres humanos. Com esse entendimento, podemos argumentar que a educação é essencialmente um ato político na práxis. Ao afirmar isso, é imprescindível levar em consideração as diferenças que há entre a atividade técnica e a atividade política da educação e seus desdobramentos. A atividade técnica pode ser relacionada aos direcionamentos políticos distintos, sem que essa diferenciação resulte em uma imparcialidade. Apesar de não se uniformizar com a função política de maneira concreta, a atividade técnica mostra-se permanentemente relacionada a um direcionamento político determinado. Tal direcionamento pode variar, mas não deixa de existir em hipótese alguma.

A partir de um panorama de grupo, acreditamos que a educação permanece militante em todos os meios sociais, desde as comunidades primitivas às mais heterogêneas, e, igualmente, nas sociedades contemporâneas. A Educação apresenta-se profusa e, em todos os âmbitos sociais, no momento em que os seres humanos dialogam entre si, apesar de não possuírem a intenção de educar, eles educam e se educam mutuamente. Assim sendo, refere-se a uma educação assistemática, na qual a ação pedagógica acontece sem intencionalidade. No momento em que educar torna-se o elemento categórico da atenção, e existe o desdobramento de uma ação pedagógica intencional, mostra-se uma educação sistematizada. O fato de a educação se mostrar como uma problemática, ou seja, o educar se mostrar como algo que necessita ser realizado e não se conhece precisamente a maneira de executá-lo, é o que determina a mudança da primeira para a segunda forma.

Em face desta problemática, a inquietação faz com que a educação passe a ocupar a consciência do ser humano, refletindo continuamente sobre ela, ajuizando que os pesquisadores educacionais não devem se conformar com o primeiro modelo de educação. É necessário educar com intencionalidade, ou seja, atuar consoante aos objetivos antes estabelecidos. Enquanto processo de humanização, a Educação acontece no meio social com o claro objetivo de tornar os sujeitos partícipes do processo civilizatório, assumindo o compromisso pela continuação deste. Enquanto ação social é desempenhada por todas as instituições sociais como processo sistêmico e intencional, entre estas instituições se enfatiza a escola.

Dessa maneira, uma análise reflexiva que se intencione relevante e organizada, em uma perspectiva de conjunto a respeito dos impasses que assombram a Educação, de modo inevitável, nos conduzirá à questão das instituições de ensino. As escolas, com isso, têm o compromisso social de analisar o processo de desenvolvimento da comunidade humana tendo em vista a sistematização da educação. O seio familiar, a religião, o trabalho, o lazer, assim como outras instituições sociais, desempenham atribuições de educação informal. A instituição escolar desponta da importância de se formalizar a educação mediante um agrupamento de especialistas designado, principalmente, para desempenhar determinadas atividades objetivando pensar e formular um projeto de ação permanente. A educação escolar fundamenta-se, essencialmente, no trabalho docente e discente. O objetivo desta educação é fornecer subsídios favoráveis ao processo de humanização de ambos através do trabalho comunitário e multidisciplinar destes com o saber, sob um panorama crítico e transformador.

Educação Escolar

A função mais premente da instituição escolar, principalmente a que pertence à esfera pública, objeto de nossa análise, é a preparação de homens e mulheres para atuarem ativamente na vida em sociedade. Esta função pode ser alcançada por meio do conhecimento e da instrução. O conhecimento oportuniza o domínio dos saberes sistematicamente organizados e o desenvolvimento das aptidões físicas e mentais dos estudantes. A instrução é a função conjunta de docentes e discentes, onde se desenvolve o processo de disseminação e entendimento dinâmico dos saberes, habilidades e costumes, tencionando a educação.

O conhecimento e a instrução são as atividades elementares da instituição escolar e dos professores. O cumprimento de tais atividades efetiva uma função social determinada por todas as camadas da sociedade: oportunizar aos estudantes a tomada dos dispositivos culturais e científicos necessários para a continuação dos estudos e, dessa maneira, para a preparação ao trabalho, bem como para a conquista dos direitos da cidadania em comunhão com seus pares. O reconhecimento de um engajamento social e político por parte da instituição escolar e dos profissionais da educação se apresentam ao relacionar essas atividades elementares às verdadeiras pretensões e aos embates pelas mudanças econômicas, políticas e culturais do corpo social. Tão importantes compromissos demandam uma consistente formação profissional do professor.

Em momento anterior tivemos a possibilidade de mencionar que: nos agrupamentos primitivos os seres humanos educavam e se educavam de forma coletiva; nas comunidades sociais antigas que defendiam a escravidão, apareceu uma classe hegemônica supérflua, que se aproveitava do trabalho de outrem, uma elite restrita que necessitava manter-se ocupada “dignamente”, ou seja, aprofundando seus estudos e distante do trabalho; na comunidade social capitalista moderna, a primazia dos grandes centros urbanos e do meio industrial sobre o campo e a agricultura se difundiu, demandando igualmente a difusão da instituição escolar, a partir da qual para ser considerado cidadão e/ou um trabalhador produtivo, seria imprescindível o acesso à cultura letrada. Portanto, a instituição escolar se transformou na instituição que tornaria possível, de forma sistemática, este acesso requerido pela modernidade.

Como a conhecemos atualmente, a escola é uma invenção pautada em princípios burgueses do século XVI. Por meio de um demorado processo de transformações e alegando salvaguardá-las das ações maliciosas do mundo circundante, a educação escolar dividiu as crianças de adultos. A partir disso, seria de competência da instituição escolar não apenas ensinar, mas igualmente educar. Nesta mesma época, a sociedade brasileira entrou para a história da assim denominada Civilização Ocidental, e a sua história enquanto país decorre simultaneamente ao aparecimento e promoção da educação pública.

A escola pública nasceu no século XVI em países de ascendência protestante. Em razão disso, a hegemonia parcialmente restritiva da instrução religiosa assinalou profundamente este século, como o advento do luteranismo em detrimento da predominância do catolicismo. As autoridades religiosas, principalmente as europeias, enfrentavam as autoridades civis ambicionando a abertura e a continuidade de instituições escolares de natureza pública, com finalidades fundamentalmente religiosas e éticas, possuindo como objetivo o ensinamento cristão. Nesta época, os padres jesuítas eram os responsáveis pela educação brasileira colonial.

O estabelecimento do ensino público religioso em países desenvolvidos alcança efetividade quando do término do século XVII, principalmente por meio da compreensão educativa de Ratke e Comenius, que têm como objetivo atender à instrução fundamental. Dessa época até a Revolução Francesa protagoniza-se uma educação estatal resumida às noções elementares, essencial às camadas populares e principalmente direcionada a uma nova camada social em ascendência, a assim chamada burguesia. Uma escola estruturada e conduzida por esta camada social tendo em vista a promoção exclusiva de seus interesses. No alicerçamento da sociedade burguesa, a instituição escolar paulatinamente deixa de ser religiosa, privada e circunscrita, para transformar-se em universalizada, laica e pública.

Os vínculos entre o poder estatal e a educação brasileira têm origem com a colonização, especificamente com a chegada dos jesuítas, os quais estabeleceram a Ratio Studiorum, um plano geral de educação, que beneficiava tão somente o processo formativo das elites, amparada financeiramente pela Coroa Portuguesa. A Revolução Industrial, a partir do século XVIII, ajudou na reforma de determinadas singularidades do ensinamento burguês. O processo formativo anterior, essencialmente humanista, cedeu espaço ao processo formativo técnico especializado e ao conhecimento científico. A partir de então, o processo de secularização e democratização pedagógica nos países desenvolvidos foi acelerado. No século XIX, as mudanças oriundas desta Revolução resultaram na requisição de uma instituição escolar pública, leiga, gratuita, obrigatória e acessível às camadas não favorecidas do corpo social.

Logo após a expulsão jesuítica, as reformas pombalinas da educação pública foram colocadas no plano de reformas que modernizariam a sociedade brasileira. O marquês de Pombal intencionava dispor Portugal em conformidade com os princípios iluministas. No entanto, esta iniciativa nunca foi colocada em prática, em decorrência da escassez de pessoal e auxílio financeiro, bem como do receio da disseminação de pensamentos emancipatórios. Na Europa, ao término do século XIX, uma escolarização diminuta é ofertada à uma parcela significativa da população das classes burguesas. No século XX, a instituição escolar alcança a grande massa populacional, onde permaneceu por um longo período. Vale ressaltar que este fenômeno ocorre nos países onde os relacionamentos assentados no capitalismo adentraram com antecedência e de maneira mais ampla. Apesar disso, no entanto, não atendia até aquele momento aos parâmetros de uma instituição escolar singular, conforme a compreensão de Althusser (1980, p.66):

[...] Nenhum Aparelho Ideológico de Estado dispõe durante tanto tempo (dos 6 aos 16) da audiência obrigatória (e ainda gratuita), 5 a 6 dias por semana, à razão de 8 horas por dia da totalidade das crianças da formação social capitalista.

Apesar de a sociedade brasileira fundamentar-se em princípios essencialmente capitalistas, sua estrutura econômica submissa e limítrofe, não espelhava, especificamente, esta circunstância. Neste contexto histórico, a verdadeira localização em que as escolas estavam na sociedade brasileira apresentava um certo distanciamento da realidade da Europa, de fato, passou-se completamente o século XIX sem que qualquer ensino público fosse desenvolvido.

As hodiernas atribuições da burguesia europeia suscitaram mudanças na sistematização da instituição escolar, transformando-a profundamente. Tomando para si as hodiernas atribuições em face da complexificação da comunidade social capitalista, o poder estatal burguês igualmente assume maior complexidade. A partir desse momento, a escola teria a função de promover a nova ordem moral e intelectual imprescindível ao ordenamento econômico e político do Estado burguês. Gramsci (1981) intitula como Sociedade Política os organismos da denominada superestrutura: executivo, judiciário e forças armadas. E, de Sociedade Civil, o agrupamento dos organismos privativos, no qual podemos encontrar a instituição escolar.

A partir da complexificação social, o poder estatal burguês deixa de ser ímpeto de repressão, que passou a ser desempenhada pela Sociedade Política, e passa a ser um “educador”, ou seja, promotor de entendimento por meio dos organismos da Sociedade Civil, comportando-se enquanto promotor de dominação hegemônica.

Na conjuntura do século XX, principalmente a partir da segunda década, acontece um crescimento da oferta de escola pública na sociedade brasileira, assim como o aparecimento de movimentos organizados requerendo a qualidade educacional. Após da Revolução de 1930, tem início a confrontação dos impasses característicos do moderno corpo social burguês, isto é, o ensino público popular. Já no decurso o século XXI, porém, o Estado brasileiro permaneceu sem se apresentar como apto para tornar a instrução mais democrática, não sendo capaz de implementar a função da sociedade moderna para os séculos XIX e XX, ou seja, o desenvolvimento do ensino público nacional, fundamentado essencialmente na democracia.

No âmago do corpo social brasileiro, embora a instituição escolar consistisse em uma estrutura da sociedade civil, esta estrutura se manifestava de modo debilitado, considerando que ela não espelhava o período capitalista do corpo social. Do começo ao fim, a instrução se limitava às elites, de onde uma ampla parcela das crianças brasileiras estava rechaçada. Esta instituição escolar também manifestava características feudais majoritariamente aristocráticas, que precisava somente de uma quantidade mínima de sujeitos letrados para assumir as funções de controle nas Sociedades Política e Civil. Porém, no âmago deste corpo social capitalista, a instituição escolar pode apresentar-se como uma estrutura consolidada da Sociedade Civil caso aumente sua ordenação instrumental e seus recursos humanos, propagando, com isso, seus níveis e direções para um período e uma quantidade de sujeitos gradativamente superior.

A admissão da maioria pela instituição escolar é mostrada enquanto condição favorável, uma vez que, conscientes dos obstáculos de hegemonia cultural, a instituição escolar pode ultrapassar as ambições burguesas, exercendo a influência das classes operárias, mesmo no interior das suas limitações comprimidas. No processo de industrialização e urbanização, uma necessária expansão da rede escolar no Brasil encontraria justificação, por um lado, em decorrência das circunstâncias de trabalho não oportunizavam ao trabalhador o comando do processo de produção complicando o entendimento das relações sociais determinadas, e, por outro lado, em decorrência do trabalho urbano demandava um certo nível de conhecimento especializado, conhecimento esse não somente alcançado na instituição escolar, porém, do mesmo modo, nela.

O conhecimento disseminado na instituição escolar carrega em seu âmago o elemento ético- político, que acrescenta uma percepção de realidade que direciona atividades permanentes ao conjunto da população partindo das interpretações hegemônicas, mas, do mesmo modo, um elemento técnico. Tal elemento diz respeito ao saber fundamental requerido pela multiplicidade das grandes cidades, onde se encontram as organizações empresariais, a Sociedade Política e a Sociedade Civil. As vinculações capitalistas convertem grandes cidades em centros comerciais e industriais com amplos aglomerados da população. Neste decurso, os centros urbanos transformam-se em centros de afazeres econômicos, políticos e industriais. De forma direta, a instituição escolar está relacionada ao político e ao cultural, pois requer o desenvolvimento da intelectualidade humana e, do mesmo modo, o desenvolvimento da qualificação intelectual determinada pelas atividades econômicas modernas.

Tendo em vista que a grande massa urbana pudesse conquistar um mínimo de cultura, a instituição escolar torna-se primordial, com a intenção de melhor se encontrar ou se movimentar. Assim sendo, o desenvolvimento cultural da população transcorreria, mesmo que de forma insuficiente, nos limiares do predomínio burguês, limiares estes que se apresentam ainda mais notórios nas comunidades sociais capitalistas marginais, como o Brasil. No entanto, o seu desdobramento constitui um crescimento favorável que ultrapassa a determinação burguesa. O fundamento do corpo social burguês se estabelece na privatização do capital e na socialização da força de trabalho e este contrassenso espelha-se na socialização da cultura sob este predomínio. A instituição escolar enquanto ambiente de socialização de cultura, necessita procurar a socialização da economia e da política em uma conjuntura maior. Gramsci (1995, p.09) apresenta esse componente histórico na seguinte indagação:

Pode haver reforma cultural, elevação civil das camadas mais baixas da sociedade, sem uma precedente reforma econômica e uma modificação na posição social e no mundo econômico? Eis por que uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica. E mais, o programa de reforma econômica é o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral. O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, na medida em que o seu desenvolvimento significa de fato que cada ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso; mas só na medida em que tem como ponto de referência o próprio moderno Príncipe e serve para acentuar o seu poder, ou contrastá-lo. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma laicização completa de toda a vida e de todas as relações de costume.

Para acompanhar os acontecimentos e mudanças sociais, a instituição escolar do século XX formulou procedimentos dinâmicos pelo caminho das ciências humanas. O embate metodológico nesta ocasião foi empreendido entre a instituição escolar tradicional e a escola nova. A esse embate, assomaram-se as concepções socialistas, engendrando críticas às anteriores e, sugerindo uma instituição escolar com atenção voltada ao trabalho, apta para solucionar a incoerência “pensar-fazer”. No âmago desse ardor e multiplicidade de recomendações, despontaram os princípios de “desescolarização”.

A história contemporânea tem manifestado que os segmentos populares vêm contestando demasiadamente o predomínio burguês. Independentemente da repressão política, enquanto classe submissa, sua ação no contexto da sociedade civil possivelmente transformará antigos organismos, oportunizando a elaboração e a disseminação de uma compreensão de escola de acordo com seus interesses. A influência de fora para dentro do espaço escolar produzida pela população organizada passa a integrar à exercida por professores e estudantes, no que tange o esforço de relacionar a sua atividade aos interesses da maioria submissa da população, conquistando com esta ação um desenvolvimento mais rápido do seu nível de consciência.

O embate hegemônico contemporâneo acontece entre a classe trabalhadora e a burguesia. Sem a dominação da sociedade política, o operariado desempenha a política no contexto da sociedade civil, na qual planta e faz brotar a democracia, que primordialmente necessita ser desenvolvida para a socialização da política. No cerne da ação política, as classes dominadas tornam-se conscientes de seus interesses de classe, assim como da relevância da instituição escolar na formulação e disseminação de uma compreensão de realidade conforme seus interesses. Porém, a circunstância de vida deste segmento comumente possui insuficiências gritantes, onde questões como emprego, saúde, habitação, entre outras, necessitam de prioridade, transformando o imperativo do direito à escola popular uma exigência extemporânea, pois para uma aquisição desse feitio se conjectura uma atividade sistematizada por parte das classes populares do meio social.

Se por um lado, o desprestígio do trabalho manual é enganosamente atribuído à ausência de escolarização, de outro, a instituição escolar está, precisamente, relacionada ao desenvolvimento intelectual do homem, bem como à sua formação e desenvolvimento profissional. A questão principal é libertar a classe trabalhadora dos enganos, ampliando suas perspectivas, tornado possível, por meio de sua preparação intelectual, a eliminação dos estados objetivos de trabalho manual que empatam o operário de tecer reflexões acerca da sua ação profissional e social. A escolarização pode se transformar em um recurso indispensável para a superação da ação que vincula o trabalho, manual e igualmente o intelectual aos princípios burgueses, um elemento de exploração e hegemonia humana.

Operando dessa forma, a burguesia não poderá corromper a socialização da cultura dominante da classe trabalhadora. Por conta disso, maior será aos “sujeitos políticos coletivos” a importância de conquistar uma instituição escolar pública de qualidade, em decorrência da relevância e necessidade de uma consciência mais ampla da conjuntura social onde se desenvolva uma ação que transforme o ser humano.

Assentimos com o entendimento de que, na contemporaneidade, os sistemas de ensino brasileiros proporcionam inúmeros modelos de educação para crianças oriundas de classes diferentes. Assim, colaboram para o fracasso escolar de estudantes dos segmentos financeiramente não favorecidos, comportando-se, em grande parte, enquanto sistema reprodutor das instâncias produtivas que auxilia, predominantemente, à ideologia hegemônica, e não enquanto sistema a serviço de mudanças. O cerne dos sistemas educacionais são as instituições escolares, e, dessa maneira, compreende-se que as mesmas são causadoras, de forma direta, deste fenômeno.

A modernidade revela uma concordância atípica de interesses, uma vez que tanto as classes populares quanto as camadas mais beneficiadas sustentam a questão da qualidade do ensino. Este fenômeno é incomum, posto que de há muito tempo existe uma oposição dos setores hegemônicos brasileiros referente ao aumento do grau de conhecimento das classes populares. Impreterivelmente, esta oposição foi ultrapassada com o advento da Revolução Tecnológica. A abertura do mercado ao exterior e o comportamento acirrado da concorrência apresentam aos proprietários dos meios de produção a obrigação de trabalhadores com a devida qualificação para manusear os instrumentos tecnológicos. E dessa forma, as classes populares conquistam gradualmente a consciência de que um processo de escolarização ineficaz minimiza, consideravelmente, as suas oportunidades de conseguir inserção no mercado de trabalho.

É relevante salientar que embora possamos considerar que os sistemas de ensino funcionem majoritariamente como reprodutores, não tencionamos asseverar que esta especificidade seja imutável. Resultante do crescimento descontrolado dos conceitos neoliberais, a propagação da instabilidade social poderá encorajar os movimentos populares. Assim, a população será capaz de compreender que a origem da falta de emprego não é a péssima escolaridade, mas a contínua diminuição das funções de trabalho proveniente da automatização, da importação de mercadorias de países estrangeiros e das políticas de controle econômico empregadas pelo governo.

O aumento de vagas nas instituições escolares e a melhoria do ensino conseguirão viabilizar mudanças significativas na comunidade social em sua completude, conjecturando que sujeitos de maior esclarecimento intelectual irão atuar distintamente dos que foram marginalizados do sistema escolar em decorrência das suas origens sociais. Apesar de partirmos da pressuposição de que as escolas funcionem essencialmente a serviço do ordenamento social predominante, enxergamos a oportunidade destas instituições serem ressignificadas e passarem a colaborar com a superação desse ordenamento, uma vez que só é factível entender as funções, reacionária ou transformadora, no âmago de uma possiblidade histórica na qual determinadas circunstâncias propendem a favorecer a consolidação ou declínio destas.

Compreendemos que, em qualquer nível de atuação, o processo de formação docente mostra-se como uma possibilidade singular para fortalecer a função transformadora da educação escolar, assunto este discutido no próximo item.

A realidade histórica brasileira

O cenário europeu de formação de professores não espelha o percurso da formação do professor no Brasil. Um estudo do processo histórico da educação brasileira aponta-nos ter sido um costume evidente, por exemplo, a presença de professores leigos, principalmente para o ensino das séries iniciais. Atualmente, isto ainda não significa uma ressalva. Segundo Azevedo (1961. p.567), professores improvisados que “mostravam não só uma espessa ignorância das matérias que ensinavam, mas uma ausência absoluta de senso pedagógico”. Os jesuítas foram os primeiros a organizar sistematicamente a educação escolar brasileira, considerados os únicos professores de profissão até serem expulsos do país pelas forças pombalinas em 1759. As Aulas Régias substituíram o predomínio da educação escolar jesuítica, ministradas por educadores leigos, sem formação peculiar.

Com a vinda ao Brasil da Família Real portuguesa, a partir de 1808 as Aulas Régias começaram a ser ministradas pelos profissionais liberais formados em terras brasileiras. As Faculdades de Direito, Medicina, Engenharia e Escolas Militares se apresentavam como os centros de formação desses professores, atendendo, de modo particular, à aristocracia de Portugal. O sistema de Aulas Régias deixava muito evidente o privilégio da alta sociedade, uma vez que somente os alunos das camadas mais abastadas teriam a possibilidade de conquistar as circunstâncias imprescindíveis para a continuação dos estudos de ginásio.

A Colônia não mostrou preocupação em estruturar qualquer modelo de sistema educacional popular por mais de três séculos. Enquanto alicerce político da estrutura de concordância coletiva, a Educação Popular e o Ensino Primário alcançaram determinada importância nos debates somente após a Independência do Brasil. A Constituição de 1823 intencionou disseminar a Escola Primária, no entanto o Império argumentou não poder realizá-lo por não apresentar condições orçamentárias. Neste período, os educadores eram insuficientes, uma circunstância demasiadamente prenunciada, pois este modelo de trabalho profissional não se mostrava como elemento de rendimento financeiro.

Empregou-se o Método Lancaster de Ensino Mútuo por mais de duas décadas, método que dispensava o docente, substituindo-o por um estudante mais desenvolvido intelectualmente, objetivando complementar a escassez de professores e disseminar a educação das assim denominadas primeiras letras. Argumentava-se que essa iniciativa oportunizava solucionar o impasse da educação no Brasil de uma forma financeiramente ideal para o sistema de governo vigente, com maior rapidez e sem despesas. Não se encontrou em terras brasileiras uma única instituição escolar que preparasse os docentes para as séries iniciais até 1835, sendo que a predominância de docentes leigos, e não ocasionalmente sem provento financeiro, perdurou por quatro séculos.

Em 1835, no Segundo Reinado, no Rio de Janeiro ocorreu a primeira tentativa de um curso de formação de professores no país. Ao mesmo tempo em que se destacava a quantidade absoluta e relativa de docentes não habilitados para o magistério, as instituições de formação se difundiram gradativamente para outros estados. A escola Normal de São Paulo era destinada somente aos homens, contando apenas com um único professor, da Faculdade de Direito, sem formar mais que 20 professores em duas décadas. Nas instituições destinadas às mulheres, trabalhavam as professoras do Seminário das Educandas. A finalidade do governo era valer-se das estudantes no magistério como maneira de solucionar a falta de docentes.

Estabelecida pelo Brasil a partir de 1870, a política liberal acarretou determinadas mudanças que foram obrigatoriamente colocadas pelas próprias circunstâncias sociais, em grande parte. O aumento populacional, uma quantidade progressivamente maior de sujeitos iletrados, assim como a necessidade de minimizá-los conduziram à disseminação da escola elementar, sem que para isso, contudo, ocorresse um crescimento abundante de despesas com a educação e, consequentemente, com a qualificação docente. Com o tempo as transformações foram ocorrendo.

Mudanças para o ensino oficial derivaram do primeiro período do regime republicano brasileiro, e entre elas encontra-se a Lei Maximiliano, de 1915, que alterava os dispositivos concernentes à função docente, implementando condições referentes à integridade moral dos educadores, além de implementar um sistema de concurso com vistas à nomeação das cadeiras das instituições escolares oficiais e estabelecer as premissas para a legalização da educação privada.

Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, de acordo com Martins (1987), a disseminação do nacionalismo populista e o embate contra o analfabetismo, promovem o surgimento da categoria do político-educador na história da educação brasileira, o qual passou a assumir a liderança pedagógica, desde então. Os políticos-educadores vem a se tornar os teóricos educacionais, sendo significativo acentuar que os mesmos nunca vivenciaram o cotidiano de sala de aula, precursores dos “teóricos de gabinete” da educação brasileira, fechados em si mesmos.

A categoria dos teóricos educacionais frequentemente apresentava concepções liberais e legislavam preferencialmente em defesa de agrupamentos econômicos, do que em defesa dos professores, manipulando-os em razão da importância desses profissionais, mesmo com o recebimento de baixos salários, manterem-se no trabalho. De um lado, o político-educador despontou para revelar as engrenagens manipulativas a que o professor se encontrava subordinado, no entanto, de outro, teve a capacidade de demonstrar a potencialidade política da escola e do professor, principalmente no que se refere ao assunto da educação popular.

Na segunda década do século XX surge no Brasil o Movimento Escola Nova, promovendo determinadas mudanças na educação pública brasileira. As concepções escolanovistas mostram-se notoriamente em 1932 no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, sendo Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho seus principais signatários. O Manifesto nasceu por conta de impasses ideológicos entre aqueles que defendiam a escola renovada e os católicos tradicionais que monopolizavam a educação aristocrática e conservadora.

Por meio da psicologia, a primordialidade de tornar mais científica a educação constituiu a convicção generalizada pelo movimento escolanova. A função docente, nessa conjuntura, foi de simples promotora do desenvolvimento infantil. O escolanovismo foi o motivador da disseminação da crença da neutralidade pedagógica, recomendando uma função docente fincada na passividade.

Esta percepção necessita ser entendida a partir da conjuntura em que foi concebida. A progressiva industrialização demandava o crescimento das instituições escolares, as intensas transformações exigiam o preparo para o novo e presumiam que as desigualdades sociais poderiam ser superadas por meio da mobilidade social conquistada mediante a escolarização. Esta percepção de instituição escolar redentora, na qual todos teriam a possibilidade de assegurar o seu espaço na sociedade, espelhava os princípios liberais burgueses. Pesquisas consecutivas demonstraram que a equalização prevista ocultava verdadeiramente a reprodução do sistema. Além do mais, favorecia a elitização do ensino, em decorrência das necessidades de infraestrutura e profissionalização de seus professores; a ponderação crítica sobre o comportamento autoritário da velha escola tradicional irrompeu em atitudes indisciplinares e aceleração do conteúdo pedagógico. Saviani (2012) afirma que o perigo da péssima compreensão dos fundamentos da escola nova igualmente se encontra na ambiguidade entre ensino e pesquisa.

Vejam que, com essa maneira de interpretar a educação, a Escola Nova acabou por dissolver a diferença entre ensino e pesquisa, sem se dar conta de que assim fazendo, ao mesmo tempo em que o ensino era empobrecido, se inviabilizava também a pesquisa. O ensino não é um processo de pesquisa. Querer transformá-lo num processo de pesquisa é artificializá-lo (SAVIANI, 2012, p.51).

Saviani (2012, p.46-47) explica também a razão pela qual a pesquisa tornar-se impraticável simultaneamente a artificialização do ensino:

[...] se a pesquisa é a incursão do desconhecido, e por isso ela não pode estar atrelada a esquemas rigidamente lógicos preconcebidos, também é verdade que: primeiro - o desconhecido só se define por confronto com o conhecido, isto é, se não se domina o já conhecido, não é possível detectar o não conhecido, a fim de incorporá-lo mediante pesquisa, ao domínio do já conhecido. [...] Em segundo lugar, o desconhecido não pode ser definido em termos individuais, mas em termos sociais, isto é, trata-se daquilo que a sociedade e, no limite, a humanidade em seu conjunto desconhece. Só assim seria possível encontrar-se um critério aceitável para distinguir as pesquisas relevantes das que não o são, isto é, para se distinguir a pesquisa da pseudo-pesquisa, a pesquisa de”mentirinha”, da pesquisa de brincadeira, que, em boa parte, me parece constitui o manancial dos processos novos de ensino.

Ao considerar a prática educativa indeterminada e a didática não-diretiva, o movimento escolanovista colaborou extensamente para a ausência de sistematização educativa, eliminando totalmente as finalidades de ordenamento social intimamente relacionadas à ação do professor. Além de encontrar-se compromissada com a liberalização das instituições e relacionada ao progresso dos valores capitalistas no Brasil, o que resultou, a posteriori, na substituição dos debates passados acerca do desenvolvimento da educação pública pela do tecnicismo educacional, proporcionado pelo modelo econômico desenvolvimentista que foi empregado à educação escolar brasileira de maneira forçada.

Substituindo o escolanovismo, a simplória convicção defendida pelos educadores do movimento tecnicista era a oportunidade de solucionar todos os problemas do nosso ensino por meio do planejamento pedagógico, adequado ao contexto social. Isso tão somente diminuía a importância teórica de ensino para tornar mais fácil a aprendizagem. De ensinamento pragmatista, o processo formativo tecnocrata conseguiu eliminar totalmente as percepções de campo social, implementando à prática educativa fundamentos severos e mecanizados. A prática docente alicerçada na tecnocracia educacional incitou o professor a reproduzir meramente um fundamento econômico.

Ocorrem mínimas alterações entre 1920 a 1961, período da Lei de Diretrizes e Bases, nº 4024/61. Não haviam professores para assumir a docência em consequência do aumento da quantidade de matrículas. Por conta disso, para compensar esse déficit, começaram a recrutar o professorado em outras profissões, tornando a atividade do magistério somente um serviço secundário e incompleto. Tal iniciativa de recrutamento imprudente de professores foi colocada como forma de impedir a disposição e a unicidade da categoria profissional dos professores enquanto agrupamento.

A perspectiva histórica da formação do professor brasileiro apresenta a completa desconsideração e insensatez por parte dos órgãos governamentais, tendo em vista a permanência de um processo de formação docente mediano, e em razão disso, esses processos foram permanentemente outorgados à imprevisibilidade. A cultura dos professores leigos permanece sendo benéfica ao assistencialismo sem compromisso da política de educação do Brasil, como se houvesse, de forma velada, um acordo bilateral desde o começo da história: O Estado não requerendo um desempenho maior do professor, por outro lado, não assume a obrigação de retribuir o seu trabalho com melhores recursos materiais.

A discriminação sobre a profissão de professor, com o predomínio feminino na docência, ocorreu por causa de um preconceito social e econômico, pois se reputava a profissão imensamente diminuta para a capacidade masculina. Ao declarar que a mulher se configurava um “componente padrão” para o magistério das Primeiras Letras, a visão positivista ratificou esta discriminação, uma vez que se atestava a “primazia moral” feminina. Isso serviu de amparo às manipulações salariais impostas à profissão de professor, principalmente das séries iniciais, e amparo, igualmente, a não profissionalização feminina, ao compreender a educação infantil como uma relação puramente afetiva, necessitando apenas de bom senso para lecionar.

No Brasil, o percurso histórico da educação e da formação docente mostra-nos que o professor vem desempenhando diferentes representações a partir da expectativa sobre o papel que o mesmo necessita assumir em determinado meio social: na conjuntura tradicional, representa o educador iluminista, detentor do conhecimento; na tecnocrática, o executor de planejamento, no escolanovismo, o educador minimalista.

Incriminações crítico-reprodutivistas podem ser acrescentadas à estas distintas representações, personificando o professor como reprodutor das desigualdades sociais, por ser conivente com a disseminação da ideologia dominante. Além disso, somam-se também a representação imagética do profissional proletarizado e o desmerecimento da ação docente que resultaram das subsequentes políticas de negligência educacional. Se faz iminente uma redefinição na política de educação diante dessas personificações antagônicas, ou seja, uma política que tencione a reestruturação educativa precisa impreterivelmente permear a revalorização da profissão docente, e, um elemento primordial dessa revalorização pode ser encontrado na formação do professor.

Podemos constatar, considerando-se o processo de formação contemporâneo, que a literatura pedagógica de diversos pesquisadores já aventou a necessidade de se formar um professor apto a sistematizar o conhecimento escolar. Essa iniciativa pode assegurar que tal conhecimento venha a ser adequado aos estudantes que formam atualmente a clientela da escola pública, procedentes, em grande parte, das camadas menos favorecidas da sociedade. Precisa-se, com isso, preparar os professores para lidar com esses estudantes.

Libâneo (1985) ajuíza que os programas de formação de professores brasileiros não vêm proporcionando os recursos conceituais elementares de que carecem os futuros profissionais da educação, objetivando compreender o conhecimento humano como algo questionável, como um fenômeno socialmente construído e historicamente condicionado. Como marco inicial do processo de formação docente, os cursos de formação de professores necessitam oportunizar um entendimento da relevância social e política da profissão aos futuros professores, atendendo as necessidades dos estudantes oriundos das camadas menos favorecidas do meio social, em um processo contínuo de organização, socialização e avaliação dos saberes escolares.

A composição de um pensamento crítico sobre o ensino demanda, impreterivelmente, partir da ação reflexiva a respeito da prática social do estudante, da sua realidade social, do mundo que o cerca. É significativo desconsiderar o saber humano enquanto um agrupamento de fatos imutáveis e racionais, mas como um contexto em transformação contínua, sujeito a questionamentos e análises. Dessa maneira, o estudante aumentará seus conhecimentos, consciente da importância de desenvolver sua autonomia e seu comportamento crítico. Em última análise, isso leva o próprio estudante a uma postura reflexiva a respeito da sua própria vida, assim como da comunidade social onde vive (CUNHA, 1975).

Trabalhar o conhecimento na sociedade contemporânea demanda sentido da identidade docente, bem como contínua formação dos aspectos técnico, pedagógico e político. De acordo com Giroux e McLaren (1994), as escolas de formação de professores têm necessidade de reconfiguração, oportunizando a formação de docentes conscientes e atentos às questões sociais. Para que isso aconteça, é imprescindível formá-los como pensadores críticos preparados para corroborar e pôr em prática o discurso democrático.

A formação política do professor

Para examinar a formação política do professor empregaremos determinadas ponderações e colaborações do pensamento freireano, o que nos fornece profundos entendimentos sobre as oportunidades que possui o sistema educacional no processo de transformação social. Freire começa seu trabalho fazendo referência ao comprometimento do professor diante da comunidade social, onde desenvolve seu trabalho, podendo contribuir com um processo de mudança individual e coletiva. Afugenta a chance de um posicionamento imparcial do professor em face de seu contexto histórico, ou seja, assumir-se como imparcial representa expressar a fobia de demonstrar seu compromisso genuíno.

Uma das questões essenciais no desenvolvimento pedagógico e na ação política refere-se à compreensão sobre a quem e porque é necessário desenvolver a educação e a participação política. Isto pode representar a ausência de imparcialidade educativa; ou, em muitas realidades sociais, a presença de uma ação política exaurida de significado educativo. A medida em que a referida questão estiver concretamente esclarecida, maior a compreensão da indissociabilidade entre educação e política, uma vez que não é possível desconsiderar a natureza pedagógica do ato político, do mesmo modo, não é possível desconsiderar a natureza política do processo pedagógico.

O professor cumprirá a função de promotor da transformação por meio da conscientização dos sujeitos com os quais desenvolve suas atividades, bem como a própria conscientização enquanto resultado dessa relação. De acordo com a percepção freireana, é adequado falar de níveis de educação inerentes, ao invés de educados e não educados, compreendendo a educação enquanto processo em mudança contínua, onde os seres humanos educam-se mutuamente de forma incessante. O professor assume o papel do papel do trabalhador social, assumindo um comportamento acentuado na desmistificação da conjuntura social adulterada, o que ocasiona a revelação da autêntica realidade onde o trabalhador encontra-se submerso e o que se conseguirá mediante a compreensão crítica desta conjuntura.

É importante ressaltar o fato de que a questão não se limita meramente em declarar, de forma verbal, a escolha pelas camadas sociais menos favorecidas, mas sim, em obter uma ação política e educacional estreitamente em consonância com aquilo que verbalmente se fala. De um lado, como educador, Freire não pode considerar que a educação venha a se configurar como a mola propulsora das mudanças em sociedade; de outro, no entanto, não pode desconsiderar a sua função inquestionável nestas mudanças. Função que se concretiza, entre outras circunstâncias, essencialmente no empenho que mobiliza as massas populares, organizando-as de forma eficaz.

É a correlação entre ações e escolhas sustentadas que possibilitará o professor perceber-se, do mesmo modo, como educador das camadas populares. A sua responsabilidade enquanto formador é assumida no interior dos embates populacionais, no âmago dos movimentos sociais no qual tem origem, de onde não pode distanciar-se e com os quais tem necessidade de aprender permanentemente. Um fato é manifestar verbalmente a escolha pelas camadas oprimidas e outro é um comportamento elitista, momento em que sabemos que não é o discurso o que motiva a prática, mas a prática motiva o discurso.

Segundo Brandão (1980), aquele (a) que domina o poder político de uma comunidade social domina sua educação formal; igualmente, domina o poder sobre a população por meio da educação. Ao mesmo tempo em que a estrutura política do país encontra-se amparada por concepções de desigualdade e autoritarismo, a educação possuirá duas finalidades: 1) disseminar e impor, enquanto “saber”, os “princípios morais” que fundamentam a condição contemporânea, dissimulando tudo que existe de autoritário e momentâneo no mesmo; 2) promover a separação entre categorias de trabalhadores e categorias de diretores intelectuais por meio do compartilhamento injusto do conhecimento e, por conseguinte, do poder que encontra-se neste.

Três dimensões possuem importância crucial no âmago da formação: a técnica, a pedagógica e a política. Essa tríade é imensamente fecunda para o reconhecimento da instituição escolar pública, assim como do seu corpo docente. A primeira dimensão versa sobre a jurisdição dos saberes científicos imprescindíveis, a fim de que o profissional do magistério assegure a sua competência técnica, na qual nenhum indivíduo apresenta a capacidade de ensinar aquilo que desconhece; a segunda diz respeito ao processo formativo pedagógico, pois é mediante este que o ato de ensinar ultrapassará, com solidez, as barreiras do conformismo intelectual, passando a ser uma atividade com intencionalidade e sistematicamente organizada, munida de objetivos e métodos congruentes; a terceira dimensão refere-se ao processo formativo político.

O professor não somente comporta a oportunidade de transformar o padrão comportamental do estudante, um dos principais fundamentos de todo desenvolvimento pedagógico, porém, do mesmo modo, comporta a oportunidade de instruí-lo para a composição de uma realidade nova, mais promissora e verossímil. E esta composição não pode processar-se individualmente, senão enquanto produto de atividade coletiva de docentes e discentes em seus embates por condições de vida mais auspiciosas. Defendemos o fato de que o profissional da educação comporta a oportunidade de promover um trabalho intelectual enquanto impulsionador de transformações na sociedade, e em decorrência disso escolhemos a última dimensão, a política.

Acreditamos que é no centro da prática do professor que sobrevém a sua formação política, e que essa formação encontra maior aplicabilidade quando trabalhada desde a sua formação inicial, sendo por meio desta que os futuros profissionais do magistério poderão adquirir a consciência necessária para compreender que comungam dos mesmos interesses da grande parte da camada social subalterna brasileira. A confrontação das dicotomias que permanecem se sobrepondo à consciência do professor, conduz inúmeros desses profissionais à uma prática determinante que torna possível aumentar o nível de entendimento de seu estado enquanto trabalhador e de sua característica de professor escolar, em um meio social diretamente influenciado pelos princípios capitalistas.

Na essência da ação pública, lideranças remotas se conectam às contemporâneas e avultam a sistematização. Nela o professorado alavanca o desenvolvimento de seus pensadores, cuja atividade encontra-se na manifestação dos interesses do agrupamento e na sua expansão, apresentando como objetivo a conscientização acerca da relevância da função social, da qual resultam seus interesses enquanto classe profissional. Uma ação pública demanda um processo reflexivo a respeito da circunstância experienciada, que oportuniza conhecer a verdadeira conjuntura social. De outra maneira, não se pode compor planejamentos de ação, tampouco decidir-se perante os mesmos, assim como predispor empenho em sua consumação.

O professorado que assume a condição de líder é constituído através da força que a população simboliza no meio social, isto é, a camada controlada pelo poder hegemônico. Os intelectuais são primordiais para o desenvolvimento educacional da categoria dos professores, tendo como finalidade, em face dos problemas, serem capazes de entender com maior rapidez a realidade social e, por meio deste entendimento, assimilar e manifestar os interesses da categoria.

Enquanto prática retratada nas atividades pedagógicas escolares, a práxis é de grande importância nos debates travados em torno das problemáticas sociais, propiciando que esses debates não se dissolvam em senso comum, dissipando, dessa forma, a percepção de conjunto. Do mesmo modo, a ação docente, implicada em categorias, se avoluma no envolvimento político na comunidade social, para demonstrar a negligência governamental e trabalhar em defesa do reconhecimento e democratização da instituição escolar pública e do seu corpo docente. Acredita-se que conhecer a condição social seja imprescindível, ao reputar necessário que o docente receba uma formação política consistente. Essa capacidade lhe oportuniza entender aquilo que apresenta maior relevância para ser ensinado e a maneira pela qual precisa sê-lo, objetivando as metas pedagógicas vinculadas à uma conjuntura social tangível.

O senso comum prefigura não compreender que a instituição escolar possui uma função considerável na promoção da conduta política dos estudantes, isto é, a sua vontade para conservar ou buscar a transformação do meio social em sua completude. No âmago dessa conjuntura, o crescimento excessivo do tecnicismo é notório, ao mesmo tempo em que a participação política inclina-se a ser desconsiderada e revelar-se totalmente negligenciada. Em hodierna pesquisa abordando escolhas políticas, Ludwig (2000) ajuíza que o senso comum compreende que a finalidade da instituição escolar é tornar possível o desenvolvimento de habilidades e competências aos alunos, principalmente aquelas que contribuam em suas ações profissionais.

A educação configura-se como um ato político por disseminar padrões reconhecidos pela sociedade, formando a personalidade e transmitindo aos estudantes concepções de mundo prevalecentes. Acontece que, imbuída do processo educacional sistematizado, a escola possui a sua compleição estrutural e funcionalidade dependentes das relações de poder implementadas no meio social. Em decorrência disso, inclina-se a propagar os conteúdos que dizem respeito, principalmente, às camadas que dominam os meios de produção. Amiúde, esses conteúdos são passados adiante enquanto preceitos axiomáticos, não ocasionalmente antiquados e sem articulação mútua, dissociados dos problemas e incoerências que existem no interior da comunidade social.

Não somente os conteúdos que a instituição escolar transmite beneficiam as camadas que dominam os meios de produção, porém, a sistematização e a funcionalidade pedagógica tramam, com frequência, uma matriz curricular velada, a qual otimiza este benefício. O cotidiano, a ocupação do ambiente e a supervisão dos profissionais da educação destinam-se a estabelecer normatizações comportamentais e unidade comunitária, que são de amplo interesse à conservação do status quo social.

Argumenta-se que, apesar da escola servir majoritariamente às camadas dominantes, por conta da conflagração de classes, a mesma poderá beneficiar o enfrentamento contra-ideológico das classes populares, possibilitando, dessa forma, ser diretamente influenciada pelos interesses das camadas desfavorecidas da sociedade. A instituição escolar contemporânea se percebe implicada com a qualidade do ensino, problemática que tem inquietado as classes populares, assim como as classes hegemônicas. As classes populares já possuem o entendimento de que uma escolaridade insuficiente minimiza, de modo significativo, suas chances de empregabilidade; e, as classes hegemônicas, que em épocas passadas receavam elevar o grau de intelectualidade do povo, nos dias de hoje, por conta do desenvolvimento tecnológico, passaram a inquietar-se com o ensino de qualidade, pois os meios de produção de que portam necessitam de operários progressivamente qualificados tendo em vista operar eficientemente as ferramentas tecnológicas e, com isso, conservarem-se em competição no mercado (LUDUWIG, 2000).

A premência da classe dominante de um ensino de qualidade para conceber fileiras de trabalhadores que atuarão como “estoque de reposição” no campo mercadológico, vem induzindo pensadores do processo educacional a trabalharem em benefício da Pedagogia da Qualidade Total. Esta proposição educativa invoca conceitos como produtividade, eficiência, mérito e espírito competitivo, e desconsidera princípios morais vistos como ultrapassados, entre eles destacam-se a solidariedade, colaboração, igualdade e justiça. Dispondo como finalidade imprimir uma compreensão de cidadão na subjetividade social, cidadão este caracterizado pela competição, produção e consumo de produtos mercadológicos. Desclassificando e adulterando a representação do cidadão de direitos, partícipe do meio social e que se encontra em luta permanente para assegurar os interesses da coletividade (SUÁREZ, 1995).

É necessário ressaltar que, uma educação de qualidade não assegura uma colocação no mercado de trabalho, cada vez mais assinalado pela competitividade avassaladora e ultrajante. Nos dias de hoje, o obstáculo mais evidente imposto à sociedade brasileira é o desemprego proveniente das premissas neoliberais assumidas pelo governo a partir dos anos 1990, que minimizou o número de vagas de trabalho por meio da desregulamentação, automatização, privatização e da abertura do mercado aos países estrangeiros. Atuando dessa forma, retêm os lucros, de maneira categórica, sob o domínio de alguns poucos beneficiários e intensifica a supressão de grande parte da população já sem privilégios.

Os princípios neoliberais recomendam uma economia de livre-mercado, com abundante diminuição do envolvimento do setor público, acarretando a demolição dos serviços de saúde, proteção social e educação. Em nações onde foi implementado, o neoliberalismo intensificou a concentração de lucro, assim como a condição de miserabilidade das camadas menos favorecidas da sociedade. Esta é a bússola política da direita na contemporaneidade: o Estado precisa ser mínimo e a população uma consumidora permanente. Unidos às ambições da economia de mercado, os políticos de direita são os que contribuem direta e indiretamente com o crescimento desta tendência. Conforme Ludwig (2000), a eleição de uma quantidade significativa de políticos esquerdistas, envolvidos com os movimentos e interesses sociais da população, viria a ser resolutivo na morosidade deste crescimento.

O empenho das representações políticas esquerdistas nas lutas em defesa da diminuição das desigualdades sociais, promoveria mudanças significativas na organização da sociedade. Em seus embates a favor da classe operária, teriam a possibilidade de implementar políticas sociais adequadas. Ao transmitir estas ponderações para a conjuntura educacional é relevante compreender a desmistificação da isonomia pedagógica. Não existe educação imparcial, por conta disso o docente necessita estar consciente da magnitude do seu comprometimento político e social com a atenuação das desigualdades e seus malefícios à dignidade humana.

A primordialidade desse engajamento tem necessidade de ser ressaltada desde a formação inicial dos futuros professores e professoras. A instituições de ensino superior que lidam diariamente com essa formação, uma vez que assumam o compromisso com a diminuição das desigualdades sociais irão contribuir, especialmente, com um processo formativo com base na política transformadora de seus estudantes e incitará a participação dos mesmos em movimentos sociais organizados alicerçados nos interesses da coletividade. As associações organizadas são vitais para retardar o barbarismo universalizado propagado pelos princípios neoliberais impostos ao povo brasileiro de maneira reacionária.

Sobre a práxis e sua relevância política

Teoria e prática possuem um relacionamento proativo e paradoxal, sendo elementos da ação do ser humano sobre o mundo, em tensão mútua, o que engendra uma movimentação ativa de superação. A palavra práxis sumariza este relacionamento, empregada desde a Grécia Antiga, porém, é necessário saber que o seu conceito não possui a mesma configuração na contemporaneidade. Ao invés de utilizar a palavra práxis enquanto prática, como frequentemente denominamos nos dias de hoje, Aristóteles empregava-a em contraposição à poiesis, considerada uma atividade benéfica e promotora de grandes ideias. Os gregos rechaçavam a prática, por enaltecerem a contemplação da mente, contrapondo a atividade prática instrumental vista por muitos deles como indecorosa, praticada, de modo particular, pelos escravos.

Platão indicou a conjunção entre teoria e prática, onde a teoria precisa ser prática, o pensamento e ação precisam continuar em conjunção, e o ambiente dessa união encontra-se na política. Ela, a política, representa a única prática proeminente, contanto que esteja imbuída da teoria. Neste relacionamento torna-se patente a predominância da prática teórica. Em contrapartida, Aristóteles não corrobora que a atividade política seja assentada sobre premissas meramente determinadas pela teoria, uma vez que a conjuntura de sua época o conduz ao impedimento da conjunção entre teoria e prática. Na concepção de Aristóteles, a práxis política configura-se como uma arte de administrar as questões sociais na prática, ou seja, é a tekne, o técnico é o ser humano que entende como produzir as coisas de forma a conquistar as metas de maneira proposital.

A reflexão de Giordano Bruno, no período renascentista, expressa a atividade contemplativa enquanto personificação de grande importância, porém a atividade prática começa a ser postulada enquanto percurso indispensável para tornar mais fácil esta atividade contemplativa. No século XVIII, amplifica-se a utilidade da atividade humana; Bacon corrobora que o ser humano intensifica suas forças por meio de um conhecimento que se alimenta dos fenômenos experienciados; Descartes preconiza que o saber transforma o ser humano em proprietário da natureza. Em uníssono os intelectuais mais conservadores afirmam que a dominação humana sobre a natureza acontece por meio do trabalho e dos procedimentos técnicos.

Ricardo e Smith preconizam, na economia clássica, a práxis materialista de produção, sendo esta mesma produção não somente a ferramenta de dominação dos seres humanos sobre a natureza, por que não dizer sobre sua natureza individual. Produção e história constituem uma conjunção indissociável. A atividade humana é o manancial de toda economia e serventia monetária. Um momento determinante para a compreensão de práxis, enquanto conjunto primordial de ser humano nos princípios filosóficos idealistas da Alemanha. Hegel reitera que o trabalho possui a capacidade de aumentar a consciência do operário até a consciência de sua emancipação, por meio de um desenvolvimento teórico e prático de embate contra todas as formas exploração do ser humano, quando ao final o oprimido torna-se consciente de sua ignorância intelectual, e, por seu turno, de sua autonomia.

Feuerbach compreende a práxis enquanto ação teórica ou prática que fomenta determinada correspondência entre sujeito e objeto em entendimento duplo: subjetivo, correspondente à religião, e objetivo, correspondente ao verdadeiro conhecimento. A teoria configura-se como exercício objetivo, a percepção teórica contrapõe-se ao religioso e sua natureza é antropológica. A categoria práxis, no pensamento de Marx, torna-se fundamental e sob o prisma desta é que se necessitam analisar criticamente as problemáticas do saber humano, do desenvolvimento histórico do meio social e da própria conjuntura política. A compreensão oferecida pelos princípios marxistas à práxis concentra-se em um trabalho humano que concebe elementos ou reformas na conjuntura social. Na concepção gramsciana, a corrente marxista configura-se como a filosofia da práxis.

Na Tese II sobre Feuerbach, Marx sumariza sua colaboração na discussão a respeito do reflexão e interpretação do mundo real, atuando sobre o mesmo, tendo em mente a sua transformação genuína. Fazendo alusão à Filosofia enquanto área da teoria declara que os pensadores se abalizaram a compreender a realidade, ao invés de realizar sobre ela as transformações necessárias. Contrapondo a circunscrição da filosofia de assentir e explicar a realidade, Marx concorda que a filosofia é ação, que promove a transformação, em um relacionamento dialético no qual a percepção sobre o mundo real possui significado e regressa ao mesmo para modificá-lo.

A concepção dialética compreende o encadeamento teoria e prática enquanto indivisível, uma relação mútua de potencialidades e inquietações, a presença de uma ou outra submete-se ao relacionamento bilateral entre ambas. Transcorrem desta concepção a importância de associar esse encadeamento com conjunturas de interpretação de ampla magnitude. Toda prática encontra-se introduzida em uma conjuntura maior da história do homem, edifica um novo contexto, possui um significado social e histórico. A Filosofia da Práxis representa, na concepção gramsciana, um planejamento funcional de estruturação de uma conjuntura moderna.

A práxis representa, por conseguinte, uma concepção substancial à compreensão dialética do meio social e dos valores culturais nele transmitidos. Enquanto decurso de relação entre a inteligência e a habilidade do ser humano, por um lado, e, por outro, das particularidades dos elementos. Assim sendo, é o relacionamento entre a consciência do ser humano e a matéria orgânica, no qual os elementos não são compreendidos enquanto ampliações simplórias das estruturas genéticas do ser humano, e sim enquanto unidades, que permanece existindo exterior e altivamente do querer humano, e que podem integrar os relacionamentos em sociedade, estabelecidas pelo saber humano sobre suas particularidades singulares.

A filosofia moderna acarretou significativas colaborações à designação da práxis como emancipação, principalmente ao pensamento crítico sobre a ética e política. Iremos analisar o entendimento contemporâneo de práxis política dos educadores com base no marxismo, principalmente por meio da disposição sistemática realizada por Vazquez (1997), em sua Filosofia da Práxis. Marx assevera que os seres humanos são sujeitos do processo histórico. O contexto objetivo é, dessa forma, concebido por seres humanos que, no mundo capitalista, encontram-se imperiosamente subdivididos em classes, subdivisão essa que conserva a condição de alienação. Assim sendo, superar a alienação demanda o entendimento da movimentação dialética da sistematização da conjuntura real, o entendimento de cada sujeito enquanto partícipe de uma classe e, superando da divisão de classes.

Com base na percepção marxista, a práxis representa uma categoria verossímil da estrutura dialética, ou seja, um movimento subjetivo que, externado, efetua-se enquanto elemento, ganhando concretude. Ao sumariar no conceito o ser e seus axiomas históricos, tal movimento torna possível o entendimento da realidade que, com efeito, é antagônica. Esse entendimento oportuniza a reflexão crítica sobre as forças ideológicas onipresentes e, com isso, a práxis transforma-se em ação prática de emancipação do ser humano, possibilitando-lhe a efetivação de sua história. De acordo com Marx, a dinâmica dialética da história tem um alicerce materialista, onde se destacam os verdadeiros interesses dos seres humanos, promovendo a consciência.

Entende-se a práxis enquanto atividade humana, concreta, factual e revolucionária. A práxis preambular encontra-se no trabalho humano, os produtos materiais, que torna compreensível a práxis social e o desenvolvimento histórico enquanto autoprodução do ser humano por si mesmo. O trabalho humano representa a tentativa de objetivar a subjetividade. Uma vez que o sujeito não identifica a subjetividade humana presente em cada elemento, encontra-se mergulhado em profunda alienação. Por meio da práxis o ser humano promove sua humanização. A objetivação só acontece mediante a práxis. O trabalho humano representa a práxis elementar. Por meio dela o ser humano se faz presente enquanto ser social, ao mesmo tempo em que torna-se maior enquanto ser consciente acerca da sua natureza e cultura singulares. Por um lado, a produção possui uma relevância econômica relacionada à produção de elementos convenientes que atendam aos interesses humanos, e, por outro, uma relevância filosófica relacionada a autoconstituição do ser humano.

Segundo Vazquez (1997), a práxis permanece sendo entendia enquanto atividade onde um ser humano dinâmico transforma a matéria-prima: objetos naturais, resultados de uma práxis precedente ou o próprio homem. Em seu cerne fulcral, a práxis é a efetivação dialética entre teoria e prática que oportuniza a emancipação humana. Os tipos da práxis irão depender da matéria-prima. No entanto, dois tipos possuem maior destaque: a práxis produtiva e a práxis política. A primeira é a práxis essencial ao planejamento das bases de uma organização econômica, que oferece sustentação e estabelece os outros tipos de práxis; e a segunda é onde a conjunção teoria e prática demanda um nível elevado de estruturação, pois sua matéria-prima são as classes sociais em incompatibilidade de interesses e em contínuo embate.

Tendo em vista que a práxis política venha a ser devidamente cônscia, desenvolvida, compenetrada e operativa, tem necessidade da presença de um grupo partidário, onde serão construídos os procedimentos estratégicos e as formas de combate. Considera-se a prática política enquanto ação efetiva que modifica o elemento, as classes ou agrupamentos sociais, a sociedade e os relacionamentos pautados na economia, política e princípios ideológicos. Na conjunção teoria e ação prática verossímil, a práxis política procura influenciar os fundamentos econômicos e sociais onde se estabelece o domínio material e espiritual da classe hegemônica.

Encaminhando esse esforço reflexivo para o ambiente educacional, o dever da práxis educativa é lidar com determinados princípios morais objetivos da realidade material dos seres humanos, pois a mesma se efetua sob as limitações que subsistiam antes da prática educativa e que a implementaram desse modo. O trabalho educativo se baseia em percepções vinculadas a objetivos, cujo elemento são seres humanos concretos, convivendo em sociedade e que possuem como meta uma mudança verdadeira e objetiva do âmbito.

Os objetivos do processo educacional estão precisamente relacionados ao meio social que se procura entender e, essas metas não são especulativas e/ou imparciais, porém tangíveis e assinaladas pela sua época. São finalidades sociais, e apontam que a perspectiva da educação escolar tornar-se uma ferramenta de modernização da vida em sociedade encontra-se na possibilidade de consumar a relação entre saber produzido e pensamento comum, teoria e prática. O instrumento que o professor possui é um agrupamento de estudantes, de múltiplas classes sociais, que carregam consigo princípios morais e convicções de sua classe originária. O professor retira e reenvia os estudantes à práxis social e, a atividade do trabalho docente é reconduzir à sociedade da qual são oriundos esses estudantes, seres humanos concretos.

A natureza de pujança política da práxis encontra sua realização por meio da modernização e da perspicácia de princípios no âmbito social. O ser humano é sujeito e elemento dessa práxis, agindo sobre si mesmo por meio dela e, dessa forma, concede ao mundo real um atributo a todo momento autêntico. É da responsabilidade do professor, consequentemente, sistematizar pelos caminhos educativos, a modernização da convivência em sociedade. A pujança da práxis educativa é social, pois em seu domínio está a oportunidade de transformação e/ou manutenção dos relacionamentos econômicos, políticos e sociais; e, os elementos desta práxis encontram-se nos agrupamentos que irão constituir a sociedade vindoura.

A instituição escolar não representa a origem da disseminação das desigualdades, mas, efetivamente, a base de uma organização econômica que determina a circunstância de classe e que torna burocrática, além disso, a pedagogia, impondo sobre ela a segmentação, assegurando a hegemonia. Ao abordar o contrassenso entre práxis reiterativa e práxis criadora, Vasquez mostra que a burocracia presente nas relações educativas se encontra compromissada com as origens de classe que penetram as comunidades sociais, nas quais os princípios capitalistas, que monopolizam o estado, tornam burocráticas não somente os valores culturais, porém, igualmente a política, a economia e os modos de relação em sociedade.

Considerações Finais

Mesmo havendo um profundo e contínuo interesse sobre assuntos políticos no âmbito escolar, a relação entre política e as teorias da educação permanece sendo desvalorizada. Naturalmente existe uma considerável tradição intelectual de pensar sobre educação e política de forma conjunta, iniciando com Platão e continuando à luz das reflexões de pensadores como Rousseau e Dewey, até chegar à contemporaneidade. Esta tradição possui uma ampla diversidade, porém uma particularidade que aparece com frequência em muitas obras de grande relevância escritas até os dias de hoje é que a educação é pensada como parte de projetos políticos em grande escala, amiúde utópico, de compreensão mais satisfatória das comunidades sociais.

A formação política destinada aos professores em sua formação inicial, embora se constituísse de maneira a proporcionar fundamentos elementares para que os docentes pudessem compreender que o meio escolar expressa as decisões de ordem política e econômica de sua realidade, mesmo assim não seria suficiente. Assinalada pelo comprometimento político, a atividade educativa passa imperiosamente por uma construção individual que é única em cada professor.

Compreendemos a formação docente fundamentada no comprometimento político como imprescindível na formulação e desenvolvimento de um processo educativo coerente e satisfatório para todos os sujeitos. No momento em que evidenciamos esse processo educativo, tomamos novamente a premissa da qualidade, que continua sem alcançar sua primazia, apesar de se apresentar incessantemente através dos veículos de comunicação em massa, na manifestação discursiva do poder público, pois a educação pública brasileira permanece sem uma centralização adequada.

Em face da abundância de problemas sociais, políticos e econômicos que permeia o sistema educacional do Brasil, destacamos o profissional que trabalha neste ambiente, o professor, cuja formação de sua identidade docente tem encontrado alicerce, ultimamente, em um discurso onde o mesmo assume a contragosto a responsabilidade pelas circunstâncias que atravessam a organização da escola enquanto instituição social.

Desta forma, buscamos descrever o contexto histórico da formação política do professor, no qual a composição e desenvolvimento dessa formação não ocorre em um ambiente interno ou externo, mas no campo de interação entre eles. Compreendemos que a formação política dos professores precisa ser evidenciada e melhorada continuamente no instante em que o que se objetiva é aproximar e tornar mais forte os laços da ação educativa com as demandas da população.

Referências

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Recebido: 03 de Abril de 2020; Aceito: 20 de Outubro de 2021

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