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Educação e Filosofia

versión impresa ISSN 0102-6801versión On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.75 Uberlândia set./dic 2021  Epub 16-Ene-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n75a2021-59471 

Artigos

Sobre a continuidade metodológica em Michel Foucault: da fundamentação de uma teoria do enunciado para o cuidado de si

On the methodological continuity in Michel Foucault: from the foundation of a theory of the statement to the care of the self

Sobre la continuidad metodológica en Michel Foucault: de la fundación de una teoría del enunciado al cuidado del yo

Vinícius Dias de Melo* 
lattes: 9356596279095377; http://orcid.org/0000-0003-1689-7206

Artur José Renda Vitorino** 
lattes: 3811004108670430; http://orcid.org/0000-0002-8654-3182

*Doutorado em andamento em Educação. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil. E-mail: vinicius.diasdemelo@gmail.com

**Doutor em História. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil. E-mail: arturvitorino@uol.com.br


Resumo

Uma das dificuldades em se compreender a categoria de enunciado no pensamento de Michel Foucault está relacionada com múltiplas definições tautológicas dessa categoria no livro A arqueologia do saber. O primeiro objetivo deste artigo é oferecer uma descrição do enunciado e sua íntima dependência do nível referencial no pensamento arqueológico de Michel Foucault. O segundo objetivo, interrelacionado ao primeiro objetivo, será mostrar o quanto as reflexões que desembocaram na concepção “cuidado de si”, vieram à tona porque o fim da análise arqueológica é a reconstituição das práticas concretas de uma época que definiram as condições do dizer e evidenciavam os modos de saber, pois o nível referencial é o nível de maior relevância para a reconstituição histórica das práticas discursivas por fontes discursivas. Esse método trouxe à luz, a ideia de que o trabalho fundamental da arte, de que temos de cuidar, a área principal à qual se deve aplicar valores estéticos, é a si próprio, à própria existência. Consequentemente, para esse pesquisador, não temos que escolher entre o nosso mundo e o mundo grego, desde que se possa ver que alguns dos princípios mais importantes de nossa ética têm sido relacionados num certo momento a uma estética da existência.

Palavras-chave: Enunciado; Referencial; Formação dos Objetos; Cuidado de Si; Foucault

Abstract

One of the difficulties in understanding the category of enunciation in Michel Foucault's thought is related to multiple tautological definitions of this category in the book The archeology of knowledge. The first objective of this article is to offer a description of the statement and its intimate dependence on the referential level in Michel Foucault's archaeological thought. The second objective, interrelated to the first objective, will show how the reflections that led to the concept of “self-care”, came to light because the end of the archaeological analysis is the reconstitution of the concrete practices of an era that defined the conditions of saying and evidenced the ways of knowing, because the referential level is the most relevant level for the historical reconstruction of discursive practices by discursive sources. This method brought to light, the idea that the fundamental work of art, that we have to take care of, the main area to which aesthetic values ​​must be applied, is itself, to existence itself. Consequently, for this researcher, we do not have to choose between our world and the Greek world, as long as it can be seen that some of the most important principles of our ethics have been related at a certain moment to an aesthetics of existence.

Key-words: Statement; Referential; Formation of Objects; Self-Care; Foucault

Resumen

Una de las dificultades para comprender la categoría de enunciaciado en el pensamiento de Michel Foucault está relacionada con las múltiples definiciones tautológicas de esta categoría en el libro La arqueología del saber. El primer objetivo de este artículo es ofrecer una descripción del enunciado y su íntima dependencia del nivel referencial en el pensamiento arqueológico de Michel Foucault. El segundo objetivo, interrelacionado con el primero, será mostrar cómo las reflexiones que llevaron al concepto de “cuidado de sií”, salieron a la luz porque el fin del análisis arqueológico es la reconstitución de las prácticas concretas de una época que definió las condiciones del decir y evidenció las formas de conocer, porque el nivel referencial es el nivel más relevante para la reconstrucción histórica de prácticas discursivas por fuentes discursivas. Este método sacó a la luz la idea de que la obra de arte fundamental, que tenemos que cuidar, el ámbito principal al que se deben aplicar los valores estéticos, es ella misma, la existencia misma. En consecuencia, para este investigador, no tenemos que elegir entre nuestro mundo y el mundo griego, siempre y cuando se pueda constatar que algunos de los principios más importantes de nuestra ética se han relacionado en un momento determinado con una estética de la existencia.

Palabra clave: Enunciado; Referencial; Formación de Objetos; Cuidado de Sí; Foucault

Introdução

No livro A arqueologia do Saber (2010), Michel Foucault desenvolveu um conjunto de possibilidades metodológicas e categóricas que abrissem caminho para um novo tipo de análise, a Análise Arqueológica do Discurso (AAD). Esse conjunto de possibilidades tem o objetivo de reconstituir a história humana a partir da principal fonte primária utilizada, as fontes documentais discursivas.

Além da memória nervosa, presa às experiências individuais e coletivas, o passado chega a nós presentemente pela via dos registros que tiveram correspondência com esse passado, que, como evidência, substancializa-se em materialidades ao representarem-no tais, mas não só, como registros discursivos. Aqui será enfatizado estes últimos, na tarefa do historiador de tratar metodologicamente o conteúdo discursivo para reconstituir, na medida do possível, a realidade histórica na qual foi produzida a sua representação discursiva.

O que Foucault intentou em sua pesquisa foi abrir quatro direções que possibilitam analisar relações discursivas nas fontes primárias como meio de reconstituir o passado histórico. Essas quatro direções de investigações são originais no sentido de evitar reduzir o exame das fontes discursivas pela via explicativa de um contexto histórico concreto ou pela via de um contexto de mentalidades. Essas quatro direções fazem o sentido inverso, a mentalidade de um conjunto de indivíduos e o contexto concreto de uma realidade histórica só é acessível pelas fontes, nas regularidades que o discurso em si deixa transpassar ao longo do tempo.

As quatro direções dessa análise são compostas: por um referencial, uma posição subjetiva, um domínio associado e uma materialidade repetível. Essas quatro direções permitem descrever os signos e conjunto de signos como enunciados, ou melhor, descrevem o nível enunciativo da existência dos signos.

Especificar a categoria de enunciado como um nível de análise dos signos é fundamental. Essa categoria, definida e redefinida diversas vezes por Foucault (2010), gera confusão nos leitores pelo fato da pluralidade de definições que Foucault estabeleceu. Considera-se que precisar exatamente a definição dessa categoria é o primeiro passo para compreender o pensamento arqueológico de Foucault. Pois os enunciados, como ele afirmou (Foucault, 2010, p. 89-90), são os objetos de sua pesquisa.

Para especificar que a categoria de enunciado é indispensável, há de se comentar alguns excertos em que Foucault tenta definir essa categoria e, ao mesmo tempo, será demonstrado que o nível referencial, uma das direções de análise da pesquisa arqueológica, é o nível mais relevante das quatro direções de análise, pois ele é definido como o nível que tem preponderância na caracterização donível enunciativo de uma formulação. Ou seja, sem o referencial do enunciado, as outras três direções de análise são inviáveis de se realizarem. Para deixar isso claro, iremos comentar algumas tentativas de definição do enunciado realizadas por Foucault, e, posteriormente, descreveremos o nível referencial, numa buscar de demonstrar sua preponderância para se conceber de modo claro o enunciado e argumentando sobre a dependência dos outros três níveis de análise (posições subjetivas, domínio associado e materialidade repetível) em relação ao nível referencial.

O que é enunciado para Foucault

Foucault, em diversos momentos no seu livro A Arqueologia do Saber (2010), alterna no uso das categorias para se referir ao enunciado: ora utiliza a expressãoenunciado, ora faz usodo termo função enunciativa, mas de fato são a mesma coisa, pois o enunciado está intimamente relacionado com o significado dos signos, não no sentido a que eles remetem, pois esta é sua função existencial, mas nas condições em que essa função foi historicamente desempenhada.

Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critérios estruturais de unidade; é que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço (FOUCAULT, 2010, p.98).

Se o enunciado é uma função que, ao cruzar a estrutura de significantes, faz com que apareçam conteúdos concretos no tempo e no espaço, essa função está relacionada com o significado. Logo, o signo comporta o sentido do significado de acordo com uma função enunciativa, de acordo com um enunciado. Como e por que a função, ou seja, o enunciado, faz aparecer o conteúdo concreto nos signos? Porque é a própria função existencial da linguagem, o signo é uma forma materializada da linguagem, se não houvesse signos em forma material, escrita ou oral, não haveria possibilidade de comunicação entre indivíduos, porque esta se dá por uma exterioridade discursiva. Poderia se objetar que gestos poderiam substituir a linguagem escrita ou oral, mas, tomando de exemplo a língua de sinais, ela também se estrutura por significantes gestuais dotados de um significado, ou seja, a função das formas gestuais da língua de sinais comporta também um determinado conteúdo significativo.

A partir disso, pode-se deduzir um axioma da compreensão de linguagem e de realidade concreta para Foucault. Se a linguagem só comporta conteúdos concretos, materializados por estruturas significantes, por causa de uma função que cruza tais estruturas, essa função deve provir de um domínio ainda não discursivo, anterior às estruturas da linguagem, pois estas só passam a existir com capacidade significativa a partir da função enunciativa.

Se essa função vem de um domínio a priori à estrutura linguística, e faz com que nelas apareçam conteúdos concretos, ou seja, significados, sentidos ou verdades, o domínio do qual a função provém já deve estar dotado de certas significações. Porém, ainda não estruturadas na forma de signos materiais, somente significações na concretude real mediada pelos sentidos e intelecções dos seres humanos e registrada pela memória.

Nesse domínio, anterior à linguagem, existe significações mediadas pela relação dos sentidos com o intelecto, caracterizando a interioridade da consciência de um indivíduo. Essa interioridade tem como pressuposto obrigatório para a possibilidade de comunicação, o seu registro pela memória; caso contrário, toda impressão sensorial sobre a realidade, assim como as interações que um ser humano mantém com a realidade seriam reguladas somente por impulsos naturais, sendo impossível o registro, a repetição e a modificação das práticas e compreensões sobre a realidade, não haveria movimento de registro e nem possibilidade de transmissão e atualização das práticas e significações, por consequência, não haveria cultura humana.

Num suposto estado natural, no momento do surgimento da memória, as primeiras memórias se conservavam e se atualizavam somente na consciência dos indivíduos. Ao conceber formas de transmitir pela exterioridade dos gestos e dos fonemas vocais, os acordos sociais das impressões e interações sobre a realidade se materializam e se constituem na forma de signos. E pela capacidade de memória, os acordos se perpetuam, são transmitidos e passíveis de serem modificados. A partir dessa convenção era possível estabelecer transmissão e compreensão da forma de dizer o mundo, e, por essa condição do acordo, a realidade também passa a ser, se transformar, e ser transmitida a partir dos acordos de comunicação.

Ao considerar essa situação, o estado natural, hipoteticamente, nunca mais volta a existir, a compreensão do mundo não é mais zerada a cada geração de indivíduos, pois a prole já nasce situada em uma cultura de acordos sobre as significações do mundo. Um circuito pré-estabelecido de estruturas linguísticas é estabelecido para poder dizer o mundo; logo, quando dizemos o mundo, fazemos mais do que isso, deixamos vestígios das relações e práticas concretas que estabelecemos para poder em sequência objetivar discursivamente a realidade empírica. Enfim, torná-la dizível, conservada, transmissível e passível de manipulação.

Pois, se a linguagem faz a realidade, em nível discursivo, ser artificialmente representada e ser conservada na forma de signos, esse fazer deixa pistas de práticas discursivas e históricas, pois todo fazer é uma prática de produção. Por essa perspectiva, a análise arqueológica entende a enunciação como um acontecimento histórico, o ato de representar e objetivar um mundo concreto a partir de uma prática que precisa relacionar certas coisas para poder fazer aparecer um objeto discursivo.

Os signos são dotados deum significado que remete a algo ou alguma coisa que não seja ele mesmo. Porém, ao mesmo tempo, o significado e o quê por ele é remetido mantém uma similitude, quando num acordo sociolinguístico, estranhamente idêntica, pode-se afirmar que essa é a função da linguagem, esse fazer aparecer. Contudo, a análise arqueológica não tem como finalidade a detecção daquilo a que o signo remete, mas, em sentido inverso, objetiva demonstrar que essa remissão foi produzida sob certas condições e pressupostos; definidos por certas práticas históricas:

[...] a estrutura significante da linguagem remete sempre a outra coisa; os objetos aí se encontram designados; o sentido é visado; o sujeito é tomado como referência por um certo número de signos, mesmo se não está presente em si mesmo. [...] Não é ela o lugar de aparecimento de algo diferente de si e, nessa função, sua própria existência não parece se dissipar? Ora, se queremos descrever o nível enunciativo, é preciso levar em consideração justamente essa existência; interrogar a linguagem, não na direção a que ela remete, mas na dimensão que a produz; negligenciar o poder que ela tem de designar, de nomear, de mostrar, de fazer aparecer, de ser o lugar do sentido ou da verdade e, em compensação, de se deter no momento - logo solidificado, logo envolvido no jogo do significante e do significado - que determina sua existência singular e limitada. Trata-se de suspender, no exame da linguagem, não apenas o ponto de vista do significado (o que já é comum agora), mas também o do significante, para fazer surgir o fato de que em ambos existe linguagem, de acordo com domínios de objetos e sujeitos possíveis, de acordo com outras formulações e reutilizações eventuais (FOUCAULT, 2010, p.126).

Nesse excerto é perceptível a ênfase que Foucault faz sobre qual tipo de existência o nível da análise arqueológica é empregada. Descrever os signos em seu nível enunciativo é justamente considerar a existência da linguagem na dimensão que produziu sua capacidade e precisão remissiva a certos objetos. De um lado, temos aquilo que o signo remete, o conteúdo concreto que nele aparece sob certas definições; de outro, temos a dimensão que produz essa remissão, ou melhor, de acordo com aquilo que ele remete. Assim, podemos detectar o que foi articulado e pressuposto para definir tal remissão do modo como se apresenta. Se os signos têm poder remissivo, trata-se de indagar a possibilidade de um poder virtual, pois sempre é possível poder remeter, porém sempre de acordo com certas condições de possibilidade. Cabe à arqueologia detectar sob quais condições produziu-se um sentido e/ou sob quais critérios e condições assenta-se a pretensão de uma verdade.

O Referencial do Enunciado

O objeto de descrição da análise arqueológica é a função enunciativa dos signos, e ela não está separada deles, é sua relação de existência. Esse conjunto de condições, que autorizam ou não determinado sentido ou verdade, perde sua tautologia quando Foucault descreve o referencial dos enunciados:

Como definir a relação que caracterizaria, exclusivamente, o enunciado - relação que parece implicitamente suposta pela frase ou pela proposição e que lhes aparece como anterior? Como separá-la, em si mesma, das relações de sentido ou dos valores de verdade com os quais usualmente a confundimos? Um enunciado - qualquer que seja e por mais simples que o imaginemos - não tem como correlato um indivíduo ou objeto singular que seria designado por determinada palavra da frase [...] Em compensação, o que se pode definir como correlato do enunciado é um conjunto de domínios em que tais objetos podem aparecer e em que tais relações podem ser assinaladas [...] Um enunciado não tem diante de si (e numa espécie de conversa) um correlato - ou uma ausência de correlato, assim como uma proposição tem um referente (ou não), ou como um nome próprio designa um indivíduo (ou ninguém). Está antes ligado a um "referencial" que não é constituído de "coisas", de "fatos", de "realidades", ou de "seres", mas de leis de possibilidade, de regras de existência para os objetos que aí se encontram nomeados, designados ou descritos, para as relações que aí se encontram afirmadas ou negadas. (FOUCAULT, 2010, p.102)

Sem esse excerto, considero que toda definição do enunciado seria tautológica, pois não seria possível analisar os outros três níveis da função enunciativa sem o nível referencial, não seria possível determinar os domínios sob os quais certos pressupostos e condições são considerados para a delimitação da possibilidade do sentido ou do valor de verdade de uma formulação. Sem a definição do nível referencial do enunciado, seria impossível saber qual é o sentido mais provável de acordo com as condições de sentido, pois é pelo nível referencial que se torna possível detectar as práticas históricas através das condições enunciativas supostas para a produção de determinado sentido ou verdade de uma determinada formulação.

O referencial pode ser definido como um conjunto de relações axiomáticas, articuladas entre elementos e relações situados em um recorte social e histórico, está sempre “[...] suposto pela frase e pela proposição [...] (Foucault, 2010, p.102)”, e, por ser suposto, constitui-se como condição.

É a partir da suposição de relações referenciais que qualquer pretensão de comunicação, no julgamento dos indivíduos em comunicação, tornar-se capaz de se realizar e de ser efetivamente inteligível. Compreende-se que o que está sendo dito por pressupor determinados referenciais, devem estar relacionados com um fundamento referencial para as relações entre significante e designação do sentido em uma formulação. Logo, o referencial do enunciado é sempre suposto tanto no ato da escrita, como no ato da leitura. As possibilidades de compreensão do sentido pelo leitor, em relação ao que o autor escreveu, residem sempre na convergência entre os referenciais dos quais o autor partiu para estabelecer suas significações com os referencias que o leitor ou analista do discurso especula. Quando não convergem, podem ocorrer duas situações, ou a total incompreensão ou uma compreensão errônea. Esta última pode ser diagnosticada e corrigida pela análise quando esta tenta especular e estabelecer qual era o referencial, mais provável, no qual o discurso, em seu momento histórico de acontecimentos, estava fundamentado. Dada a importância do referencial do enunciado, convém destacar como Foucault (2010) o definiu. Para ele, então, o referencial do enunciado é:

[...] um conjunto de domínios em que tais objetos podem aparecer e em que tais relações podem ser assinaladas[...] O referencial do enunciado forma o lugar, a condição, o campo de emergência, a instância de diferenciação dos indivíduos ou dos objetos, dos estados de coisas e das relações que são postas em jogo pelo próprio enunciado; define as possibilidades de aparecimento e de delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor de verdade. É esse conjunto que caracteriza o nível enunciativo da formulação, por oposição a seu nível gramatical e a seu nível lógico: através da relação com esses diversos domínios de possibilidade, o enunciado faz de um sintagma, ou de uma série de símbolos, uma frase a que se pode, ou não, atribuir um sentido, uma proposição que pode receber ou não o valor de verdade (FOUCAULT, 2010, p. 102-103).

Supor o referencial de um enunciado significa considerar que um conjunto de signos, quando analisados sob a perspectiva arqueológica, sempre mantém relação com um domínio referencial. Essa premissa impõe, consequentemente, à função de remissão do signo ao sentido, em seu exercício, estar sempre de acordo com um referencial, um domínio que comporta um conjunto de suposições que em correlação formam o domínio de possibilidade do sentido e da verdade. É sempre sobre essas condições pressupostas que um objeto é discursivamente formado e relações são estabelecidas. Esse fundo correlativo forma a possibilidade prática da remissão do sentido e do estabelecimento dos valores de verdade.

A análise do referencial permite descrever e delimitar as possibilidades e condições que fornecem à frase um sentido e à proposição seu valor de verdade. É exatamente por esse motivo que o domínio referencial do enunciado foi considerado como o conjunto que “[...] caracteriza o nível enunciativo da formulação [...]” (Foucault, 2010, p.103).

Como foi afirmado na introdução deste texto, há outros três níveis de análise dos enunciados, são eles: o nível do sujeito do enunciado, do domínio associado e da materialidade repetível. Esses níveis também não orientam sua análise sob as perspectivas gramaticais, hermenêuticas ou lógicas, têm sua própria originalidade no trato dos signos enquanto enunciados. Porém, conforme a caracterização e reflexão sobre o nível enunciativo, defende-se que os outros níveis, para serem analisados, são totalmente dependentes de uma análise referencial, não porque sejam desdobramentos do referencial, mas é a partir do referencial que se pode primeiramente determinar o sentido do discurso para no mínimo compreendê-lo.

Pois, se foi considerado como premissa que qualquer escrita e qualquer leitura, para serem efetuadas, sempre partem de relações referenciais implicitamente supostas e se o analista do discurso, tanto na perspectiva arqueológica como em qualquer outra perspectiva analítica, necessita ler os discursos para poder fazer sua análise, obrigatoriamente precisa especular, argumentar e estabelecer quais são os referenciais dos signos que compõem determinado texto, para saber como e sob quais relações eles formam seu sentido e suas verdades. Caso o arqueólogo do discurso infira as análises do sujeito, do domínio associado e da materialidade repetível sem antes verificar os possíveis referenciais do sentido, a chance de compreensões errôneas ou intepretações ilimitadas aumentam. A leitura também sempre parte de um referencial imediatamente suposto, no caso do leitor, porém, no caso do arqueólogo do discurso, não se trata de interpretar indefinidamente, mas tentar detectar certeiramente as possibilidades e limites referenciais que o autor e o discurso em questão estavam submetidos e com os quais suas significações estão correlacionadas e fundamentadas.

Além desses fatores outras duas definições da função enunciativa corroboram para a relevância hierárquica do domínio referencial perante os outros três níveis de análise.

Primeiro, se compreendemos que a função da existência dos signos, enfim, da linguagem, é o “[...] aparecimento de algo diferente de si e, nessa função, sua própria existência não parece se dissipar?” (Foucault, 2010, p.126). Deve-se considerar que essa função é a função de remissão aos objetos e relações expressos pelo significado dos signos.

Segundo, a partir dessa definição de função soma-se a definição da descrição do nível enunciativo, esta deve “[...] levar em consideração justamente essa existência; interrogar a linguagem, não na direção a que ela remete, mas na dimensão que a produz [...] “(Foucault, 2010, p.126).

Isso indica que se a função da linguagem é a função de fazer sentido, e, por consequência, se todo fazer é uma prática, o trabalho de análise discursivo da arqueológica consiste em reconstituir quais práticas históricas e concretas definiram numa determinada época axiomas e pressupostos que funcionavam como condições da remissão de determinados sentidos, significações e verdades. Investiga-se, portanto, o sentido, a verdade e as significações discursivas na dimensão de sua produção, determinando quais axiomas, pressupostos e condições são necessários para determinado sentido, verdade e significação para depois medir sua relação com a realidade concreta e histórica, na qual certas práticas devem ter sido empregadas e correlacionadas na formação desses pressupostos, axiomas e condicionantes do sentido, da verdade e de significações.

Por essa perspectiva, a direção da análise reconstitui o passado histórico a partir de fontes discursivas pela sequência sentido-condições-práticas. Com isto, as práticas discursivas são o fim da análise, e isso fica claro com alguns excertos. O primeiro trata justamente de como Foucault (2010) compreende a dimensão discursiva em relação à dimensão reflexiva e à dimensão concreta:

As condições para que apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa ‘dizer alguma coisa’ e para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes [...] são numerosas e importantes. [...] Isto significa que não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época; não é fácil dizer alguma coisa nova; não basta abrir os olhos, prestar atenção, ou tomar consciência, para que novos objetos logo se iluminem e, na superfície do solo, lancem sua primeira claridade. [...] o objeto [...] não preexiste a si mesmo [...] mas existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações. [...] estabelecidas entre instituições, processos econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização; e essas relações não estão presentes no objeto [...] quando se faz sua análise [...] Elas não definem a constituição interna do objeto, mas o que lhe permite aparecer [...] Essas relações se distinguem, de início, das relações que poderiam ser chamadas ‘primárias’ e que, independentemente de qualquer discurso ou de qualquer objeto de discurso podem ser descritas entre instituições, técnicas, formas sociais etc. [...] Mas é preciso distinguir além disso, as relações secundárias que podem estar formuladas no próprio discurso: o que, por exemplo, os psiquiatras do século XIX puderam dizer sobre as relações entre a família e a criminalidade não reproduz, sabemos bem, o jogo das dependências reais; mas não reproduz tampouco o jogo das relações que tornam possíveis e sustentam os objetos do discurso psiquiátrico. [...] As relações discursivas, como se vê, não são internas ao discurso: não ligam entre si os conceitos ou as palavras; não estabelecem entre as frases ou as proposições uma arquitetura dedutiva ou retórica. Mas não são, entretanto, relações exteriores ao discurso, que o limitariam ou lhe imporiam certas formas, ou o forçariam, em certas circunstâncias, a enunciar certas formas. Elas estão, de alguma maneira, no limite do discurso [...] determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisá-los, classificá-los, explicá-los etc.[...] caracterizam [...] o próprio discurso enquanto prática. (FOUCAULT, 2010, p. 50-52)

Esse excerto primeiramente revela uma premissa de Foucault: os objetos não preexistem às práticas que os formam, são objetos precisamente porque objetivados, e a sua produção é desempenhada sob certos feixes de relações e pressupostos definidos pelas práticas de uma sociedade. Pela categoria de objeto compreende-se qualquer coisa ou relação que esteja sendo formada discursivamente, é aquilo de que se fala, é objeto de um discurso, nele ganha existência, nele recebe suas propriedades, definições, classificações e relações.

Os objetos de um discurso não são extensões e coerções da realidade concreta (primária) sob o discurso. O contrário também é negado por Foucault, os discursos não são traduções fiéis da realidade concreta, não é, como um espelho, perfeitamente reflexivo. Isso significa que para Foucault (2010) existem três tipos de dimensão: a primária (concreta, real, não discursiva) e a secundária (reflexiva). Nem uma e nem a outra sozinhas formam os objetos presentes no discurso, pois para ele a dimensão discursiva é um conjunto de relações que os conjuntos de signos devem efetuar para fornecer existência aos objetos. Enfim, entre o texto e a realidade concreta, podemos, a partir dos enunciados, detectar e descrever relações referenciais que o discurso correlaciona para falar sobre algo, a fim de torná-lo objeto dizível.

Não compete à análise arqueológica, sob essa perspectiva, simplesmente validar se os objetos do discurso são verdadeiros ou falsos, se traduzem fielmente sua realidade exterior com exatidão ou se o discurso é imposto e determinado pelo jogo das dependências reais. No limiar entre o nível das relações reais (primárias) e as relações reflexivas(secundárias), estão no “[...] limite do discurso: oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou antes [...] determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos [...]” (Foucault, 2010.p.51) Essas relações caracterizam o discurso como prática, são relações que o discurso precisa efetuar para poder fornecer existência discursiva aos objetos, essas relações são caracterizadas como um conjunto de “[...] regras que são imanentes a uma prática discursiva.” (Foucault, 2010, 52). Por regra, não estabelecemos somente a ideia de uma condição, mas de uma condição regular, com uma certa frequência observável nas práticas deum tempo histórico.

As práticas discursivas são definidas como:

[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2010, p.133)

Por meio da análise referencial, investiga-se no próprio discurso as condições e pressupostos referenciais no qual a função enunciativa pode desempenhar com valor de sentido e verdade suas significações. Posteriormente, investiga-se pelos procedimentos de análise da formação dos objetos, ao nível das práticas discursivas (determinadas no tempo e no espaço, em uma dada época e para uma área social), quais tipos de regras no tempo histórico de um discurso formavam esses pressupostos e condições que, em suas inter-relações, formavam a base do saber para poder dizer isto ou aquilo sobre um objeto, num discurso com pretensão de verdade.

Por serem imanentes, essas regras devem estar vinculadas a uma realidade concreta, histórica, que definiram para um determinado conjunto de indivíduos um modo regular de perceber e falar dos elementos de sua realidade. A partir desse modo regulado de percepção, inserção e manipulação da realidade, os modos de dizer a realidade e seus elementos constituintes, o que constitui a objetivação discursiva, estão sempre fundamentados nas práticas imanentes de interação e percepção da realidade. Desta forma, o discurso não é expressão reflexa da realidade, e sim que nele encontramos vestígios de práticas e relações concretas que deveriam estar articuladas no momento da objetivação discursiva da realidade.

O fim imanente da arqueologia consiste na reconstituição histórica das práticas imanentes que por funcionarem como regularidades nas formas de perceber e interagir com o mundo, deixaram rastros de seu funcionamento nos dizeres sobre mundo, pois tudo que é dito, na perspectiva foucaultiana do referencial, é dito sob certas condições, considerando certos pressupostos. Esse conjunto de condições e pressupostos, identificados pela análise referencial, é regulado por um conjunto de relações e regras imantes às práticas discursivas de um tempo histórico, e essas regras são evidenciadas pelo conjunto de procedimentos da formação dos objetos do discurso.

Os excertos acima citados, estão justamente no tópico da formação dos objetos (Foucault, 2010, p.45-55), tópico este, que é delimitado por meio de três procedimentos de reflexões que são propostos para se exercerem sob o referencial dos enunciados, descrevendo as possíveis práticas e relações concretas que definiram regras da objetivação discursiva da realidade prática.

Os três procedimentos são: a demarcação das primeiras superfícies de emergência dos objetos, das instâncias de delimitação dos objetos e as grades de especificação dos objetos (Foucault, 2010, p.46-47), com o exemplo da medicina psiquiátrica e psicopatológica, Foucault (2010, p.46-47) descreveu os procedimentos de análise da formação dos objetos:

A) Seria preciso inicialmente demarcar as superfícies primeiras de sua emergência: mostrar onde podem surgir, para que possam, em seguida, ser designadas e analisadas essas diferenças individuais que, segundo os graus de racionalização, os códigos conceituais e os tipos de teoria, vão receber a qualificação de doença, alienação, anomalia, demência, neurose ou psicose, degenerescência etc. Essas superfícies de emergência não são as mesmas nas diferentes sociedades, em diferentes épocas e nas diferentes formas de discurso. Permanecendo na Psicopatologia do século XIX, é provável que elas fossem constituídas pela família, pelo grupo social próximo, o meio de trabalho, a comunidade religiosa (que são todos normativos, suscetíveis ao desvio, que têm uma margem de tolerância e um limiar a partir do qual a exclusão é requerida, que têm um modo de designação e de rejeição da loucura, que se não transferem para a medicina a responsabilidade da cura e do tratamento, pelo menos o fazem com a carga da explicação) [...] B) Seria necessário descrever, além disso, instâncias de delimitação: a medicina [...] tornou-se, no século XIX, a instância superior que nomeia e instaura a loucura como objeto; mas não foi a única [...] C) Analisar, finalmente as grades de especificação: trata-se dos sistemas segundo os quais separamos, opormos, associamos, reagrupamos, classificamos, derivamos, umas das outras, as diferentes ‘loucuras’ como objeto do discurso [...]

Pela análise desse conjunto de procedimentos, e pela comparação das correlações dos procedimentos entre si, Foucault (2010, p.49-50) afirma que é por esse feixe de relações que se formam os objetos do discurso,

[...] essas relações são estabelecidas entre processos econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização; e essas relações não estão presentes no objeto [...] elas não definem a constituição interna do objeto, mas o que lhe permite aparecer [como objeto] [...] As relações discursivas, como se vê, não são internas ao discurso [...] Mas não são, entretanto, relações exteriores ao discurso, que o limitariam ou lhe imporiam certas formas [...] Elas estão, de alguma maneira, no limite do discurso [...] determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisa-los, classificá-los, explicá-los etc.

Essas relações caracterizam o discurso como prática, se o discurso, produz ou reproduz os objetos sob o feixe de certas relações de determinada época, é uma prática discursiva histórica que é caracterizada pelas relações que deve colocar em interação para poder falar de um objeto deste ou daquele modo, estabelecendo um fundo referencial de relações práticas que funciona como base da coerência, verdade e sentido do que está sendo dito sobre determinado objeto. Por essas perspectivas, o método de Foucault segue o seguinte percurso, discurso-referencial da função enunciativa-condições de formação dos objetos-prática discursiva. Parte-se dos signos que dizem algo sobre um objeto, detectando as condições referenciais do sentido, investigando quais possíveis superfícies emergência, instâncias de delimitação e grades de especificação estão relacionadas em sua objetivação, e, por fim, demonstrar como esse conjunto de relações formam a base regular de saber e de práticas da enunciabilidade num determinado discurso em uma determinada época sobre um determinado grupo de objetos.

Resultados

Dado que o referencial do enunciado apresenta um conjunto de reflexões para detectar condições e axiomas da remissão do sentido dos signos, e, se essas condições e pressupostos são regulados por certas regras imanentes à práticas discursivas, e, dado que a formação dos objetos é conjunto de procedimentos que revelam as práticas e relações que regulam e definiram as condições referenciais, fica claro que o nível referencial e a formação dos objetos são níveis correlatos. Essa correlação é admitida por Foucault (2010, p.129), e, considerando isto, o nível que de fato permite reconstituir as práticas concretas de uma sociedade, o nível referencial é o nível enunciativo que de fato permite reconstituir as práticas concretas de uma sociedade no tempo e no espaço, ou seja, o nível referencial é o nível que permite reconstituir as práticas discursivas de um tempo histórico que definiram as condições de produção do sentido e da formação dos objetos do discurso.

Se a realidade é dotada de relações, significações e práticas, e, se estas podem chegar ao futuro pela materialidade duradoura dos discursos e suportes materiais, e estes suportes são a única via de acesso do historiador aos vestígios do passado, o nível referencial é o nível que permite ir das condições referenciais para as práticas concretas. Essa sequência de operações é explicitada por Foucault (2010, p.133) no seguinte excerto:

Finalmente, o que se chama "prática discursiva" pode ser agora precisado. [...] é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa.

Por serem determinadas no tempo e no espaço, são imanentes, são elas que definem as condições de exercício da função enunciativa. A função enunciativa e a função existencial dos signos, no caso, a remissão ao sentido. Se a direção da análise arqueológica, como foi dito, é o exame não da remissão, mas das condições da produção de determinado sentido remetido, o nível referencial é o nível em que se examina os referenciais condicionantes dos sentidos de um conjunto de signos, enfim, os referenciais daquilo que o discurso fala, seus objetos.

Ao elencar as condições e pressupostos do sentido, a análise é direcionada à operação de reconstituição histórica das práticas discursivas, um conjunto de regras, relações e comportamentos de percepção e interação dos indivíduos com a realidade. Vale ressaltar que a categoria regra em Foucault (2010) carrega o sentido de regularidade, o que traz a ideia de costume e frequência, a qual pode ser entendida como a positividade de uma época.

Por ser costume e frequente, e por atravessar os indivíduos de uma época, não existe a ideia de autoria e liberdade subjetiva. Pela perspectiva arqueológica, existem indivíduos que enunciam suas significações discursivas sob certos pressupostos e condições positivadas pela cultura que o circunda. Isso significa que, na perspectiva arqueológica, a reconstituição da cultura de uma época, entendido aqui como regularidades de percepção e interação do indivíduo com sua realidade histórica, depende, a nível discursivo, dos referencias das significações. Por isso mesmo, o nível referencial foi defendido, neste texto, como nível indispensável e de maior relevância da análise arqueológica para a reconstituição histórica de um determinado período a partir de fontes discursivas.

A reconstituição histórica do “cuidado de si”

Foi por meio desse método que Foucault delimitou o que é “cuidado de si”. Como para ele a positividade (compreendida como aditamento) de um discurso caracteriza-lhe a unidade através do tempo e muito além das obras individuais, dos livros e dos textos, e essa positividade desempenha o papel do que se poderia chamar a priori histórico, pôs a investigar se havia algum paralelo - uma semelhança de problema - da preocupação da ética grega que era constituir um tipo de ética que era uma estética da existência com o nosso problema atualmente de constituir uma ética que não esteja fundada na religião, e nem num sistema legal que interfira na nossa vida moral, pessoal, privada.

Em outras palavras, pelo trabalho de história do pensamento - e história do pensamento quer dizer não simplesmente história das ideias ou representações - mas também a tentativa de responder à pergunta: como é que um saber pode se constituir? Outrossim: como é que o pensamento, enquanto relacionado à verdade, pode ter também uma verdade? Nessa seção buscar-se-á expor sinteticamente como Foucault problematizou o nascimento de uma ética, de uma ética enquanto reflexão sobre a sexualidade, sobre o desejo, o prazer.

E pela expressão problematização, Foucault não quer dizer representação de um objeto preexistente, nem criação pelo discurso de um objeto que não existe. Para ele, problematização é o conjunto das práticas discursivas ou não discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso (seja sob a forma de reflexão moral, do conhecimento científico, da análise política, etc.). Assim, trata-se trazer à tona uma forma de fazer história das relações que o pensamento mantém com a verdade, compreendida como história do pensamento enquanto pensamento da verdade. Convém notar: todos aqueles que dizem que para Foucault a verdade não existe são espíritos simplistas. Foucault, então, parte de um problema nos termos em que ele se coloca atualmente e tenta fazer disso a genealogia. E por genealogia ele queria dizer que levava a análise a partir de uma questão presente.

Para Foucault, qual seria então essa questão? Durante muito tempo imaginava-se que o rigor dos códigos sexuais, na forma como os conhecemos, era indispensável às sociedades ditas “capitalistas”. Entretanto, a suspensão dos códigos e o deslocamento das proibições se fizeram sem dúvida mais facilmente que se havia acreditado (o que parece indicar que sua razão de ser não era a que se acreditava); e o problema de uma ética como forma de dar a seu comportamento e à sua vida se colocou novamente. Em resumo, se enganava quando se acreditava que toda moral estava nas interdições e que a retirada destas trazia a ela apenas a questão da ética.

Especificamente quando redigiu o seu opúsculo para sua candidatura ao Collège de France em substituição à cadeira de história do pensamento filosófico, Foucault exprimiu a seguinte fórmula: “seria necessário empreender a história dos sistemas de pensamentos” (1994, p. 846). Anos depois, no mesmo Collège de France, mais precisamente na primeira hora da aula de 5 de janeiro de 1983, ao se ater às questões de método, Foucault (2010, p. 4-8) disse aos seus ouvintes que os seus trabalhos desenvolvidos até então durante os últimos dez ou doze anos estavam sob o signo da “história do pensamento”, pela qual realizava de uma forma diferente - ou mesmo queria distanciar-se de dois métodos - tanto do que se chama de história das mentalidades quanto de uma história das representações ou dos sistemas representativos.

Assim, o seu projeto geral, da perspectiva metodológica, foi procurar investigar o que ele denominou de focos ou matrizes de experiências, como a loucura, a criminalidade, a sexualidade, e analisá-las segundo a correlação dos três eixos que constituem essas experiências, quais sejam: o eixo da formação dos saberes, o eixo da normatividade dos comportamentos, e, enfim, o eixo da constituição dos modos de ser do sujeito. Deste modo, Foucault indicou quais foram os deslocamentos teóricos que esse gênero de análise implicou, pois se tratava de estudar a formação dos saberes, a normatividade dos comportamentos e os modos de ser do sujeito em sua correlação. E a análise da formação dos saberes, nessa perspectiva, foi realizada não tanto como a história do desenvolvimento dos acontecimentos, e sim a partir e do ponto de vista da análise das práticas discursivas e das formas de veridicção. Essa passagem, esse deslocamento de desenvolvimento dos conhecimentos para a análise das formas de veridicção constituiu para Foucault um primeiro deslocamento teórico que era necessário operar. Deste deslocamento, foram realizados mais dois deslocamentos teóricos. O segundo deslocamento consistiu quando se tratou de analisar a normatividade dos comportamentos, em se desprender do que seria uma Teoria Geral do Poder ou das explicações pela Dominação em geral, pois Foucault tentava fazer valer a história e a análise dos procedimentos e das tecnologias de governamentalidade. Por fim, o terceiro deslocamento teórico foi no sentido de realizar uma passagem de uma teoria do sujeito a partir da qual Foucault procurou destacar, em sua historicidade, os deferentes modos de ser da subjetividade, à análise das modalidades e técnicas da relação consigo mesmo, ou ainda à história dessa pragmática do sujeito em suas diferentes formas. Resumindo, os três deslocamentos teóricos propostos e realizados por Foucault foram: análise das formas de veridicção; análise dos procedimentos de governamentalidade; análise da pragmática do sujeito e das técnicas de si.

Como estabelecer uma correlação desses três eixos, até então estudados sucessivamente cada um deles, sem qualquer inter-relação entre eles? Ou seja, como mostrar a relação entre o eixo da formação dos saberes e das práticas de veridicção, o da normatividade dos comportamentos e da tecnologia do poder, o da constituição dos modos de ser do sujeito a partir das práticas de si? Para tentar ver e tentar apreender alguns pontos, alguns elementos, algumas noções e algumas práticas que possibilitam assinalar essa correlação e mostrar efetivamente se tal estudo pode ser levado a cabo, Foucault examinou a questão do governo de si e dos outros, especialmente como o dizer-a-verdade [le dire-vrai], a obrigação e a possibilidade de dizer a verdade nos procedimentos de governo podem mostrar de que modo o indivíduo se constitui como sujeito na relação consigo e na relação com os outros.

Para Foucault, tal empreendimento teórico para examinar o governo de si e dos outros foi realizado por meio de três domínios na genealogia. Primeiro, uma ontologia histórica de nós mesmos com relação à verdade através da qual nós nos constituímos como sujeitos de conhecimento; segundo, uma ontologia histórica de nós mesmos relacionada a um campo de força através do qual nós nos constituímos como sujeitos agindo sobre outros; terceiro, uma ontologia histórica relacionada à ética através da qual nos constituímos como agentes morais. Desta forma, há três linhas centrais possíveis para a genealogia. Todas essas três linhas estiveram presentes - embora de um modo um tanto confuso - n’ A História da Loucura (1961). A linha da verdade foi estudada n’O Nascimento da Clínica (1963) e A Ordem do Discurso (1971). A linha da força foi estudada em Vigiar e Punir (1975), e a linha ética n’A História da Sexualidade (volumes II e III, 1984) - presente nas matérias de O uso dos prazeres (volume II) e O cuidado de si (volume III).

E Foucault não se propôs fazer genealogias de morais, porque ele considerava que os códigos morais são relativamente estáveis, e sim ele estava fazendo uma genealogia da ética; genealogia esta, que era uma genealogia do corpo de ações éticas, ou genealogia do desejo como um problema ético. Sendo assim, se tomarmos a ética na filosofia clássica grega ou na medicina, a substância ética é a aphrodisia, a qual é ao mesmo tempo atos, desejo e prazer. Como modo de assujeitamento, o que se tinha de ser constituído era conceber a existência como existência maravilhosa, uma existência pelo modo estético. E essa existência maravilhosa era um empreendimento a ser realizado por quem queria ter boa reputação, ser capaz de governar os outros, e estas eram obrigações aceitas de forma consciente por quem buscava a beleza e glória da existência. Esse modo de assujeitamento era uma escolha pessoal. De acordo com Foucault, no estoicismo, o modo se assujeitamento foi alterado, pois a partir dele o modo de assujeitamento deixa de ser uma escolha para ser algo racionalmente imposto: “Você tem de fazer isso porque você é um ser humano racional”. No cristianismo, as regras sexuais para o comportamento eram naturalmente justificadas pela religião, e as instituições pelas quais elas foram impostas eram instituições religiosas, pelas quais havia um tipo de jurisdição interna da lei religiosa dentro do cristianismo. Já após o século XVIII, a estrutura religiosa daquelas regras desaparece em parte, abrindo espaço para a competição entre uma abordagem médica ou científica e a estrutura jurídica - a qual continua sem resolução até os nossos dias.

Em outras palavras, a substância ética para os gregos era a aphrodisia; o modo de assujeitamento era uma escolha político-estética, a forma de ascese era a techne que era usada sobre o corpo, e a teleologia era o domínio de si mesmo. Mas isso muda com relação à ética clássica, na relação consigo próprio - há uma mudança nesta estética. Mas essa mudança não afeta a substância ética, pois ela é ainda aphrodisia. Há mudanças no modo de assujeitamento, quando os estóicos reconhecem a si próprios como seres universais. Há também mudanças no ascetismo, o tipo de técnicas que era usado para reconhecer, constituir a si próprio como um sujeito de ética. O objetivo também é alterado, pois na perspectiva clássica ser senhor de si mesmo significava, inicialmente, levar em consideração apenas a si mesmo e não o outro, porque ser senhor si mesmo significava que você era capaz de governar os outros. Sendo assim, o domínio de si mesmo estava diretamente ligado a relações assimétricas com os outros. Você deve ser senhor de si próprio em um sentido de atividade, assimetria, e não reciprocidade; mais tarde, o domínio de si mesmo é algo que não está fundamentalmente ligado ao poder sobre os outros; temos de ser senhores de nós mesmos não apenas para governar os outros, como no caso de Alcebíades ou Nicocles, mas temos de ser senhores de nós mesmos porque somos seres racionais. E neste domínio de nós mesmos, estamos ligados a outras pessoas, que são também senhores de si próprios. E este tipo de ligação com o outro é muito menos não recíproco do que antes. Deste modo, Foucault realça que não há ligação completa e idêntica entre as técnicas e a tele, mas há ligações privilegiadas, algumas técnicas privilegiadas relacionadas a cada telos. Já com o cristianismo toda essa ética mudou pelo fato de o telos ter mudado: com o cristianismo o telos é imortalidade, pureza. O ascetismo mudou porque agora o auto-exame toma a forma de auto-interpretação. O modo de assujeitamento é agora a lei divina. A substância ética alterou porque não é aphrodisia, mas desejo, concupiscência, carne.

Com isso, Foucault deixa explícito que na cultura helenista, na cultura greco-romana, a partir de cerca do século III a.C. até o século I ou II da era Cristã, o que o interessou foi o preceito para o qual os gregos tinham uma palavra específica επιμέλεια ηεαυτου ( epimeleia heautou) , que significa cuidar de si mesmo. Não significa simplesmente estar interessado em si, nem significa ter uma certa tendência a auto-ligação ou auto-fascinação. Epimeleia heautou é uma expressão muito forte em grego que significa trabalhar sobre algo ou estar ligado a algo. Por exemplo: Xenofonte usava a palavra epimeleia heautou para descrever gerência agrícola. A responsabilidade de um monarca por seus concidadãos era também epimeleia heautou. O que um médico faz no tratamento de um paciente é epimeleia heautou. É, consequentemente, uma palavra muito forte: descreve um tipo de trabalho, uma atividade; implica atenção, conhecimento, técnica.

Mas aqui o conhecimento desempenhou um papel diferente ao cuidado clássico do corpo. Para Foucault, há coisas muito interessantes para analisar a respeito das relações entre o conhecimento científico e a epimeleia heautou. Quem cuidasse de si mesmo tinha de escolher entre todas as coisas conhecidas através do conhecimento científico, apenas aquelas espécies de coisas que eram relativas a si e importantes à vida. O problema e a discussão deles estavam ligados a tipos limitados do conhecimento, úteis à epimeleia heautou. Por exemplo, para os epicuristas, o conhecimento geral do que é o mundo, do que é a necessidade do mundo, e relação entre o mundo, a necessidade e os deuses - tudo isso era muito importante para o cuidado do corpo. Pelo fato de ser primeiro um problema de meditação: se você fosse capaz exatamente de entender a necessidade do mundo, então você poderia controlar muito melhor as paixões. Assim sendo, para os epicuristas havia um tipo de adequação entre todo o conhecimento possível e o cuidado do corpo. A razão que se tinha para se lidar com o físico ou cosmologia era que se tinha de cuidar do corpo. Para os estóicos, o verdadeiro corpo era definido apenas pelo que posso dominar. Então, pode-se afirmar que o conhecimento estava subordinado ao fim prático do domínio sobre si mesmo. Epíteto era muito claro quanto a isto. Como exemplo: ele dá como exercício caminhar toda manhã nas ruas olhando, observando. E se encontra uma figura consular, dizia ele, você interroga a si mesmo: “o cônsul é algo que posso dominar?”. Não. Então, nada tenho a fazer. Se eu encontrar uma garota ou rapazinho bonito, a beleza deles, o poder de atração deles é algo que depende de mim, etc?

Para os cristãos tudo isso muda, e fica bastante diferente. Para os cristãos a possibilidade de que Satanás possa entrar em sua alma e lhe dar pensamentos que você não consegue reconhecer como satânicos, porém você pode interpretá-los como oriundos de Deus, isso leva à incerteza de conhecer qual é a raiz real de seu desejo, pelo menos quando não é realizado um trabalho hermenêutico. Assim, para Foucault, o que o interessou sobre o conceito clássico de cuidado do corpo foi que ele conseguiu ver que o surgimento do desenvolvimento de um certo número de temas ascéticos comumente atribuídos ao cristianismo - pois acreditava-se que o cristianismo tenha substituído o estilo de vida greco-romano, via de regra tolerante, por um estilo de vida austero marcado por uma série de renúncias, interdições, ou proibições - especialmente na atividade do corpo em si, os antigos desenvolveram uma série inteira de práticas de austeridade que os cristãos mais tarde diretamente tomaram deles. Mas convém frisar: na Antiguidade, esse trabalho sobre o corpo com sua austeridade presente não era imposto sobre o indivíduo por meio de lei civil ou obrigação religiosa, e sim era uma escolha sobre a existência feita pelo indivíduo. As pessoas decidiam por si mesmas cuidar ou não de si próprias.

Conclusões

A partir da definição de função enunciativa como a função existencial dos signos, especificamente como a função de remissão ao sentido, e, considerando que a análise arqueológica busca reconstituir as condições de produção e fundamentação do sentido remetido, a análise do referencial do enunciado foi evidenciada como nível de análise enunciativo indispensável para a reconstituição dessas condições.

Também foi mostrado que Foucault fracionou a realidade em três níveis, sendo o nível discursivo, na perspectiva da reconstituição histórica por fontes discursivas, o nível onde em que se encontram vestígios das regularidades imanentes a um conjunto de práticas, históricas, determinadas no tempo e no espaço, que definiam os modos de percepção e interação dos indivíduos com sua realidade. Esses modos de percepção e interação, formam o conjunto de pressupostos e condições do dizer, evidenciado que tudo aquilo que é dito, mesmo não sendo reflexo direto da realidade empírica, é dito a partir do modo como se vive, se interage, se conhece, se sabe e se percebe a realidade. A reconstituição dessas práticas, objetivo da análise histórico-discursiva de Foucault, é empregada por um conjunto de procedimentos da formação dos objetos que se exerce sobre as condições referenciais do sentido, portanto, sem determinar os referenciais dos sentidos, seus critérios e domínios de validade e de coerência, seria impossível chegar ao fim da análise arqueológica, a reconstituição do passado histórico pelas fontes discursivas. Por essa dependência, conclui-se que o nível referencial é indispensável e de maior relevância, sem o qual seria impossível uma reconstituição das práticas discursivas de um tempo histórico pela perspectiva foucaultiana.

Nota-se, hoje, que não temos quase vestígio algum da ideia, em nossa sociedade, de que o trabalho fundamental da arte - e de que temos de cuidar -, a área principal à qual se devem aplicar valores estéticos, é a si próprio, à própria vida, à própria existência. Não temos que escolher entre o nosso mundo e o mundo grego. Porém, desde que podemos ver muito bem que alguns dos princípios mais importantes de nossa ética têm sido relacionados num certo momento a uma estética da existência, tal análise histórica realizada por Foucault pode ser útil, especialmente de uma perspectiva educacional. Afinal, durante séculos temos nos convencido de que entre a nossa ética, nossa ética pessoal, nossa vida diária e as grandes estruturas políticas, sociais e econômicas, há relações analíticas, e que não podemos mudar nada, por exemplo, na nossa vida sexual ou nossa vida familiar, sem arruinar a nossa economia, nossa democracia, etc. Foucault nos ajuda a perceber que temos de nos livrar desta ideia de uma ligação analítica ou necessária entre a ética e outras estruturas sociais, econômicas ou políticas. Considera-se que é essa a ideia que fica quando Foucault se enveredou a investigar a linha ética pela História da Sexualidade, com ênfase nos seus volumes 2 e 3.

Esse retorno de Foucault à filosofia como modo de vida pelo estudo histórico da técnica de vida, ao empreender uma análise da pragmática do sujeito e das técnicas de si, indica que quando as pessoas individualmente olham para dentro de si mesmas, que há necessariamente dois prismas: o de sua liberdade e o de sua racionalidade, e que assim o que se vê analogamente traz a marca do prisma pelo qual foi visto. Assim, se quisermos ver nossa interioridade pelo prisma da razão, cada ato de nossa liberdade nos parecerá ser apenas um acréscimo à soma dos determinismos que existem na realidade, o mundo que nos cerca; agora, se encararmos nossa interioridade pelo prisma da liberdade, o que veremos é algo de totalmente diferente, pois a liberdade nos aparecerá então como um dinamismo que ignora a causalidade da razão, e por sua causa estaríamos prontos a praticar todos os atos que a razão evitaria. Por isso, tal histórico pela técnica de vida trouxe novamente à luz que pensar o cuidado de si significa pensar que liberdade e racionalidade entram ao mesmo tempo na existência e que cada uma delas tem seu destino próprio. Foucault parece nos querer mostrar que a obsessão pela racionalidade - daí sua leitura crítica à elisão do desejo de saber inaugurada por Aristóteles, especialmente exposta na sua leitura interna e externa do livro A da Metafísica de Aristóteles (FOUCAULT, 2014b) - era a seu ver o indício do trabalho de intelecção de sobrepor o problema da exterioridade ao problema da interioridade, de certo desinteresse pela subjetivação, pelas pessoas, como indivíduos em sua existência particular, como morada das emoções, de aspirações, de crenças, de experiências de imanência e de transcendência, da realização própria de um cuidado de si mesmo.

Referências

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FOUCAULT, Michel. Titres et travaux, in Dits et Écrits, 1954-1988, Ed. D. Defert e F. Ewald, colab. J. Lagrange, Paris: Gallimard, 1994, 4 vols.; cf. vol. I. https://doi.org/10.14375/NP.9782070739899Links ]

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FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). Trad. Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: wmf Martins fontes, 2014a. [ Links ]

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Recebido: 24 de Fevereiro de 2021; Aceito: 01 de Dezembro de 2021

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