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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.75 Uberlândia set./dez 2021  Epub 16-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n75a2021-59947 

Artigos

Totalidade dialética: contribuições para derruir os limites entre a filosofia e a interdisciplinaridade

Dialetic totality: contributions to drop the limits between philosophy and interdisciplinarity

Totalidad dialética: contribuciones para abandonar los límites entre filosofía e interdisciplinaridad

*Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: mgsociais@yahoo.com.br


Resumo

O presente artigo busca trazer para o debate alguns elementos que denotam uma tendência na filosofia de ser uma atividade intelectual voltada para a construção de um olhar de unidade objetivando a totalidade. A categoria totalidade primeiro aparece como objetivo do processo gnosiológico para em seguida aparecer como categoria lógica e epistemológica, sendo significante e explicativa. Esta tendência da filosofia ainda colocaria em suspeição a ideia de interdisciplinaridade como pensamento inovador fundado na década de sessenta na França. Este trabalho ainda busca contribuir com o debate interdisciplinar ao colocar a pertinência da visão unitária, sistêmica e dialética, que nos conduza para uma superação do que podemos chamar de “alienação esclarecida”.

Palavras-chave: Filosofia; Animismo; Interdisciplinaridade; Totalidade; Dialética

Abstract

This article seeks to bring to the debate some elements that denote a tendency in philosophy to be an intellectual activity aimed at building a look of unity aiming at totality. The totality category first appears in history as the objective of the gnosiological process and then appears as a logical and epistemological category, being significant and explanatory. This trend in philosophy would still put the idea of interdisciplinarity as an innovative thought founded in the sixties in France under suspicion. This work still seeks to contribute to the interdisciplinary debate by placing the pertinence of the unitary, systemic and dialectical view, which leads us to overcome what we can call "enlightened alienation".

Key-words: Philosophy; Animism; Interdisciplinarity; Totality; Dialectic

Resumen

Este artículo busca traer al debate algunos elementos que denotan una tendencia en la filosofía a ser una actividad intelectual orientada a construir una mirada de unidad con miras a la totalidad. La categoría de totalidad aparece primero como el objetivo del proceso gnosiológico y luego aparece como una categoría lógica y epistemológica, siendo significativa y explicativa. Esta corriente filosófica aún pondría bajo sospecha la idea de la interdisciplinariedad como pensamiento innovador fundado en los años sesenta en Francia. Este trabajo también busca contribuir al debate interdisciplinario colocando la pertinencia de la mirada unitaria, sistémica y dialéctica, lo que nos lleva a superar lo que podemos llamar "alienación ilustrada".

Palabras clave: Filosofía; Animismo; Interdisciplinariedad; Totalidad; Dialéctico

Ilustrações da totalidade na pré-história e na antiguidade

O processo gnosiológico engendrado pela práxis consciente humana é imanente à manifestação desta vida, não importa o quão vetusta é sua expressão. Ser e conhecer são resultados dialéticos de um só processo do devir humano - até o advento da divisão social do trabalho que separou o trabalho manual do intelectual - e é isso o que entendemos por práxis. Um ser que dá respostas, como diria Lukács, é um ser que se propõe perguntas. E não é outro o motivo do drama de Hamlet, atormentado que era pela sua consciência: um ser cônscio dos males e perfídias de seu reino e cônscio da finitude e efemeridade da vida. E, por isso, a humanidade não manifesta sua vida de modo indiferente aos conteúdos desta existência, sendo obrigada a representar, significar ou processar racionalmente os fenômenos e eventos que a cercam. Cada ocorrência exige uma explicação; clama por um sentido. Ainda que, na ausência da capacidade de elucidar corretamente suas causas, a imaginação apareça para cumprir a função explicativa. Nas palavras de Godelier,

O homem primitivo pensa na natureza por ANALOGIA. O pensamento primitivo pensa espontaneamente a natureza de maneira analógica ao mundo humano. Quais são o conteúdo e a forma destas analogias? Representam as forças e realidades invisíveis da natureza como “sujeitos”, quer dizer, como seres dotados de consciência, de vontade, comunicando-se entre si e com o homem. A natureza, mais além das suas aparências visíveis, se desdobra, portanto, para a consciência em mundos profundos imaginários habitados por sujeitos, ideias, que personificam as forças invisíveis, os poderes superiores e misteriosos da natureza. As idealidades criadas pelo pensamento humano se apresentam, portanto, como um mundo coerente e organizado de representações ilusórias, mundo que domina a prática e a consciência humanas (GODELIER apudCARVALHO, 1981, p. 150).

A vida social - e toda vida humana é assim, como já prenunciava o zoon politikon aristotélico - exige um sentido. Ou este sentido é captado na imediaticidade da práxis ou é criado, pouco importando se se trata de uma ficção criada espontaneamente ou se inerente ao fenômeno vivido. A criação de um sentido é possivelmente a função básica de toda ideologia, ou seja, de toda representação tomada como correta adequação do pensamento ao objeto. Por isso é que a ideologia, mesmo sendo uma representação grosseira e fantasiosa da vida humana, tem grande poder sobre a normatização da vida social1, pois a eficácia está assegurada pela crença subjetiva e não pela correção objetiva que esta possui. E não é apenas uma ocorrência ou evento isolado que exigem e clamam por este sentido, mas a totalidade da vida. E este é um fundamento genealógico da expressão ideológica religiosa. E aqui comungamos com outros autores que também sustentam que a religião é a primeira manifestação da criação de respostas e sentidos para a vida humana.

O processo gnosiológico não começa evidentemente na modernidade e nem no seu momento mais glamoroso. E não sabemos quando nem como, mas temos conhecimento hoje de que a sistematização mais rudimentar de uma forma explicativa de mundo se deu já com uma preocupação de totalidade. Um conhecimento que almeja uma explicação universal ou uma abordagem integral, ao contrário de uma visão fragmentária do real, não é produto inovador de adversários da ciência moderna e da hiperdimensionada fragmentação cartesiana. É algo tão velho quanto as primeiras manifestações religiosas sistematizadas. Por isso podemos dizer que a primeira grande síntese explicativa já se caracterizava por uma visão unitária do real. Por óbvio, esta síntese não era resultado da aplicação de métodos ou de verificação científica, mas performava uma primeira visão de mundo ou cosmovisão.

É o animismo que representa bem esta primeira Weltanschauung. Não só pelo fato de que o relativo simplismo produzido pela fantasia marca a carência de ferramentas intelectuais para a explicação das causas que hoje se sabem triviais a respeito de fenômenos cotidianos, mas também pelo fato de que esta visão de mundo busca abarcar e explicar a totalidade da vida numa concepção de unidade. E este termo de origem alemã, como bem explica Freud, evidencia adequadamente a característica destas concepções religiosas2.

Entendo que uma visão de mundo é uma construção intelectual que, a partir de uma hipótese geral, soluciona de forma unitária todos os problemas de nossa existência, na qual, portanto, nenhuma questão fica aberta, e tudo que nos concerne tem seu lugar definido. É fácil compreender que a posse de uma visão de mundo se inclui entre os desejos ideias de um ser humano. Acreditando numa visão de mundo, podemos nos sentir seguros na vida, saber a que devemos aspirar e como alocar da maneira mais apropriada os nossos afetos e interesses (FREUD, 2010, p. 217).

A crença animista tem como fundamento a ideia de que todas as coisas possuem vida, portanto, alma - palavra que em latim se pronuncia anima e que, ipso facto, este pensamento mágico leva o nome de animismo. Segundo este pensamento, o todo é uno e redutível a um elemento universal. Se trata de um reductio ad unum. Há nesta crença uma única substância que unifica toda a criação e isso também explica que tudo tem uma consciência e uma intenção. Diga-se, uma ideia interessante e ao mesmo tempo rudimentar, que auxiliava na criação de explicações para os fenômenos naturais, uma vez que tudo era interpretado como dotado de propósito. Ou seja, na ausência de uma clara e independente causalidade natural para as coisas, todos os eventos eram tomados como emanados de uma vontade. Tudo tinha um anima, o que significava para estes que tudo possuía vida e pensamento. Para aquela consciência atormentada sobre a qual falamos acima a realidade não deveria aparecer entrópica, uma vez que a estrutura causal não era evidente e nem alcançável pelo grau gnosiológico daqueles povos. Então a grande chave explicativa para o pensamento primitivo é compreender que tais povos não só buscavam uma explicação, mas explicavam por analogia e, neste caso, sendo eles a origem analógica inconsciente. Há um claro processo de antropomorfização das forças naturais e todos os eventos a elas relacionados. A humanidade se sentia imersa e componente de uma grande comunidade de seres viventes. E tudo era vivo, das ervas às estrelas; dos seres humanos às montanhas3. Estes povos viam como causa da dinâmica natural a presença de espíritos em todas as coisas e por isso acreditavam que estes eram “as causas dos processos naturais e acreditam que não apenas os animais e plantas, mas também as coisas inanimadas são animadas por eles” (FREUD, 2013, p. 74).

Estes sistemas de pensamento mítico e religioso já na sua origem convergem para uma explicação total, fazendo jus ao teor da expressão acima mencionada de uma Weltanschauung. A explicação do real como totalidade não é como a coruja de minerva lembrada por Hegel, que apenas alça voo ao cair da tarde. Ela está presente já na origem das primeiras sistematizações gnosiológicas. O que pode bem ser explicado, se Freud neste caso estiver certo, de que como queria Ernst Haeckel, a origem da humanidade percorre o mesmo caminho da origem do indivíduo. Se de fato assim for, ainda que tal analogia carregue seus limites, os primórdios da humanidade espelham a infância do indivíduo em muitos aspectos. Para Freud, a infância é marcada pelo espírito narcisista e egocêntrico da criança. Neste egotismo ou egolatria, a criança tem dificuldade em estabelecer o limite entre o ego e o mundo. Tudo seria parte imanente de seu ser e a ela pertenceria. Talvez aí resida a causa de esta “infância” primitiva não conseguir enxergar as coisas na sua distinção e multiplicidade mais ou menos independente. E a utilização dos recursos da magia e feitiçaria não seria outra coisa que não a comprovação de um desejo profundo de controle subjetivo sobre a objetividade. A crença de que palavras, rituais ou objetos homológicos (ritual da chuva ou bonecos vodus) possam de fato interferir sobre a dinâmica do real evidencia fortemente a causa destas crenças na posição narcísica e seu desejo profundo.

Não há dúvida quanto ao que é considerado eficaz em todos esses exemplos. É a semelhança entre o ato realizado e o evento esperado. Daí Frazer chamar de imitativa ou homeopática essa espécie de magia. Se eu quero que chova, preciso apenas fazer algo que pareça ou lembre a chuva (FREUD, 2013, p. 80).

Ainda segundo Freud em Totem e tabu, as neuroses modernas calcadas nos mesmos desejos reprimidos e na incompletude de maturação da psique narcísica engendravam patologias típicas desta concepção anímica. Estas patologias eram marcadas pela crença do doente de que seu pensamento ou ação teriam um poder involuntário sobre o universo. Assim como os pensamentos involuntários no âmbito da ideia, o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) expressa bem esta neurose no âmbito prático, em ambos o doente de fato acredita que seu pensamento involuntário ou seus “rituais” cotidianos incidiriam num ou noutro tipo de desfecho para coisas completamente independentes de sua vontade. A isso Freud chamou de onipotência do pensamento, ou seja, uma crença do indivíduo de que suas palavras ou pensamentos podem ter alguma força causal sobre coisas ou eventos que de fato o indivíduo não tem.4 “Podemos agora dizer, sintetizando, que o princípio diretor da magia, a técnica do modo de pensar animista, é o da ‘onipotência do pensamento’” (FREUD, 2013, p. 85).

Assim, o espírito narcísico, tendo dificuldades em reconhecer os limites e fronteiras entre o eu e o mundo objetivo, acaba transbordando sua subjetividade e desejos para o mundo. Essa extensão da estrutura psíquica ao mundo se revela sempre uma antropomorfização involuntária e inconsciente. É o ego como um buraco negro que, como centro gravitacional hiperbólico, consome tudo ao seu redor. Nem a luz escapa5. E por isso essa antropomorfização age como uma pareidolia doentia. O humano vê-se em tudo. E atrás de tudo há uma intenção e um propósito a serem compreendidos e, se possível, controlados. A ideia de alma é o centro unitário e o elemento constitutivo de todas as coisas nesta primeira visão de mundo que nossos antepassados formularam para si. Tudo é um e o mesmo ser. “O animismo é um sistema de pensamento, ele não só explica um fenômeno particular, mas permite compreender o mundo como unidade, a partir de um ponto” (FREUD, 2013, p. 76). O animismo já representa então essa unidade do real, ainda que sob um manto místico e pré-científico.

E não é apenas a crença animista que possui tal característica. De fato, todo o pensamento mitológico produz e tende a este mesmo efeito. Há uma inegável tendência de buscar uma explicação total que ligue o cotidiano social à ordem do universo, comandados ambos pelas vontades ou capricho dos deuses. E é esse um dos fatores para que a vida cotidiana exija rituais religiosos e que os mitos ritualizem a vida cotidiana, num emaranhado que amalgama a vida temporal e o sagrado e místico. O equilíbrio do cosmos depende dos seres humanos segundo esta crença - e novamente aqui se apresenta a característica recorrente da onipotência do pensamento.

Como conjunto destas narrativas e doutrinas, o mito caracteriza-se por oferecer uma explicação total, que forneça respostas para os problemas e enigmas mais prementes e fundamentais acerca da origem e natureza do Universo, do homem, da civilização e da técnica, da organização social, etc. Ao opor-se às explicações de caráter mítico, a filosofia não renunciará a esta dimensão de resposta última acerca da totalidade do real; pelo contrário, tal dimensão constituirá um dos traços essenciais do pensamento filosófico (NAVARRO CORDÓN e MARTÍNEZ, 2016, p. 26-7).

Interessante notar que em muitas estruturas mitológicas, como em muitas explicações primitivas, a unidade é intuída como a fonte primária que, a partir da divisão, dá início à criação do cosmos. No início há um caos original que se confunde numa totalidade difusa. Caos que se desdobra na criação pela mera divisão. Então ocorre uma criação distinta do processo de clonagem - este processo que produz o igual a partir de uma fração de si - que consiste num processo de criação pela separação e diferenciação. Um tornar-se outro a partir de si. O caso da mitologia egípcia é bem expressivo, ainda que os mais de três mil anos de civilização e a disputa política de cada cidade para priorizar seu deus fundador produzam uma miríade de narrativas difusas e variadas, sendo não raras vezes contraditórias. Mesmo assim, tomando por fonte a sentença 600 da coletânea dos chamados Textos das Pirâmides, vemos Atum Kheprer erguendo-se e escarrando seus primeiros dois filhos, Shu e Tefnut, respectivamente o ar e a umidade (água). Em outras fontes há o oceano primordial ou nebulosa caótica, Nun. Deste se ergue o monte do qual brota uma flor de lótus e Atum ou Atum-Rá dá início à criação a partir de uma decomposição, extrusão ou mesmo fecundação.

Diversas versões da história heliopolitana da criação podem ser reconstruídas a partir das alusões encontradas em textos de diferentes períodos. Todas elas começam com Atum (“o todo” ou “o completo”) ejaculando de dentro de si mesmo Shu (“ar” - masculino) e Tefnut (“umidade” - feminino). Shu e Tefnut, por sua vez, geram Geb (“terra” - masculino) e Nut (“céu” - feminino). Na geração seguinte, Geb e Nut dão origem a dois filhos e duas filhas, e o número crescente de irmãos inevitavelmente conduz ao conflito [...] (SHAFER, 2002, p. 113).

Em outra fonte e também passagens sagradas a criação já não acompanha esta origem de um elemento primordial se decompondo, mas a criação ex-nihilo, por mera vocalização dos nomes. Desta vez é o deus Ptah de Mênfis quem vocaliza e a partir deste verbo a criação se inicia gerando a Atum, também ligado a Nun e Naunet (SHAFER, 2002). Essas mudanças dos conteúdos cosmogônico muitas vezes decorrem na exterioridade de uma igual mudança da composição política ou das relações sociais destes povos. Algo parecido também ocorreu na Grécia antiga com os mitos de criação. Nas suas primeiras versões, de Pelasgo e também a descrita por Homero e pelos órficos, a criação obedece a uma descendência direta das deusas, não sofrendo ainda um domínio total do patriarcado (GRAVES, 2018, p. 50). No primeiro caso foi a deusa Eurínome e no segundo Tétis. “No início, Eurínome, a Deusa de Todas as Coisas, ergueu-se nua do Caos, mas, não encontrando nenhum lugar firme onde pudesse descansar os pés, separou o mar do céu, dançando sozinha sobre as ondas” (GRAVES, 2018, p. 43). Já na narrativa homérica, “conta-se que todos os deuses e todas as criaturas vivas originaram-se da torrente com que Oceano cerca o mundo, e que Tétis foi a mãe de todos os filhos dele” (GRAVES, 2018, p. 48). Já no caso da versão da criação olímpica, embora seja também a deusa (Gaia) quem emerge do Caos adormecida, é o deus Urano - seu consorte - quem irá fecundar a terra (Gaia), dando origem a todos os demais deuses e elementos naturais. Em todos os casos, porém, mantém-se a estrutura de uma totalidade inicial e difusa, ora descrita como caos e ora como a “potestade” Oceano, que circunda o mundo ou universo.

No início de todas as coisas, a Mãe Terra (Gaia) emergiu do Caos e pariu seu filho Urano (Céu) enquanto dormia. Fitando-a com carinho a partir das montanhas, ele fez cair uma chuva fértil sobre suas fendas secretas, e ela pariu grama, flores e árvores, com todos os animais e pássaros característicos. Essa mesma chuva fez os rios fluírem, preenchendo os lugares côncavos com água, formando, assim, os lagos e mares (GRAVES, 2018, p. 50).

Como característica destas narrativas míticas temos não apenas a unidade como ponto inicial da criação, mas também a totalidade como alvo da explicação cosmogônica. A estrutura mítica parte do Uno e almeja a explicação total demonstrando de onde derivou-se todos os particulares que parecem se opor ao Uno. Este início gnosiológico não visa apenas um ou outro aspecto do real, mas sua integralidade. E, no caso do animismo, este o faz reduzindo tudo a um (anima). Segundo Mondolfo, essa estrutura mítica nos vários povos e culturas pavimenta a estrada na qual a filosofia iria passar, antepondo em discussão conceitos caros ao início da filosofia, como a unidade originária ou substância partilhada e universal das coisas. Em sequência, entre os aspectos que denotam essa linha de continuidade entre as narrativas míticas e a filosofia, estão:

1) A ideia da unidade universal, afirmada entre egípcios e mesopotâmicos sob a forma de unidade divina, em vagas formas de panteísmo (“o Deus dos inumeráveis nomes, que cria os próprios membros, que são os Deuses”; “o Uno, único, pai dos pais, mãe das mães”; “soma das existências e dos seres”, de que surge todo devir, que logo reflui a ele. 2) a Cosmogonia concebida, nas suas várias exposições, como passagem da unidade caótica indistinta primordial à distinção dos seres, como passagem do caos (caos aquoso: Tiamat, em Babilônia, Nun, no Egito) e das trevas à ordem e à luz (com Marduk, na Babilônia, Ra ou Rie, no Egito); 3) as diferentes explicações dadas ao processo cosmogônico, quer pela potência intrínseca do mesmo princípio originário (como na Babilônia Tiamat “mãe da totalidade, criadora de todas as coisas”), quer pela intervenção de um espírito sobre a matéria que contém os germes de todos os seres (como Aton Ra, o espírito que sobrenada as águas de Nun, na cosmogonia egípcia de Heliópolis) (MONDOLFO, 1971, p. 10).

A totalidade e unidade na filosofia antiga

Como podemos ver, há de fato um aspecto em comum na estrutura mítica e na filosófica. Nesta primeira, a explicação recaí sobre o sobrenatural, pois reduz o ser seja à alma seja aos deuses. “Para Homero e para Hesíodo, que constituem o ponto de referência das crenças próprias da religião pública, pode-se dizer que tudo é divino, porque tudo o que ocorre é explicado em função da intervenção dos deuses” (REALE e ANTISERI, 2014, p. 17). Este elemento de unidade será superado pelas primeiras especulações cosmológicas que já não apelarão aos mitos, fazendo jus à exortação aristotélica de que qualquer filosofia que recorra aos deuses não é digna deste nome.

Outra característica do epos homérico é a de procurar apresentar a realidade em sua inteireza, ainda que de forma mítica: deuses e homens, céu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor, a totalidade dos valores que regem a vida do homem (basta pensar, por exemplo, no escudo de Aquiles que, emblematicamente, representava “todas as coisas”). Escreve W. Jaeger: “A realidade apresentada em sua totalidade: o pensamento filosófico a apresenta em forma racional, ao passo que a épica a apresenta em forma mítica. O tema clássico da filosofia grega - qual é a ‘posição do homem no universo’ - também está presente em Homero a cada momento” (REALE e ANTISERI, 2014, p. 15).

E embora haja uma ruptura entre o pensamento filosófico em relação ao pensamento mítico, sendo o primeiro de natureza distinta e agora balizado por método e sistematicidade cada vez mais lógica e conceitual, há uma continuidade entre estes, pois o objeto e o escopo da filosofia ainda é a totalidade. “Inicialmente, a totalidade do real era vista como physis (natureza) e como cosmos. Assim, o problema filosófico por excelência era a questão cosmológica (REALE e ANTISERI, 2014, p. 24). Esta mesma característica encontraremos em muitas variações das explicações filosóficas. Principalmente no início da filosofia grega, conhecida como período fisicalista ou pré-socrático.

Quando em seu início Tales proclama que tudo é constituído pelo úmido6 ou quando Anaximandro e Anaxímenes, respectivamente, sugerem que tudo seja composto pelo ápeiron ou pela pneuma; quando Heráclito afirma panta rei! E que, devido a isso, tudo seria constituído por um fogo que produzia a dinâmica incessante de tudo; quando Pitágoras e os pitagóricos afirmam que tudo é número e que este é uma entidade física e constitutiva da existência; quando Anaxágoras enfim chega à conclusão de que todas as coisas são compostas por todas as coisas, ainda que estas sejam uma única coisa primordial - as homeomerias - o que o início da filosofia em geral propõe é que tudo é redutível a uma unidade, um elemento primordial (Arché) que constitui e informa todas as demais coisas variáveis e manifestas nos entes; quando enfim ela assim procede, por outros caminhos e métodos, afirma a mesma unidade primordial que o animismo também o fazia. Nesta crença, a alma perfazia a função da Arché pré-socrática. E embora a filosofia tenha deixado de lado a preocupação originária de buscar o elemento primordial ou constituinte de todas as coisas como essências imutáveis, ela mantém-se fiel, ao longo de toda sua tortuosa trajetória, em explicar a totalidade do ser. Há, por certo, divisões que darão origem às ciências particulares e há tematizações epistemológicas distintas que se preocupam muito mais com o ato, capacidade ou processo de conhecimento do que com a explicação total ao longo de sua história. Mas esta preocupação originária, ainda que abandone esta posição ingênua e reducionista da busca pela Arché, será sua marca distintiva que a separa claramente das ciências particulares, ainda que tenha nestas uma fonte consistente para suas reflexões.

No que se refere ao conteúdo, a filosofia pretende explicar a totalidade das coisas, ou seja, toda a realidade, sem exclusão de partes ou momentos dela. Assim, a filosofia distingue-se das ciências particulares, que assim se chamam exatamente porque se limitam a explicar partes ou setores da realidade, grupos de coisas ou de fenômenos. E a pergunta daquele que foi e é considerado como o primeiro dos filósofos - “Qual é o princípio de todas as coisas?” - já mostra a perfeita consciência desse ponto. Portanto, a filosofia se propõe como objeto a totalidade da realidade e do ser (REALE e ANTISERI, 2014, p. 21).

Esta acima uma visão muito comum dos historiadores da filosofia, ainda que aqui se constate uma certa tendência de leitura ou releitura do significado não material da palavra grega Physis. Por certo, seu significado alhures cumpria o designo de origem. Mas esgotá-lo aí seria negar o inequívoco vínculo desta origem com o elemento sensível que cumpria, ainda que obscuramente, a função demiúrgica. O elemento água de Tales ou pneuma de Anaxímenes por certo não é mais de natureza representativa, mas conceitual. Todavia, advinda de igual modo do objeto corpóreo material. A maneira como o pensamento aí se apropria da coisidade é inédita e marca de modo distintivo o pensar filosófico. Não está preso à pura determinação particular das formas representativas. Mas não se trata também de um universal meramente abstrato, característica amplamente negada pela ousía aristotélica. E esta seria uma chave para se alvejar a universalidade imanente à estrutura ontológica como em toda tradição materialista que desembocará na ciência moderna. Apreende o elemento na universalidade conceitual (a estrutura ontológica transposta para o plano gnosiológico) e só por isso, pensamos, aspira à função de Arché. E por isso é inequivocamente um conceito referente a um sensível que em sua origem (Physis) tangencia o não ser próprio da indeterminação, tal é seu poder conceitual (portanto não mais confinado à determinação pura e simples) de mover-se (causar) no sentido da determinação exterior e da pluralidade. E o faz porque é entendido não mais como elemento isolado, mas relacional7. Daí sua função demiúrgica. É, portanto, ente material paradoxal que guarda em si a contradição de ser imanência e transcendência a um só tempo. E aí se manifesta o caráter transitório da filosofia enquanto ruptura e continuidade com o pensamento mítico. O lógos luta nesse processo por desvencilhar-se do Mithós, ainda que ocasionalmente o manifeste enquanto forma ou conteúdo, ou ambos. As referências nos diálogos platônicos ilustram bem esta tensão. E a oposição dos filósofos iniciais entre si a respeito da religião também demonstram como essa transição é por vezes obscura.

Reale e Jaeger, que negam de forma mais ou menos explícita este inequívoco materialismo físico pré-socrático são obrigados a trair suas teses ao reconhecer que até mesmo o aparentemente insuspeito número pitagórico não é outra coisa para estes que não um elemento sensível e material e não mera representação quantitativa. Sua descrição leva a crer que estamos mesmo defronte a um elemento físico já em sua origem.

Considerando a concepção arcaica aritmético-geométrica do número de que falamos, não será difícil compreender como os pitagóricos puderam deduzir as coisas e o mundo físico do número. Com efeito, os números eram concebidos como pontos, ou seja, como massas, e consequentemente eram concebidos como sólidos - assim, era óbvia a passagem do número para as coisas físicas (REALE e ANTISERI, 2014, p. 44).

Em tom semelhante, embora procurando corrigir a interpretação de Aristóteles na Metafísica8, Jaeger faz uma consideração sobre a qualidade do número, e ainda que lhe negue a sua dimensão física (senão como representação), revela que sua posição diante desta imaterialidade não é unânime - contrariando indevidamente, a nosso juízo, Aristóteles.

A doutrina pitagórica nada tem a ver com a ciência matemática natural, no sentido atual. Os números têm nela um significado muito mais vasto. Não significam a redução dos fenômenos naturais a relações quantitativas e calculáveis. A diversidade dos números representa a essência qualitativa de coisas completamente heterogêneas: o céu, o casamento, a justiça, o kairos, etc. Por outro lado, quando Aristóteles nos diz que os pitagóricos faziam consistir as coisas em números, no sentido de matéria, refere-se indiscutivelmente a uma materialização indevida desta identificação abstrata do número com o ser (JAEGER, 2010, p. 205).

Esta querela se torna relevante por demonstrar que a busca da unidade e da totalidade, ainda que se incline pelo misticismo de princípio, se aproxima paulatinamente de uma versão racional e natural (no sentido mesmo material) neste período físico ou pré-socrático e, portanto, se afasta - relutantemente para alguns - do fundamento sobrenatural e demiúrgico-intencional, ambos características precípuas do pensamento mítico ou animista vistos acima. Assim, o essencial desta mudança é tanto a forma quanto o conteúdo da explicação que, neste caso, já não é mais cosmogônica, mas cosmológica. E não é mais lastreada na representação, mas no conceito do elemento originário. Como o próprio Aristóteles explica no seu livro Metafísica, os primeiros filósofos se dividem quanto à sua cosmologia, ora explicando a origem como unidade e ora como pluralidade, mas em qualquer caso “como julgando de natureza material”, introduzindo como complemento o problema do movimento.

Com base nas considerações que acabamos de fazer e na avaliação desses pensadores que já debateram essa questão, obtivemos as seguintes informações. Dos primeiros filósofos, aprendemos que o primeiro princípio é corpóreo (considerando-se que a água, o fogo e similares são corpos); alguns o conceberam como único, enquanto outros como múltiplo, mas uns e outros os julgando de natureza material. Outros supõem adicionalmente a essa causa, a fonte do movimento, que alguns sustentam ser uma, enquanto outros afirmam serem duas (ARISTÓTELES, 2016, p. 56).

E como a busca da origem não era o único problema filosófico à época - de fato, sua resolução engendrou novos e mais profundos problemas - os filósofos logo se depararam com o aparente paradoxo do movimento. Sabemos que a escola eleática, representada por Parmênides e seguidores, se dedicou arduamente a negar a existência ou a efetividade da mudança, enquanto Heráclito afirmava não só a efetividade da mudança, mas supunha ser ela (no conceito de fogo) o elemento constituidor de todas as coisas. Porém, o movimento era de fato um problema em relação ao conhecimento. Os pré-socráticos o sabiam em sua maioria que conhecer algo pressupõe uma identidade do objeto consigo mesmo, pois do contrário qualquer mudança implicaria na parcialidade ou inutilidade do conhecimento. Como saber de algo que já não é? Por isso o ser deveria guardar coerência consigo e manter sua identidade, o que leva inexoravelmente à ideia de imutabilidade e eternidade do ser. Conhecer deveria ser compreendido como ato de captar esta identidade. Se há mudança, ela se altera. E o conhecimento passado negaria o presente da existência porque o captado já seria não ser. E de fato isso não é um mero sofisma semântico. Mesmo hoje, a crítica relativista que se faz à ciência ou à sua história, quando absolutiza a efemeridade do conhecimento e do saber, refunda o mesmo problema filosófico. Se nada guarda identidade consigo ao longo do tempo, todo saber parece ser histórico e datado, tendo uma validade muito limitada no tempo. Quando se absolutizam as “revoluções científicas” - como chamaria (KUHN, 1998) - no sentido de uma completa ruptura com as escolas ou saberes anteriores, a ideia de crise dos paradigmas parece mesmo colocar em cheque a validade científica a longo prazo. À época, afirmar o devir transformador parecia sustentar a negação da existência e a inadequação do saber. Portanto, buscar uma identidade inalterável do ser consigo mesmo parecia a saída plausível. E assim o foi para Parmênides e seus seguidores.

Foi Aristóteles quem formulou uma saída brilhante deste aparente paradoxo, mas até então tivemos na história da filosofia duas buscas de resoluções que propunham uma síntese entre movimento e conhecimento como processos compatíveis. Um deles se deu de forma materialista, representado pelo pensamento atomista de Leucipo e Demócrito. O outro, de forma idealista, teve Platão como seu fundador. Neste primeiro caso, o pensamento atomista compreendia que a mudança seria de fato constitutiva do ser e a natureza seria composta de combinações infindáveis que dariam origem aos diferentes particulares. Mas isso não necessariamente contrariava a imutabilidade essencial, pois os corpos eram constituídos, como sabemos, pelos elementos indivisíveis da matéria9, estes sim eternos e imutáveis. Então, mesmo na mudança, a essência imutável estaria preservada. Os corpos compostos mudam e são recombinados ao longo do tempo, mas haveria uma identidade essencial em seus componentes, permitindo aliar a um só tempo Parmênides e Heráclito. Tal pensamento derivava da longa trajetória pré-socrática que durante toda a sucessão de teses pode abrir caminho para o entendimento atomista. A ideia de que as coisas derivam de um ou alguns elementos é refinada na ideia de homeomeria de Anaxágoras, que antecipava a tese de partículas com qualidades e formas geométricas distintas compondo os corpos. Daí ao átomo foi um pequeno salto.

Já a resolução idealista de Platão foi mais elaborada, ainda que não necessariamente mais real. Todavia, ganhava em complexidade. Como sabemos, a grande “tese” platônica era a de que o mundo sensível, no qual habitamos e no qual nos defrontamos com os corpos, não é um mundo essencial. Ou seja, a existência material seria uma espécie de simulacro no qual reverbera apenas de forma imperfeita (e mutável) o ser, cuja essência é dada pela forma (eidos). A própria prática manifestaria essa essência universal na comunicação diária, na qual há uma apreensão universal de um dado objeto mesmo diante de sua pluralidade de determinações possíveis. Então, por detrás desta universalidade oculta da definição a essência das coisas só poderia sê-la enquanto garantindo sua identidade consigo mesma.

As ideias, portanto, são a resposta platônica à pergunta sobre como se pode esclarecer conceitos universais (universais) não apreensíveis empiricamente. Segundo Platão, as ideias são o fundamento pelo qual os fenômenos são assim como são (Euthyphr. 6d). [...] Quem quiser construir uma mesa, tem de voltar o “olho espiritual” de sua alma, retirando-o da multiplicidade das formas de aparição, para a ideia, que é sempre igual a si mesma e possui uma única forma (ERLER, 2013, p. 223).

Daí supor que houvesse um mundo superior e mais real, no qual estas formas vigeriam, e ainda que neste ponto receba uma inusitada interpretação contrária do neokantiano Paul Natorp10, tal era o mundo inteligível no qual a essência era imutável, existindo o sensível apenas na sua forma corruptível por participação nas formas. Enquanto aquele mundo seria o reino corruptível do sensível, cujas determinações o condenariam à pluralidade e imperfeição, este inteligível guardaria coerência e identidade, atributo da universalidade das definições pela forma. Portanto, a resolução de Platão também parece ter conciliado Parmênides e Heráclito11, pois ainda que reconheça o caráter mutável do sensível e da natureza, a ideia (ou forma) - essência de todas as coisas - expressaria a imutabilidade do ser.

Até aqui, a busca filosófica continua sendo o elemento ou elementos constitutivos da totalidade, como essências universais que pudessem explicar a constituição de todas as coisas. Com Aristóteles, essa preocupação se expressou na causa material, uma das quatro das quais ele elaborou para explicar a constituição do ser e do devir. Toda a filosofia até Platão teria se focado basicamente na causa material. Sua - de Aristóteles - preocupação, contudo, parecia ser superlativa. E a resolução aristotélica a este aparente paradoxo nos parece mais ousada, pois nem precisou buscar a transcendência da essência e nem deixar a causa do movimento e da transformação sem uma base consistente, como fizeram Demócrito e Epicuro. A enteléquia aristotélica conciliava o movimento e a identidade no mesmo mundo sensível, sem ter que recorrer, como Platão o fez, a um mundo imaginário. A transformação e mudança de todas as coisas dependiam do processo de atualização compreendida pela passagem da potência ao ato. Mas esta mudança não contradiria a essência porque justamente ao mudar, as coisas não negam, mas afirmam sua essência. Esta passagem não é mudança de essência, mas a realização desta, pois esta já estaria disposta na forma de potência, in nuce. Mesmo na mudança o ser guardaria identidade consigo mesmo. Entretanto, restava o problema da universalidade. E se de fato Aristóteles rompe com seu antigo mestre no que tange à sua doutrina do mundo inteligível, que negava o conhecimento a partir do sensível, o acompanha na tese de que o verdadeiro conhecimento se encontra radicado no universal. Por isso Aristóteles precisava, ainda que aceitando partir do sensível, elevar-se ao universal, (potência gnosiológica evidenciada pelo silogismo), amparado por sua classificação que separava a existência em espécies e gêneros. “A substância aristotélica não é um universal abstrato, ao contrário do gênero que indica o pertencimento da espécie” (REALE, 2012, p. 66-8). Neste caso, os universais deveriam se manifestar neste último tipo e nele estar radicado, enquanto a ideia de totalidade estaria disposta como movimento fundado na causa primeira ou primeiro motor, ainda que existissem outros motores que teriam certa independência com relação à causa primeira. E por isso não podemos afirmar ser um filósofo que reduziu tudo a um, ainda que este seja o conteúdo da sua “tese”.

Devido a este reconhecimento, Aristóteles sabia que o conhecimento não precisava nem negar a mudança e nem negar a realidade da matéria ou sua expressão sensível. Apenas reconhece que o conhecimento das formas particulares do ser não permite atingirmos o nível gnosiológico mais profundo que está sediado na posse dos universais. As intuições participavam da construção do conhecimento, mas não atingiam seu fim último. Portanto, já neste período, com este pensador, temos a afirmação da separação da atividade científica.

[...] se não há uma substância além das que são naturalmente compostas, a física será a ciência primeira; mas se há uma substância que não está sujeita ao movimento, a ciência que estuda essa substância será anterior à física e será a filosofia primeira, e, neste sentido, universal, porque é primeira. E caberá a essa ciência investigar o ser enquanto ser - tanto o que é quanto os atributos que lhe pertencem enquanto ser (ARISTÓTELES, 2016, p. 173).

Embora não houvesse ciência no sentido moderno, sabia que o processo gnosiológico exigia uma dedicação mais ou menos especializada por parte dos filósofos. Haveria aqueles que se dedicariam mais à filosofia da natureza enquanto outros se dedicariam mais ao campo estético, ético, geometria ou mesmo à metafísica, esta última sendo a atividade filosófica dedicada ao ser enquanto ser, ou seja, ao ser independente de suas determinações particulares e, portanto, dedicada ao universal. Neste ponto, concordante com Hegel, para quem “[...] é princípio da verdadeira filosofia conter em si todos os outros princípios particulares” (HEGEL, 2005, p. 55). Mutatis mutandis, poderíamos sugerir que Aristóteles aqui já aproxima a tarefa da filosofia em estabelecer-se neste terreno da universalidade enquanto elemento metodológico que possibilita a busca de uma totalidade. Enquanto as ciências particulares se dedicam ao estudo e reunião dos conhecimentos particulares, a filosofia (embora ele restrinja esta tarefa apenas à filosofia primeira dos universais ou metafísica - também compreendida ora como teologia ora como ontologia) poderia de forma menos experimental se dedicar ao conhecimento primordial destas essências.

Das qualidades descritas, o conhecimento de todas as coisas tem, necessariamente, que pertencer àquele que, no mais elevado grau, possui conhecimento do universal, porque ele conhece, num certo sentido, todos os particulares compreendidos no universal. Estas coisas, quais sejam, as mais universais, são talvez as de mais difícil apreensão para o ser humano, porque são as mais distanciadas dos sentidos12 (ARISTÓTELES, 2016, p. 45).

Aqui Aristóteles deixa muito clara sua posição sobre a distinção entre saber universal e saber dos particulares, assim como da característica daquela atividade que pleiteia buscar a totalidade (“todas as coisas”). Caberia ao metafísico, ou seja, ao filósofo que se dedica à ciência primeira ou ao ser enquanto ser fazer o estudo das essências, tendo como escopo a totalidade ou, o que dá no mesmo, buscar o ser não nas suas determinações plurais, mas ascender ao gênero e, deste, à totalidade. Ao que parece, o que pretende não é mais, como outros, reduzir o real a uma unidade ou causa, ainda que disso se aproxime com sua descrição sobre as causas do movimento e causa final. É o que diz Reale quando expressa que “[...] a metafísica aristotélica não é voltada, como sua sucessora, para a reductio ad unum a qualquer preço, mas para a distinção dos vários aspectos da realidade”. (REALE, 2012, p. 66). Ainda assim, para este filósofo, justamente porque o movimento é contemplado de forma imanente, o real seria um todo repleto de entes em devir. Nota-se também que Aristóteles fala da totalidade enquanto objeto gnosiológico a que se pretende abarcar. Não é ainda a totalidade enquanto categoria epistemológica, que podemos tributar à dialética do século XIX, ou seja, a totalidade enquanto chave explicativa do real, na qual esta categoria entra no processo lógico como liame estrutural causal, que produz ou altera o significado, função ou determinação das coisas nesta interação dialética entre todo e parte. E podemos dizer que “sem a compreensão de que a realidade é totalidade concreta - que se transforma em estrutura significativa para cada fato ou conjunto de fatos - o conhecimento da realidade concreta não passa de mística, ou a coisa incognoscível em si” (KOSIK, 2011, p. 44)13. Do mesmo modo, Hegel postulava que “um conteúdo só tem sua justificação como momento do todo; mas, fora dele, [só] tem uma hipótese não fundada e uma certeza subjetiva” (HEGEL, 2005, p. 55).

A filosofia como ciência do universal e a totalidade dialética

Mas para se entender plenamente esta posição aristotélica sem cairmos em um retorno místico, precisamos interpretar que este universal entendido como distante dos sentidos não necessariamente implica algo sobrenatural ou transcendente14. Se o fizéssemos assim, estaríamos retroagindo a uma forma apenas mais sofisticada de animismo ou misticismo. Muitos acusam Hegel e sua posição dúbia de exatamente assim proceder. Todavia, precisamos entender que de fato a ideia de totalidade reduzida ao entendimento de conjunto das partes tem um profundo sentido positivista irreal. E isso porque esta tese positivista tem a limitação de não ver o caráter inconciliável e até antitético da reunião de saberes positivos que ignoram não apenas a discussão epistemológica, mas também o complexo de contradições de níveis interativos. Nunca é demais lembrar que a realidade é síntese de múltiplas e contraditórias determinações. Há miríades de exemplos na ciência sobre isso. No campo lógico-matemático ainda chama atenção os teoremas de Richard ou de Gödel. Na física contemporaneamente aliar a força forte e a força fraca ainda parece ser um destes problemas insolúveis. Segundo consta, Einstein teria dedicado a maior parte de sua vida após a fama tentando resolver sem sucesso esse problema. Hoje, pelo conhecimento das teorias da complexidade e dos sistemas autopoiéticos, sabemos o quão árdua é a tarefa daqueles que se dedicam ao estudo do real enquanto síntese relacional, na qual os sistemas e suas partes interagem de tal modo que a mera analítica e reconstituição positiva de partes não são metodologicamente capazes de esgotar sua compreensão integral. E isso se refere - antes mesmo de Edgar Morin (MORIN, 2016) e (MORIN, 2015) - à discussão da dialética. Mas isso não nos conduz inevitavelmente, ao contrário do que muitos alardeiam, à crise da ciência ou dos paradigmas. Estamos apenas diante das conquistas de nossas faculdades cognitivas e na penumbra da fronteira gnosiológica de nosso tempo. O desafio da ciência sempre foi o horizonte a ser vencido. Então, quando estamos diante de um saber positivo ainda pouco profundo ou amadurecido, a tarefa de conciliação e unificação parece num primeiro momento insustentável e impossível. Principalmente se aceitamos de forma equivocada que real é igual ao conjunto dos fenômenos. Kosik assim expõe essa visão e se contrapõe a ela de forma didática, ao dizer que segundo a visão positivista

[...] a realidade é entendida como o conjunto de todos os fatos. [E] como o conhecimento humano não pode jamais, por princípio, abranger todos os fatos - pois sempre é possível acrescentar fatos e aspectos ulteriores - a tese da concreticidade ou da totalidade é considerada uma mística. Na realidade, totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido. Acumular todos os fatos não significa ainda conhecer a realidade; e todos os fatos (reunidos em seu conjunto) não constituem, ainda, a totalidade. Os fatos são conhecimento da realidade se são compreendidos como fatos de um todo dialético [isto é] [...] se são entendidos como partes estruturais do todo (KOSIK, 2011, p. 43-4).

Será preciso estar de posse da estrutura dos eventos e fenômenos, que nem sempre estão já dispostos como produtos dos saberes positivos - uma vez que são produtos mesmo da totalidade constituída - para podermos almejar a totalidade efetiva. O outro pressuposto desta visão ingênua é que a totalidade das partes só poderia ser de fato concluída, como diz Kosik, se tivéssemos de posse de todas as partes. E Pode-se até argumentar que embora isso pareça impossível, tal limite é contornável com o princípio da generalização, muito empregada na atividade científica, mas já aí não seria matéria tanto dos métodos empíricos, e sim dos racionais.

Desde a crítica baconiana ao sistema aristotélico e toda a escolástica, não é mais pertinente e factível sustentar sua visão física ou defender a realidade de essências - Ao menos no sentido metafísico deste conceito. E isso porque desde Bacon, Newton e Galileu pudemos compreender que este “mundo das essências” era uma criação que expressava a debilidade do pensamento ainda incipiente, tanto quanto Kant manifestou ser a metafísica uma atividade inócua e infrutífera, por seu objeto estar além de nossos juízos (KANT, 2001). As qualidades e também os eventos poderiam ser compreendidos e sua causalidade apreendida mesmo através de experimentos sistemáticos que indicavam a quantificação do mundo capaz de compreender constantes físicas e propriedades da matéria que distam e muito de causas teleológicas de Aristóteles. Para este pensador, uma pedra atirada para cima voltava para a terra porque este era o centro do universo e o destino e local natural das coisas “pesadas”, como terra e água, enquanto o céu era o destino das coisas leves, como ar e fogo. A força gravitacional como propriedade de toda matéria, embora possa ter sido compreendida de modo especulativo, foi verificada e posteriormente mensurada matematicamente até se calcular sua constante. Os eventos medidos podem variar, mas a constante universal foi extraída a partir deles e são, de certa forma, universais naquele mesmo sentido. Aristóteles avançou muito quando sugeriu quatro causas para a existência, embora hoje saibamos haver uma complexidade causal e um número maior de constantes físicas que Aristóteles não poderia sequer sonhar em sua época.

Mas tomado o significado de essência como estrutura causal de fenômenos e eventos, podemos então entender que por detrás dos fenômenos existe essa teia de determinações e por isso cabe ao pensamento científico e filosófico perscrutar sobre estas causas e determinações. Como universo autopoiético, não podemos sonhar com a redutibilidade a uma única causa ou uma única estrutura substancial. Ao contrário, nesses processos que são em essência dialéticos, o que é produto se torna causa que incide sobre si mesmo. O chamado Big Bang pode ter dado origem primeiramente aos átomos de hidrogênio e, posteriormente, a outros gases, mas não é verdade que o hidrogênio seja a quintessência de tudo e é graças às estrelas que temos a origem de outros elementos no universo, tendo aí outras variáveis causais, como pressão e temperatura resultando em fusão atômica. Poderemos reduzir tudo a esta grande explosão sem perder a complexidade das estruturas causais formadas durante todo o processo? A resposta é não. E mesmo neste caso, ainda que consideremos um conjunto limitado de causas ou “essências”, é pertinente postular que podemos conhecer a realidade em níveis cada vez mais profundos, ainda que este processo de aquisição não seja linear e ausente de alguns retrocessos. E é possível também pensar ser factível que uma área do conhecimento possa se dedicar com maior grau de aproximação da reunião destas “essências” enquanto outras mais especializadas se aprofundam ao invés de se estender. O pensamento filosófico em menor ou maior medida sempre se propôs a isso. É o que vemos nos pré-socráticos e vemos em Platão.

O conceito platônico de filosofia é propriamente totalizante, isso porque a filosofia se esforça por alcançar um conhecimento da totalidade do âmbito da realidade (Rep. 511b-d. 534c; Parm. 136e) e porque todas as coisas são aparentadas umas com as outras (Men. 81c-d; Symp. 202e). Por isso, torna-se difícil haurir separadamente da concepção platônica de filosofia disciplinas filosóficas parciais como lógica, física, ética (ERLER, 2013, p. 97).

E conclusão similar também teve Aristóteles ao expor sua concepção de filósofo nestas duas passagens de sua obra Metafísica:

É óbvio que a investigação desses axiomas também cabe a uma única ciência, nomeadamente a ciência do filósofo, já que se aplicam a todas as coisas existentes, e não a uma classe particular separada e distinta das outras (ARISTÓTELES, 2016, p. 110).

Ou então:

Assim, fica claro que diz respeito a uma ciência fornecer uma explicação tanto desses conceitos quanto da substância (sendo esta uma das questões suscitadas nas dificuldades), e cabe ao filósofo ser capaz de investigar todos os assuntos (ARISTÓTELES, 2016, p. 108).

Sobre o conceito de filosofia enquanto uma ciência do universal, Hegel, para quem a ideia absoluta é a expressão máxima da universalidade enquanto conceito, vai além e parece atribuir mesmo à natureza do pensamento e do próprio ser humano esta tendência inevitável de ascendência ao universal e à unidade do todo. Há aqui uma concepção alternativa e menos patológica, mas próxima a de Freud sobre esta tendência. O pensamento humano, por ser pensamento lógico, teria a faculdade de transcender as formas sensíveis do imediato e reconstituí-los na forma de gêneros e de universais. O pensar por conjunção é uma inerência humana e já se revela na própria ideia de “eu”, expressão máxima deste universal cujo conteúdo pode abranger o conjunto de intuições, representações e conceitos. Nesta concepção, vemos que

O homem é pensante e é [um] universal; porém só é pensante enquanto o universal é para ele. O animal também é em si [um] universal, mas o universal não é, enquanto tal, para ele, mas [para ele] é o singular, somente e sempre. O animal vê algo singular; por exemplo, seu alimento, um homem etc. No entanto, tudo isso para ele é apenas algo singular. Igualmente a impressão sensível sempre só lida com o singular (esta dor este sabor gostoso etc.). A natureza não traz por si o “nous” à consciência; só o homem se duplica de modo a ser o universal para o universal (HEGEL, 2005, p. 79).

Portanto, não é sem propósito que tal faculdade para este pensador nos leve à ciência do universal (filosofia). E embora ao longo da história da filosofia Hegel também reconheça que o pensamento se lançou ao objetivo de conhecer a própria capacidade de conhecimento, ou seja, inquirir sobre a sua real potência de conhecer, fundando assim a filosofia do conhecimento na qual o sujeito se debruçou sobre si mesmo, ela resguardou esse legado de ir além do conhecimento imediato e do conhecimento empírico ou particular. Aliás, segundo ele mesmo, o próprio processo de constituição das ciências particulares nos leva ao conhecimento do universal e prepara o terreno de atuação da filosofia, como já dissemos anteriormente.

As ciências empíricas, de um lado, não ficam no perceber das singularidades do fenômeno; mas, pensando, elas elaboram o material para a filosofia, enquanto descobrem as determinações universais, os gêneros e as leis; preparam assim aquele primeiro conteúdo do particular para que possa ser acolhido pela filosofia. Incluem com isso, de outra parte, para o pensar a premência de progredir, ele mesmo, até a essas determinações concretas (HEGEL, 2005, p. 53)

Que esta tarefa de reunião do conhecimento particular seja executado com maior acurácia por equipes multidisciplinares ou por profissionais mais generalistas com capacidades interdisciplinares ou transdisciplinares não muda o fato de que é mister a tarefa de preparação de pessoas neste sentido mesmo filosófico que vá além da formação de peritos na história da filosofia e se dediquem à apropriação das ciências particulares para pensarem a reunião deste saber. Pois desse modo os filósofos estiveram certos mesmo quando cometiam os mais grosseiros e pueris erros.

A busca do permanente e comum está associada a uma segunda convicção fundamental: que todo o universo se reduz, em última análise, a um ou poucos elementos. Esta convicção constitui outros dos pilares sobre os quais assenta a investigação racional acerca do Universo. Sem esta convicção, a ciência é igualmente impossível.

É esta perspectiva que permite compreender a originalidade e a transcendência histórica da interrogação dos filósofos gregos acerca da arché ou princípio último real. Com efeito, a partir desta perspectiva é possível compreender que a própria interrogação da arché ou princípio é muito mais importante do que as variadas respostas que os filósofos gregos foram sucessivamente tentando (NAVARRO CORDÓN e MARTÍNEZ, 2016, p. 31 - grifo do autor).

Todavia, sabemos que isso contraria a lógica da formação numa sociedade cujo princípio de sociabilidade está calcado na lógica de mercado e nos interesses mais imediatos para a reprodução de capital. Muitas das grandes descobertas são feitas, como não poderia ser diferente, a partir de divisões e especializações da atividade científica. O quão perniciosa é esta divisão para a fragmentação de uma “visão de mundo” é de fato uma questão relevante. E saber se há uma superação factível para isso é também uma questão aberta de nosso tempo. A discussão interdisciplinar bem sabe tudo isso e, quando não é movida cegamente e marcada por ingenuidades, sabe o quão distante a superação parece estar de nós no momento, podendo apenas contornar parcialmente o problema com suas “equipes” e com a reunião de “olhares”15. O que em si já é um monumental problema metodológico.

Do mesmo modo, sabemos que as divisões de saberes, se o são patologias como quer Japiassu16, também estreitam vínculos com a grande divisão social do trabalho, opondo trabalho intelectual e manual. Querer alterar a primeira divisão sem alterar esta segunda nos parece reintroduzir pela porta da frente o que se pretendeu dispensar pela porta dos fundos. Há inegáveis óbices metodológicos e sociais para isso. E isso incide inexoravelmente sobre nossa capacidade de pensar o todo.

O trabalho se dividiu em milhares de operações independentes e cada operação tem seu próprio operador, seu próprio órgão executivo, tanto na produção como nas correspondentes operações burocráticas. O manipulador não tem diante dos olhos a obra inteira, mas apenas uma parte da obra, abstratamente removida do todo, parte que não permite a visão da obra no seu conjunto. O todo se manifesta ao manipulador como algo já feito; a gênese para ele existe apenas nos particulares, que por si mesmos são irracionais (KOSIK, 2011, p. 74).

Como superar a fragmentação gnosiológica sem superar aquele reino material que aí se espelha e que tem como fundamento a praxis fragmentária do cotidiano? Querer superar a divisão parcelar da ciência sem superar a divisão social do trabalho e ao estranhamento que esta enseja nos parece paradoxal e comprometida. O avanço da ciência é dependente do avanço das relações sociais tanto quanto das forças produtivas. A história da ciência nos atesta isso. O salto científico dos grandes impérios, do florescimento dos reinos italianos culminando no renascimento ou mesmo revoluções astronômicas pela invenção do telescópio por Galileu são alguns dos inúmeros exemplos. Devemos ainda lembrar que superações de disciplinas por fusões, diálogos ou mesmo por objetos que transpassem a elas, não dependem unicamente da vontade ou de uma nova postura epistemológica, mas em alguns casos dependem também destas mudanças nas relações sociais como um todo bem como na descoberta e adoção de novas tecnologias e forças produtivas ou investigativas.

A relação entre a estrutura social e as formas de consciência é seminalmente importante. Isso porque a estrutura social efetivamente dada constitui o quadro e o horizonte gerais nos quais os pensadores particulares, em todos os campos do estudo social e filosófico, estão situados e em relação aos quais têm de definir sua concepção do mundo. Conforme mencionado, os parâmetros metodológicos e ideológicos das épocas históricas particulares, incluindo a era do capital, são firmemente circunscritos pelos limites estruturais últimos de sua força social dominante, em conformidade com o tipo prevalente de atividade produtiva e a correspondente modalidade de distribuição (MÉSZÁROS, 2009, p. 17).

A visão de totalidade inerente ao ser humano e manifesta já nas formas de vida primitivas é testemunho de uma capacidade intuitiva seja ligada a uma suposta natureza e estrutura cognitiva ou seja derivada de uma praxis omnilateral que nos instava constantemente e gritava pela integralidade da vida. Era a visão de sistema na sua forma primitiva derivada desta atividade sócio-orgânica entre a vida humana e a natureza. Então, como resgatar esta visão nos níveis mais elevados exigidos pela cientificidade moderna sem resgatar sua estrutura fundante? Ainda em Kosik, vemos que

Cada objeto percebido, observado ou elaborado pelo homem é parte de um todo, e precisamente este todo não percebido explicitamente é a luz que ilumina e revela o objeto singular, observado em sua singularidade e no seu significado. A consciência humana deve ser, pois, considerada tanto no seu aspecto teórico-predicativo, na forma do conhecimento explícito, justificado, racional e teórico, como também no seu aspecto antepredicativo, totalmente intuitivo (KOSIK, 2011, p. 31).

E é por isso que podemos dizer que esta condição psicológica aliada àquela outra vista em Freud, se de fato existem e operam, e a praxis interativa e integral, nos conduzem de forma inexorável a uma visão de totalidade. E ainda que espontaneamente não resulte numa visão científica e sustentada, mas antes, nas formas do animismo ou na intuição simplificadora do indivíduo comum na praxis utilitária do cotidiano, essa propensão devidamente dotada de instrumentos intelectuais e cultivada pode nos servir aos objetivos originais do que podemos chamar de grande filosofia. Esta mesma condição quando associada a uma educação filosófica dialética nos fornece o entendimento da totalidade enquanto categoria lógica e não apenas como objetivo do processo de conhecimento. A totalidade aqui é o meio e não o fim. E o filósofo aquele que antes de qualquer modismo recente já reconhecia que conhecer a realidade é conhecer em sua totalidade e universalidade para além das formas transitórias.

Conclusão

Tentamos demonstrar neste artigo como uma visão totalizante de mundo nos acompanha desde tempos primitivos e que esta mesma tendência está ligada também à origem da filosofia. A busca de uma visão total e integradora que se vê nos debates das correntes interdisciplinares portanto não é nem exclusiva e nem atual. A melhor tradição da filosofia nunca se afastou deste seu compromisso e hoje tem um grande papel de voltar para sua origem e buscar a reunião dos conteúdos das ciências particulares. Ainda que para tal objetivo precise realizar uma crítica não apenas de sua formação acadêmica, restritiva a tal compromisso, mas também uma crítica das próprias condições de existência e da reprodução social, fundadas que são na divisão do trabalho e na redução dos indivíduos e das suas atividades a meros suportes da lógica do capital.

A filosofia tal como tradicionalmente se colocou, a saber, como ciência do universal, não necessariamente se confunde com a proposta interdisciplinar quando esta se propõe a uma derrubada das fronteiras e ao fim das especialidades. E não o faz porque a filosofia assim entendida não é a dissolução das ciências particulares, mas tem nestas sua condição de existência e ancoragem materialista e objetiva. Não aparece, pois, como negação da ciência, mas como ampliação dos limites dentro dos marcos científicos racionais, ainda que a colisão de métodos seja algo inerente a este processo. Seria então algo tão paradoxal quanto o que alguns grupos interdisciplinares hoje manifestam: fazer do generalista uma nova especialidade.

Por fim, há ainda um paralelo inusitado entre uma narrativa mítica e esse projeto interdisciplinar. Conta-se no mito heliopolitano do antigo Egito que a disputa entre os irmãos Seth e Osíris levou ao assassinato do segundo. Graças a um estratagema, Seth conseguiu aprisionar Osíris que foi jogado ao Nilo e levado por suas águas. Como foi trazido de volta por sua irmã Isis e escondido, Seth novamente o descobre e o esquarteja, espalhando seus pedaços por todo o reino. E novamente suas partes, à exceção de uma, foram reunidas por Ísis que as juntou e ressuscitou seu irmão. A partir disso Osíris reinou na vida post-mortem e ambos copularam e tiveram um filho, Hórus, que jurou vingança ao pai e lutou contra Seth. Ferido em batalha, perde um olho que ficou conhecido como o olho de Hórus ou olho que tudo vê, uma verdadeira antecipação do panóptico foucaultiano. Percorre as terras do Egito voando como um falcão e é considerado o sol que ilumina a tudo.

Lembramos essa passagem porque por vezes a discussão interdisciplinar ganha ares míticos da luta do bem contra o mal, quando não é tida como a estrutura narrativa de uma teodiceia. Por vezes, podemos ver a transposição de uma missão mística no anseio do movimento acadêmico interdisciplinar, que luta contra a fragmentação do saber pela busca de uma recomposição redentora e a reconstrução de uma ciência ampla, não mais míope ou fragmentária, fundando uma nova visão de mundo (em geral, científica, pensa-se), portadora de uma nova luz (um novo sol como Hórus)? Tais paixões ou apelos irracionais se misturam em alguns postulados e autores de modo a eivar a discussão que é não só atual como pertinente. Porém, é preciso separar estas questões e se livrar das propensões de refundação de uma Weltanschauung mística e mistificadora. A origem da filosofia também é marcada por esta mesma tendência, mas como no mito, talvez ela cumpra este papel - deixando de lado a mística - uma vez que nunca o abandonou, de recolher as descobertas particulares e constituí-las em novas sínteses (tal como o fez Ísis) e, com ela, uma nova consciência. Mas esta tarefa, lembramos, não se restringe a uma tarefa puramente gnosiológica, mas igualmente ontológica.

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1Como bem explicita Maurice Godelier, “[...] na sua origem e no seu conteúdo, a religião é representação espontânea e ilusória do mundo, mas representação tal que, pelo seu próprio conteúdo, do seu próprio interior, ela funda e exige uma prática que lhe corresponde” (GODELIER apud CARVALHO, 1981, p. 153).

2Ainda que o termo religião se aplique aqui de forma inadequada segundo a própria classificação feita por Freud, Frazer ou Tylor.

3Embora ainda controverso e já não ligado diretamente ao animismo, tal fato deve explicar muito bem o motivo de rituais e oferendas para aplacar a “fúria dos deuses” (em verdade, dos eventos naturais, uma vez que catástrofes são recorrentes na história). Afinal, na incapacidade de declarar guerra a oponentes tão superiores, sua inteligência prática os conduzia para os acordos de paz. E o que seria melhor do que dar presentes valiosos para conquistar a simpatia e perdão destes oponentes? E embora seja fenômeno universal de tais povos — quiçá até o presente momento em muitas comunidades — o conteúdo é diverso na história e culturas. Para uns, alimentos eram o bem mais precioso, pois mantinham a vida. Para outros, isso significa que a vida era bem ainda mais valioso. Podendo assim ser a vida de escravos ou de filhos e crianças. Ou em outros locais a vida da mulher, uma vez que eram elas que — pensava-se — eram o receptáculo quase espontâneo da vida. E acompanhando a suposta psicologia primitiva, a vida de uma mulher nova, em detrimento de uma idosa, uma vez que sabiam que esta primeira poderia gerar muito mais filhos (vidas) do que as segundas. Logo, a oferenda da virgem não parece ser apenas uma fantasia desmedida e produto de cineastas contemporâneos. Embora fato hoje contestado pelo egiptólogo Bassan El-Shammaa, até séculos recentes o sacrifício anual de uma virgem lançada nas águas do Nilo é bem conhecido e documentado desde o século XIV, ou antes, em Plutarco. Também há fontes importantes que testemunham o sacrifício de crianças e mulheres nativas, e não apenas de prisioneiros de guerra distantes, entre povos pré-colombianos da Meso-América, pelo menos entre os Olmecas e povos Nahuas ou Náuatles, como os Toltecas e Astecas e os Maias. “Ao referir-se ao sacrifício de meninos de sete a oito anos em honra a Tláloc, Pomar [...] diz que, uma vez degolados, ‘... os jogavam em uma caverna [pela] abertura natural que havia numas pedras junto ao ídolo, muito escura e profunda’. Em outras partes os meninos eram enterrados” (GRAULICH e OLIVIER, 2004, p. 130).

4A onipotência do pensamento seria uma neurose com clara vinculação àquele espírito narcísico de uma psique doente. E contemporaneamente podemos especular sobre a relação deste mesmo fenômeno com a postura idealista ingênua, seja na filosofia, seja no universo daquilo que se convencionou chamar de literatura de autoajuda. Característica que se constata na seguinte passagem: “Vemos como se mostra pertinente a mencionada característica da magia estabelecida por Tylor: ‘tomar erradamente um vínculo ideal por um real’, ou, tal como foi expressa por Frazer, com palavras quase iguais: ‘os homens tomavam erradamente a ordem de suas ideias pela ordem da natureza, e por isso imaginavam que o controle que têm, ou parecem ter, sobre seus pensamentos, permitia-lhes exercer um controle correspondente sobre as coisas’” (FREUD, 2013, p. 82). Podemos incluir aqui também algumas tendências do charlatanismo quântico que utiliza da complexidade da física subatômica para construir enredos nos quais a subjetividade parece produzir efeitos sobre a matéria. Tal conclusão, infelizmente, encontra lastro em interpretações de alguns físicos que aludem o mesmo grau de interferência quando testam modelos ou experimentos sobre posições de partículas, fazendo crer que de fato há uma ligação entre o observador e o observado. “Este seu comportamento, assim como a superstição que põe em prática na vida, mostra-nos como ele está vizinho do selvagem, que acredita mudar o mundo exterior apenas com os pensamentos” (FREUD, 2013, p. 87).

5E embora a tese de que o indivíduo é uma invenção tardia, ligado à ideia de um ego histórico, pareça desmentir esse argumento acima, devemos lembrar que nesta infância humana da horda o ego em questão é um ego coletivo que não se desenvolve como oposição à comunidade, mas como comunhão, tal como dizia Durkheim sobre a solidariedade mecânica e unidade por similitude. Isso deve conduzir uma relação ainda indistinta entre o eu individual e o coletivo (alteridade não reconhecida). Distinção que só será estimulada pelo conflito entre grupos em disputa, donde a importância da guerra e das contendas para reforço das identidades do grupo. Essa característica reforça a ideia de unidade das coisas neste período histórico.

6Até mesmo na época contemporânea a Aristóteles essa proposição de Tales é vista como influenciada pelas narrativas míticas, uma vez que elegendo o úmido como causa primária estaria tocando o mesmo solo mítico da gênese a partir de Oceano ou as águas primordiais. “Alguns pensam que os homens de tempos muitos antigos, [...] também sustentavam essa mesma opinião sobre o princípio primordial, uma vez que representavam Oceano e Tétis como sendo os pais da criação” (ARISTÓTELES, 2016, p. 48).

7Estrutura relacional que adquire importância na ciência moderna, ainda que dela não se tirou todas as implicações que nos leva inexoravelmente a um entendimento a um só tempo dialético e interdisciplinar do real.

8Aristóteles não parece ambíguo nesta passagem da Metafísica na qual ele descreve o entendimento de alguns físicos sobre o número: “Ora, é evidente que esses pensadores também consideram que o número é um primeiro princípio, tanto como a matéria das coisas quanto como o elemento constituinte de suas propriedades e estados. Os elementos do número, de acordo com eles, são o par e o ímpar; destes o primeiro é ilimitado e o segundo limitado; o um consiste de ambos (visto que é tanto ímpar quanto par); o número é derivado da unidade, e os números, como dissemos, compõem todo o céu [visível]” (ARISTÓTELES, 2016, p. 54).

9Hoje sabemos que o átomo (aquilo que não pode ser dividido) não é a partícula indivisível da matéria. Enquanto conceito, o átomo foi refinado no século XIX por Dalton e Thomson e finalmente comprovados pelo experimento de Rutherford no início do século XX, que cria o modelo planetário, tendo o seu núcleo orbitado por elétrons. Posteriormente ele mesmo intui a existência do próton no núcleo e a Chadwick coube identificar o nêutron. Esse modelo também seria superado por Bohr e outros físicos contemporâneos enquanto outras partículas subatômicas foram descobertas posteriormente, alocadas nas famílias dos quarks e léptons que, além das partículas já citadas, incluem neutrinos, fótons, bósons, mésons dentre outros, deitando por terra a concepção de átomo como indivisível, mas comportando ainda a ideia de partícula material constituinte dos corpos. Com a teoria da conversibilidade de Einstein poderíamos então compreender finalmente que energia e matéria se equivalem na famosa equação E=MC².

10Cf. (NATORP, 2012).

11Cf. (ERLER, 2013, p. 224).

12Neste ponto Aristóteles, ainda que metodologicamente contrário a Platão, parece comungar da mesma tese. Erler assim descreve a tese platônica a este respeito: “[...] a filosofia, segundo Platão, é excludente, porque se ocupa menos com as coisas do mundo dos fenômenos do que com a realidade espiritual. Ela se destina apenas a pessoas com uma predisposição especial, restringindo-se assim a um pequeno círculo” (ERLER, 2013, p. 97).

13É importante aqui delimitar a compreensão de Kosik sobre a ação epistemológica da categoria totalidade e não associá-la a uma espécie de semiótica. A esse respeito, cf. (KOSIK, 2011, p. 28), uma vez que se pode confundir compreensão das estruturas causais e subjacentes ao fenômeno com a construção e criação destas estruturas na manifestação e apropriação da vida efetivada na praxis cotidiana. A distinção entre produções de sentidos, representações e conceitos nesta esfera e na esfera científica se constata na seguinte citação: “A dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e do pensamento comum, não os aceita sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da praxis social da humanidade” (KOSIK, 2011, p. 21).

14Nem mesmo quando Aristóteles se refere ao “divino” parece estar falando de uma realidade transcendente, mas algo imanente à natureza, como o são os seus “motores”.

16Cf. (JAPIASSU, 1976).

Recebido: 21 de Março de 2021; Aceito: 19 de Janeiro de 2022

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