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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.35 no.75 Uberlândia set./dez 2021  Epub 16-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v35n75a2021-64064 

Artigos

Das Crises às possibilidades da Educação Superior no Brasil: uma leitura a partir de Hannah Arendt

From Crises to Possibilities of Higher Education in Brazil: a Reading Based on Hannah Arendt

Des crises aux possibilités d e l’enseignement supérieur au Brésil : une lecture chez Hannah Arendt

Leandro José de Souza Martins* 
lattes: 8239895889023815; http://orcid.org/0000-0001-7366-1430

Jefferson Rodrigues-Silva** 
lattes: 0246316357702468; http://orcid.org/0000-0002-8334-2107

*Doutorando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Professor no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). E-mail: leandro.martins@ifmg.edu.br

**Doutorando em Educação na Universitat de Girona (UdG). Mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Professor no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). E-mail: jefferson.silva@ifmg.edu.br


Resumo

O texto procura entender os pressupostos da educação superior no Brasil e faz considerações sobre seus limites e potencialidades à luz de Hannah Arendt. Segundo Hannah Arendt, a crise da educação remete-se a uma crise de estabilidade de todas as instituições políticas e sociais. E para o enfrentamento dessa crise, Hannah Arendt sugere reconsiderar a crise da modernidade para se repensar criticamente o papel da educação no mundo contemporâneo. De fato, sua reflexão assevera que a educação está entre as atividades mais elementares e necessárias da sociedade humana, e, por isso, tem de ser continuamente repensada em função das transformações do mundo no qual nascem novos seres humanos. Hannah Arendt questiona e faz pensar como que a crise da e na educação impede todo desenvolvimento de tarefas e dinâmicas que ajudem, especialmente aos estudantes (em qualquer área de conhecimento), a possuírem e produzirem um conhecimento que leve a um enfrentamento de situações críticas do quotidiano.

Palavras-Chave: Hannah Arendt; Educação Superior; Crise na Educação; Cidadania; Direito Educacional

Abstract

The text aims to understand assumptions of higher education in Brazil and makes considerations about limits and potentialities concerning those assumptions in the light of Hannah Arendt. According to Hannah Arendt, the crisis in education refers to a crisis of stability of all political and social institutions. And to envisage this crisis, Hannah Arendt suggests reconsidering the crisis of modernity to critically rethink the role of education in the contemporary world. In fact, her reflection asserts that education is among the most fundamental and necessary activities of human society, and, therefore, it must be continually rethought considering transformations in the world in which new human beings are born. Hannah Arendt questions and makes us think about how the crisis of and in education prevents any development of tasks and dynamics that help, especially for students (in any area of knowledge), to possess and produce knowledge that leads to facing critical situations in the everyday.

Keywords: Hannah Arendt; Higher Education; Crisis on Education; Citizenship; Educational Law

Résumé

Le texte a le but de comprendre les présupposés de l'enseignement supérieur au Brésil et fait des considérations sur ses limites et ses potentialités à la lumière d'Hannah Arendt. Selon Hannah Arendt, la crise de l'éducation renvoie à une crise de stabilité de toutes les institutions politiques et sociales. Et pour faire face à cette crise, Hannah Arendt propose de reconsidérer la crise de la modernité afin de repenser de manière critique le rôle de l'éducation dans le monde contemporain. En effet, sa réflexion affirme que l'éducation fait partie des activités les plus élémentaires et les plus nécessaires de la société humaine et qu'elle doit, donc, être continuellement repensée à la lumière des transformations du monde dans lesquelles de nouveaux êtres humains voient le jour. Hannah Arendt interroge et fait réfléchir sur la façon dont la crise de et dans l'éducation empêche tout développement de tâches et de dynamiques qui aident, en particulier pour les étudiants (dans n'importe quel domaine de la connaissance), à posséder et produire des connaissances qui conduisent à faire face à des situations critiques dans le quotidien.

Mots-Clés: Hannah Arendt; Enseignement Supérieur; Crise de l'éducation; Citoyenneté; Droit Educatif

Introdução

Na educação superior formalizada legalmente para o Brasil, é relevante a presença de elementos que proporcionem um maior incremento para a cidadania e para a efetiva participação dos sujeitos do processo educativo na realidade social. De fato, conforme prescrevem o texto constitucional (art. 205, caput) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 43, VI), dentre tantas outras finalidades da educação superior, destacam-se o preparo para o exercício da cidadania e estímulo para conhecer os problemas do mundo presente (BRASIL, 1988, 1996).

Com tal idealização, o conjunto de leis educacionais brasileiras faz entender que, tanto o processo educativo quanto as relações de ensino-aprendizagem, não podem apenas se pautar no repasse de informações técnicas ou pragmáticas. Não obstante sua importância e até primazia em certas áreas do conhecimento, o conteúdo mais procedimental e tecnicista necessita de complementação em torno de discussões e dinâmicas que levem os estudantes e toda comunidade acadêmica à reflexão de temas e de fatos humanísticos, artísticos e sociais; tudo isso, de forma integrada e interdisciplinar. Não seria compatível com a lei uma educação que dissocie o conteúdo ensinado do mundo vivido e partilhado, condição a priori e necessária para qualquer tipo de relação, inclusive, educacional.

Ocorre, entretanto, uma realidade diferente, sobretudo em Cursos de Graduação nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemáticas, ditas STEM - (acrônimo do inglês para Science, Technology, Engineering and Mathematics), embora novas diretrizes nacionais vislumbrem uma formação holística e humanística nas engenharias1. Ainda em currículos de muitos cursos dessa Área do Conhecimento2, há reduzido espaço para disciplinas e discussões de cunho mais político, sociológico ou filosófico. A insuficiência de debates ou de oferta de disciplinas de cunho mais social têm promovido um certo alheamento ou até mesmo certa despreocupação e desengajamento (CECH, 2014), por parte de muitos estudantes e profissionais das Áreas STEM, em problemas sociais e políticos, como se pouco tivessem relação com o exercício da sua profissão ou formação intelectual.

Estudiosos brasileiros reportam nas engenharias a debilidade de uma disciplina muito frequente nos currículos desses cursos, chamada Ciências, Tecnologia e Sociedade (CTS), que falha em alcançar o seu propósito de uma formação de cunho mais humanístico nas engenharias; (BORDIN; BAZZO, 2017; FERNANDES; NORONHA; FRAGA, 2018). enquanto a disciplina recupera discussões humanísticas, ela se isola (ou é isolada?) do restante do curso, como se essas questões não formassem de fato corpo das preocupações da engenharia. Mais recentemente, enquanto preocupações como o desenvolvimento sustentável e gradual engaja os engenheiros desde sua formação (LOUREIRO; DO VALLE PEREIRA; PACHECO JÚNIOR, 2014), outras continuam marginalizadas, como a desigualdade de gênero na profissão (FERNANDES; NORONHA; FRAGA, 2018).

Há trabalhos de vanguarda que visam dar aos cursos de engenharia uma perspectiva mais integral, cotejando questões sociais, ambientais e jurídicas na formação dos futuros engenheiros. Nesse sentido, observa-se uma série de orientações e desafios3 advindos de pesquisas realizadas em programas de engenharia com o fito de elucidar uma melhoria interdisciplinar. Destaca-se a pesquisa realizada em 2003, por Cech (2014), em quatro grandes programas de engenharia dos Estados Unidos (MIT, UMass Amherst, Olin e Smith)4. Nela, apontou-se como que a insuficiência de tratamento das questões ético-sociais levou não só a um importante desconhecimento, mas a um profundo desinteresse e desengajamento relativo a tais assuntos junto aos estudantes.

O pano de fundo desta pesquisa partiu de um problema prático: se o ensino de engenharia nos Estados Unidos seria bem-sucedido ao nutrir o senso de responsabilidade profissional dos estudantes para com o bem-estar social5. Observando os estudantes desde o início do curso até os últimos períodos, Cech detectou um declínio na avaliação da importância das responsabilidades ético-profissionais para a prática trabalhista da engenharia, ou nos usos de tecnologia, máquinas, produtos e serviços.

Conforme expressa Cech (2014), especificamente sobre os estudantes de engenharias, pode se tornar algo bem grave o desinteresse dos alunos pelas questões de bem-estar público desde o processo de sua formação. Afinal,

a maneira como os alunos de engenharia entendem suas responsabilidades para com o público provavelmente informa suas futuras abordagens epistemológicas e a produção cotidiana da tecnociência - quais peças de um quebra-cabeças eles consideram importantes, qual solução eles consideram desejável e os métodos com os quais projetam e testam suas inovações [...] o desengajamento de engenheiros e outros profissionais poderosos de considerações de bem-estar público pode perpetuar estruturas e práticas desiguais para grupos desfavorecidos dentro desse público. CECH, 2014, p. 44)6

As consequências ante tal contexto podem levar a uma “neutralidade” e indiferença ante problemas da sociedade, além de um certo conformismo que parece ter destruído a própria capacidade das pessoas de se solidarizarem umas com as outras. Esse dado é por demais preocupante quando aferido dentro de um processo educacional, embora não seja a única instância responsável pela formação cidadã. Preocupa-se justamente porque vêm, desde o processo educativo, muitas das razões que levarão a todo o contexto de desinteresse e apatia vistos ultimamente, permitindo a ascensão ou retomada ao poder de grupos extremistas e o agravamento da crise social (exclusão, marginalização, desigualdades).

Assim, não se deveria dissociar o conteúdo ensinado do mundo vivido e partilhado, condição a priori e necessária para qualquer tipo de relação, inclusive, educacional. Com efeito, como um dos pontos mais importantes a ser discutido em qualquer processo verdadeiramente educador, encontra-se o que se liga à discussão ética, política, econômica: em suma, discussões que remontam à complexidade do humano nas suas mais diversas relações (MORIN, 1999). Um processo educacional que não se percebe nessa ambientação, não só enfrenta como dissemina um amplo e diversificado processo de crise.

Embora não tenham diretamente tratado de tais peculiaridades, mas de modo geral sobre uma crise na educação, os textos e apontamentos realizados por Hannah Arendt incidem em luzes importantes que abrem espaço para reflexão. Com efeito, em um texto dedicado à educação, escrito em 1957, denominado “A Crise na Educação”7, Hannah Arendt oferece ponderadas questões que servem como mecanismo de provocação ao necessário e contínuo questionar acerca da educação, seja em sua natureza, seja em sua política de efetivação.

Em linhas gerais, Arendt escreve sobre a crise na educação ligando-a a uma crise maior e precedente, a saber, a uma crise de estabilidade das instituições políticas e sociais. Apresentando didaticamente uma das principais teses sobre a principal reflexão de Hannah Arendt referente à educação, Cesar e Duarte (2010) sintetizam que

O diagnóstico arendtiano a respeito da crise contemporânea nos modos de ensinar e aprender insere-se no contexto teórico de sua discussão da condição humana e da crise política da modernidade, temas centrais de sua reflexão filosófico-política. Vejamos em linhas gerais como se estabelecem tais conexões. (CESAR; DUARTE, 2010, p. 825)

Especificamente, Hannah Arendt reflete que a crise política da modernidade é a causa de uma série de outras crises, inclusive, da educação. Ademais, a autora tem como ponto de partida de suas reflexões um contexto definido, pois parte de uma análise da educação proposta nos Estados Unidos, embora ela reconheça que a crise na educação se tornou um “problema político de primeira grandeza”, por um enviesamento da modernidade tecnicista e subjetivista, que esvaziou os valores fundamentais do processo educacional.

No texto que ora se apresenta, procurar-se-á ver como que os conceitos e análises arendtianos podem ser uma oportunidade para refletir sobre os processos da educação, especialmente na Educação Superior. A ideia é fazer uma leitura avançada dos textos de Hannah Arendt, de modo que, de suas considerações sobre a educação que versam especificamente à educação infantil, sejam extraídas chaves de leitura que subsidiam nas ponderações e reflexões do ensino superior.

Apresentando à luz deste contexto as considerações de Hannah Arendt, o texto procura fazer um diálogo reflexivo, questionador, a fim de estabelecer propostas de caminhos para a superação de tal “crise”, especialmente levando em conta os conceitos de uma educação que relaciona bem a tensão passado-presente; autoridade e responsabilidade pelo mundo. Em suma, a leitura de Hannah Arendt intensifica um debate difícil, mas necessário: analisar e questionar currículos que se fundamentam ainda em uma lógica mercantilista e técnica, conforme as orientações de uma prática neoliberal.

O artigo realiza uma abordagem de caráter bibliográfico. O método utilizado para a realização do trabalho foi descritivo-analítico, com fins de fazer uma revisão bibliográfica sobre o tema. A fonte primeira da pesquisa é a bibliográfica, instruída pela análise de textos da pensadora alemã Hannah Arendt, compilados na obra “Entre o Passado e o Futuro”, especialmente o texto “A Crise na Educação”.

I. Uma rápida visão sobre a conjuntura atual

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional apresenta, no Capítulo IV, especificamente nos art. 43 a 57, um conjunto de diretrizes e normativas para o ordenamento da Educação Superior no país. Conforme se depreende da estrutura da Lei, a Educação Superior refere-se ao último ciclo/dimensão que compõe o sistema educacional escolar formal. A partir de finalidades definidas (art. 43), a LDB disserta sobre a metodologia da Educação Superior mediante cursos e programas desenvolvidos indissociavelmente entre o ensino, a pesquisa e a extensão (art. 44), destaca o variado grau de abrangência das instituições ofertantes (art. 45) e apresenta uma série de mecanismos referentes à validade e aos procedimentos para execução do ensino superior no país (BRASIL, 1996)8.

O legislador, na LDB, procurou fomentar e relevar que, no tocante à educação, seus princípios e finalidade possuem um caráter transcendente e universal. Por tais finalidades, a educação superior é não só de natureza pública, direito de todos e dever do Estado e da família, mas é, sobretudo, uma ação de promoção humana: seus fins reconhecem e acentuam a importância intelectual e sociocultural, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e do contexto social em que vive, pela efetivação de práticas da cidadania e pelo trabalho.

Três grandes finalidades especificadas desde o Art. 43 (inc. I, III e V) da LDB apontam diretamente para o fomento da cidadania e do trabalho, ao afirmar que cabe à Educação Superior: estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional, mediante o ensino, publicações ou outras formas de comunicação e, por fim, possibilitar a correspondente concretização da cultura e do saber pela integração de conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração (BRASIL, 1996).

Ainda no que se refere às finalidades da Educação Superior, cabe destacar o que reza o inciso VI do artigo 43 da LDB. Literalmente, é uma das finalidades da Educação Superior “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade” (BRASIL, 1996, p. 19). Assim, desde a leitura da LDB, resta claro que a Educação Superior não pode ser um refinamento de metodologias de ensino ou uma mera especialização no âmbito da vida intelectual e/ou profissional. Não é sem razão que o legislador escolheu, quando se trata da Educação Superior, justamente o termo “educação” e, não, “ensino”.

Entretanto, como já discorrido, ocorre cada vez mais um distanciamento dessa formação integral na oferta de currículos dos cursos de graduação, sobretudo nas áreas de engenharia e de exatas. A conjuntura real, não raras as vezes, afasta-se das finalidades apresentadas no texto legal, de modo que o processo educativo e as relações de ensino-aprendizagem apenas se pautemm no repasse de informações técnicas ou pragmáticas, a despeito de uma preparação integral e cidadã.

A fato de não se exigir dos cursos de graduação uma dinâmica em torno de uma formação para além dos conteúdos específicos vem trazendo uma dupla preocupação. A primeira refere-se à percepção de que há uma perda de interesse ou até mesmo um retrocesso no modo de pensar que os estudantes têm sobre política, arte e afins. Newberry (2004) afirma que a maioria dos estudantes de engenharia avalia componentes relativos às humanidades (especificamente ética) como os menos interessantes e como perda de tempo (que deveria ser mais bem usado em conteúdo específico da engenharia9. Conforme expressa em seu texto:

Ano após ano, apesar das animadas sessões de aula, a esmagadora maioria dos alunos avalia o componente de ética do curso como o menos interessante, o menos útil e o mais trivial. Eles escrevem que a ética é irrelevante, ou que é apenas bom senso, ou que o estudo dela desperdiçou tempo e esforço que poderia ter sido mais bem aproveitado para aprender e fazer mais conteúdo de engenharia, ou que o motivo pelo qual entraram na engenharia foi para evitar a preocupação com tais coisas. NEWBERRY, 2004, p. 346)

A segunda é uma posição quase que oposta, pois compreende que em todo processo educacional há de se levar em conta uma perspectiva sócio-política transformadora. Nessas circunstâncias, postula-se tão somente uma politização dos espaços escolares e processos educacionais. Ora, com tal polarização, corre-se o grande risco de desprestigiar o conteúdo em vista de uma formação mais de engajamento e ativismo político.

Um grande desafio neste contexto é entender por que depois de tantos esforços empreendidos, de modo especial com a “Pedagogia Moderna”, a crise na educação parece aprofundar-se. Como sabido, a “Pedagogia Moderna” se caracteriza sobretudo pela proposição de novas dinâmicas e metodologias de ensino e aprendizagem, mediante discussões interdisciplinares e mais críticas. No limiar do século XX, novas abordagens sobre a educação se propuseram a isso, enfatizadas especialmente na conciliação de pesquisas e avanços da Psicologia com as práticas pedagógicas e educacionais. O conjunto desses fatores formou a denominada “Pedagogia Moderna”.

De fato, a “Pedagogia Moderna” é uma abordagem que considera avanços de outras ciências, como a Psicologia e a Sociologia, implicando-os diretamente nos processos educativos. Conforme ensina Libâneo (in: LIBÂNEO; SANTOS, 2005, p. 20), as teorias modernas da educação conjugam, dentre seus temas, “a natureza do ato educativo, a relação entre sociedade e educação, os objetivos e conteúdos da formação; as formas institucionalizadas de ensino, a relação educativa”.

Acreditava-se, assim, que o uso de novos mecanismos participativos e construídos contextualmente, superadas as práticas tradicionais de ensino e da relação professor-aluno, viria a colaborar para um redimensionamento da educação e, por conseguinte, apresentar-se-ia como um meio de superação da crise educacional. Entretanto, como já observado, isso não foi uma dinâmica bem-sucedida. Especificamente, na atualidade, pode-se apontar ao menos três fenômenos que se relacionam intrínseca e factualmente e que demonstram esse aparente fracasso:

a queda em índices de aprendizado, mensurados por diversos meios avaliativos; não obstante as diversas críticas que se fazem aos processos, eles não podem ser simplesmente negados ou rejeitados como um critério válido de aferição na qualidade educacional do Brasil nos últimos anos10;

a desqualificação em números (quantitativos, monetários) e no prestígio do professor e, por conseguinte, do sentido do múnus de ensinar. Ainda que no Brasil o número de profissionais da educação seja razoável11, a carreira docente sofre profundos ataques, não se desenvolve com o devido cuidado e esbarra em circunstâncias que dificultam a vida profissional e a saúde do docente (RODRIGUES-SILVA, 2020). Haja vista: a insuficiência de qualificação, a pesada jornada de trabalho, que toma parte razoável do tempo pessoal disponível para estudos, além do próprio desprestígio pela profissão vinda até mesmo de órgãos que deveriam ser dela incentivadores; e, por fim,

o descompasso entre o aumento na acessibilidade de informações - possível pelo incremento de tecnologias e pela popularização da rede mundial de computadores - e o baixo nível cultural e de percepção mais aguda e profunda da realidade pelos recém-formados, especialmente os egressos das graduações. A sociedade da informação não caminha adequadamente com a formação da sociedade. A fluidez ou liquidez da modernidade, aos moldes de Zygmunt Bauman, reflete no modo como muitas pessoas se relacionam nas mais diversas circunstâncias. O espaço para o debate e para a tolerância se vê cada vez, de modo antagônico, mais reduzido ou suprimido nas redes sociais. Há como que um surgimento de “guetos digitais”; alheamento ou alienação nas questões políticas, em suma. Uma polarização que impede o aprofundamento científico, acadêmico, cujo lugar foi cedido pelos gurus e pelos debates superficiais e sem referências.

Não recuperar o estatuto da educação em sua essência pode remeter a um processo de uma séria crise, de polarizações que só fazem enfraquecer o processo educacional. Por isso que muitas teorias desenvolvidas nos últimos anos vêm destacando metodologias de ensino de ciências exatas e humanas em abordagens para além dos conteúdos específicos12. Pode-se afirmar, sem exageros, que sem tais processos efetivados em muitas instituições de ensino, a Educação Superior vem sofrendo um processo de crise e de esgarçamento.

Evidentemente que tais espectros de crise não serão fácil e rapidamente resolvidos. Entretanto, não é debalde um esforço que se dispõe a fazer um trabalho de uma genealogia em relação à crise educacional; em outros termos, dar espaço nas discussões e análises sobre a crise, para se questionar o próprio conceito de educação e o que se entende por crise da educação. Um primeiro instrumental em prol de tal escopo pode ser encontrado nas críticas e reflexões de Hannah Arendt, em “A Crise na Educação”.

II. As leituras de Hannah Arendt ante a crise da educação

Hannah Arendt aborda a crise da educação muito “mais como um cidadão interessado do que como uma especialista” (TOPOLSKI; LEUVEN, 2008, p. 266)13. Talvez seja essa uma das razões pelas quais a autora não apresenta nenhuma grande solução ou efetiva saída para a crise. Ademais, não é seu escopo um texto sobre a educação nos moldes de uma pedagogia ou de uma filosofia da educação.

No prefácio intitulado “A Quebra entre o passado e o futuro”, que introduz a coletânea de obras nas quais se encontra o seu artigo sobre a educação, Hannah Arendt explica que pretende pensar nos “problemas imediatos e correntes com que nos defrontamos no dia a dia”. Porém, não faz tal exercício “com o fito de encontrar soluções categóricas, mas na esperança de esclarecer as questões” (ARENDT, 2016, p. 42). De todo modo, possíveis caminhos são retirados do texto de Hannah Arendt para a superação da crise educacional.

Hannah Arendt tem como ponto de partida de suas reflexões um contexto definido, realizando uma análise (crítica) sobre a educação proposta na América. Justamente na América efetivou-se “um ideal educacional, impregnado de Rousseau e de fato diretamente influenciado por ele, no qual a educação tornou-se um instrumento da política, e a própria atividade política foi concebida como uma forma de educação” (ARENDT, 2016, p. 224-225).

Em relação ao contexto de crise da educação americana ser o alvo das considerações de Hannah Arendt, expressa Sousa (2010) que,

mais do que em qualquer outro lugar, a nova geração é na América portadora da promessa de um Novo Mundo [...] Fundada no mesmo século XVIII em que as ideias de Rousseau conduziam ao desenvolvimento conceptual e político de um pathos do novo, manifesto já nas utopias políticas desde a República de Platão, a América parece ter sido a principal depositária do legado rousseauniano e de uma visão optimista da educação. Para isto contribuiu também o mito da fundação dos Estados Unidos da América como país sem passado. (SOUSA, 2010, p. 171-172)

Para Hannah Arendt, o Mundo Moderno constitui o período que provém a partir das Duas Grandes Guerras. Todo o cabedal de acontecimentos provenientes destes momentos é importante para reconhecer o que é o mundo atual. Com efeito, Arendt relê os grandes acontecimentos do século, especialmente os regimes totalitários e seus deletérios efeitos, como implicação da crença quase que absoluta nos corolários da razão e da cientificidade, bem como no esvaziamento das considerações mais fundamentais da vida humana, confundida apenas como fazer ou produzir.

Estes pressupostos do mundo moderno reformularam muitas das estruturas da história e da existência, dentre elas, aquelas que se relacionam à educação. Por isso, a princípio, para Hannah Arendt, a crise da educação não pode ser pensada, tampouco enfrentada, como um problema local ou regional. A crise educacional é um dos grandes acontecimentos que marcaram o século XX sob a ótica da autora.

Para Hannah Arendt (2007), ante tal contexto, faz-se necessária a

reconsideração da condição humana à luz de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes. É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão - a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de “verdades” que se tornaram triviais e vazias - parece ser uma das principais características do nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples; trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo. (ARENDT, 2007, p. 13)

Tal pergunta se tornou o centro da reflexão de Hannah Arendt sobre o mundo moderno, E, considerando nele a educação, Arendt formula a questão da crise como um processo que veio garantir a ideia de progresso. Essa ideia, na educação, fez com que o novo fosse considerado melhor ou mais avançado do que o antigo; e a valorização, nem sempre tão substancial, do indivíduo e da subjetividade, alçados como “lugar” da certeza e da verdade.

Se fosse presumido algo diferente disso, “a crise em nosso sistema escolar não se teria tornado um problema político” (ARENDT, 2016, p. 222). Portanto, como problema político, a crise na educação ocorre a nível global e, pela marca recebida a partir dos acontecimentos do século XX, é uma crise compartilhada entre vários países do mundo. A fundamentação de tal crise, em circunstância global, é, assim, muito mais complexa que um problema específico ou pontual. Com efeito, a pensadora alerta que

Há aqui mais que a enigmática questão de saber por que Joãozinho não sabe ler [...] Há sempre a tentação de crer que estamos tratando de problemas específicos confinados a fronteiras históricas e nacionais, importantes somente para os imediatamente afetados. É justamente essa crença que se tem demonstrado invariavelmente falsa em nossa época. (ARENDT, 2016, p. 222)

Mas não só. Escolhendo uma via difícil e não sem polêmicas, Hannah Arendt também aponta que a crise está relacionada justamente à introdução de abordagens educacionais de caráter psicopedagógico e pragmatistas. O foco do escrito de Arendt alcança, principalmente, as práticas fundamentadas no pensamento de John Dewey14 (principal pensador do pragmatismo no século XX), e nas descobertas dos estudos de psicologia do desenvolvimento infantil. Estes estudos cogitam a existência de um mundo próprio da criança, cujo regimento e ordem são estabelecidos por ela e que, por conseguinte, geram certa autonomia em sala de aula.

Com a conjugação de metodologias a partir da vinculação educação-psicologia,

o campo educacional viu surgir métodos pedagógicos e psicológicos centrados na criança e no adolescente, os quais, ao serem entendidos como substratos psíquicos naturais, não históricos, viram-se alienados do mundo em que habitam e que precisam conhecer para poderem futuramente preservá-lo e transformá-lo. (CESAR; DUARTE, 2010, p. 830)

Conforme Hannah Arendt, tanto o pragmatismo quanto o psicologismo educacional não são apenas uma causa da crise educacional, como também são fatores do agravamento da crise. A promoção da relação entre educação e psicologia, da qual novos projetos emanaram em nome de uma “educação progressista”, permaneceu focada apenas na constante criação de práticas pedagógicas dinâmicas, centradas na psicologia do comportamento e com metas pragmáticas, esquecendo-se de outros fins do processo educacional.

Com efeito, a implicação de todos esses elementos desembocou em uma “inversão de valores”: o ensino centrou-se nas metodologias, emancipando-se do conteúdo; e o professor, perdendo sua autoridade, passou a ser alguém que ensina qualquer coisa. Substituiu-se a relação ensino-aprendizagem por arremedos de brincadeira e ludicidade, promovendo tanto a derrubada súbita de “todas as tradições e métodos estabelecidos de ensino e aprendizagem” quanto “todas as regras do juízo humano normal foram postas de parte” (ARENDT, 2016, p. 227).

A “nova pedagogia”, segundo Arendt, bruscamente rompe com o espaço do senso comum e não permite o reconhecimento de estruturas do passado que são por demais importantes. Em outros termos, “priva a humanidade das profundezas da existência humana”, uma vez que o “senso comum está sendo deixado de lado na educação técnica” (FRY, 2010, p. 107). De fato, a crise na educação muito tem a ver com a falta de tensão/relação entre novidade e tradição, passado e presente, fixando-se apenas naquilo que algumas novas teorias entendem como necessários, a saber: o esquecimento de uma parcela do mundo comum a todos nós.

Seria preciso admitir, conforme escreve Almeida (2018), que

[...] a permanência do passado hoje está ameaçada. Não somente deixamos de ter uma tradição, que nos garante uma clareza sobre nosso passado e sua grandeza, mas o próprio passado está ameaçado de esquecimento [...] A atividade educativa é um lugar privilegiado para proteger o mundo contra o esquecimento, para dar nome aos acontecimentos e saberes do passado, para narrar as histórias que compõem o grande livro da história e apresentar os mortos aos vivos. Por isso, no momento atual, a educação talvez seja essencialmente uma resistência contra a mortalidade do mundo, a luta contra o esquecimento de nossos antepassados e suas experiências. Precisamos manter os mortos vivos, especialmente para os jovens. (ALMEIDA, 2018, p. 276)

A crise da educação parte de uma errônea competência dada à educação: criar uma nova ordem do mundo, em aceno otimista em relação ao novo, desligando-se dos laços do “senso comum”. Por “senso comum” entende a autora todo o constructo de uma tradição de ensino-aprendizagem da “sã razão humana”. Sem o “senso comum”, a natalidade - essência da educação na perspectiva arendtiana - ficaria sem ambiente. Uma criança nasceria sem um mundo, sem aquela parcela da existência que, por ser diferente em alguns elementos, e comuns em outros, torna todos verdadeira e singularmente humanos.

Não se pode esquecer da influência que Arendt tem da filosofia de Santo Agostinho, cujo pensamento fundamentou a sua tese de doutorado. Em termos outros, quanto ao conceito de natalidade, Hannah Arendt não só a colocará como a essência da educação, como a disporá como núcleo fundamental da liberdade. Pois Arendt reinterpreta a afirmação atribuída a Agostinho de que “o homem é livre porque ele é um começo” (ARENDT, 2007, p. 190). Para Hannah Arendt, a liberdade não está relacionada exclusivamente com a faculdade da vontade, mas ao princípio de algo que nunca existiu no mundo.

Nesse sentido, porque o homem é um começo, ele pode introduzir algo de novo no mundo, ou seja, mudar a realidade existente. Pela natalidade, a educação não pode ser entendida “como algo dado e pronto, acabado, mas tem de ser continuamente repensada em função das transformações do mundo no qual vêm à luz novos seres humanos” (CESAR; DUARTE, 2010, p. 826); educação e liberdade se assentam sobre o fato da natalidade.

Diz Arendt (2016, p. 247) que a educação diz respeito à “nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento”. E, em outra síntese, a autora assevera que:

A educação está entre as atividades mais elementares e necessárias da sociedade humana, que jamais permanece tal qual é, porém se renova continuamente através do nascimento, da vinda de novos seres humanos. Esses recém-chegados, além disso, não se acham acabados, mas em um estado de vir a ser. (ARENDT, 2016, p. 234)

Explicando a problemática da natalidade enquanto essência da educação, César e Duarte (2010) expressam que:

Para os humanos, nascer não significa simplesmente aparecer no mundo, mas constitui um novo início no mundo. A natalidade não se confunde, portanto, com o mero fato de nascer, mas constitui o ser no modo de ser do iniciar, da novidade. É a condição humana da natalidade que garante aos homens a possibilidade de agir no mundo, dando início a novas relações não previsíveis. Natalidade é a categoria central do pensamento político porque é a raiz ontológica da ação e, portanto, também da liberdade e da novidade, que são intrínsecos ao aparecimento dos homens no mundo. (CÉSAR; DUARTE, 2010, p. 825)

Com isso, a crise da educação é, em verdade, um esquecimento do fundamento, do objeto do processo educacional: o papel de introduzir a criança em um “mundo velho”, do qual ela retirará os fundamentos (teóricos, históricos, culturais) para a futura atividade política, que poderá, a seu tempo, prescindir desse mesmo mundo velho, uma vez que a atividade política é plena expressão de liberdade e pela qual o mundo novo surge pela ação15. De modo que, observando o fenômeno da crise educacional estadunidense, não obstante ser, neste país, um dos que mais acolheram os rumos da “nova pedagogia”, Hannah Arendt conclui que a crise resulta, exatamente, “do reconhecimento de caráter destrutivo desses pressupostos básicos e de uma desesperada tentativa de reformar todo o sistema educacional, ou seja, de transformá-lo inteiramente” (ARENDT, 2016, p. 233)16.

Conforme Topolski e Leuven (2008) sintetizam, Hannah Arendt

frequentemente se refere à crise da educação como crise da condição humana de natalidade, uma vez que esta se centra na natureza única de cada nova vida. Ela reconhece que sem nascimento, sem a condição humana de natalidade, sem estas mesmas crianças que devem ser protegidas do mundo, não haveria nenhum mundo compartilhado no futuro. (TOPOLSKI; LEUVEN, 2008, p. 268)17

Apesar de a proposta de Hannah Arendt abarcar substantivamente a educação infantil, a riqueza de suas considerações pode, com certa propriedade, estender-se à Educação Superior. Quando se se debruça sobre as grandes finalidades da Educação Superior, conforme visto nos textos legislativos, uma série de implicações são correlacionadas ao que Hannah Arendt entende por educação. Portanto, vale a tentativa de estabelecer alguns pressupostos que ajudem no oferecimento de estratégias que visem alcançar, do melhor modo, as finalidades da educação superior.

III. Possíveis contribuições arendtianas à uma integral Educação Superior

Inicialmente, é fundamental o retorno a um processo educativo que leve em conta a autoridade e a tradição. Mas, desfazendo prévias objeções aos conceitos “autoridade” e “tradição”, o que aqui a autora pretende é, em verdade, provocar uma forma de superar a ruptura causada pelo mundo moderno em relação aos elementos básicos de uma responsabilidade pelo mundo. Faz-se necessário repensar novas formas de lidar com essa realidade educacional, voltando-se à autoridade e à tradição. Assim, Arendt leva a pensar sobre o quanto que o reconhecimento da autoridade e tradição (a partir da interpretação que faz desses termos) é capital para apreender a educação como um processo formativo em vistas de desenvolver, nos sujeitos, a responsabilidade pelo mundo e a responsabilidade pela história; o respeito e o cuidado pelo passado de todos os habitantes deste mundo.

Aqui, cabe uma pequena digressão para abordar o conceito de tradição segundo Arendt. A tradição, nas concepções arendtianas, é entendida como o fundamento de toda instituição política: seria, dessa forma, a fundação do espaço público. Especificamente, a tradição leva seriamente a considerar o que de importante foi transmitido pelos antigos, o testemunho dado pelos autores, “dos quais deriva a sua autoridade e que ao mesmo tempo a transmite (tradere) como tradição de geração em geração” (ARENDT, 2008, p. 96).

Segundo Hannah Arendt, a tradição ocupa um lugar crucial na educação. Ou, dito de outra forma: educação e tradição com-partilham algo fundamental. É a preocupação com a continuidade do mundo público; com um mundo que deve perdurar mesmo quando aqueles que o habitam se forem. O desafio de cada gera-ção é contribuir para a permanência desse lugar, cujo início não vivenciaram e cuja continuação não verão. (ALMEIDA, 2015, p. 69)

A tradição não se refere a anacronismos ou a relações com um passado não vivido ou idealizado. E, tomando o texto mesmo de Hannah Arendt, tradição não se confunde com passado, sendo muito mais como um “fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado” (ARENDT, 2016, p. 130). Pela tradição, portanto, desde que firmemente ancorada, evita-se a perda da dimensão do passado. Nos termos da autora:

Sem uma tradição firmemente ancorada […] toda a dimensão do passado foi também posta em perigo. Estamos ameaçados de esquecimento, e um tal olvido […] significaria que, humanamente falando, nós nos teríamos privado de uma dimensão, a dimensão de profundidade na existência humana. Pois memória e profundidade são o mesmo, ou antes, a profundidade não pode ser alcançada pelo homem a não ser através da recordação. (ARENDT, 2016, p. 131)

Por responsabilidade, cita-se a compreensão desenvolvida por Andrade (2008, p. 36): “Responsabilidade não é culpa [...] advém do fato de que nascemos no mundo e para o mundo, e, postos diante dele, somos responsáveis por ele, mesmo não sendo por ele culpados”. E, dentre tantas responsabilidades, segundo Hannah Arendt, cabe à educação responsabilizar-se pelo processo de transição da infância para a vida adulta, da esfera privada do lar para a esfera pública do mundo, ou seja, é uma passagem necessária que implica no introduzir pessoas novas em um mundo sempre velho.

Para o exercício dessa responsabilidade, Hannah Arendt aponta a conjugação de autoridade e tradição na educação. Tais termos, tão difíceis de serem assumidos no contexto educacional atual, são, em verdade, trabalhados originalmente por Hannah Arendt e nada tem a ver com as concepções reducionistas da atualidade. De fato, autoridade não é violência, tampouco, imposição. Conforme expressa Jardim (2015):

A autoridade refere-se a assumir uma responsabilidade em introduzir novos seres no mundo, ou seja, é um processo de condução que, desta forma, difere-se da igualdade que é pressuposta para o convívio entre os homens adultos no exercício de sua liberdade na vida política. Assim, há de se diferenciar o significado de autoridade em educação e da autoridade em política, pois nesta segunda a autoridade se refere mais estritamente ao consenso entre os seres no exercício de sua liberdade. (JARDIM, 2015, p. 102)

Com efeito, as graves consequências são sentidas com a perda da autoridade e da tradição, da responsabilidade pelo mundo, remetendo a uma existência “em que qualidades como distinção e excelência cederam lugar à homogeneização e à recusa de qualquer hierarquia, aspectos que se refletem imediatamente nos projetos educacionais contemporâneos” (CESAR; DUARTE, 2010, p. 826). Tal constatação atualiza o que Hannah Arendt (2016) escrevera ao afirmar que

O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição. (ARENDT, 2016, p. 245-246)

Superando todo tipo de reducionismo, as reflexões de Hannah Arendt despertam a uma profunda e séria análise das atividades curriculares e a uma redefinição do papel das universidades e também levam todos os sujeitos do processo educacional a assumirem o papel imprescindível de possibilitar, mediante desenvolvimento das qualidades e talentos pessoais, a singularidade que distingue cada ser humano de todos os demais. Com efeito, em A Condição Humana, Hannah Arendt explica tal singularidade, ao escrever que, na condição humana, ela é como um substrato que capacita o ser humano agir e comunicar-se no mundo e na história:

Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso e da ação para se fazerem entender [...] Só o homem é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo que vive, tornam-se singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares. (ARENDT, 2007, p. 188-189)

Por isso, especificamente em um contexto como a Educação Superior, o processo educacional não é suficiente se instrui sem ao mesmo tempo ensinar, sem considerar a tradição, o conjunto de saberes e competências desenvolvidas ao longo de tantos percursos da história. Portanto, é fundamental para um bom escopo de atividades no Ensino Superior a consideração técnica e específica das disciplinas que compõem o curso, ao mesmo tempo em que se considera a realidade presente com tantas dissonâncias e desenvolvida em tamanha pluralidade.

Todo o conteúdo do pensamento de Hannah Arendt procura direcionar-se para fazer pensar, para possibilitar um protótipo de ensino-aprendizagem que leva em conta a importância de fazer da educação a oportunidade para os estudantes pensarem seu tempo sem que eles sejam injustos ou cometam a desonestidade de pensar e agir sem conhecer os fundamentos de pensadores do passado. De fato, considerar o que foi refletido e pensado pela tradição de pensamento é um grande diferencial, é dar estrutura aos processos educativos atuais. Obviamente, isso não significa uma volta romantizada ou idealizada ao passado, sob o risco de um perigoso anacronismo.

Conforme expressa Peixoto (2016):

uma concepção de educação que aponta para uma filosofia prospectiva, que não prescinde do velho, pois também nós nascemos em uma realidade já envelhecida, e isso também é parte da condição humana da qual não é possível fugir, mas a busca deve ser de possibilitar a abertura para o novo, para a elaboração de coisas diversas em vários aspectos da existência. O novo não pode ser ditado pelo mercado, como se o aparecimento de cada produto tecnológico que chega a nós todos os dias, representasse alguma novidade. Isso é um equívoco, pois no dia seguinte o que era hoje novo já será obsoleto. Outro aspecto essencial é: tais produtos não foram criados por nós, a novidade tecnológica, em geral, vem de fora, de outras mentes, de outros corpos, e não da nossa própria capacidade própria de inovar [...] educação é, nesse contexto, o espaço privilegiado no qual se apresenta um mundo já posto com as suas marcas já estabelecidas pelo tempo, pela história, pela cultura, mas que tem a chance, a cada nascimento, a cada geração, de abrir-se a novas possibilidades. Esse parece ser ainda um desafio atual. (PEIXOTO, 2016, p. 75)

Hannah Arendt seria paradoxalmente conservadora para permitir a emancipação. Ela aponta para a necessidade do desenvolvimento de uma “cultura geral”, por meio da qual o indivíduo conhece o mundo tal como ele é. É necessário e importante, embora não suficiente, voltar-se em certas ocasiões e temáticas para uma autoridade que dispõe de um conhecimento sobre o passado. Isso possibilitará um norte para pensar, contextual e atualmente, a responsabilidade pelo mundo por parte dos recém-chegados. A conciliação de tradição e mundo é elemento para a emancipação e uma atuação progressista quando do julgamento e do exercício da política na vida adulta, na relação entre adultos.

No início, lembramos o conservadorismo progressista que habita as ideias arendtianas. Paradoxalmente, é para permitir aos jovens inovar, revolucionar e sacudir o mundo comum que a educação deve ser conservadora e apresentar o mundo como era antes de entrarem nele18. (CAYOUETTE-GUILLOTEAU, 2016, p. 215)

É preciso salientar que, segundo Hannah Arendt, qualquer educação sem um profundo conteúdo de aprendizagem, ao mesmo tempo considerando a responsabilidade pelo mundo, é vazia e, por conseguinte, “degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional” (ARENDT, 2016, p. 246). Faz-se necessário, para não cair na facilidade de ensinar sem educar (ARENDT, 2016), reconsiderar a condição humana e os processos educacionais que lhe são convenientes.

Considerações Finais

crítica estabelecida por Hannah Arendt apresenta como um grande escopo quer esclarecer e reavivar a responsabilidade pelo mundo e a responsabilidade pela história, pelo passado de todos os habitantes deste mundo. Arendt leva a pensar sobre o quanto que o reconhecimento da autoridade e da tradição (a partir da interpretação que faz desses termos) é fundamental para compreensão de um fim da educação, que é a responsabilidade pelo mundo.

Embora Hannah Arendt reconheça que, especialmente nas universidades e institutos técnicos, apenas se faça uma espécie de educação tecnocrática, é preciso pensar e repropor a educação por outra chave de interpretação. Com efeito, a preparação para a vida profissional precisa ser capaz de “introduzir o jovem no mundo do como um todo”, não apenas em um setor particular e limitado do mundo (ARENDT, 2016, p. 246).

Não há como dissociar o conteúdo ensinado do mundo vivido e partilhado, condição a priori e necessária para qualquer tipo de relação, inclusive, educacional. Com efeito, um dos pontos mais importantes a ser discutido em qualquer curso de graduação, como em qualquer processo que quer ser verdadeiramente educador, é aquele que se liga à discussão ética, política, econômica: em suma, discussões que remontam à complexidade do humano nas suas mais diversas relações.

O pensamento de Hannah Arendt, nascido num mundo que acabara de conhecer as atrocidades do nazismo, pode nos ajudar nesta dura e necessária tarefa de tomar posição diante dos problemas do nosso tempo. Hannah Arendt dá o que pensar e incita a uma reflexão/conduta que dá o devido espaço à política, que rejeita absolutamente toda forma de totalitarismo, para sublinhar a ação livre na qual a pluralidade, a tolerância e a capacidade de sempre perguntar quanto ao que estamos fazendo são celebradas e reconhecidas.

Há, indubitavelmente, uma crise na educação que, a partir da perspectiva de Hannah Arendt, tem íntima ligação com uma ruptura com a tradição, e neste sentido, uma instabilidade resultante da hodierna sociedade de massas, e do ofuscamento do âmbito público que, como consequência, invade os muros das escolas e as esferas da vida privada dos recém-chegados Neste contexto, a concepção de Hannah Arendt possibilita perceber as dicotomias de uma educação deslocada de sua função primordial, e mais ainda, a uma atitude de cautela frente às teorias e metodologias importadas, com propostas de curto prazo.

As análises feitas pela autora dão o que pensar e incitam a uma reflexão que visa, na aplicação de metodologias verdadeiramente efetivas e não apenas às que se preocupam com a metodologia em si, superar a imagem de uma educação superior compartimentada e deficiente por áreas, alheia a problemas interdisciplinares, complexos e fundamentais da existência. Por estarem focadas, tão-somente, em preocupações ora tecnicistas, ora humanista; na inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, reduzindo a etapa educacional em mera formação de mão-de-obra especializada.

Formar para a responsabilidade pelo mundo é objetivo de uma educação que insiste muito mais nos processos do compreender, do aprender, do que do mero fazer. A responsabilidade é um processo de condução que preparará uma pessoa a enfrentar, quando já adulta e mais autônoma, os desafios em torno da igualdade e da liberdade, pressupostos para o exercício da vida política. Por isso, todo processo educacional, dentre tantos outros elementos aqui já citados e outros trabalhados por Hannah Arendt, não pode se reduzir a algo dado e pronto, acabado, mas tem de ser continuamente repensado em função das transformações do mundo.

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ZOMPERO, Andreia Freitas; LABURU, Carlos Eduardo. Atividades Investigativas no Ensino de Ciências: aspectos históricos e diferentes abordagens. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 13, n. 3, p. 67-80, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-21172011130305. Disponível em: https://www.scielo.br/j/epec/a/LQnxWqSrmzNsrRzHh3KJYbQ. Acesso em: 15 ago. 2020. [ Links ]

1Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia. “Art. 3º O perfil do egresso do curso de graduação em Engenharia deve compreender, entre outras, as seguintes características: I - ter visão holística e humanista, ser crítico, reflexivo, criativo, cooperativo e ético e com forte formação técnica.” (BRASIL, 2019c, p. 1).

2Por sua vez, também em Cursos de Áreas de Humanas e Sociais não se consegue emplacar um diálogo autêntico e sério com as descobertas da ciência, especialmente no campo das neurociências, ou das políticas de progresso e desenvolvimento da sociedade do ponto de vista mais tecnológico ou empreendedor. Haja vista a possibilidade de buscas na internet de endereços eletrônicos como “profissões para quem odeia matemática”; “cursos que não exigem contas”, dentre outras expressões afins (exemplificando: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/carreira/10-profissoes-para-quem-odeia-matematica; https://blog.unyleya.edu.br/guia-de-carreiras/cursos-sem-matematica/).

3Vale a pena conhecer os grandes desafios aos quais os Cursos de Engenharia se dispuseram, disponíveis em http://www.engineeringchallenges.org/.

4Cech realizou sua pesquisa com 326 alunos calouros que ingressaram em programas de engenharia em 2003, concentrando seu trabalho em quatro ênfases culturais relevantes para o engajamento: questões éticas e sociais, implicações políticas do trabalho de engenharia, educação geral em humanidades, ciências sociais e habilidades de redação.

5“[...] is US engineering education actually succeeding at nurturing students' sense of professional responsability to the welfare of the public?” (CECH, 2014, p. 44, tradução nossa).

6“[...] the way engineering students understand their responsibilities to the public likely informs their future epistemological approaches to and day-to-day production of technoscience—what puzzles they consider important, which solutions they consider desirable, and the methods with which they design and test their innovations [...] the disengagement of engineers and other powerful professionals from public welfare considerations may perpetuate unequal structures and practices for disadvantaged groups within that public” (Tradução nossa).

7Originalmente escrito em inglês e publicado na Partisan Review, edição 25, número 4, problematizando teorias e críticas relativas à educação nos Estados Unidos. O texto The crisis in Education, após traduções, foi reimpresso na coletânea de textos voltados para a ação política Between Past and Future: Six Exercises in Political Thought, durante o ano de 1961. Esta obra foi traduzida no Brasil por Mauro W. Barbosa (Entre o Passado e Futuro, ed. Perspectiva), em edição introduzida por um excelente ensaio explicativo de Celso Lafer.

8Dentre as finalidades, a LDB reservou à Educação Superior um rol não exaustivo, mas exemplificativo, aos moldes de uma apresentação principiológica. Tal elemento faz com que as alíneas sobre a finalidade da educação superior dialoguem com diversos outros princípios do ordenamento jurídico, especialmente aqueles resguardados sob a tutela da Constituição Federal, dentre os quais se destaca o art. 205 do Texto Constitucional (BRASIL, 1996).

9“Year after year, lively class sessions notwithstanding, the students overwhelming rate the ethics component of the course as the least interesting, the least useful, and the most trivial. They write that ethics is irrelevant, or that it’s just common sense, or that the study of it wasted time and effort that could have been better used learning and doing more engineering, or that the whole reason they went into engineering was to avoid worrying about such things.” (Tradução e grifos nossos).

10O INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), na Versão Preliminar do “Relatório: Brasil no PISA 2018”, apresentou dados alarmantes quanto à qualidade do letramento em Leitura, em Matemática e em Ciências, aferidos entre os 10.691 estudantes que participaram da avaliação. Levando em conta que os instrumentos do PISA fornecem três principais tipos de resultados: (perfil básico de conhecimento e habilidades dos estudantes; indicadores derivados de questionários que mostram como tais habilidades são relacionadas a variáveis demográficas, sociais, econômicas e educacionais; indicadores de tendências que acompanham o desempenho dos estudantes e monitoram os sistemas educacionais ao longo do tempo), o Brasil alcançou: no letramento em leitura, o 57º lugar dentre as 78 economias avaliadas; Em ciências, o 66° lugar no ranking da disciplina. Por fim, no letramento em matemática, o Brasil está em 70° lugar no ranking. (BRASIL, 2019a).

11Também é realizada, anualmente pelo, uma coleta de informações (Censo, disponível em http://portal.inep.gov.br/censo-escolar), realizado em regime de colaboração entre as secretarias estaduais e municipais de educação. No Censo, participam tanto escolas públicas quanto privadas. Dentre várias informações, a pesquisa ressaltou que, em 2018-2019, o número de professores e de pessoas que tem “alguma função docente” ultrapassa a cifra de dois milhões. Ressaltou, também, um preocupante índice de professores de Ensino Fundamental e Médio com formação inadequada, justificando-se pelo fato de haver número insuficiente de formados em determinadas graduações, bem como pela carga intensa de alunos e de atividades; turnos de trabalho diferentes em locais diferentes, etc.). No caso da Educação Superior, o Censo de 2018 apresentou um quadro mais otimista: o número de docentes (redes pública e privada) é de aproximadamente 384.480 professores (54,8%, IES privada e 45,2%, IES pública), com aumento na qualificação e no número de docentes em tempo integral (aumentou 76,2% nos últimos dez anos). (BRASIL, 2019b, p. 33-39).

12Citando Zômpero e Laburú (2011), nos anos finais do século XIX, os objetivos do ensino de ciências se modificaram, buscando contemplar, principalmente, os aspectos políticos, históricos e filosóficos da sociedade de seu tempo.

13“Arendt develops her understanding of education by specifically reflecting upon the concrete problems facing the American public in the 1950s. In addition, her approach challenges several mainstream presuppositions, thereby ruffling the feathers of many educational theorists, an experience she underwent more than once in her life. Yet, unlike most of her work, Arendt’s analysis of education is not, at least at first sight, politically motivated. For Arendt, who speaks as an interested citizen rather than as an expert, the activity of educating children properly belongs to the private domain or, more precisely, it is a process that mirrors the transition children must travel between private and public” (TOPOLSKI; LEUVEN, 2008, p. 266, tradução nossa).

14É preciso considerar alguns detalhes. Primeiro, é necessário salientar a metodologia sui generis que muitas vezes adota Hannah Arendt, com suas interpretações e releituras de fatos históricos, bem como na interpretação de conceitos e autores. De igual modo, cabe ressaltar também que, sobre a Pedagogia de John Dewey, Hannah Arendt observou mais os efeitos que as próprias considerações do pensador pragmatista. Em outros termos, Hannah Arendt acerta ao ter em mira que o Pragmatismo de Dewey pouco contribuiu para melhora nos processos de aprendizagem. Entretanto, não se pode olvidar que o próprio John Dewey escreveu que a escola deve estimular o espírito comunitário, valorizando a contribuição de cada um para o bem-estar de todos. Conforme Cayouette-Guilloteau (2016, p. 203): “John Dewey nous dit c’est que l’éducation ne doit pas passer sous silence cette dimension essentielle de la condition humaine qu’est le travail. D’ailleurs, il continue em disant qu’une éducation qui poursuit réellement l’objectif de l’ ‘efficacité sociale’ ne doit absolument pas se réduire à former les individus à des tâches professionnelles restreintes em fonction des objectifs du marché”.

15Em A Condição Humana, Arendt distingue três conceitos: ação, obra e trabalho. Ação seria uma “atividade exercida entre homens, independentemente da produção de coisas ou da manutenção da vida, devido ao fato de que os homens e o homem vivem na terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2007, p. 15). É na ação que se depreende o conceito mais pleno da condição humana. De acordo com Oliveira, reside na condição humana “[...] o que seria mais essencial à sua humanidade, bastando, portanto, chama-lo simplesmente de homem - um ser que na ação nada mais exprime senão ele mesmo [...] se o animal laborans é regido pela ‘necessidade’, e se o homo faber age de acordo com critérios de ‘utilidade’ e ‘instrumentalidade’, o homem arendtiano está destinado a um destino (sic) mais nobre: às ociosas ações e opiniões que constituem e esfera dos negócios humanos” (OLIVEIRA, 2012, p. 59). A ação consiste na vida livre da obra e do trabalho (pois o homo faber, segundo os antigos, tinha como principal interesse “o seu ofício e não o mundo público”), e continuamente voltada para o horizonte da política e da liberdade.

16Cayouette-Guilloteau (2016) apresenta a interpretação de Philippe Perrenoud quanto ao propósito da aprendizagem baseada em competências, conforme fora proposta por Dewey. Nessa abordagem, os saberes das disciplinas são transformados em recursos mobilizados a resolver problemas, tomar decisões ou realizar projetos. Assim, o saber deixa de ser um fim em si, para ser meio para a realização de outros objetivos. Essa abordagem adotada já há cerca de 20 anos e ainda é um debate vivo e longe de um consenso. Há apontamentos, por exemplo, que essa pedagogia baseada na descoberta apresenta resultados de aprendizagem inferiores se comparado às abordagens mais tradicionais.

17“[...] she often refers to the crisis in education as a crisis in the human condition of natality as it centres upon the unique nature of every new life. She recognizes that without birth, without the human condition of natality, without these same children who are to be protected from the world, there would be no shared world in the future” (Tradução nossa).

18“Dans un premier temps, nous avons rappelé le conservatisme progressiste qui habite les idées arendtiennes. Paradoxalement, c’est pour permettre aux jeunes d’innover, de révolutionner, de bousculer le monde commun que l’éducation doit être conservatrice et présenter le monde tel qu’il était avant leur entrée dans celui-ci.” (CAYOUETTE-GUILLOTEAU, 2016, p. 215, tradução nossa).

Recebido: 23 de Dezembro de 2021; Aceito: 15 de Março de 2022

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