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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.36 no.76 Uberlândia jan./abr 2022  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v36n76a2022-65167 

Dossiê Políticas, práticas e culturas inclusivas em contextos universitários distintos

Possibilidades para a aprendizagem do estudante com Deficiência Intelectual na Educação Superior: uma análise a partir dos estudos de Vigotski1

Possibilities for learning students with Intellectual Disabilities in Higher Education: an analysis from Vigotski's studies

Posibilidades para la aprendendizaje de estudiantes con discapacidad intelectual en la Educación Superior: un análisis de los estudios de Vigotski

Fabiane Vanessa Breitenbach** 
lattes: 7813301537181640; http://orcid.org/0000-0001-6163-8225

Fabiane Adela Tonetto Costas*** 
lattes: 3514821940003826; http://orcid.org/0000-0003-3698-2782

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: fabiane.breitenbach@gmail.com

***Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: fabiane.costas@ufsm.br


Resumo

Este texto origina-se de uma pesquisa realizada em quatro universidades federais brasileiras, cujo objetivo foi analisar as narrativas de diversos profissionais sobre os processos de aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior. Foram realizadas 29 entrevistas com 32 servidores públicos, sendo profissionais dos Núcleos de Acessibilidade, profissionais de apoio pedagógico, professores e coordenadores de cursos. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas através da técnica de Análise Textual Discursiva e fundamentadas pelos estudos de Lev Semionovitch Vigotski. Os resultados indicam que a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior está relacionada aos seguintes fatores: estratégias utilizadas pelos estudantes para a compensação da deficiência; a coletividade que também atua para compensação da deficiência, favorecendo o desenvolvimento das funções psíquicas superiores; a mediação dos professores através da adoção de diferentes estratégias pedagógicas. Conclui-se que há possibilidades para a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior desde que haja estratégias institucionais e pedagógicas e que o grau do comprometimento intelectual do estudante não impossibilite a compensação e a aprendizagem, mediada pela colaboração, na zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente.

Palavras-chave: Deficiência Intelectual; Educação Superior; Vigotski

Abstract

This text originates from a research conducted in four Brazilian federal universities, whose objective was to analyze the narratives of several professionals about the learning processes of students with intellectual disabilities in Higher Education. Twenty-nine interviews were conducted with 32 public servants, being professionals from accessibility centers, pedagogical support professionals, teachers and course coordinators. The interviews were recorded, transcribed and analyzed using the Discursive Textual Analysis technique and based on the studies of Lev Semionovitch Vigotski. The results indicate that the learning of students with intellectual disabilities in Higher Education is related to the following factors: strategies used by students to compensate for disability; the collectivity that also acts to compensate for disability, favoring the development of higher psychic functions; mediation of teachers through the adoption of different pedagogical strategies. It is concluded that there are possibilities for learning students with intellectual disabilities in Higher Education provided that there are institutional and pedagogical strategies and that the degree of intellectual commitment of the student does not make compensation and learning impossible, mediated by collaboration, in the zone of proximal/immediate/imminent development.

Key-words: Intellectual Disability; Higher Education; Vigotski

Resumen

Este texto tiene su origen en una investigación realizada en cuatro universidades federales brasileñas, cuyo objetivo era analizar las narrativas de varios profesionales sobre los procesos de aprendizaje de estudiantes con discapacidad intelectual en educación superior. Se realizaron 29 entrevistas con 32 servidores públicos, siendo profesionales de centros de accesibilidad, profesionales de apoyo pedagógico, profesores y coordinadores de cursos. Las entrevistas fueron grabadas, transcritas y analizadas utilizando la técnica de análisis textual discursivo y basadas en los estudios de Lev Semionovitch Vigotski. Los resultados indican que el aprendizaje de los estudiantes con discapacidad intelectual en la Educación Superior está relacionado con los siguientes factores: estrategias utilizadas por los estudiantes para compensar la discapacidad; la colectividad que también actúa para compensar la discapacidad, favoreciendo el desarrollo de funciones psíquicas superiores; mediación del profesorado a través de la adopción de diferentes estrategias pedagógicas. Se concluye que existen posibilidades de aprender a estudiantes con discapacidad intelectual en Educación Superior siempre que existan estrategias institucionales y pedagógicas y que el grado de compromiso intelectual del estudiante no imposibilite la compensación y el aprendizaje, mediado por la colaboración, en la zona de desarrollo proximal/ inmediato/inminente.

Palabras clave: Discapacidad Intelectual; Enseñanza Superior; Vigotski

Introdução

Esse trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em quatro universidades federais brasileiras, que teve por objetivo analisar as narrativas de diversos profissionais sobre os processos de aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior e, a partir dessas narrativas, identificar o que possibilita/promove/facilita a aprendizagem desses estudantes, sua aprovação, promoção e conclusão de curso.

O interesse por essa temática deve-se ao crescente ingresso de estudantes com deficiência intelectual na educação superior e ao número ainda pequeno de produções sobre o tema. Dados das cinco últimas Sinopses Estatísticas da Educação Superior indicam um aumento significativo no número de estudantes com deficiência intelectual matriculados em cursos de graduação, presencial e a distância, na rede federal de ensino. Em 2016 tínhamos um total de 351 estudantes, em 2017 esse número passou para 434 estudantes, em 2018 para 656 estudantes, em 2019 para 812 estudantes e, em 2020, última publicação da Sinopse Estatística, esse número aumentou para 1.022 estudantes. Comparando o ano de 2016 ao ano de 2020 tivemos um acréscimo de 291% no número de estudantes com deficiência intelectual matriculados em cursos de graduação nas instituições federais de Educação Superior.

Podemos inferir que as políticas públicas de inclusão na Educação Básica, bem como na Educação Superior, como o Programa Incluir2 e a Lei nº 13.409 (BRASIL, 2016), que alterou a Lei nº 12.711 (BRASIL, 2012), estabelecendo a reserva de vagas para pessoas com deficiência em todas as Universidades e Institutos Federais, contribuíram para a alteração desse cenário.

Porém, apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394/1996 e da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) indicarem que a Educação Especial é uma modalidade transversal a todos os níveis e etapas da educação e, das demais normativas citadas anteriormente, garantirem o acesso das pessoas com deficiência à educação superior, outras políticas públicas, especialmente as que regulamentam o atendimento dos estudantes figurados como da Educação Especial, não se estendem à Educação Superior.

A título de exemplo, citamos a Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009, que instituiu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) apenas para a Educação Básica, não fazendo referência à Educação Superior. O fato dessa normativa não garantir o atendimento para a Educação Superior, somada a inexistência de um documento correlato voltado ao atendimento educacional especializado na Educação Superior, indica a carência de políticas públicas que assegurem às pessoas com deficiência a aprendizagem, a permanência e a conclusão dos cursos.

No que se refere aos estudantes com deficiência intelectual, a descrença no seu acesso à Educação Superior é ainda mais acentuada. A Portaria n° 3.284, de 07 de novembro de 2003, que “dispõe sobre os requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições”, especifica apenas os requisitos de acessibilidade que devem ser observados nos casos de estudantes com deficiência física, deficiência visual e deficiência auditiva, não fazendo referência aos estudantes com deficiência intelectual.

Considerando a carência de políticas públicas educacionais para a Educação Superior, especificamente neste texto, a discussão contempla o papel do professor, dos colegas e os serviços de apoios das instituições, como apoios necessários à aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior, compreendendo a deficiência a partir de um contexto social e não mais individual, onde o sujeito era o único responsável pela sua aprendizagem e sucesso acadêmico. Essa concepção está de acordo com a American Association on Intellectual and Developmental Disability (AAIDD, 2010) que propõe um modelo de intensidade de apoios para o suporte às pessoas com deficiência intelectual nas diferentes áreas.

Método

Apresentamos neste trabalho os resultados de uma pesquisa, realizada in loco, em quatro Universidades Federais, duas na Região Sul, uma na Região Norte e uma na Região Nordeste. As instituições foram selecionadas após responderem um e-mail indicando a presença de estudantes com deficiência intelectual e o aceite em participar da pesquisa. Das 63 Universidades Federais, 59 foram contadas, 38 responderam e destas 17 indicaram possuir estudantes com deficiência intelectual.

Para selecionar as instituições participantes foram excluídas aquelas em que o processo de identificação dos estudantes com deficiência se dava através da autodeclaração, foi também excluída uma instituição que informou dois dados diferentes, o que levaria a uma inconsistência de dados e outras que não se manifestaram quando questionadas sobre a possibilidade de visita para coleta de dados.

Durante o ano de 2017 foram realizadas 29 entrevistas narrativas com 32 servidores públicos, em cada uma das universidades participantes da pesquisa, sendo cinco entrevistas com profissionais dos Núcleos de Acessibilidade, identificados pelo número da entrevista seguido da sigla PNA (Profissional de Núcleo de Acessibilidade), duas entrevistas com profissionais de apoio pedagógico, identificados pelo número da entrevista seguido da sigla PAP (Profissional de Apoio Pedagógico) e 22 entrevistas com professores, identificados com o número da entrevista seguido da sigla PEDI (Professor de Estudante com Deficiência Intelectual). As entrevistas eram individuais, mas uma das universidades solicitou que os quatro servidores do Núcleo de Acessibilidade participassem juntos. As entrevistas foram conduzidas por uma das autoras deste texto e alcançaram, em média, vinte e cinco minutos de duração, sendo transcritas um total de doze horas, sete minutos e cinquenta e três segundos de entrevistas, totalizando cento e oitenta e oito páginas de texto transcrito.

Optamos pela entrevista narrativa porque, conforme Jovchelovich e Bauer (2002), elas estimulam e encorajam os entrevistados a contar uma história sobre um acontecimento, ela “é considerada uma forma de entrevista não estruturada [...] o esquema de narração substitui o esquema pergunta-resposta” (JOVCHELOVICH e BAUER, 2002, p.95). Assim, os profissionais foram convidados a relatarem sua experiência com os estudantes com deficiência intelectual, destacando os aspectos referentes à aprendizagem. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas através da técnica de Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2011) e fundamentadas pelos estudos do psicólogo russo Lev Semionovitch Vigotski.

A Análise Textual Discursiva é uma técnica de análise textual que pode ser localizada entre a Análise de Conteúdo e da Análise do Discurso. Moraes (2003) e Moraes e Galiazzi (2011) definem o ciclo de análise da Análise Textual Discursiva como um processo auto-organizado de imersão intensa nos dados e nas informações do corpus, que acontece em três momentos: desmontagem dos textos, estabelecimento de relações, captando o novo emergente.

No primeiro momento foi realizada a “desmontagem dos textos” e a posterior unitarização a partir da elaboração de sentidos, o que “implica examinar os textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atingir unidades constituintes, enunciados referentes aos fenômenos estudados” (MORAES e GALIAZZI, 2011, p. 11). Para os autores, isso indica, primeiramente, a desconstrução do corpus de análise e, posteriormente, sua unificação em unidades a partir da elaboração de sentidos e, por fim, a atribuição de um título para cada unidade de análise. Assim, nesse primeiro momento, as entrevistas foram lidas e vários fragmentos de texto foram sendo destacados, posteriormente esses fragmentos foram agrupados, considerando os sentidos e ideias comuns presentes neles.

A segunda etapa da análise foi o “estabelecimento de relações/ categorização” quando foram estabelecidas relações entre as unidades elaboradas, comparando-as e agrupando-as com base nas semelhanças, produzindo-se categorias (MORAES e GALIAZZI, 2011). Podem ser utilizados três tipos de categorias, as categorias a priori, as categorias emergentes e um sistema misto de categorias (MORAES, 2003). Nessa pesquisa utilizamos o modelo misto de categorias, a mediação e a coletividade3, conceitos importantes desenvolvidos por Vigotski, foram duas dessas categorias que se mantiveram durante a análise dos dados.

Por fim, após o processo de categorização, temos a última fase da Análise Textual Discursiva “captando o novo emergente”, quando o pesquisador deve construir “pontes entre elas” (MORAES e GALIAZZI, 2011, p. 33), elaborando outros textos, produzindo inferência, interpretando e possibilitando o surgimento de “argumentos” e “teses parciais”. Esses outros textos são chamados de metatextos, e requerem construções do próprio pesquisador, com isso, “o pesquisador não pode deixar de assumir-se autor de seus textos” (MORAES, 2003, p. 206).

Assim, a partir da Análise Textual Discursiva de 29 entrevistas narrativas à luz de Vigotski4, apresentamos três metatextos que tratam dos processos compensatórios, da coletividade e da mediação, que sistematizam as possibilidades para o processo de ensino-aprendizagem do estudante com deficiência intelectual na Educação Superior. A coletividade e a mediação figuram como apoios para o suporte a esses estudantes. Essa pesquisa faz parte de um projeto institucional guarda-chuva, com aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa (004.0.243.000-11).

Os processos compensatórios do estudante com deficiência intelectual

Ainda que o funcionamento intelectual não seja um processo compensatório, ele é importante para que a compensação aconteça. Vigotski afirmou isso quando defendeu que a compensação no sujeito com deficiência intelectual se dá principalmente através da socialização, na qual encontra materiais para desenvolver suas funções internas que originam o processo compensatório,

el proceso de supercompensación está determinado enteramente por dos fuerzas: las exigencias sociales que se le presentan al desarrollo y a la educación, y las fuerzas intactas de la psique.5 (VYGOTSKI, 2012c, p. 54 e 55).

Dessa maneira, a partir dos estudos realizados por Vigotski, entendemos que o fato do estudante com deficiência intelectual na Educação Superior não ter um comprometimento cognitivo tão acentuado é algo positivo, já que os processos compensatórios, embora sociais, dependem desse grau de comprometimento, conforme podemos perceber na fala de uma das docentes entrevistadas:

[...]tinha um déficit cognitivo muito pequeno, aparentemente era sugestivo de algo muito leve. [...]. Ele me instigou a pensar em adaptar algumas questões sim e, insisto, como o comprometimento dele era leve, não tinham tantas adaptações. (04PEDI).

Além do grau de comprometimento intelectual, os docentes destacaram algumas características pessoais dos estudantes que consideram positivas:

[...] ela não falta aula, ela está sempre atenta [...]. (01PEDI).

[...] ele é assíduo, ele é um aluno assíduo, ele é pontual, [...] E os trabalhos todos ele entregava no tempo, então, ele tem compromisso [...]. (13PEDI).

[...] ele é uma pessoa também fácil de lidar, o fato dele ser uma pessoa, e aí é a pessoa dele que ajuda também a ter esse relacionamento. (15PEDI).

O fato de estar sempre presente, de não chegar atrasado na aula, representa comprometimento e respeito com o professor e demais colegas cada vez mais raro. Talvez, por isso, tenha sido enfatizado por tantos docentes, algo que deveria ser comum passou a ser considerado uma qualidade dos estudantes com deficiência intelectual. Já a questão de ser uma pessoa de fácil trato, que se relaciona bem, é importante porque favorece o relacionamento não apenas com o docente, mas com a turma, com a coletividade.

Outra situação relatada pelos docentes é o envolvimento e o comprometimento do estudante, demonstrado através do interesse e dos questionamentos em sala de aula e na procura pelo professor fora da sala de aula.

Ela conversa, fala, pergunta, mesmo que você explique um assunto e, se ela não entendeu, ela pergunta. (09PEDI).

[...] ele se mostrava muito interessado e ele perguntava muito, [...] e pasme, dessa turma o único aluno que me procurou, e não só foi uma nem duas vezes, foi ele. [...] Então, teve uma vez, que eu passei mais de duas horas com ele [...] ele é um cara que estudava, corria atrás [...]. (12PEDI).

[...]percebi que ele de fato não correspondia tanto quanto a média né dos outros alunos, e é... notava que ele vinha muito aqui, então ele tentava de certa forma compensar isso me questionando e eu gostava muito disso. (14PEDI).

A partir do relato de vários professores que destacam a proatividade de um estudante com deficiência intelectual podemos perceber a característica principal do conceito de compensação, desenvolvido por Vigotski, ainda na primeira fase6 de seus estudos sobre defectologia, quando enfatizava que através da educação poderia ser realizada a compensação social das deficiências.

Para que os processos compensatórios aconteçam nas pessoas com deficiência intelectual, Vygotski (2012d) destaca, na terceira fase de seus estudos, que a interação com o meio social e as dificuldades encontradas nesse meio é que estimulam a reação e a compensação da deficiência, afirmando que “en los niños com insuficiencias, la compensación sigue direcciones totalmente diferentes según cuál sea la situación que se ha creado, en qué medio se educa el niño, qué dificultades se le presentan a causa de esa insuficiencia”7 (VYGOTSKI, 2012d, p. 136). Nesse sentido, Vygotski (2012d) nos instiga a pensar o quanto um ambiente, familiar ou escolar, superprotegido, que não seja desafiador, pode ser perverso com as pessoas com deficiência intelectual, pois elas, mais do que as pessoas com outras deficiências, precisam ser desafiadas. No caso do estudante relatado nos excertos acima, é possível perceber que ele já desenvolveu processos compensatórios a sua deficiência, adotando as estratégias de estudar mais, fazer atividades extras, questionar e procurar o professor sempre que tiver dúvidas, isso fica claro no depoimento da professora 17PEDI:

[...] me parece muito ao que todos nós devemos fazer no aprendizado, só que a necessidade dele o levava a exercitar isso muito mais do que os outros colegas. [...] É, é como assim “eu tenho uma dificuldade” e ele buscava formas de dirimi-la, diminui-la, atenuá-la [...](17PEDI).

Esse estudante, a partir da consciência das suas dificuldades, tentou encontrar formas de superá-las, compensá-las. O excerto “a necessidade dele o levava a exercitar isso” exemplifica o que Vigotski definiu por compensação na segunda fase de seus estudos quando, baseado em Adler, entendia que era necessário a “consciência da inferioridade” para estimular o movimento de compensação.

Entretanto, o próprio Vygotski (2012d), na terceira fase de seus estudos, afirma que essa tese negava às pessoas com deficiência intelectual a possibilidade dos processos compensatórios, pois elas são, geralmente, acríticas em relação a si mesmas e possuem uma elevada autoestima, o que dificulta a tomada de consciência de suas dificuldades, embora afirme que “incluso en los niveles inferiores de desarrollo, los procesos de compensación están ligados al funcionamiento de la consciencia”8. (VYGOTSKI, 2012d, p. 136).

Considerando isso, Vygotski (2012d) aponta outros caminhos para que a compensação se efetive nos sujeitos com deficiência intelectual, afirmando que é a interação da criança com deficiência intelectual com o meio social e que as dificuldades encontradas nesse meio estimulariam a reação compensatória. Vygotski (2012d, p. 132 e 133) passa a defender que é necessário identificarmos na pessoa com deficiência intelectual quais são as características que trabalham a nosso favor, “cuáles son los processos, surgidos en el propio desarrollo del niño mentalmente retrasado, que llevan a la superación del retraso”9.

A primeira tese de Vigotski para falar da possibilidade da compensação em pessoas com deficiência intelectual é a substituição e/ou simulação das funções psicológicas. Dizia o autor que, por exemplo, a memória natural poderia ser substituída por outras estratégias de pensamento, associações, combinações. Essa situação compensatória foi relatada pelos professores entrevistados, quando mencionam que alguns estudantes com deficiência intelectual se dedicavam mais que os demais estudantes, seja pela presença, seja pela participação em aula, seja pela realização de atividades extras:

[...] ele teve uma evolução na nota muito interessante, eu percebia que ele estudava, ele estudava, e lia, o que não é o hábito para a maioria dos estudantes. [...] ele acabava se sobressaindo, no esforço, na atenção... (17PEDI).

O esforço e a atenção demonstrados por esse estudante, na fala do docente, diferenciavam-no dos demais colegas. A atenção e a escrita, por exemplo, são funções psicológicas superiores utilizadas para substituir ou compensar defasagens em outra ou outras funções como, por exemplo, a memória.

A segunda tese de Vigotski, que favorece os processos compensatórios em pessoas com deficiência intelectual, é a da “colectividade como fator de desarrollo de las funciones psíquicas superiores”10 (VYGOTSKI, 2012d, p. 139). Esse tema, muito mencionado durante a realização das entrevistas justamente pela importância que tem, será objeto de análise na próxima seção deste texto.

Cabe destacar que Vigotski não referiu a importância da inclusão de estudantes com deficiência intelectual em escolas normais/regulares, como o fez com outras deficiências, ao contrário, defendia a reestruturação das escolas auxiliares/especiais, dizia ele “es cierto que los alumnos de la escuela auxiliar deben ser conducidos hacia los objetivos comunes por otros caminos y, en este sentido, se justifica la existencia de una escuela especial, en esto reside su especificidad”11 (VYGOTSKI, 2012d, p. 150). Por isso, a análise aqui empreendida leva em conta esse aspecto de seus estudos, evitando cair na tentação de tomar isoladamente algumas de suas falas para defender propostas de inclusão total.

Outra tese relatada por Vygotski (2012d, p. 141), que também foi perceptível na análise das entrevistas, é a de que “tiene enorme importância el afecto, que estimula al niño a superar las dificuldades”12. Durante a análise dos dados da pesquisa observamos que os docentes valorizam bastante a questão da afetividade, inclusive, em alguns casos, é possível inferir que o objetivo pedagógico se reduziu ao estabelecimento de uma relação afetiva entre professor e estudante. Embora Vigotski não desenvolva muito esse tema nas obras citadas, este é aprofundado por Vigotski (2018), quando aborda os processos de formação da consciência. O autor postulava que, inicialmente, na primeira infância, há uma indiferenciação entre funções como: memória, atenção, a imaginação, as emoções, denominado este processo de “percepção afetiva” (p.99). Porém no decorrer do desenvolvimento essas funções vão aos poucos se diferenciando, sem, contudo, estabelecerem a dominância de uma sobre as outras, pois “graças à uma ressubordinação das funções que ocorre em cada etapa e à reestruturação das relações interfuncionais que se torna possível a diferenciação das funções”. Assim, o afeto é mencionado como um estímulo para superação das dificuldades, portanto, não se trata de um fim em si mesmo.

Em outros casos, todavia, os docentes mencionaram que, embora o estudante manifestasse características favoráveis ao movimento compensatório e conseguisse se socializar com os colegas, o comprometimento intelectual era tão acentuado que a compensação não acontecia ou era muito imperceptível:

[...]ela é muito dedicada, ela gosta de vir para a Universidade sabe, ela gosta de estar aqui, ela se esforça, ela pedia as apresentações, ela imprimia todas as apresentações e trazia para mostrar para gente. [...] aí eu entendi o que que era realmente o problema dela, ela não absorvia o conteúdo [...]. (20PEDI).

[...] ela não compreende. Assim, por exemplo, um texto, uma atividade, ela lê, mas não consegue traduzir o entendimento, algum entendimento daquela leitura ou é muito restrito. [...] ela é bem carinhosa, ela é supertranquila, ela podendo ajudar, ela vê um colega que não tem um lápis e uma caneta, ela oferece, sabe, então ela é assim, ela é bem tranquila assim na convivência, e os alunos acabam que interagindo bastante com ela depois de um tempo. [...] (02PAP).

Nos relatos acima, que se referem a uma única estudante, podemos perceber que, embora exista a presença e interação com os colegas, a compensação era muito pequena e a aprendizagem comprometida, corroborando com Vygotski (2012d), que apesar de enfatizar a importância do ambiente social para a compensação, afirmou que na pessoa com deficiência intelectual ela dependerá também do grau comprometimento intelectual.

Assim, mesmo que o meio social da universidade seja propício aos processos compensatórios dos sujeitos com deficiência intelectual, porque estimula, socializa, desafia, suspeita-se que alguns sujeitos não irão desenvolver aprendizagem acadêmica nesse espaço, pois seu comprometimento intelectual não possibilita que tirem proveito desse ambiente ao ponto de produzir a compensação de suas limitações, já que a distância entre sua zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente13 e a dos seus pares é tão extensa que se torna praticamente impossível a aprendizagem, pois “ensinar uma criança o que ela não é capaz de aprender é tão estéril quanto ensiná-la a fazer o que ela já faz sozinha” (VIGOTSKI, 2009c, p. 337).

A coletividade como fator de aprendizagem e desenvolvimento

A importância dada à coletividade por Vigotski, talvez, seja o tema que mais cause interpretações equivocadas de sua teoria, especialmente, por parte daqueles que defendem o movimento da inclusão total. Entretanto, Vigotski não negava a influência das questões hereditárias e orgânicas, ainda que enfatizasse a importância da interação com o meio para a aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas.

A coletividade como fator promotor do desenvolvimento das funções psíquicas superiores é a segunda tese de Vigotski (2012d) e se concentra sobre as características que favorecem a compensação nas pessoas com deficiência intelectual. Para ele, todas as funções psicológicas superiores desenvolvem-se primeiro no coletivo para, depois, serem internalizadas pelos sujeitos. É assim com a fala que, inicialmente, atua como elemento de comunicação e só, posteriormente, após compreendermos e utilizarmos a fala como meio de comunicação, passamos a utilizá-la como fala interna, como meio de elaboração e organização do nosso próprio pensamento.

Vigotski, na terceira e última fase de seus estudos sobre defectologia, defende que a coletividade, através da

[...] educación social del niño con retraso profundo es el único camino científicamente válido para su educación. A la vez, es el único que también resulta capaz de recrear las funciones faltantes allí donde no existen a causa de la insuficiencia biológica del niño. Solo la educación social puede superar la soledad de la idiocia y del retraso de grado profundo, conducir al niño con retraso profundo a través del proceso de formación del hombre, pues, según una notable expresión de L. Feuerbach, que puede ser tomada como epígrafe para la teoría sobre el desarrollo del niño normal, lo que es absolutamente imposible para uno, es posible para dos. Nosotros añadimos: lo que es imposible en el plano del desarrollo individual, se torna posible en el plano del desarrollo social (VYGOTSKI, 2012e, p. 246-247) 14..

A defesa que Vigotski faz da educação e do desenvolvimento social corrobora o destaque dos profissionais entrevistados na pesquisa a respeito das influências positivas da família, dos monitores/tutores e dos demais colegas de classe para a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante com deficiência intelectual na Educação Superior.

Para Vygotski (2012a, 2012b, 2012c), o primeiro ambiente social que influencia o desenvolvimento é o familiar. Nesta pesquisa a presença/participação da família na universidade e a facilidade de contato com ela foi retratada como elemento favorável ao processo de aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual:

E eu vejo que eles têm um entendimento e que buscam muito se informar [...]A percepção que eu tive é que, eles entendem que não vai ser fácil ela entrar no mercado de trabalho. (02PEDI).

Mas são pais muito presentes, e isso foi um fator também determinante, porque a hora que a gente precisasse dos dois aqui, alguma situação inusitada que a gente precisasse conversar com eles, eles sempre estiveram presentes, reunião de colegiado eles também já participaram conosco [...] ela teve um apoio muito grande da família, a mãe adaptou materiais [...]. (01PNA).

Nesse contexto, a família se torna uma parceira da universidade quando existe essa facilidade de diálogo, em que ambas percebem que possuem o mesmo objetivo, a aprendizagem do estudante com deficiência intelectual, ainda que, nem sempre, concordem em tudo. Foi possível observar que a família também possui um outro papel importante, o de cobrar da universidade aquilo que é de direito do filho/familiar com deficiência intelectual:

A mãe foi enfática na última reunião, ou penúltima reunião, em dizer, em cobrar para as pessoas do Núcleo que estavam aqui, que não houve por parte da instituição esse apoio “onde estavam vocês, me desculpa, mas onde estavam vocês?” (01PAP).

Esse relato ilustra que muitas universidades ainda estão se organizando para atender as demandas dos estudantes com deficiência, especialmente àquelas que não possuíam reservas de vagas antes da alteração da “Lei de Cotas”, no final do ano de 2016. Por outro lado, ainda que se faça necessário compreender a situação das universidades, a participação e a cobrança da família, é importante, pois, não permite que as universidades tergiversem.

Outro aspecto da coletividade muito destacado foi a forma como a turma dos estudantes com deficiência intelectual os acolheram e os integraram nas atividades. A interação com os colegas de classe e sua importância para a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes com deficiência intelectual foram constatadas nas quatro instituições visitadas e em diversos relatos:

Eu acho que é o contato com as outras, com os outros alunos, por exemplo, ah!!! outra estratégia também, foi assim, colocar dentro de grupos de alunos né que estavam naquele dia do trabalho e sempre orientando que não era para ninguém fazer por ela, que eles ajudassem ela a fazer, não precisava fazer, entregar nada pronto, então eu acho que esse contato ajudou. [...](08PEDI).

[...] os colegas tratam ele normalmente. [...] essa turma dele é uma turma antiga muito boa, então, a turma sempre tá com ele, no sentido de conversar, esclarecer as coisas, certo, com paciência [...]. (11PEDI).

[...] até apresentou trabalho com os colegas e tudo, então foi uma forma, assim, que eu achei isso muito bacana dos colegas que incluíram ela na apresentação do trabalho, não sei se na execução do trabalho, no preparo, mas no dia da apresentação ela foi lá e leu as duas primeiras lâminas. Então foi bem bacana. (21PEDI).

Nessas narrativas foi possível perceber a importância que a coletividade tem para a inclusão e a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior, muitos professores propõem atividades em duplas e grupos buscando favorecer essas trocas. Uma das professoras ressaltou, inclusive, que a estudante com deficiência intelectual só conseguiu realizar estágio porque este foi desenvolvido em grupos:

No estágio, se não tivesse tido... assim, eu acho que se não tivesse tido esse trabalho em grupo, se não tivesse o estágio em grupo, eu vejo que ela não teria condições de dominar, de dominar a turma e de... [...]. (02PEDI).

Nesse caso, em específico, a partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente de Vigotski, seria pertinente avaliar se a coletividade de fato produziu aprendizagens, mesmo que pequenas, ou se ela só colaborou para a aprovação da estudante na disciplina.

Além dos relatos dos profissionais, que tratam do acolhimento do estudante com deficiência intelectual por seus colegas, ressaltando sua importância para a permanência e para a aprendizagem, uma estratégia adotada nas quatro universidades visitadas é o apoio através de tutores e/ou monitores para os estudantes com deficiência intelectual:

[...] mas é algo que tem surtido resultado, um bom resultado assim, ele precisa prestar atenção na aula e o bolsista faz as anotações para ele, para ele não estar dispersando, assim, não perdendo nada, então ele foca a atenção dele sem precisar fazer a cópia. (05PNA).

[...] a gente tem, o Núcleo do Campus tem bolsistas que são para ela, tanto que quando eu dei a disciplina eu dava a aula e já repassava à bolsista a minha aula né, todo o material, para que esse bolsista. (19PEDI).

Em duas instituições os estudantes com deficiência intelectual possuem um acompanhamento de tutores e/ou monitores tanto em sala de aula quanto extraclasse. Nesses casos, o estudante com deficiência intelectual poderá ter um ou mais tutor e/ou monitor extraclasse, que estuda os conteúdos das disciplinas, dependendo do número de disciplinas e da carga horária que está cursando no semestre.

Em uma das instituições, os estudantes com deficiência intelectual eram acompanhados por monitor em sala de aula que, geralmente, era um colega da própria turma, e, em horário marcado, extraclasse, um outro tutor, estudante que já cursou a disciplina, responsável por revisar e estudar os conteúdos curriculares com o estudante com deficiência intelectual.

Em outra instituição, nomeava-se bolsista o estudante que fica em sala de aula e monitor, o colega de curso que fazia o “Apoio Pedagógico”, estudando os conteúdos curriculares.

Para Vigotski o trabalho em colaboração é uma possibilidade para a compensação da deficiência intelectual, pois em colaboração a criança poderia sair da sua zona de desenvolvimento real/atual e atingir a zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente. Na defesa dessa ideia:

o momento central para toda a psicologia da aprendizagem é a possibilidade de que a colaboração se eleve a um grau superior de possibilidades intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da imitação. Nisto se baseia toda a importância da aprendizagem para o desenvolvimento, e é isto o que constitui o conteúdo do conceito de zona de desenvolvimento imediato. (VIGOTSKI, 2009c, p. 331).

Embora se façam ressalvas quanto a capacitação desses tutores e/ou monitores, os profissionais entrevistados reconhecem a importância dessa coletividade, especialmente do auxílio dos monitores e tutores, para o processo de aprendizagem do estudante com deficiência intelectual:

O estágio aqui [...] é desenvolvido em grupos, então ela estava dentro de um grupo de oito alunos. Dentre estes oito alunos estava o monitor e o tutor dela. Eles estavam dando todo o suporte para ela. (02PEDI).

A preocupação de alguns docentes sobre a falta de capacitação dos monitores/tutores, pode estar associada a uma dificuldade ou desconhecimento acerca das funções e das atribuições dos tutores e/ou monitores. Foi possível perceber que estas não estão claras, tanto por parte dos docentes, quanto dos tutores e/ou monitores e, também, por parte dos próprios estudantes assistidos:

Eu penso que é positivo. [...].. Agora, o que eu acho negativo, nesse primeiro momento, é o fato de ter gerado dependência, que é exatamente o que não queremos. Queremos que ela seja independente. [...] Eu acho que ela é muito ligada à monitora. [...]. E até que ponto isso poderia ser positivo eu não sei, eu acho que está gerando uma certa dependência. (03PEDI).

No relato abaixo, é possível perceber que a professora entende que, o monitor deveria atuar quase como um profissional da Educação Especial, orientando o processo avaliativo do estudante com deficiência intelectual:

[...] mas eu sentia isso talvez nos monitores que estavam acompanhando as meninas, eu sentia a falta de uma maneira um pouco mais presente, eu acho que ficava muito solto ainda, esperando de mim, porque assim, eu tinha a turma e aí tava acontecendo as coisas assim, por exemplo, que o monitor viesse e falasse assim “então professora, a gente precisa falar sobre a avaliação”, “ah, é verdade”, porque eu tô pensando em mil coisas né, então eu sinto, eu sentia falta um pouco mais de sintonia talvez. (05PEDI).

No mesmo viés, no relato de outros profissionais, podemos perceber que existe uma compreensão de que os tutores e/ou monitores são responsáveis pelo processo de aprendizagem do estudante com deficiência intelectual, devendo assumir algumas atribuições do professor da disciplina:

[...] a pessoa não é suficientemente preparada, [...]. Ele não me falou nada sobre (nome suprimido), eu que fui procurá-lo. (14PEDI).

[...] Aí eu fiquei assim, quase que eu digo “não professor, ele não vai explicar, ele não é o professor”, aí eu “não professor, ele foi colocado lá para escrever”, “não, mas é bom que seja da área senão ele não entende”, eu falei “tá, tá certo professor”. Mas não tem, porque tipo, quem vai ensinar é o professor, quem está ali para ensinar é o professor, não é o bolsista acompanhante, ele é um apoio ali naquele momento. (04PNA).

Ainda, foi possível perceber que a presença em sala de aula dos tutores e/ou monitores limitava ou prejudicava a comunicação dos docentes com o estudante com deficiência intelectual, pois, ao invés de se dirigirem ao estudante, os professores falavam com o tutor e/ou monitor que estava acompanhando esse sujeito, como forma de delegar as funções docentes:

[...] o colega que acompanhava anotava, eu dizia “olha, diga para ele que é para fazer leitura desse material aqui, até aqui”, mas, no outro dia, às vezes, era na segunda e quarta-feira, na quarta-feira e “professor, qual foi mesmo o texto que você passou?”, ele perdia a informação. (15PEDI).

Com base nesses diferentes relatos foi possível perceber que, para o estudante com deficiência intelectual, é importante o acompanhamento de um colega tutor/monitor, justamente pelo destaque que Vigotski dá a coletividade como fator de aprendizagem e desenvolvimento e ainda a possibilidade de que, na coletividade, eles aprendem por imitação.

Entretanto, existem algumas situações que precisam ser ponderadas. Inicialmente, deve ser avaliada a real necessidade do tutor/monitor que acompanha o estudante em sala de aula, pois conforme alguns relatos, esse acompanhamento pode trazer mais prejuízos do que benefícios. O professor passa a se relacionar mais com tutor/monitor do que com o estudante com deficiência intelectual, em alguns casos, delegando suas funções (explicação do conteúdo e planejamento das avaliações, por exemplo) a esses estudantes. Ainda, o estudante com deficiência intelectual poderá ficar dependente do tutor/monitor, não desenvolvendo autonomia, limitando seus vínculos a apenas esse colega, deixando de interagir ou interagindo pouco com os demais colegas, ou seja, um efeito inverso ao que Vigotski enfatizava sobre a importância da coletividade.

Então, se for avaliado como necessário/indispensável a presença do tutor/monitor em sala de aula, sua atribuição deve ser delimitada, para que tanto os docentes quanto os estudantes, tutores/monitores e estudante com deficiência intelectual e sua família, saibam o que é função do tutor/monitor e o que não é. Os professores precisam ter a clareza de que eles são os responsáveis pela disciplina e pela aprendizagem de todos os estudantes, inclusive os com deficiência.

Já tutor/monitor que atua no contraturno, revisando os conteúdos curriculares com o estudante com deficiência intelectual, opera como um recurso importante para a acessibilidade, desde que seja supervisionado pelos profissionais dos Núcleos de Acessibilidade e que as suas funções sejam muito claras. Sua atuação deve ser de alguém que colabore e não alguém que faça a atividade pelo estudante com deficiência intelectual.

Assim, é necessário, ratificar que Vigotski, não se referia a qualquer coletividade, mas a uma coletividade considerada “próxima”, principalmente por suscitar processos de compensação nas pessoas com deficiência intelectual.

Disse ele:

Afirmamos que em colaboração a criança sempre pode fazer mais do que sozinha. No entanto, cabe acrescentar: não infinitamente mais, porém só em determinados limites, rigorosamente determinados pelo estado do seu desenvolvimento e pelas suas potencialidades intelectuais. [...] como se verifica que, em colaboração com outra pessoa, a criança resolve mais facilmente tarefas situadas mais próximas do nível de seu desenvolvimento, depois a dificuldade da solução cresce e finalmente se torna insuperável até mesmo para a solução em colaboração. (VIGOTSKI, 2009c, p. 329, grifo nosso).

Esse excerto de Vigotski encaixa-se perfeitamente com o relato de um professor que, ao mesmo tempo em que defende que o estudante com deficiência intelectual pode fazer determinadas atividades com um auxílio, ressalta que, em outras isso não é possível, ou seja, há um limite para que a colaboração promova efetivamente a aprendizagem:

Agora, se você me perguntar “O (nome suprimido) pode desenvolver qualquer coisa?”, pode, não há restrição, não há restrição. Agora, ele precisa, obviamente, desenvolver isso com uma certa organização, porque ele não, se eu disser para ele “eu quero que você faça essas planilhas aqui com isso”, vamos imaginar que eu tenho uma situação concreta, olha “preciso calcular isso aqui com esse padrão tal”, ele vai fazer, vai fazer. Você vai precisar dar ajuda a ele? Num primeiro momento, segundo momento, talvez, mas ele vai fazer. Ele não pode é ser deixado sozinho para fazer sozinho. Então ele vai ter sempre a necessidade de alguém fazer a revisão daquilo que ele fizer, o que não é de todo ruim, mas não pode ser, às vezes, deixado com uma responsabilidade maior do que ele tem que atender. (15PEDI).

Vigotski (2009c), mesmo enfatizando a importância da coletividade e da educação social ao longo dos seus estudos sobre defectologia, não negou a influência do grau de comprometimento intelectual que, “rigorosamente”, prepondera sobre quanto a pessoa pode beneficiar-se da colaboração. E isso não é um detalhe pequeno dentro de sua obra, portanto, não é um aspecto que pode ser ignorado pois, em várias oportunidades, ele ressaltou a questão da diferença dentro da coletividade.

Dessa maneira, com base em Vigotski (2009c), e nos achados dessa investigação torna-se necessário problematizar se, pelo fato da Educação Superior ser considerada um espaço onde estão, supostamente, os melhores estudantes e professores com formação mais aprofundada, esse coletivo, consequentemente, favoreceria a aprendizagem e desenvolvimento das pessoas com deficiência intelectual.

Imprescindível acrescentar que, para Vigotski, o estado de desenvolvimento e as potencialidades intelectuais do sujeito com deficiência é que dão condições para a aprendizagem em colaboração.

A mediação e a adoção de outras estratégias pedagógicas

Eu tenho pavor desse discurso que “eu não fui preparada”. Está aí um negócio que ninguém vai me ouvir falar. Porque preparada você nunca está. (04PEDI).

Muitos professores relataram diferentes estratégias pedagógicas que utilizaram na mediação da aprendizagem desses estudantes. A fala acima ilustra a postura de muitos docentes. Esses professores relataram que, no trabalho com estudantes com deficiência intelectual, o uso de abordagens diferenciadas, especialmente estratégias de ensino e avaliações é muito importante, destacando-se a importância da mediação docente para o processo de aprendizagem desses estudantes.

A mediação é um assunto que perpassou boa parte dos estudos de Vigotski, principalmente quando investigou a formação de conceitos (VIGOTSKI, 2009a, 2009b e 2009c) e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A mediação, para Vigotski, dava-se através do uso de ferramentas ou signos psicológicos: “el linguaje, las diferentes formas de numeración y cómputo, los dispositivos mnemotécnicos, el simbolismo algebraico, las obras de arte, la escrita, los diagramas, los mapas, los dibujos, todo género de signos convencionales, etcétera”15 (VYGOTSKI, 2013, p. 65).

Segundo Wertsch (2007), é possível identificar dois tipos de mediação nos escritos de Vigotski: a mediação explícita e a mediação implícita. A mediação explícita tem dois sentidos:

first, it is explicit in that an individual, or another person who is directing this individual, overtly and intentionally introduce a “stimulus means” into an ongoing stream of activity. Second, it is explicit in the sense that the materiality of the stimulus means, or signs involved, tends to be obvious and no transitory (WERTSCH, 2007, p. 180)16.

Van der Veer e Valsiner (2014, p. 244) destacam que, para Vigotski, os signos culturais são dominados de fora para dentro, primeiro funcionam externamente e coletivamente, e “só mais tarde podem começar a funcionar internamente, após um processo complexo de internalização”.

Assim, na mediação que Wertsch (2007) chama de explícita, se enfatiza a figura de outra pessoa como mediador, sendo que, no processo formal de aprendizagem escolar, destaca-se o professor.

A mediação implícita, por sua vez, “not the object of conscious reflection and not externally or intentionally introduced. Instead, mediation is something that is automatically and in most cases unintentionally built into mental functioning”17 (WERTSCH, 2007, p. 184). De tal modo, objetivamente, a diferença principal entre a mediação explícita e a mediação implícita é que, na mediação explícita, existe, ao menos inicialmente, uma pessoa externa, ou seja, ela se dá a partir da interação social, conforme podemos observar:

From a Vygotskian perspective, the process of mastering a semiotic tool typically begins on the social plane, though it of course has individual psychological moments and outcomes as well. In his “general genetic law of cultural development,” Vygotsky made this point by arguing that higher mental functioning appears first on the “intermental” and then on the “intramental” plane. When encountering a new cultural tool, this means that the first stages of acquaintance typically involve social interaction and negotiation between experts and novices or among novices. It is precisely by means of participating in this social interaction that interpretations are first proposed and worked out and, therefore, become available to be taken over by individuals18. (WERTSCH, 2007, p. 187).

Na análise das entrevistas, foi possível perceber que é importante o acolhimento aos estudantes com deficiência intelectual, um movimento de aceitação, uma aproximação do docente, que possibilite conhecer o estudante, suas características, suas áreas de interesse. Isso vai facilitar o processo de mediação da aprendizagem. Muitos docentes relataram uma mobilização nesse sentido:

[...] o que eu tenho feito dentro das minhas... nas leituras, digamos assim, tentativas de aproximação e de compreensão deles né e, sobretudo, um incentivo muito grande a eles no sentido de não desistir [...] eu não estou muito preocupado com a prova e as notas da (nome suprimido) de repente não representariam... então aquele de eu dar um dez pra ele, mas muito mais no sentido de motivar ele a continuar no Curso. (07PEDI).

Todavia, existe uma linha muito tênue entre aquele professor com o olhar atento e sensível e aquele com perfil mais assistencialista que, ao potencializar a importância da afetividade, da socialização e da autoestima, por exemplo, pode acabar deixando a aprendizagem em segundo plano. Apesar de reconhecermos a importância desses aspectos como estímulos para a aprendizagem do estudante com deficiência intelectual, eles não podem ser o fim/objetivo da Educação Superior. Apesar da afetividade ser de extrema importância para o processo de mediação da aprendizagem, o professor deve ter outros objetivos com o estudante com deficiência intelectual, pois:

[...] onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com extremo atraso. (VIGOTSKI, 2009b, p. 171).

Então, a afetividade deve servir como elemento mediador, estimulador, como aconteceu com a professora 16PEDI que conseguiu, ao aproximar-se do estudante com deficiência intelectual, identificar como ele aprendia e, a partir disso, adotar estratégias compatíveis para a mediação do processo de aprendizagem:

Eu acho assim, eu aprendi, na verdade eu aprendi vivenciando, porque ninguém chegou para mim para me dizer que fragmentasse a questão ou não, eu que percebi, quando eu fui explicar a ele uma parte de uma questão, que eu entendi que ele, ele entendia se a coisa fosse aos poucos, não tudo de vez. [...] se eu pedir coisas pontuais, ele ia aos pouquinhos, e no final das contas ele respondia à questão assim como a outra pessoa também responde. [...] Eu acho, assim, foi um semestre, por isso que eu disse “eu não sei se eu estou ensinando ou se eu estou aprendendo” [...]. (16PEDI).

Essa professora percebeu características específicas do processo de aprendizagem do estudante e, com esse reconhecimento, conseguiu organizar sua didática e seus processos de avaliação, a fim de contemplar o estilo de aprendizagem e a organização do pensamento do estudante.

Logo, podemos perceber que o docente com um olhar atento, que se aproxima e se preocupa com a aprendizagem, demonstra uma característica que pode favorecer e possibilitar a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual. Possivelmente, se essa professora não tivesse se aproximado do estudante, não teria percebido que ele conseguia aprender de outro modo.

Uma orientação que foi comum tanto pelos profissionais dos Núcleos de Acessibilidade, quanto pelos Coordenadores de Cursos é a diminuição no número de disciplinas. Identificou-se que os estudantes com deficiência intelectual, ao ingressarem na Educação Superior, realizam a matrícula em todas as disciplinas ofertadas no semestre, como ocorre na Educação Básica.

Contudo, observou-se que esses estudantes não conseguiam acompanhar esse montante de disciplinas e, nesse sentido, recebem a orientação de reduzir o número de disciplinas.

Cursar poucas disciplinas a cada semestre é uma estratégia interessante para os estudantes com deficiência intelectual que demandam um tempo maior de estudo e, muitas vezes, também realizam outros tipos de acompanhamentos fora do ambiente universitário. Os docentes também mencionaram o uso de estratégias pedagógicas diferenciadas como, por exemplo, fotos, vídeos, material impresso, modificar o ritmo da fala, fazer relações com a prática, atenção individualizada etc., conforme podemos observar em alguns excertos:

[...] eu uso foto, né, assim, foto e vou explicando, eu acho que é mais fácil, se eu uso um vídeo muito longo ela não aguenta, ela vem um tempo depois ela saí, depois ela volta, e aí ela repete frases feitas [...]. Mas quando a gente usa fotos eu acho que ela, claro intercalando também com, com a fala, se é só o quadro é difícil. (06PEDI).

[...] tentar colocar coisa mais prática[...]. (08PEDI).

Então, quando eu tinha alguma coisa, que era mais escrito na lousa, com coisas temáticas, que eu desenho, faço link com setas, aí nesse dia eu imprimia para ele e entregava. [...] E levava muito vídeo, muitas questões de imagens. Ele me ensinou algumas coisas, pensando no caso dele, ele me ensinou algumas coisas sem querer querendo [...]falar mais pausadamente, porque eu acho que eu falo um pouco rápido, não ficar de costas, ficar passando no quadro e explicando de costas, [...]. (04PEDI).

Nesses relatos podemos perceber que existe sim a necessidade de adaptação, inclusive na Educação Superior e, nesse sentido, discorda-se de Lanuti e Mantoan (2018, p. 124) que entendem que, “ao adaptar as atividades escolares a um determinado grupo, não se reconhece que todos os sujeitos possuem necessidades específicas”. Compreendemos que, justamente por possuírem necessidades escolares específicas e dificuldades nos seus processos de aprendizagem, os estudantes com deficiência intelectual necessitam de adaptações, com estratégias e recursos condizentes com suas características. Para isso, é necessário que o professor reconheça que todos os estudantes aprendem de modo diferente, que um recurso interessante para um estudante com deficiência intelectual pode não ser para outro.

Novamente destaca-se a relevância do olhar atento do docente ao estudante, o que lhe permite perceber quais metodologias são mais atrativas para seu processo de aprendizagem, isso também se estende para os processos avaliativos. Para os docentes, a avaliação dos estudantes com deficiência intelectual é algo muito complicado e tem causado grande preocupação:

[...] eu acho que a avaliação é a coisa mais difícil. [...]. Eu avaliei de acordo com as possibilidades dela, de como ela iniciou na disciplina e o quanto que ela conseguiu evoluir, quais foram os avanços que ela teve em relação ao conteúdo ministrado, em relação acadêmica, a participação dela nas aulas e, quanto ao estágio, conversei com a (nome da coordenadora do Núcleo suprimido) também, e deu uma ideia de buscar uma alternativa, de que o relatório dela fosse feito de uma forma diferente, não da forma escrita. [...] Mas como a gente precisa de um relatório escrito, com toda a documentação e tal, é uma exigência do curso e dos estágios, teve muito auxílio do tutor também. Mas teve muito a participação dela. (02PEDI).

[...] Teve alguns momentos que eu comentei com a professora né, se ela não poderia em vez de dar um relatório escrito, porque não poderia fazer uma filmagem com ela, poderia fazer um vídeo... [...] aí ficou aquela interrogação, mas acabaram fazendo o que já estava ali, escrito há anos, que já está institucionalizado pela Universidade e tudo mais, não podia ser diferenciado dos outros. (01PNA).

Nesse caso particular, que se tratava de uma disciplina de estágio em um curso de licenciatura foi possível notar que a busca por estratégias diferentes de avaliação ainda esbarra em questões burocráticas, no já institucionalizado, deixando os docentes inseguros, já que essas situações ainda são muito novas na universidade e não estão regulamentadas.

Nossa legislação não contempla de modo específico o processo inclusão e permanência dos estudantes com deficiência na Educação Superior. O Decreto nº 3.298/1999 é o único documento que, até o momento, apresenta a possibilidade de adaptação de provas:

Art. 27. As instituições de ensino superior deverão oferecer adaptações de provas e os apoios necessários, previamente solicitados pelo aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional para realização das provas, conforme as características da deficiência. (BRASIL, 1999, grifo nosso).

Esse Decreto é muito importante, tanto para os estudantes com deficiência - especialmente os com deficiência intelectual- quanto para os seus professores e para os Núcleos de Acessibilidade, pois ampara aqueles professores que já vinham fazendo alguma adaptação, ainda que desconhecessem esse dispositivo legal. Por outro lado, possibilita que os Núcleos solicitem as adaptações que acharem pertinentes aos estudantes que acompanham.

O que alguns professores já estão fazendo confirma que, apesar da dificuldade, outras estratégias pedagógicas podem ser adotadas, vejamos os exemplos:

Tem várias práticas de avaliação, toda aula tem uma atividade, mas atividades variadas, teve um dia que foi desenho, teve um dia com a massinha de modelar, tem dia que é análise de uma imagem, tem dia que é a partir do vídeo, “que outro final você daria para esse vídeo?” e assim por diante. [...] E para ele a única adaptação que eu fiz foi um número maior de linhas. [...], ele conseguiu acertar a maioria das questões, foi aprovado, é razoavelmente fácil, muito do que eu trabalho na aula. (04PEDI).

Essa professora apresenta uma concepção diferente de avaliação. Para ela a prova é só mais uma forma possível de se avaliar, não a única, não a mais importante. Também faz pequenas avaliações a cada aula, utilizando-se de diferentes estratégias. Ao realizar essas diferentes avaliações, a professora contempla os diferentes estilos de aprendizagem dos estudantes, fugindo da tradicional prova escrita, cumulativa ao final do semestre. Outros docentes também relataram adotar diferentes estratégias de avaliação, ou pelo menos, perceberam a necessidade disso:

[...] eu penso que vai ter que esmiuçar mais. Não vai dar para avaliar todo o conteúdo de uma unidade, eu acho que é melhor fazer, termina a aula, avaliar ao final da aula. (03PEDI).

[...]ela fez o registro que era por foto e foi muito bonito também[...] eu acho que ela vivenciou tudo o que a gente fez, todas as propostas, participou das discussões, sempre quando eu abria para eles falarem sobre o que tinha acontecido e fazer uma avalição, ela também se colocava. (05PEDI).

[...]fazer um registro por áudio, então assim “ah, relate um pouco o que que você aconteceu”, porque ela se expressa verbalmente muito bem né, oralmente, mas ela tem dificuldade também de sistematizar. (05PEDI).

Na primeira avaliação que eu apliquei, ele praticamente zerou a prova né, eu fiz, eu apliquei a prova igual apliquei com os demais colegas. [...] Então tive que fazer uma prova diferenciada, e, de fato, com isso, com essa ajuda, numa prova com questões objetivas, eu fazia assim, eu quebrava as questões, digamos assim, cinco alternativas e a partir daí, ele, de fato o desempenho dele melhorou, mas ainda assim não foi suficiente para obter a média mínima [...] eu tive que passar uma atividade extra. [...] mas essa atividade extra que eu dei para ele é algo que eu não faço com os demais, entendeu, eu fiz porque é um aluno com deficiência intelectual. (13PEDI).

Os relatos dos professores confirmam que há possibilidades de pensar diferentes estratégias para o ensino e, especialmente, para a avaliação dos estudantes com deficiência intelectual e, em algumas situações, os professores podem aprender com esses estudantes. Foi o que aconteceu com um professor de Álgebra que, nas suas próprias palavras, estava bitolado a ver de um único modo a resolução de um problema e, ao acompanhar o raciocínio de um estudante com deficiência intelectual, percebeu outra possibilidade:

Eu propus um problema envolvendo a teoria dos números, e que você tinha lá o diagrama e tal, e ele resolveu a questão e eu disse que estava errada, eu botei como errado. Aí ele veio [...] vem me mostrar “ah professor, isso aqui, olhe eu acertei a questão, deu isso aqui”. Aí eu olhei a questão e falei “não, mas tá errada, você, você não, ó, eu queria assim”, aí mostrei como eu queria tal, tal, tal. Aí, “não, mas professor, mas eu encontrei a resposta”, aí eu vi que tinha lá resposta, mas como a resposta estava solta, então não dá para entender nada, formalmente não tinha como saber como foi que ele conseguiu essa resposta. Aí falei “não, então me explica aí como foi que você fez”. Aí ele foi me explicar, e ele fez um raciocínio, embora não formalizou do ponto de vista algébrico, mas ele mostrou como foi dentro do raciocínio, ele mostrou como ele chegou. [...]eu que trabalho com matemática já há um bom tempo, e nunca tinha feito esse raciocínio, assim, você faz de dentro para fora e ele fez de fora para dentro. [...] Ele me ajudou, de certa forma, ter um olhar numa coisa que eu estava bitolado. [...] o tipo de raciocínio que eu seguia era muito linear, de fora para dentro, aí ele me mostrou o inverso, então o interessante, eu acho que foi interessante para mim. (12PEDI).

Com base nesses relatos podemos perceber que “mesmo diante de uma série de limitações, existem habilidades que, com a mediação pedagógica, podem se tornar o ponto de partida para a emergência e a constituição de processos mentais qualitativamente superiores.” (BEZERRA e ARAÚJO, 2011, p. 297). Para que esse processo de mediação aconteça é indispensável que o professor adote uma postura de aceitação do estudante com deficiência intelectual, que não o invisibilize. Todavia, é necessário transcender essa aceitação, passar para uma nova etapa, aquela que possibilita pensar em outras estratégias de ensino e de avaliação.

Considerações finais

Ao concluirmos esse trabalho destacamos, a partir das análises das entrevistas à luz dos estudos vigotskianos, que as possibilidades para a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior estão entrelaçadas aos conceitos de compensação, de coletividade como fator de aprendizagem e desenvolvimento e de mediação.

As análises indicaram aspectos considerados facilitadores à compensação da deficiência. O grau do comprometimento intelectual foi um dos elementos favoráveis a essa compensação, estando em conformidade com as pesquisas de Vygotski (2012d), que indicaram ser a capacidade compensatória dependente, inicialmente, do grau de comprometimento intelectual. Assim, quanto menor o comprometimento, maior a possibilidade de compensá-lo. Os estudantes referidos pelos professores, conscientes de suas dificuldades, buscaram estratégias para compensá-las.

Sabemos que Vigotski não negligenciou a influência das questões hereditárias e orgânicas, entretanto dava muita importância à coletividade como possibilidade de compensação da deficiência, na medida em que favorece o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Nesta pesquisa, percebemos a importância de algumas coletividades para a aprendizagem e o desenvolvimento do estudante com deficiência intelectual. A participação da família, quando existe uma facilidade de diálogo, foi um fator considerado positivo. O acolhimento e a interação da turma com o estudante com deficiência intelectual é uma atitude destacada como favorável à aprendizagem. E, ainda que com ressalvas e ponderações, os professores consideram importante a presença de monitores e tutores, que figuram como estratégia para favorecer a acessibilidade e a promoção da aprendizagem nas quatro instituições pesquisadas.

No que se refere a mediação da aprendizagem, evidenciamos que os professores sentiram a necessidade de utilizar diferentes estratégias para o ensino e para a avaliação. Nesse mesmo viés, a mediação realizada por tutores e monitores, especialmente a extraclasse, destaca-se como uma alternativa muito favorável à aprendizagem quando atua na zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente do estudante com deficiência intelectual.

Por fim, concluímos que para promover a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual na Educação Superior é necessário um esforço coletivo dos diversos atores envolvidos: família, universidade, professores, tutores, monitores e os próprios estudantes com deficiência intelectual. Entretanto, apesar desse esforço coletivo, alguns estudantes com deficiência intelectual, especialmente aqueles com comprometimento intelectual mais elevado, segundo estudos de Vigotski o as falas colhidas dos professores, terão maior limitação nas possibilidades de compensação e de aprendizagem, ainda que mediada pela colaboração, na zona de desenvolvimento proximal/imediato/iminente.

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1Texto originado a partir da pesquisa desenvolvida para elaboração da tese de Doutorado em Educação, disponível no repositório da Universidade Federal de Santa Maria: A aprendizagem do estudante com deficiência intelectual na educação superior: obstáculos e possibilidades | Manancial - Repositório Digital da UFSM.

2O Programa Incluir foi responsável por estimular a criação de Núcleos de Acessibilidade nas Universidades Federais.

3Vygotski (1997, 234) , faz referência ao conceito coletividade, tendo em conta crianças com deficiência. Para o autor, “coletividade é um grupo comum de acordo com algum traço único (idade, pertencente à mesma categoria de anomalia, nível de desenvolvimento ou desenvolvimento incompleto). Além disso, esta unificação tem um programa comum de educação e ensino. O objetivo geral, a orientação da atividade conjunta, de estudo, trabalho e lazer parte inicialmente do pedagogo (professor e educador). À medida que o desenvolvimento progride, esse objetivo comum também se torna o objetivo da atividade das crianças, a organização de fora gradualmente se transformando na auto-organização das crianças”. (Tradução nossa)

4As produções de Vigotski sobre defectologia foram realizadas entre 1924 e 1934 (ano de seu falecimento), por isso muitos termos utilizados por ele são considerados, no contexto atual, preconceituosos, devendo ser evitados. Todavia, em respeito a obra do pesquisador, as autoras optaram por manter os termos como encontrados nas referências utilizadas.

5Tradução nossa: “o processo de supercompensação está determinado inteiramente por duas: as exigências sociais que se apresentam para o desenvolvimento e educação, e as forças intactas da psique”.

6Selau (2013) e Van der Veer e Valsiner (2014) distinguem três fases das investigações de Vigotski sobre defectologia: primeira fase predomina a defesa da educação social (1924 e 1925); segunda fase é marcada pela fundamentação nos escritos de Adler (1927 e 1928); terceira fase se encontram os principais aspectos da Teoria Histórico-Cultural (após 1928).

7Tradução nossa: “Em crianças com insuficiências, a compensação segue direções totalmente diferentes dependendo da situação que foi criada, em que meio se educa a criança, que dificuldades lhe são apresentadas por causa dessa insuficiência”.

8Tradução nossa: “inclusive nos níveis inferiores de desenvolvimento, os processos de compensação estão ligados ao funcionamento da consciência”.

9Tradução nossa: “quais são os processos, surgidos no próprio desenvolvimento da criança com deficiência intelectual, que levam a superação do atraso”.

10Tradução nossa: “coletividade como fator de desenvolvimento das funções psíquicas superiores”.

11Tradução nossa: “É certo que os alunos de escolas especiais devem ser conduzidos aos objetivos comuns por outros caminhos e, neste sentido, justifica-se a existência de uma escola especial nisto reside sua especificidade”.

12Tradução nossa: “tem enorme importância o afeto, que estimula a criança a superar as dificuldades”.

13Este conceito, por haver sido traduzido no Brasil em diferentes épocas e por distintos pesquisadores, foi reescrito por nós, buscando contemplar as diversas formas em que se encontra: zona de desenvolvimento proximal, zona de desenvolvimento imediato e zona de desenvolvimento iminente.

14Tradução nossa: [...] educação social para a criança com atraso profundo é o único caminho cientificamente válido para sua educação. Assim, é o único que também resulta capaz de recriar as funções ausentes devido a insuficiência biológica da criança. Somente a educação social pode superar a solidão da idiotia e do retardo de grau profundo, conduzir a criança profundamente retardada pelo processo de formação humana, então, segundo uma notável expressão de L. Feuerbach, que pode ser tomada como epígrafe para a teoria do desenvolvimento da criança normal, o que é absolutamente impossível para um é possível para dois. Nós acrescentamos: o que é impossível ao nível do desenvolvimento individual, torna-se possível ao nível do desenvolvimento social. As palavras idiotia e do retardo de grau profundo foram traduzidas conforme a época em que foram escritas por Vygotski, no ano de 1934.

15Tradução nossa: “a linguagem, as diferentes formas de numeração e computação, os dispositivos mnemônicos, o simbolismo algébrico, as obras de arte, a escrita, os diagramas, os mapas, os desenhos, todos os tipos de signos convencionais, etc”.

16Tradução nossa: “primeiro, é explícito que um indivíduo, ou outra pessoa que está conduzindo esse indivíduo, introduz aberta e intencionalmente um “estímulo significativo” em um fluxo contínuo de atividade. Em segundo lugar, é explícito no sentido de que a materialidade dos estímulos significativos, ou signos envolvidos, tende a ser óbvia e não transitória”.

17Tradução nossa: “não é objeto de reflexão consciente e não é introduzida externa ou intencionalmente. Em vez disso, a mediação é algo que é construído automaticamente e, na maioria dos casos, não intencionalmente construída no funcionamento mental”.

18Tradução nossa: “De uma perspectiva vygotskiana, o processo de dominar uma ferramenta semiótica geralmente começa no plano social, embora, é claro, também tenha momentos e resultados psicológicos individuais. Em sua “lei genética geral do desenvolvimento cultural”, Vygotsky argumentou que o funcionamento mental superior aparece primeiro no plano “intermental” e depois no “intramental”. Ao encontrar uma nova ferramenta cultural, isso significa que os primeiros estágios de conhecimento envolvem tipicamente interação social e negociação entre especialistas e novatos ou entre novatos. É precisamente por meio da participação nessa interação social que as interpretações são primeiramente propostas e trabalhadas e, portanto, tornam-se disponíveis para serem assumidas pelos indivíduos”.

Recebido: 22 de Março de 2022; Aceito: 27 de Abril de 2022

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