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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.36 no.77 Uberlândia maio/ago 2022  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v36n77a2022-65312 

Artigos

Como elaborar plano de análise dos dados na pesquisa qualitativa: descrição, explicação ou interpretação?

How to prepare a data analysis plan in qualitative research: description, explanation or interpretation?

¿Cómo elaborar un plan de análisis de datos en investigación cualitativa: descripción, explicación o interpretación?

Hilda Maria Martins Bandeira* 
http://orcid.org/0000-0001-6439-0632; lattes: 8330817418466151

*Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí, Brasil (2014). Professora Associada da UFPI. Professora da graduação e da pós-graduação da Universidade Federal do Piauí, Brasil. E-mail: hildabandeira@ufpi.edu.br


Resumo

Discutir aspectos teórico-metodológicos que subsidie a análise dos dados na pesquisa científica é atividade complexa, pois toda produção científica está relacionada às escolhas teóricas e metodológicas do pesquisador. Este texto busca responder à seguinte questão: como podemos organizar a proposta geral do plano de análise na pesquisa científica qualitativa? Essa inquietação tem como base a condição de ser e estar professora da disciplina de Pesquisa em Educação no ensino superior, de atuar em Programa de Pós-Graduação e de integrar o Grupo de Pesquisa FORMAR que pressupõe a unidade pesquisar-formar em contexto de investigação científica. Essas circunstâncias possibilitaram dialogar com a dialética existencial em Vieira Pinto (1979), entre outras literaturas. O propósito deste trabalho é apresentar sugestões que possam auxiliar na elaboração do plano de análise e gerar uma proposta que possa nortear o processo de orientação e interpretação dos dados produzidos na pesquisa científica. Os dados trazem as seguintes evidências: formação do pesquisador com consciência crítica; análise norteada pelos objetivos específicos ou perguntas norteadoras; apropriação da teoria; descrição, explicação e interpretação na mobilização do geral, do particular e do singular do objeto de estudo; o plano de análise deve ser inteligível, interpretável, compreensível e aplicável, consoante as escolhas teórico-metodológicas.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa; Plano de análise; Formação e pesquisa; Práxis

Abstract

Discussing theoretical-methodological aspects that support the analysis of data in scientific research is a complex activity, as all scientific production is related to the theoretical and methodological choices of the researcher. This text seeks to answer the following question: how can we organize the general proposal of the analysis plan in qualitative scientific research? This concern is based on the condition of being and being a professor of the Research in Education discipline in higher education, of working in the Graduate Program and of being part of the FORMAR Research Group, which presupposes the research-training unit in the context of scientific investigation. These circumstances made it possible to dialogue with the existential dialectic in Vieira Pinto (1979), among other literatures. The purpose of this work is to present suggestions that can help in the elaboration of the analysis plan and generate a proposal that can guide the process of orientation and interpretation of the data produced in the scientific research. The data bring the following evidences: formation of the researcher with critical awareness; analysis guided by specific objectives or guiding questions; theory appropriation; description, explanation and interpretation in the mobilization of the general, the particular and the singular of the object of study and; the analysis plan must be intelligible, interpretable, understandable and applicable, depending on the theoretical-methodological choices.

Key-words: Qualitative research; Analysis plan; Training and research; Praxis

Resumen

Discutir aspectos teórico-metodológicos que sustentan el análisis de datos en la investigación científica es una actividad compleja, ya que toda producción científica está relacionada con las elecciones teóricas y metodológicas del investigador. Este texto busca responder a la siguiente pregunta: ¿cómo podemos organizar la propuesta general del plan de análisis en la investigación científica cualitativa? Esta preocupación se fundamenta en la condición de ser y ser docente de la disciplina Investigación en Educación en la educación superior, de laborar en el Programa de Posgrado y de formar parte del Grupo de Investigación FORMAR, lo que presupone la unidad de investigación-formación en el contexto de investigación científica. Estas circunstancias permitieron dialogar con la dialéctica existencial en Vieira Pinto (1979), entre otras literaturas. El propósito de este trabajo es presentar sugerencias que puedan auxiliar en la elaboración del plan de análisis y generar una propuesta que pueda orientar el proceso de orientación e interpretación de los datos producidos en la investigación científica. Los datos traen las siguientes evidencias: formación del investigador con conciencia crítica; análisis guiado por objetivos específicos o preguntas orientadoras; apropiación de la teoría; descripción, explicación e interpretación en la movilización de lo general, lo particular y lo singular del objeto de estudio y; el plan de análisis debe ser inteligible, interpretable, comprensible y aplicable, en función de las elecciones teórico-metodológicas.

Palabras-clave: Investigación cualitativa; Plan de análisis; Formación e investigación; Práctica

Introdução

Neste texto, pretendemos responder à seguinte questão: como podemos organizar a proposta geral do plano de análise na pesquisa científica qualitativa? Para materializar o propósito, várias foram as possibilidades, como diz Boff (1997, p. 9): “cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam”. Para compreender o contexto de fala de alguém, é essencial conhecer as determinações sócio-históricas e culturais do narrador.

Nesse sentido, essas inquietações acerca da pesquisa e da produção do plano de análise aconteceram, inicialmente como solicitação durante o curso de doutorado (BANDEIRA, 2014) para que apresentasse um plano de análise, e em alguns momentos do desenvolvimento da profissão docente: na condição de ser e estar professora da disciplina de Pesquisa em Educação no ensino superior, na atuação como docente no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comunidade (PPGSC-UFPI) e na situação de pesquisadora do Grupo de Pesquisa Formação de Professores na Perspectiva Histórico-Cultural (Grupo FORMAR), que tem como foco a relação de unidade pesquisar-formar em contexto de investigação científica. Essas circunstâncias possibilitaram dialogar com a dialética existencial em Vieira Pinto (1979), entre outras literaturas, tais como: Bakhtin (2009, 2011), Freire (1983), Cheptulim (2004).

O propósito é apresentar sugestões que possam auxiliar na elaboração do plano de análise e no entendimento de como é possível, a partir da revisão de literatura e dos dados empíricos produzidos por meio da investigação, gerar uma proposta que possa nortear o processo de orientação e interpretação dos dados na pesquisa científica de abordagem qualitativa, notadamente na sua manifestação do tipo colaborativa, pois nesta, ao tempo em que os dados da pesquisa são produzidos, também são criadas condições de formação dos partícipes1, ou seja, são considerados os princípios: negociação das necessidades formativas, reflexão crítica e a unidade pesquisar-formar (BANDEIRA, 2021).

Sem a intenção de explorar de modo exaustivo a perspectiva colaborativo com a qual nos identificamos, cabe ressaltar que esta, além de privilegiar os princípios referidos anteriormente, considera as quatro ações da reflexão crítica (descrever, informar, confrontar e reelaborar) nas quais o pesquisador e partícipes atuam de modo dialógico e volitivo na identificação das contradições e das tipologias de necessidades formativas que podem se manifestar por meio das dificuldades, discrepâncias, diagnoses, desejos, déficits, dilemas, expectativas, precisões, preocupações, devires, dentre outras.

Em consequência, a função do pesquisador na abordagem metodológica colaborativa está relacionada, essencialmente, na negociação dos dizeres e fazeres dos partícipes, com o propósito de trabalhar na perspectiva de transformação “e, cinte da complexidade de romper com a estrutura instituída, produzimos mediações com o objetivo de desestabilizar os pensamentos e ações fossilizadas, que nos imobilizam na explicitação do real” (BANDEIRA, 2021, p. 74).

Para Desgagné (2007), o pesquisador, além de organizar possibilidade de formação via reflexão crítica, preocupa-se com a sistematização das relações colaborativas entre os partícipes no contexto da pesquisa formação, inclusive associa o pesquisador como um “agente mediador”, no sentido da dupla função de pesquisador e formador.

Em face ao exposto, a análise de necessidades é parte integrante desse protocolo de pesquisa colaborativa. Conforme defendemos, a atividade colaborativa possibilita interpretar necessidades, fornecer informações para decidir sobre atividades de pesquisa e formação que se tornam crítico-reflexivas, interpretativas e explicativas das práticas com a finalidade de sua reelaboração. Não restam dúvidas de que a apropriação da linguagem crítica para promover a colaboração e reflexão também crítica, assim como a transformação de contextos e das pessoas constituem desafios para pensar e fazer pesquisa colaborativa.

Se pensamento e ação atuam em conjunto e estão implicados no modo de produzir conhecimento e conceber a realidade, entende-se o método como o dispositivo lógico para interpretá-la e explicitá-la a realidade, nesse caso, o diálogo produzido neste texto tem como base as lentes materialistas dialéticas. O método ao portar o arcabouço lógico pressupõe uma metodologia, de modo que a abordagem de opção foi a pesquisa qualitativa por meio da discussão com a revisão de literatura pertinente e na consideração das experiências e vivências de docente e pesquisadora, como ressalta Minayo (2014, p. 39): “[...] toda investigação social precisa registrar a historicidade humana, respeitando a especificidade da cultura que traz em si e, de forma complexa, os traços dos acontecimentos [...]”.

Pensar e fazer pesquisa qualitativa, remete a uma variedade de especulações, como refere Yin (2016, p. 4): “[...] você pode apenas querer estudar um ambiente da vida real, descobrir como as pessoas enfrentam e prosperam em tal ambiente - e capturar a riqueza das vidas das pessoas”. Há uma variedade de temas que possibilitam investigação qualitativa, notadamente no contexto das ciências sociais e humanas, evidencia questões particulares. No dizer de Minayo (2014, p. 42): “[...] o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados que transborda dela”. Portanto, trabalhar qualitativamente significa enfrentar o desafio de pensar o referencial teórico-metodológico capaz de promover aproximação da unidade e diversidade que é a vida humana em sociedade. Fica evidenciado que a pesquisa qualitativa constitui campo multifacetado, marcado por distintas orientações de métodos e metodologias.

Diante do exposto, a relação entre quantidade e qualidade na pesquisa científica não se limita a exclusão, pois quantidade também constitui qualidade do objeto, outrossim, qualidade é um dos traços da quantidade. “A dialética trabalha com a valorização das quantidades e da qualidade, com as contradições intrínsecas às ações e realizações humanas, e com o movimento perene entre parte e todo e interioridade e exterioridade dos fenômenos” (MINAYO, 2015, p. 24).

De modo geral, a literatura é farta sobre pesquisa científica, projeto de pesquisa, todavia, pouco esclarecedora no que concerne a organização e a análise dos dados na pesquisa científica qualitativa. Sabemos o quanto é complexo pensar a lógica de análise dos dados como parte integrante da metodologia.

Este artigo, portanto, discute a proposta geral de um plano de análise e, além desta introdução, o texto foi organizado em três seções. Na primeira seção, a compreensão sobre pesquisa e plano de análise; na segunda, a explicação sobre a categoria práxis sob o ponto de vista das lentes materialistas, portanto, trazendo o diálogo com as implicações do estudo, e a última com os arremetes para as conclusões que contemplam as contribuições para a elaboração de uma proposta geral do plano de análise dos dados na pesquisa qualitativa com a perspectiva de pesquisar e formar.

Do concreto caótico ao concreto pensado: pesquisa e movimento de análise dos dados

Produzir ciência é instrumento de libertação à medida que decorre de uma atividade pensante, ou seja, é nossa condição existencial que permite ter atitude de indagação e consciência ativa diante das circunstâncias da prática social. Pesquisa científica é processo complexo em que são criadas possibilidades de apropriação do conteúdo e da forma dos objetos, com fins de atender necessidades existenciais de transformar pessoas e contextos. Nesse sentido, Vieira Pinto (1979) tece críticas a pesquisa científica que privilegia somente o hábito, a prática sem a necessária conexão com os princípios e a base epistemológica. Se a pesquisa científica constituir objeto de discussão apenas metodológico, ou seja, sem a necessária orientação filosófica definida, no nosso entendimento, isso limita as possibilidades de o pesquisador desvelar novos dados da realidade.

De modo geral, no contexto das pesquisas científicas não constitui prática frequente a reflexão teórica, filosófica sobre o próprio trabalho e sobre a condição existencial do ser humano. Esses ressaibos se encontram no passado e no presente, incluindo os que vivem a pesquisa científica, sejam pesquisadores experienciados ou não. Consideramos essas pautas tão relevantes quanto a reflexão sobre a metodologia, a lógica da razão científica na produção do conhecimento e na consciência crítica do pesquisador. Assim, produzir conhecimento científico implica analisar o objeto de estudo pelo saber imbricado na realidade do mundo para além do imediato, como refere Vieira Pinto (1979, p. 5): “[...] encontrar o ângulo de visão que assegure [...] a via correta para alcançar [...] problemas postulados pelo conhecimento de qualquer tema, [...], e o das totalidades de que a ciência se ocupa, e adquirir os meios de resolvê-los”.

Nesse sentido, o autor chama atenção para três tipos de pesquisadores que se fizeram ou se fazem presentes no decorrer da história: os sábios de alto mérito, os filósofos “lógicos” e os cientistas. Ao primeiro pesquisador, há criação de descobertas que ressoam na História contemporânea da ciência, todavia, podem expressar uma prática sem a teoria adequada; ao segundo tipo, fechado em seu pensamento abstrato com informações secundárias ou terciárias, expressam uma teoria sem a prática essencial; e o terceiro tipo (cientista) que ao não manifestar relação de exclusão com a unidade teoria-prática, prossegue na investigação, confiante no método que a razão lhe encaminha como pertinente e que a imaginação criadora lhe sugere, consoante ao objeto de estudo ou problema ao qual se dedica.

Esses tipos opostos de pesquisadores portam autoridade intelectual com posição reconhecida na sociedade expressando concepções referentes à métodos e fins da pesquisa científica, mas, se não refletem sobre os fundamentos epistemológicos e sobre as determinações sociais; decerto manifestam consciência ingênua. Partimos do pressuposto que a prática pressupõe imersão do cientista numa teoria consciente, assim como implica numa prática necessária e consciencializada pelo pesquisador.

Pensar e fazer pesquisa implica considerar a formação do pesquisador com consciência crítica, visto que a apropriação da natureza da pesquisa científica exige posse de uma teoria geral. Para Vieira Pinto (1979) e Cheptulim (2004), a compreensão dessa teoria é elaborada e validada à medida que encontramos o ponto de partida objetivo e sólido que gere uma cadeia de raciocínios que nos direcione para o desenvolvimento de proposições do saber científico e de âmbito geral. Vieira Pinto (1979, p. 9) é assertivo ao revelar: “[...] tal ponto de partida é encontrado na compreensão filosófica do significado do conhecimento humano - de sua fonte, função, procedimentos e finalidades - e de seu efeito [...]”.

O autor à medida que realça a formação da consciência do pesquisador, reitera a apropriação da natureza de seu trabalho que subjaz repertório teórico geral da pesquisa científica, assim como o princípio de partida consolidado na movência de raciocínios e proposições do saber científico e de caráter geral. Dito isso, o ponto de partida e a relação com o universal se manifestam: “[...] de um lado na criação de um mundo de verdades, constituído de ideias abstratas, reflexos legítimos da realidade, e de outro, na criação do próprio ser do homem em geral, e do pesquisador, enquanto trabalhador, em particular” (VIEIRA PINTO, 1979, p. 9).

Partindo do pressuposto que a prática é a base do conhecimento humano, consideramos que a implicação ativa sobre a prática social nos permite sentir, perceber representar e compreender as relações e interações do objeto, fenômeno ou coisa, assim como suas propriedades e/ou “coisidades”. O conhecimento constitui fenômeno multidimensional e concomitantemente físico, biológico, psicológico, cultural e social.

Nesse processo, ao pesquisador é exigido elaborar conclusões intelectuais, análises e sínteses. O movimento de compreensão desse par dialético (análise-síntese) exige a superação do concreto caótico, ou seja, da imediaticidade da realidade e à medida que o movimento do pensamento transcende ao concreto pensado, são elaboradas múltiplas relações, inclusive, possibilitando novas sínteses que, por sua vez, não se desvencilham de novas análises.

A análise implica o trabalho com os dados da investigação, sua organização, a descoberta de aspectos importantes, o processo de categorização e a decisão sobre o que vai ser considerado no objeto delimitado. Os produtos desse processo resultam no plano geral de análise-síntese, assim como em publicações de artigos, livros e comunicações. Bogdan e Biklen (1994) ressaltam que a tarefa analítica de possibilitar que os dados materiais recolhidos sejam interpretáveis e compreensíveis, a priori, se apresenta para o pesquisador iniciante como monumental. De fato, até para pesquisadores experientes, a tarefa é árdua, visto que cada objeto de estudo apresenta suas peculiaridades e necessidades.

Encontramos no plano de análise a essência da sistematização do conhecimento produzido na relação triádica: descrição, explicação e interpretação. Nesse sentido, o conhecimento analítico e sintético constitui momentos contínuos do processo de produção dos dados da pesquisa científica. Portanto, a escolha da análise-síntese está condicionada às escolhas teórico-metodológicas do pesquisador, mas não a elas se limitam, visto que depende também do conteúdo e da forma do objeto que intencionamos conhecer.

Em consonância com as lentes materialistas, o processo de análise-síntese considera a existência de variadas formas de movimento da matéria, portanto, uno e o múltiplo se exigem no processo de compreensão da unidade necessária e essencial do objeto de estudo. Em complemento, análise e síntese portam atributos criativos e contribuem para o desenvolvimento do conhecimento. Kopnin (1978, p. 236) adverte: “[...] a criação no conhecimento não implica a separação do mundo objetivo e suas leis, mas na apreensão deste em toda a plenitude e objetividade [...]. Prossegue o autor: “[...] a atividade analítico-sintética do pensamento humano é livre e ilimitada na representação objetiva dos fenômenos da realidade”.

Partimos da compreensão que o plano de análise expressa o que é necessário e suficiente para que o processo de descrição, explicação e interpretação dos dados da pesquisa científica aconteça. Na elaboração do plano de análise é necessário considerar: princípio geral norteador; conteúdo e forma variados refletem e refratam o objeto de estudo; método de fundamentação e demonstração; e clareza do dispositivo de análise e do dispositivo teórico. Cabe destacar que a objetividade do plano de análise sob as lentes materialistas implica dialogar com análise crítica.

Em decorrência, ao interpretar a função da prática social é possível a descoberta de novos aspectos, conexões e relações entre os objetos e fenômenos materiais, todavia, o aprofundamento do conhecimento humano é potencializado ao se proceder de forma dialética. Reconhecer a função da atividade prática humana tanto como ponto de partida ou base do conhecimento quanto como critério de veracidade da teoria, exige que o real seja analisado cientificamente, concomitantemente, o critério da prática também contém o atributo da contingência, pois demonstra a veracidade desta ou daquela lei, tese, entre outras. Não restam dúvidas de que isso ocorre em determinadas condições, haja vista que estas são espaço-temporais, ou seja, não são para sempre e não se dão em toda parte. A prática social está em contínua movência, tem necessidades e se desenvolve, sendo o repouso temporário.

Pensar o plano de análise dos dados na pesquisa científica é pensar a lógica produzida para orientar o processo de análise e interpretação dos dados produzidos na investigação. É possível assegurar que o plano de análise tem intrínseca relação com o conteúdo do objeto de estudo e a opção pela relação teórico-metodológica, visto que sua natureza é determinante na sistematização da forma do plano de análise.

Para elaborar o plano de análise, cabe ao pesquisador ter apropriação do objeto de estudo, da revisão de literatura pertinente, da produção da metodologia coerente e da operacionalização dos procedimentos da investigação. Destarte, as escolhas teórico-metodológicas direcionam o pesquisador para o conteúdo e forma da perspectiva de análise, o qual necessita também de apropriação dos dispositivos de análises existentes na academia, por exemplo, análise de conteúdo, análise do discurso, interação verbal, entre outros. Cabe evidenciar que existem à disposição programas de computador para auxiliar no processo analítico-sintético, inclusive contribuindo na compilação (constituição formal dos dados); na decomposição (codificação de dados); na recomposição (identificação de padrões emergentes). No entanto, as escolhas de quaisquer decisões são do pesquisador.

O conhecimento científico advindo da revisão de literatura constitui a premissa do conhecimento científico anterior na produção do plano de análise, resume-se na atitude de “saber que sabe, por que sabe e como sabe” (VIEIRA PINTO, 1979, p. 38). É necessário compreender que o plano de análise é uma proposição lógica e seu conteúdo varia, assim como as relações entre seus diversos aspectos, tais como: a movência do objeto de estudo e suas relações com a aplicação daquilo que se entende por método e metodologia. Pensar a pesquisa, assim como sua proposta de análise exige considerar a prática social com suas necessidades existenciais em movimento e desenvolvimento. Em decorrência, a compreensão dos processos de pensamento e de atuação sobre a realidade vinculada com os modos de produção da existência de determinado grupo ou contexto.

Em síntese, cabe considerar: apropriação da teoria para subsidiar as escolhas, pois é a revisão de literatura que vai conduzir a produção da proposta de análise; escolha dos conceitos-chave no estudo da teoria, notadamente relacionado ao objeto de estudo; produção do texto para o plano de análise, a qual é teórico-metodológica, ou seja, não tem análise, mas tem um caminho para produção da análise que se dá por meio da teoria e à medida que os dados empíricos são produzidos, o plano de análise necessita de ajustes, a fim de atender aos critérios de veracidade e precisão2 da unidade teoria e prática.

Em face ao exposto, a partir dessa referência norteadora (revisão de literatura, método e metodologia) e das escolhas feitas, o pesquisador pensa e sistematiza a lógica da proposta de análise. Quem produz essa lógica é o pesquisador que tem como norte a forma da técnica de análise do conteúdo e/ou do discurso (conforme opção do pesquisador) e da teoria que o orienta. De posse dos dados produzidos, é comum indagar, e agora? Por onde começar o processo de análise? É uma opção orientar a análise por meio dos objetivos específicos ou transformá-los em perguntas norteadoras. Não há dúvidas que se soubermos a direção, o rumo, encontraremos o caminho.

Destarte, o plano de análise como parte constituinte da metodologia, prospecta esse rumo à medida que constitui um sentido, demonstrando com propriedade onde está nossa direção, como a agulha de uma bússola que aponta sempre para o norte, independentemente de nossa posição no mundo. Ocorre que, o plano geral de análise orienta o processo analítico-sintético em estreita relação com a nossa posição no contexto sócio-histórico e cultural em que nos encontramos. Portanto, a lógica quem produz é o pesquisador, óbvio que precisa ter rumo e prumo com as escolhas teórico-metodológicas, além de ser inteligível, interpretável, compreensível e aplicável.

Plano de análise na dimensão da práxis

De modo geral, sob as lentes materialistas, o critério de verdade na produção do conhecimento encontra-se na atividade, em outras palavras, na práxis histórico-social, conforme Marx e Engels (2002), é na práxis que demonstramos a verdade, a realidade, a terrenalidade dos nossos pensamentos e ações. A força da práxis como critério de verdade, na expressão de Konstantinov (1975) porta dois atributos: caráter sensorial-material da objetividade do conhecimento; e sendo o conhecimento de caráter geral deve ser demostrado com outro geral. Destarte, o conhecimento do singular dos dados produzidos não é suficiente para demonstrar o geral, como refere Engels (1975), somente a observação empírica não é suficiente para demonstrar a necessidade do fenômeno com suas determinações sociais.

Não restam dúvidas de que do ponto de vista das lentes materialistas, precisamos demonstrar os conceitos, comprovar a produção do conhecimento na práxis. Esse processo de descrição, explicação e interpretação de determinado conhecimento ocorre, conforme nosso entendimento, sob a forma do plano de análise a partir do conhecimento existente, ou seja, advém do processo de revisão de literatura. Inclusive, a revisão de literatura pode ser inferida como a dedução e a empiria como a indução. Decerto, a práxis é processo constituído por distintos traços, estágios e relações, haja vista que a práxis de um determinado contexto sócio-histórico é insuficiente para comprovar a veracidade das teorias apresentadas pela ciência.

Para evidenciar essa assertiva da práxis como critério de verdade do conhecimento, assim como para realçar as categorias de precisão ou justeza e veracidade ou autenticidade, cabe ilustrar que, por exemplo, o conhecimento existente sobre epidemiologia não foi suficiente para conter a pandemia da covid-19 (SARS cov-2), anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020. Cabe considerar ainda, que as normas e/ou protocolos do conhecimento existente sobre outras epidemiologias possibilitaram ancorar novas pesquisas e prospectar as distintas vacinas contra a covid-19 (BioNTech, Pfizer; Oxford, AstraZeneca; Butantan, CoronaVac; Johnson & Johnson, Janssen, etc.), e que diante do avanço da ciência e da tecnologia, comparada a outras pandemias, a vacina da covid-19 foi desenvolvida em tempo recorde, ainda que a quantidade de indivíduos vitimados crescesse vertiginosamente. Reiteramos o caráter de relatividade de verdade da práxis e que não negamos o critério absoluto de sua existência, pois só na base da práxis de hoje ou de amanhã, é possível atingir a verdade objetiva.

Por conseguinte, a categoria precisão ou justeza que implica na apreciação da ação está relacionada à categoria veracidade ou autenticidade que pressupõe a ideia, ambas se exigem e se complementam. Na lógica dialética e de forma didática, precisão ou justeza, se plasma via confronto da ação (teórica ou prática) com a situação (norma, regra) e que se distingue da veracidade ou autenticidade, pois se plasma via confronto do conteúdo do pensamento/ideia com o objeto.

Ocorre que na atividade, o ser humano transita da veracidade/autenticidade (ideia) à precisão/justeza (ação). Parafraseando Kopnin (1978), a ação vinculada à categoria de precisão ou justeza não é uma ação em si mesma, pois é uma outra esfera que está vinculada a veracidade/autenticidade e atividade teórica, tendo em vista que se trata da conduta humana, da apreciação dos seus atos, das ações do ponto de vista teórico, consoante as necessidades teórico-práticas.

O conhecimento é processo cognoscitivo, cujo propósito é a materialidade objetiva e multidimensional de suas relações, portanto, “[...] a práxis em desenvolvimento depura o conhecimento do que é falso e impele-o em frente para novos resultados que necessitamos”. (KONSTATINOV, 1975, p. 236).

Assim, o método é processo e produto da atividade e da práxis pensante e consciente do pesquisador, ou seja, da perspectiva assumida por ele, a fim de extrair as múltiplas determinações do objeto de estudo focalizado. Por conseguinte, o método não é estático, visto que implica determinada posição para apreender o objeto, a coisa e/ou fenômeno em sua estrutura e dinâmica real de sua existência. Destarte, a função do pesquisador e/ou partícipe é ativa, haja vista que é necessário mobilizar “[...] um máximo de conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e imaginação” (NETTO, 2011, p. 11). O método é fruto e processo da produção teórico-científica.

Nesse sentido, o método exige dois aspectos intrinsecamente relacionados - objetivo e subjetivo. Para Kopnin (1978, p. 92-93): “[...] todo método atua como sistema de regras ou procedimentos elaborados para o conhecimento e a prática”. Desse modo, podemos abordar a categoria de precisão ou justeza como critério de apreciação das ações dos partícipes implicado no movimento de produção do conhecimento científico tanto para o método da lógica formal quanto para outros métodos especiais3, inclusive, para o método na lógica dialética. Reiteramos, precisão e veracidade são interdependentes, mas cada uma tem suas especificidades.

Ao tratar de produção nas lentes materialistas convém esclarecer que diz respeito ao grau de determinado desenvolvimento social da produção da humanidade. É importante considerar as determinações do quadro geral (universal), daquelas que se referem a determinada época (particular), assim como os casos específicos de determinado grupo e/ou indivíduo (singulares). Nessa relação, apreende-se a materialidade, a historicidade e o movimento, que constituem os três princípios do método Materialismo Histórico Dialético (MHD).

Nesse sentido, o método é decorrente das relações entre pensamento e realidade, pois, conforme Vieira Pinto (1979, p. 387): “por um lado manifesta uma dentre as possibilidades operatórias da razão no trato ordenado e interpretativo dos dados do mundo real, por outro, está determinado pela natureza do objeto, dos dados a que se aplica”. Por conseguinte, cabe ao cientista e/o pesquisador conhecer e se apropriar dos métodos que julga adequados ao campo que investiga, todavia, aberto a liberta-se deles e a criar outros, notadamente quando entender que são insuficientes para atender às finalidades que se propõe. Na expressão de Vieira Pinto (1979, p. 388) esta atitude plástica constitui a essência da racionalidade dialética, pois, “a dialética ensina ao sábio ser ao mesmo tempo conservador e inovador”, logo cabe considerar e responder aos desafios inesperados da prática social.

É necessário esclarecer que a dialética tem como função precípua, a explicação da realidade, pois o cientista ao investigar fatos físicos, biológicos, sociais e humanos não é apenas um recebedor de métodos existentes, mas, também capaz de fazer descobertas e inovações metodológicas. Desse modo, na elaboração do plano de análise como parte que integra a metodologia, é importante considerar o movimento real do objeto e interpretado no plano ideal do pensamento, visto que tem existência material e esta não depende do desejo e das representações do pesquisador para existir. Consoante, as representações, os desejos, entre outros, podem manifestar a aparência fenomênica imediata por onde inicia o conhecimento, sendo essa aparência um nível da realidade considerado na apreensão da essência, ou seja, na estrutura e dinâmica que se dão por meio de procedimentos analíticos e na operacionalização da síntese.

A análise começa por algum objeto (fenômeno, acontecimento, enunciações/enunciados/episódios, narrativas, entre outros) “isolado”, “concreto” que não se decompõe apenas em seus componentes no pensamento, mas se reduz a certo universal. Síntese não significa simplesmente os resultados da análise, reproduzindo o que havia antes. No processo de apreensão da análise e síntese, é considerado a variedade das formas do movimento da matéria em sua unidade essencial, interna e necessária, conforme evidência Kopnin (1978, p. 235): “sem análise não há síntese”. Análise e síntese têm caráter criativo e seu resultado é o avanço do conhecimento, assim como a criação do conhecimento que não é reparação do mundo objetivo e suas leis, mas apreensão destes em toda a plenitude e objetividade.

Diante do exposto, a teoria sem o método expressa apenas ato contemplativo que se contrapõe à prática. Entendemos que não é a teoria que se contrapõe à prática, mas a mera abstração ao manifestar sua relação excludente. A compreensão da teoria não é apenas de ordem intelectiva, haja vista que a sua compreensão se dá como uma questão de método, de postura que assumimos diante das escolhas que fazemos para interpretar a produção do conhecimento e a própria vida. Destarte, a teoria como ato intelectual não está isolada da ação das pessoas, engajadas no mundo e na relação com o outro. A esse respeito, Pereira (2006) destaca três aspectos fundamentais a considerar: saber distinguir teoria e abstração; considerar que a elaboração da teoria não é somente uma questão lógica, mas também antropológica; o ser humano é complexo e está em constante busca de sentido, logo não é um ente apenas dotado de razão.

O pesquisador na sua condição humana, protagonista do ato teórico-prático, faz uso da razão, da emoção, dos desejos, das angústias, ou seja, porta distintas tipologias de necessidades e sobretudo pensa e age. Por causa disso teoriza, pois seu ato teórico-prático está relacionado tanto às suas múltiplas necessidades humanas quanto à sua racionalidade, ou seja, teoriza porque, além de pensar, sente, age e expande. (BANDEIRA, 2021).

Em face ao exposto, a compreensão da teoria e da prática exige considerar as contradições da realidade. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa, ainda que o grau dessa atividade seja muito variável (BAKHTIN, 2009). Toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra é produzida por meio da contrapalavra dos partícipes.

Considerações finais: o que é necessário e suficiente no processo analítico-sintético?

No processo de análise dos dados de uma pesquisa científica qualitativa em que o foco são as relações, as recorrências, as frequências, as significações e as compreensões produzidas com o objeto de estudo, portanto, consideramos necessários e suficientes os três momentos do processo de análise: descrição, explicação e interpretação. Esta relação triádica constitui a ossatura de organização do processo de análise e síntese que ao portar esta possível “forma”, não porta um conteúdo específico e único. Segue a Figura 1, com a sinopse do processo analítico e sintético proposto neste texto.

Fonte: Produzido pela autora, Teresina - PI, 2022.

Figura 1 Relação triádica do processo analítico-sintético na pesquisa qualitativa 

Aparentemente, o primeiro momento do processo de análise é aquele em que o pesquisador começa a descrever os dados produzidos, que são partes constitutivas do todo. De fato, há um momento precedente, refere-se ao momento em que a consciência intencionalizada apreende o todo e este momento se dá nas idas e vindas de (re) leitura e interação com os dados, inclusive no trabalho de escuta e de silêncio. Como ressalta Freire (1983, p. 91): “a etapa descritiva é já o segundo momento: o da cisão da totalidade ad-mirada” (grifo do autor). A descrição pode expressar variados níveis de detalhes, caracterizando pessoas, eventos, ações, contextos e, à medida em que apresenta densidade permite ao leitor perspectivar compreensões do objeto de estudo e de suas determinações sócio-histórico e culturais. O trabalho do pesquisador que se dá no âmbito humano, envolve problema filosófico que não pode passar desapercebido, nem tampouco minimizado.

A explicação como segundo momento triádico desse processo analítico-sintético não significa a mera aceitação das constatações dos dados. Reconhecemos neste texto que uma reflexão pretensamente crítica nos possibilita compreensão dialética das diferentes formas como conhecemos e nos relacionamos com o mundo, por conseguinte, é indispensável a superação da compreensão ingênua do conhecimento, na qual, por vezes nos conservamos. Ingenuidade que se reflete nas situações de pesquisa em que o conhecimento existente é tomado como algo apenas a ser transferido entre uma pesquisa e outra. Este é um modo conservador, mecânico de compreender o conhecimento, que desconhece a confrontação com as determinações do real como fonte fundamental do conhecimento, nos seus distintos estágios. Segundo Freire (1983, p. 12): “[...] o conhecimento [...] exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação trans-formadora sobre a realidade [...]. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica [...]”.

Na explicação, há um esforço cognoscitivo que por sua vez não é repetir tal qual, anteriormente, foi dito na seção de revisão de literatura, fazê-la numa situação nova, em que se manifestam faces antes não elucidadas e a abertura de outras possibilidades ao objeto de estudo. Em decorrência, o desenvolvimento da postura ativa e colaborativa, de buscar o como e por que das coisas, característica de quem conhece e operacionaliza a práxis, na qual teoria e prática implicadas não se separam, ou seja, implica ainda numa postura de quem busca o saber e não de quem passivamente o recebe. Nesse âmbito, Bakhtin (2011, p. 316) realça que ao lado da explicação, necessitamos praticar a compreensão de nossa liberdade. No dizer bakhtiniano, na explicação “existe apenas uma consciência, um sujeito; na compreensão, duas consciências, dois sujeitos”. Logo, a explicação carece de relação dialógica e esta é possibilitada via ato de compreensão e em contexto colaborativo.

O terceiro momento, o da interpretação, não se dissocia da descrição e da explicação, cabe realçar que os fatos, os fenômenos, as coisas são presenças apreendidas pelo pesquisador e que necessitam ser desvelados nas suas conexões, visto que na análise produzida, a forma de compreender as relações implica entender que os fatos não estão isolados e que estas relações podem estar claras ou ocultas ao pesquisador, portanto o modo de compreender está condicionado pela realidade sócio-histórica e cultural em que nos encontramos.

Reconhecemos que há diversidade de formas de compreensão e de colaboração, não há fronteiras acentuadas entre elas, pois praticar a compreensão e a colaboração é torna-se parte integrante da dialogicidade do processo analítico-sintético dos dados. Para colaborar na pesquisa é necessário descrever e interpretar práticas e teorias manifestando compreensões e discordâncias (IBIAPINA, 2008). Considerando o pressuposto bakhtiniano, o trabalho do analista envolve três momentos: precisão dos fatos que se constitui em reunir os dado materiais e na reconstituição do contexto histórico, o que compreendemos como o momento da descrição; explicação do fenômeno ou do objeto de estudo por meio de leis sociológicas, psicológicas e até biológicas; e a interpretação que se constitui na mediação entre a descrição e a explicação que, por sua vez é onde se situa atividade singular do crítico e do pesquisador em ciências humanas.

A interpretação como diálogo é mediada de sentidos, traspassa necessidades, uma vez que o sentido nasce do encontro com o objeto de estudo, os partícipes e a prática social. Ainda que sejamos frutos das determinações sociais, no que concerne aos sentidos temos relativa liberdade na sua produção, portanto, é nesse âmbito que praticamos a dialogicidade, ou seja, o ato de compreensão e de colaboração.

Em face ao exposto, no processo de análise dos dados, o pesquisador é exigido a demostrar a apropriação do apreendido, a reinventá-lo de modo crítico e criativo nas situações da análise desenvolvida, ou seja, é uma inserção na dialogicidade do pesquisador em torno do objeto de estudo cognoscível e apreendido. Nessa direção, o processo de análise dos dados se (des) revela em novas manifestações do conteúdo inicial. Portanto, nesse contexto que somos seres da práxis, da reflexão e da ação mediatizada pelas relações com a prática social, na qual à medida que o pesquisador atua e a transforma, cria a realidade que, por sua vez, o envolve e condiciona sua forma de atuar.

Desse modo, o processo analítico-sintético e/ou análise e interpretação tem forma, à medida que constitui uma estrutura da organização do conteúdo, no entanto, não tem um conteúdo específico e estático, haja vista que o conteúdo é a unidade necessária e contingencial que se renova continuamente. Em seguida, apresentamos a Figura 2, com a sinopse do movimento analítico-sintético dos dados produzidos na pesquisa científica, especialmente à perspectiva de pesquisa que considera a unidade pesquisar-formar.

Fonte: Produzido pela autora, Teresina - PI, 2022.

Figura 2 Sinopse do movimento analítico-sintético 

Reiteramos que na perspectiva defendida neste texto, há inter-relação dialética do processo analítico-sintético que implica a relação triádica (descrever, explicar e interpretar) na consideração dos três movimentos de formação do que é geral, particular e singular do fenômeno ou do objeto de estudo. Esse processo é suscetível de várias indagações, tais como: o que fez aquele grupo ser particular (traços de homogeneidade e de regularidades), mas generalizado em outros trabalhos; o que a literatura e/ou teóricos evidenciam das mesmas características que encontramos no grupo particular dos partícipes. É fundamental e determinante na produção do processo analítico-sintético, a produção de uma identidade entre o objeto de estudo e sua relação com o que é geral do fenômeno, na mediação com o particular para possibilitar as singularidades (traços únicos).

Compreender a essência da sistematização do conhecimento científico e suas manifestações está relacionado à interpretação da natureza da síntese e sua atitude face à análise. Reiteramos, a inter-relação entre análise e síntese, pois em toda análise há síntese e esta também incorpora a análise como momento. Para uma direção mais didática, segue o esquema que tem norteado o processo de análise em nossas pesquisas científicas qualitativas, notadamente na sua manifestação colaborativa em que formar e pesquisar estão intrinsecamente relacionados.

1ª Descrição:

- Caracterização do conteúdo de abertura, cenário;

- Materialidade dos enunciados/enunciações ou circunstâncias;

- Contextualização do episódio (é do diário, da colaboração, da observação, da entrevista...);

- “Sempre no início da análise”, “não pode emitir juízo de valor”.

2ª Explicação:

- Caracterização por meio de leis sociológicas, psicológicas, filosóficas e biológicas, que estão subordinadas aos enunciados;

- Categorias e princípios do MHD (historicidade, materialidade e movimento), considerar o pressuposto estabelecido para análise.

3ª Interpretação:

- Síntese, trazer as categorias de interpretação;

- Não dá para chegar na interpretação/conclusão sem demonstrar a contrapalavra (dos autores e a do analista/pesquisador);

- Síntese ou totalidade implica considerar o estado da arte, a revisão de literatura;

- “Sempre no fim”;

- Emerge a novidade, a criação e as prospecções.

A partir do diálogo com a dialética existencial em Vieira Pinto (1979), a mediação com a literatura referenciada neste texto e o nosso lugar nas circunstâncias sociais de docente e pesquisadora, foi possível responder à questão proposta inicialmente: “como podemos organizar a proposta geral do plano de análise? Entre as possibilidades apresentadas no diálogo com o tema, cabe considerar as seguintes constatações: a análise pode ser norteada pelos objetivos específicos ou suas perguntas norteadoras destes; a exigência de formação do pesquisador com consciência crítica; a apropriação da teoria para subsidiar as escolhas do analista/cientista; a revisão de literatura pertinente medeia a proposta de análise; a consideração da relação triádica, descrever-explicar-interpretar; a relação geral-particular-singular no movimento analítico-sintético; a lógica da proposta do plano de análise é construção do pesquisador diante das escolhas teórico-metodológicas; o plano de análise deve ser inteligível, interpretável, compreensível e aplicável, consoante as escolhas teórico-metodológicas.

É importante destacar a relação recursiva em todo o movimento do processo analítico-sintético. Consideramos o pressuposto de que a relação recursiva pode retornar ao momento de recomposição dos dados, a fim de redimensionar as análises e sínteses. Outrossim, o movimento de descrição, explicação e interpretação se complementam, especialmente no que refere às investigações que têm como princípios a unidade pesquisar-formar, as necessidades formativas e a reflexão crítica, como é o caso da pesquisa colaborativa que envolve o pesquisador e partícipes em movimento colaborativo.

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1Partícipe constitui termo recorrente na Pesquisa Colaborativa, para se referir aos envolvidos (sujeitos) na pesquisa. De acordo com a Resolução 510/2016, de 7 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, participante deve ser o termo utilizado nessa área do conhecimento da pesquisa científica.

2Veracidade ou autenticidade, precisão ou justeza, são categorias discutidas por Kopnin (1972, p. 230-231; 1978). Na lógica dialética, precisão ou justeza além de manifestar as leis objetivas, fórmula normas do conhecimento teórico e da atividade prática; veracidade ou autenticidade, se refere à apreciação do conteúdo e da ideia determinado pelo objeto de estudo.

3Metodologia ou métodos especiais em Kopnin (1978) são equivalentes às metodologias. Em Vieira Pinto (1979) métodos particulares diz respeito às metodologias. Na acepção ampla, filosófica ou epistemológica, entendemos que o método é constituído por leis, princípios e categorias.

Recebido: 04 de Abril de 2022; Aceito: 17 de Maio de 2022

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