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Revista Eletrônica de Educação

versão On-line ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.1 São Carlos jan./abr 2019  Epub 05-Ago-2019

https://doi.org/10.14244/198271992502 

Demanda Contínua - Artigos

Breves considerações acerca da historicidade da avaliação pedagógica

Brief considerations about the historicity of the pedagogical assessment

Breves consideraciones acerca de la historicidad de la evaluación pedagógica

Eunice Maria Nazarethe Nonato I  

Edineia Sodré Pereira de Almeida II  

IÉ graduada em Direito pela Faculdade de Direito Vale do Rio Doce (1998) licenciada em Pedagogia pela Universidade Vale do Rio Doce (1985). Mestre em Educação (2002). Doutora pela Universidade Vale do Rio dos Sinos - RS (2010). Professora no curso de Mestrado em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce. Email: eunice.nonato@univale.br - Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Governador Valadares-MG, Brasil

IIGraduada em Direito e Pedagogia. Mestranda em Gestão Integrada de Território pela Universidade Vale do Rio Doce. Professora do Ensino Fundamental na rede municipal de ensino de Barra de São Francisco-ES. Email: espa2711@hotmail.com. - Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Governador Valadares-MG, Brasil


Resumo

O mecanismo da avaliação pode ser entendido como uma das mais importantes engrenagens que colocam em funcionamento o processo pedagógico de uma instituição de ensino. Por esse motivo, é necessário que seus mecanismos constitutivos sejam constantemente revisados, com vistas a aferir se obtêm sucesso em relação aos fins aos quais se propõe. Tal necessidade, lugar onde reside a justificativa do trabalho, se acentua perante um paradoxo: mesmo que o discurso teórico acerca da avaliação aponte para um pensamento inclusivo e democrático, as práticas avaliativas ainda permanecem impregnadas de influências dos modelos tradicionais, o que resulta numa educação bancária, excludente e hierarquizante. Nesse sentido que, por meio de uma pesquisa qualitativa embasada em ampla análise bibliográfica, se empreenderá uma análise histórica da avaliação até o ponto do status quo atual das práticas pedagógicas avaliativas, no intuito de evidenciar tais contradições, lançando-se posteriormente a uma discussão crítica dessa trajetória histórica. Tal é o objetivo do trabalho. Por fim, concluiu-se que é necessário um esforço teórico e prático daqueles que pretendem pensar as práticas pedagógicas no sentido do desenvolvimento gradual de um novo modo de avaliar: um modo que leve a sério o princípio de uma escola democrática e todas as suas implicações.

Palavras-chave: Avaliação pedagógica; Historicidade; Prática pedagógica

Abstract

The mechanism of the statutory assessment can be understood as one of the most important gears that put into operation the teaching-learning process of an educational institution. For the same reason, it is necessary that all its constituent mechanisms be constantly reviewed, in order to measure its success in relation to the goals it proposes. This need, wherein lies the justification of this work, is accentuated before a glaring paradox: even though the theoretical discourse about the pedagogical assessment point to an inclusive and democratic thinking, the practice is still imbued with influences of traditional evaluative models, which results in a banking education, exclusive and hierarchical. In this sense, through a qualitative research based on extensive literature analysis, a historical analysis of the evaluation to the point of the current status quo is undertaken, in order to highlight these contradictions and inconsistencies, launching later to a critical discussion of this historical trajectory. Such is the objective of this study.

Keywords: Educational assessment; History; Educational practices

Resumen

El mecanismo de la evaluación puede ser entendido como uno de los más importantes engranajes que ponen en funcionamiento el proceso pedagógico de una institución de enseñanza. Por eso, es necesario que sus mecanismos constitutivos sean constantemente revisados, con miras a medir si logran éxito en relación a los fines a los que se propone. Tal necesidad, lugar donde reside la justificación del trabajo, se acentúa ante una paradoja: aunque el discurso teórico acerca de la evaluación apunta hacia un pensamiento inclusivo y democrático, las prácticas de evaluación aún permanecen impregnadas de influencias de los modelos tradicionales, lo que resulta en una educación banca, excluyente y jerarquizante. En este sentido, por medio de una investigación cualitativa basada en un amplio análisis bibliográfico, se emprender un análisis histórico de la evaluación hasta el punto del status quo actual de las prácticas pedagógicas evaluativas, con el fin de evidenciar tales contradicciones, lanzándose posteriormente a una discusión crítica de esa trayectoria histórica. Tal es el objetivo del trabajo. Por último, se concluyó que es necesario un esfuerzo teórico y práctico de aquellos que pretenden pensar las prácticas pedagógicas en el sentido del desarrollo gradual de un nuevo modo de evaluar: un modo que tome en serio el principio de una escuela democrática y todas sus implicaciones.

Palabras-clave: Evaluación pedagógica; Historicidad; Prácticas pedagógicas

Introdução

É senso comum entre professores e estudiosos das Ciências da Educação que o ensino brasileiro, de maneira geral, encontra-se há algum tempo muito aquém do que se espera (e do que se pode esperar) dele. A título de exemplo, são considerados altos os índices de evasão escolar e repetência, desde o ensino fundamental até o ensino médio, e muitas são as hipóteses levantadas por aqueles que buscam compreender o motivo pelo qual o ensino brasileiro encontra-se nesse estado: falta de qualificação dos professores, ambiente desfavorável ao aprendizado, ausência de estrutura física apropriada dos estabelecimentos educacionais, ausência de incentivo de aprendizado aos alunos, entre vários outros.

Entretanto, um tópico específico vem chamando a atenção dos pesquisadores: a avaliação, o instrumento pedagógico que põe em evidência a situação preocupante do sistema de ensino brasileiro. Não poderia ser diferente, visto que o questionamento acerca das práticas pedagógicas avaliativas atinge um ponto mais profundo, interpelando os próprios fundamentos das relações sociais de construção do conhecimento. A compreensão que embasa o modo pelo qual o mecanismo avaliativo é utilizado no processo ensino-aprendizagem certamente se origina de um referencial teórico mais abrangente, que diz respeito à própria natureza do aprendizado e dos papéis que cabem ao aluno e ao professor (ROMÃO, 2011, p. 55).

Nessa busca, certamente não se pode pretender compreender a avaliação partindo do pressuposto que é algo pronto e acabado, um dado natural da realidade. Como qualquer fenômeno social, é resultado de um processo histórico cheio de aproximações e rupturas que certamente impõe os devidos limites a qualquer ideia pedagógica relacionada à avaliação. É por isso que uma análise normativa dos paradigmas das teorias da avaliação e das práticas pedagógicas avaliativas não pode se omitir de evidenciar o contexto histórico ao qual remonta: especialmente o presente trabalho, na medida em que transita nos limites da relação teoria-prática da avaliação ao longo da história (FRANCO, 1990, p. 11).

Por isso, a discussão proposta tem como objetivo trazer às claras as condições que determinaram (e determinam) a maneira como a avaliação é compreendida e tratada nas escolas brasileiras atualmente; pois é fundamental compreender de que maneira as práticas pedagógicas avaliativas chegaram a uma situação tão paradoxal: refletem um modelo de processo ensino-aprendizagem próximo ao de uma educação bancária, homogeneizadora e estigmatizadora, ao mesmo tempo em que mantém um discurso que se comunica com uma concepção emancipatória do processo ensino-aprendizagem (HOFFMANN, 2010, p. 33). Nesse sentido emerge o problema de pesquisa que norteará todo o trabalho que será desenvolvido: de que maneira a historicidade da avaliação pedagógica influencia a maneira como é pensada e efetivada atualmente? Ou mais precisamente: quais as implicações a historicidade da avaliação pedagógica traz para as práticas pedagógicas atuais?

Assim, por meio de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, foram analisadas minuciosamente várias fontes, primárias e secundárias, para a obtenção dos dados necessários para a execução do presente trabalho.

A relevância social dessa pesquisa se embasa, como já dito, na necessidade de revisar constantemente os fundamentos das práticas pedagógicas avaliativas para que se tenha um processo de ensino-aprendizagem efetivo, que possibilite e incentive a construção de um conhecimento sólido e apropriado de maneira crítica. Porque se é função do conhecimento histórico orientar as ações humanas mediante as regras derivadas da experiência acumulada, uma análise detida e ponderada do panorama histórico da avaliação tem o condão de estabelecer parâmetros e diretrizes que orientem o processo ensino-aprendizagem no sentido dos fins aos quais se propõe.

Decerto se faz necessário refletir sobre esse assunto, já que se concebe ser necessário romper com o padrão tradicional de avaliação de maneira a superar as contradições que lhes são intrínsecas. Superar tais contradições significa caminhar rumo a um novo modelo de avaliação que proporcione a construção dialógica do conhecimento, que reconhece o aluno como sujeito ativo na construção do seu próprio conhecimento, no sentido defendido por Gadotti (1988, p. 102), para quem “educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar as contradições, comprometendo-se com esse mundo para recriá-lo constantemente”. Luckesi (2011, p. 39) converge nesse sentido, na medida em que concebe que

[...] os atos avaliativos na escola de um lado, permitem ao educador saber como está se dando a aprendizagem do educando individualmente, seus sucessos, suas dificuldades, ao mesmo tempo, indicam o que fazer para auxiliá-lo a ultrapassar os impasses emergentes. (LUCKESI, 2011, p. 40)

O trabalho se divide em duas partes principais: num primeiro momento se fará uma breve explanação acerca da história da avaliação pedagógica: uma abordagem historiográfica do seu processo de surgimento e consolidação, na tentativa de também expor seus fundamentos teóricos (que muitas vezes insistem em permanecer escondidos); num segundo momento serão discutidas as implicações da historicidade da avaliação pedagógica nas práticas pedagógicas atuais, por meio de uma perspectiva crítica.

1. Breve panorama do processo histórico de formação da avaliação

No presente subtítulo será feita uma breve exposição do processo de surgimento e consolidação da avaliação pedagógica, explicitando os pontos mais relevantes ao longo de sua história e os fundamentos teóricos e ideológicos que a embasaram.

1.1 O surgimento dos testes avaliativos na educação - os testes psicométricos e a sua metamorfose para os testes objetivos

O mecanismo da avaliação como é concebida modernamente tem as suas origens nos testes psicométricos, que surgiram no início do século passado, no início da década de 1910 - período no qual as ciências humanas ainda se encontravam atreladas às exigências de observação, verificação e experimentação advindas das ciências naturais (GONÇALVES; LARCHERT, 2012, p. 6).

Tais pesquisas avaliativas tinham por objetivo a mensuração de mudanças no comportamento humano, oferecendo resultados concretos e informações científicas. Enquanto determinantemente influenciadas pelo paradigma das ciências naturais, visavam a obtenção de dados exatos sobre as relações sociais de ensino que se desdobravam nos ambientes escolares na tentativa de entender, em termos do binômio causa-efeito, o modo mais eficiente de se transmitir os conteúdos; nesse sentido, os testes psicométricos traduziam o anseio cientificista de estabelecer leis gerais de valência inquestionável, aptas a conduzir peremptoriamente o processo ensino-aprendizagem no sentido da realização de seu fim último: a apreensão da maior proporção possível dos conteúdos. Assim,

A emergência da chamada psicologia científica deu-se baseada nos critérios de cientificidade aplicáveis às ciências naturais, em que a observação, a verificação e a experimentação eram tidas como condições indispensáveis. As pesquisas avaliativas do início do século voltavam-se particularmente para a MENSURAÇÃO de mudanças do comportamento humano. Nesta forma de avaliar não se diferenciam avaliação e medida, o objetivo é classificar e determinar os progressos realizados e a maior preocupação dos “técnicos avaliadores” é a elaboração de instrumentos e testes eficientes. (SANTA CATARINA, 1998, p. 65).

Mais do que isso: uma vez traduzido o aprendizado do aluno num dado objetivo num valor numérico específico, a saber, a nota, usava-se esse dado para classificar os alunos: do maior para o menor nível de compreensão, do normal ao patológico, dos “gênios” às “pessoas normais”.

O pioneiro nesse tipo de pesquisa foi Binet, que lançava mão desse mecanismo para organizar o sistema de educação pública na França, ainda nos idos do ano de 1905. O raciocínio era simples: não se pode ir contra a “natureza” dos indivíduos - evidenciada pelos testes de conhecimento - sendo necessário que os estabelecimentos educativos fossem adequados aos variados níveis de “inteligência” de seus alunos; aqueles que não se encaixavam no “padrão de normalidade”. Criou, dessa maneira, um método estatístico que possibilitava analisar e classificar os resultados das avaliações psicológicas no intuito de estabelecer o nível intelectual dos alunos.

O fascínio com os resultados produzidos pelas Ciências da Natureza (notadamente as inovações tecnológicas) impulsionou os sistemas educacionais a adotar acriticamente os testes psicométricos no intuito de, supostamente, organizar adequadamente as classes de acordo com a “natureza” de seus alunos, possibilitando assim uma melhor aprendizagem a todos.

Os testes, que procuravam avaliar a memória, imaginação, compreensão e atenção, passaram a ser usados pelas escolas com a finalidade de organizar a grande demanda de alunos em classes homogêneas, separados conforme as capacidades intelectuais. [...] A organização das classes homogêneas tinha o princípio de que as diferenças individuais precisavam ser respeitadas, o que contribuiu para a valorização e aplicação dos testes psicológicos. Os pesquisadores e os responsáveis pelas políticas e organização dos regimentos escolares enfatizavam que o conhecimento do desenvolvimento psicológico, cognitivo e comportamental dos indivíduos era de absoluta importância para que as diferenças individuais pudessem ser conhecidas e para que fosse possível realizar as adaptações necessárias no processo de ensino/aprendizagem. (RISTOW, 2008, p. 25).

Outros pesquisadores, ainda insertos no paradigma positivista das ciências humanas, desenvolveram estudos empíricos por meio dos testes educacionais no intuito de desvendar as “leis universais” que supostamente regem o processo ensino-aprendizagem e assim influenciaram fortemente a trajetória histórica do mecanismo da avaliação educacional.

Na medida em que os testes psicométricos começaram a ser usados como parâmetro para o desenvolvimento de políticas públicas, experimentaram um grande impulso que proporcionou serem aplicados em inúmeras instâncias da sociedade civil. Ocorre que, submetidos a sucessivas aplicações, ficou evidenciada a distorção provocada pela subjetividade das pessoas que elaboravam e corrigiam os testes, o que acarretou num crescente descrédito, impulsionado também pelo seguinte paradoxo: de que maneira um mecanismo que se pretende objetivo e imparcial pode provocar, por si mesmo, uma distorção tão determinante?

Em decorrência desse grave problema identificado, foi imprescindível que se fizesse um esforço de padronização dos testes, com a fixação de regras que determinavam todas as suas fases, a saber, a elaboração, a aplicação, a correção e até mesmo a discussão dos resultados: qualquer tipo de interferência deveria ser removida no intuito de fazer com que funcionassem em qualquer circunstância; aplicado por qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer tempo, se revestiria de um caráter imparcial absoluto, pois só assim seria possível a comparação dos resultados. A metodologia dos testes psicométricos começava a sofrer uma metamorfose, persistindo agora sob uma nova roupagem: os testes objetivos. Sobre isso, observar Ristow (2008, p. 28):

O surgimento dos testes objetivos se deu principalmente pela necessidade que as escolas sentiam de possuir instrumentos avaliativos que proporcionassem dados exatos sobre o rendimento dos alunos sem que o juízo do professor pudesse interferir nos resultados, uma vez que vários estudos realizados em 1910 já vinham demonstrando que muitas notas escolares estavam sendo influenciadas por critérios de valor dos professores.

No Brasil destacou-se Lourenço Filho como precursor da aplicação dos testes psicométricos, sendo sucedido por nomes como Helena Antipoff, essa já muito influenciada pelas pesquisas desenvolvidas por Claparède na França. Mesmo sofrendo constantes metamorfoses, os testes psicométricos persistiam sendo utilizados no intuito de separar as classes de acordo com o “nível de inteligência” e de desempenho dos alunos, para supostamente conseguir atender adequadamente as demandas específicas dos alunos: essa é a sua essência, de maneira tal que a criação de turmas homogêneas já foi entendida como “o sonho dourado da pedagogia” (RISTOW, 2008, p. 31).

Como visto, o movimento teórico que deu origem aos testes psicométricos foi determinado fundamentalmente pelo positivismo, na busca pela imparcialidade na obtenção dos resultados. Muito por conta de expressar o anseio das ciências humanas em estabelecer para si parâmetros similares àqueles colocados pelas ciências da natureza, abriu caminho ao surgimento da pedagogia tecnicista, que assimilou grande parte de seus pressupostos e os instrumentalizou no sentido de perseguir seu principal objetivo: a apropriação da maior quantidade possível de conteúdo.

Aqui, opera-se uma mudança determinante em relação ao lócus ocupado pelos testes: se anteriormente eram utilizados principalmente com o fim de organizar homogeneamente as classes de aula, adquirindo um caráter meramente instrumental, agora admite um papel de centralidade no processo ensino-aprendizagem, na medida em que o fim último desse se torna a memorização do conhecimento por meio do treinamento. A avaliação funciona assim como a “régua” que dá a exata medida da proporção de conteúdo assimilada pelo aluno (RISTOW, 2008, p. 34).

1.2 As influências do tecnicismo pedagógico na avaliação educacional

Concepção pedagógica que surge por volta da década de 1920, o tecnicismo pedagógico propugnava por uma educação “bancária”, onde o professor era o centro e o elemento principal do processo ensino-aprendizagem, expondo o conteúdo, elaborando e aplicando os testes a fim de verificar se os alunos haviam absorvido uma proporção satisfatória do que lhes tinha sido passado e se a mudança comportamental querida havia se efetivado - tudo frente a um padrão pré-estabelecido de resultados considerados bons. Na verdade, já todas as etapas do processo ensino-aprendizagem se encontravam padronizadas, e até mesmo a metodologia de transmissão dos conteúdos se traduzia meramente em técnicas mecanizadas de exposição da matéria (GONÇALVES; LARCHERT, 2012, p. 9).

A atividade pedagógica, nesse sentido, foi instrumentalizada pelo tecnicismo na sua busca incessante por resultados - pois seu fim último não residia em nenhuma categoria deontológica, mas sim utilitarista: o processo ensino-aprendizagem cumpriria plenamente a sua função tão logo produzisse satisfatoriamente o resultado querido, seja a mudança comportamental nos alunos, seja a assimilação dos conteúdos na maior proporção possível. Para Ristow (2008, p. 35),

É dentro dessa realidade que os testes objetivos assumirão o papel central do processo de ensino, configurando o que mais tarde teremos como o “modelo tradicional de avaliação”. Esse modelo, cuja essência remonta às teorias tecnicista e comportamentalista, visava julgar a efetividade das técnicas e a produtividade dos alunos diante do processo de ensino/aprendizagem, observando se os “comportamentos esperados” eram atingidos pelos mesmos.

Como legado da geração dos testes psicométricos, a pedagogia tecnicista manteve a padronização das avaliações, desde a sua elaboração, até a sua aplicação e análise dos resultados, de maneira que grande parte da literatura que produziu abordava a discussão acerca de quais regras/medidas utilizadas nessas avaliações poderiam produzir o melhor resultado, de acordo com os fins propostos ao processo ensino-aprendizagem. Na verdade, a pedagogia tecnicista levou até as últimas consequências a pretensão de padronização dos testes avaliativos, estendendo-a a todas as etapas do processo ensino-aprendizagem: desde o planejamento pedagógico até a postura adotada pelo professor em sala de aula eram pensados como insertos num padrão que deveria ser seguido à risca, a fim de que se alcançassem os objetivos traçados pelos programas educacionais.

Assim, a tendência é conceber a avaliação como processo de julgamento do desempenho do aluno em face dos objetivos educacionais propostos. Considerado este contexto, a avaliação escolar assume um caráter quantitativo no qual o que se aprende eqüivale a uma certa quantidade de conhecimento ensinado, implicando na idéia de que a palavra do outro deve ser reiterada parcial ou totalmente, a meta do ensino é, por assim dizer, a repetição da palavra (GÓES et al., 1997, p. 12).

Como se pode notar, o paradigma metodológico e totalizante das ciências naturais ainda impregnava determinantemente as ciências humanas, notadamente as Ciências Pedagógicas - e isso de tal forma que Bauzer (1970, p.54) chegou a comparar a avaliação “com a régua do marceneiro, o termômetro do médico, a balança do farmacêutico, etc. Assim como a fita métrica, o teste dá-nos um critério de avaliação mais rápido, mais seguro e mais preciso”.

Se admitirmos por um momento a objetivação contida na proposição da metáfora de Bauzer pela qual os testes avaliativos mediam o conhecimento e a mudança comportamental dos alunos da mesma maneira que uma régua mede o tamanho de um objeto, semelhantemente os livros didáticos insertos no paradigma da pedagogia tecnicista objetivavam de tal forma o planejamento e execução do processo ensino-aprendizagem que podiam ser comparados a um livro de receitas que contém um passo-a-passo para o cozimento de um bolo.

Nesse sentido, a metodologia tecnicista de ensino aponta para uma avaliação quantitativa, que foca os seus esforços em alcançar um patamar mínimo de desempenho segundo padrões previamente estabelecidos: mesmo o aprender se encontra estritamente vinculado à memorização, estimulada pelos professores por métodos que facilitavam a assimilação e a reprodução acrítica do conteúdo. Na ânsia da perseguição pelos resultados pretendidos por meio de testes concebidos como os mais objetivos possíveis, as questões mais comuns nesses testes eram aquelas de múltipla escolha, de completar a palavra faltante numa frase/sentença, ou de associação de itens com características comuns (RISTOW, 2008, p. 60).

Fica evidenciada, assim, a clara influência dos ideais positivistas na concepção tecnicista de pedagogia - a sua metodologia de memorização e reprodução dos conteúdos por parte dos alunos, conseguidas por sua vez por meio da execução de técnicas específicas de transmissão dos conteúdos por parte dos professores levava, inevitavelmente, à assimilação acrítica e bancária - afinal, a finalidade do processo ensino-aprendizagem não repousava sobre a construção gradativa da autonomia do aluno, e sim que fosse capaz de executar certo conjunto de tarefas: predomina, então, uma prática domesticadora do sistema de ensino em relação ao aluno, e de maneira tão enfática que os resultados obtidos por eles nos testes aplicados costumavam determinar o seu ‘local’ no estabelecimento escolar. Assim, uma vez que esses testes também serviam para classificar o desempenho obtido do melhor para o maior, adequava as turmas de alunos de acordo com esse desempenho.

O entusiasmo com as teorias tecnicistas da educação foi tamanho que embasou a elaboração de leis, diretrizes e resoluções que regeram a educação brasileira durante anos a fio. De fato, a ênfase no suposto vínculo existente entre técnicas de ensino, interiorização e memorização dos conteúdos e aprendizado efetivo foi a chave-mestra dessas normativas concebidas no paradigma pedagógico tecnicista, moldando as práticas pedagógicas de acordo com a teoria que propugnava (FRANCO, 1990, p. 17).

A pedagogia tecnicista, mesmo tendo se consolidado como marco teórico educacional em todo o território brasileiro durante várias décadas, começou a declinar no momento em que os cientistas sociais apontaram as suas inconsistências, que residiam principalmente na tentativa de transpor os cânones das ciências naturais para as chamadas “ciências do espírito”.

De fato é de grande ingenuidade se pressupor que, semelhantemente a um pesquisador que busca as relações causa-efeito de um fenômeno natural, o professor atuaria de maneira imparcial, sem interferir acriticamente em nenhum momento do processo ensino aprendizagem; também por óbvio as relações sociais que são construídas no âmbito do processo ensino-aprendizagem não podem ser estudadas da mesma maneira que um elemento químico ou uma substância num laboratório; além disso, é razoável se supor que essas relações sociais não se desenvolvam obedecendo “leis gerais” como os fenômenos físico-químicos.

Nesse sentido os fatores sociais, econômicos e culturais passaram a compor as pesquisas desenvolvidas nas ciências do espírito (por consequência, nas Ciências Pedagógicas também), mais precisamente as relações sociais que se desenvolvem no processo ensino-aprendizagem (FRANCO, 1990, p. 22). Isso ocorreu, principalmente, em decorrência da derrocada do paradigma positivista nas ciências do espírito, que se deu por conta da compreensão da necessidade de colocar em perspectiva os fatores citados, sob a hipótese de que tais fatores influíam de maneira determinante na formação intelectual e moral dos indivíduos e por consequência exerciam papel relevante no processo ensino-aprendizagem. O processo de aprendizagem dos indivíduos, antes entendido como linear, constante e similar para todos os indivíduos, passou a ser entendido como uma construção social e histórica. Nesse ponto se faz necessária, portanto, uma mudança substancial nas práticas pedagógicas avaliativas.

1.3 A avaliação qualitativa

Na esteira das novas pesquisas desenvolvidas no âmbito das Ciências Pedagógicas, proposições novas acerca da avaliação não tardaram a serem formuladas. Scriven propôs um modelo de avaliação somativa e formativa na década de 1940, rejeitando a ênfase excessiva nos resultados obtidos nos testes finais e atribuindo grande importância às demais etapas do processo ensino-aprendizagem: dessa maneira, é importante que a avaliação se dê ao longo de todo o processo no intuito de possibilitar que os alunos entendam seus erros e os corrija no seu decorrer. Ristow (2008, p. 44) observa:

A categoria da avaliação formativa possibilitou a criação de vários métodos de avaliação, dentre eles: observação trabalhos, testes, que empregados durante o processo de ensino possibilitavam a comparação entre os desempenhos atingidos pelos alunos, sendo esta uma característica marcante de seu modelo de avaliação.

Esse modelo avaliativo de Scriven teve o mérito de chamar a atenção para a importância de todas as etapas do processo ensino-aprendizagem, e por isso abriu novos espaços de intervenção pedagógica por parte do professor, corrigindo a trajetória com vistas a um melhor resultado. É importante destacar que por meio da visão holística das práticas pedagógicas avaliativas, esse modelo avaliativo marca ponto de diferenciação com a pedagogia tecnicista, apontando para a predominância dos aspectos qualitativos em detrimento dos aspectos quantitativos dos testes educacionais.

Mesmo tendo representado um avanço em comparação com as práticas pedagógicas que a antecederam, a avaliação somativa e formativa foi incapaz de lançar um olhar mais cuidadoso na direção das condições socioeconômicas e culturais da construção do conhecimento, pois voltou suas preocupações somente aos objetivos e metas do processo ensino-aprendizagem. No momento em que serviu apenas ao objetivo de atestar se o resultado querido foi alcançado, subverteu a própria lógica, valorizando ao final os aspectos quantitativos em detrimento aos qualitativos.

1.4 O estado de bem-estar social e as políticas “inclusivas” - impactos nas práticas pedagógicas avaliativas

O advento do estado de bem-estar social, ocorrido nos países de primeiro mundo por volta da década de 1950 até 1970, significou importantes reflexos nas práticas pedagógicas de então (GONÇALVES; LARCHERT, 2012, p. 10). A fim de reduzir as desigualdades sociais e principalmente a pobreza, o Estado sai de uma postura inerte que dantes tinha assumido (vigência do Estado Liberal), influindo fortemente na dinâmica das relações sociais visando garantir a todos os indivíduos um mínimo existencial. Essa mudança sensível no entendimento de qual seja o papel do estado no âmbito da sociedade deriva de um diagnóstico da realidade segundo o qual o capitalismo gerou, ao longo do tempo, um abismo social entre ricos e pobres, e considerando que o citado sistema de produção é incapaz de se autorregular e autolimitar, cabe ao estado assumir a função de “garante” do bem-estar de toda a população.

As pesquisas pedagógicas se lançaram, então, a uma jornada a fim de entender as implicações desse novo papel do estado no âmbito das relações sociais de ensino. Nesse sentido, e com o auxílio da crítica sociológica ao caráter homogeneizante e domesticador dos métodos então utilizados no processo ensino-aprendizagem, a pedagogia identificou que fatores sociais, mais do que as capacidades cognitivas dos alunos, eram determinantes para o sucesso ou fracasso deles (RISTOW, 2008, p. 71).

Nesse sentido, o esforço é para propiciar um ambiente social de aprendizagem efetiva a toda a população. Essa pretensão levou o estado a empreender esforços no sentido de universalizar o ensino, colocando como meta que a totalidade das crianças em idade escolar estivesse regularmente matriculada.

O momento histórico descrito coincidiu com um panorama geopolítico mundial que demandava um crescimento tecnológico cada vez mais acelerado. Tudo isso, pois, contribuiu para que a educação pudesse passar a ser vista como o setor estratégico que seria responsável pelo desenvolvimento econômico (e, sobretudo social) de uma nação.

Contudo, ao mesmo tempo em que o acesso universal à educação era meta perseguida pelos governos, era tarefa dos estabelecimentos educacionais selecionar os melhores alunos no intuito de garantir a formação intelectual de uma mão de obra qualificada, necessária para o citado desenvolvimento econômico e tecnológico.

Para isso também se fazia necessário o estabelecimento de um programa de ensino rígido e padronizado para todos os níveis da educação básica - e nesse contexto tem-se a manutenção, em linhas gerais, do papel desempenhado pela avaliação pedagógica no processo ensino-aprendizagem: a verificação mais precisa possível dos resultados alcançados pelos alunos (em comparação com os objetivos pré-estabelecidos) no intuito de selecionar os alunos capazes de progredir nos estudos (FRANCO, 1990, p. 24).

Fica claro, portanto, que os estabelecimentos educacionais, por mais acessíveis que estivessem aos alunos das classes populares, conferiam a eles também um tratamento “domesticatório”, por assim dizer: pois tais estabelecimentos não souberam lidar com a diversidade e as diferenças culturais e socioeconômicas observadas nesse grupo populacional recém-admitido na Educação Básica; pelo contrário, empreenderam esforços no sentido de inseri-los num padrão comportamental, lançando mão de uma metodologia de ensino ainda bancária e essencialmente homogeneizadora.

Mesmo que o acesso universal à educação fosse medida que já representasse, à época, um grande avanço, deteve-se nisso no momento em que não propugnou nenhuma mudança significativa no processo ensino-aprendizagem, e nem mesmo nas práticas pedagógicas: a avaliação e os resultados que dela se originavam continuavam a determinar o destino do aluno, sucesso ou fracasso, numa perspectiva ainda permeada por um entendimento utilitarista da aprendizagem; ainda havia a contumaz prática de classificar os alunos em categorias de desempenho satisfatório/insatisfatório; sobretudo, a principal incongruência dessa nova forma de se pensar a educação traduziu-se na tentativa de elevar os filhos das classes populares ao mesmo nível de desempenho daqueles das classes mais abastadas, retirando deles a possibilidade de construir para si uma autonomia tal que lhes permitissem pensar e entender criticamente o seu lugar no mundo; além disso, ao valorar os fatores sociais e culturais das classes populares enquanto menos dignos em relação aos das classes superiores, não cuidou de criar um ambiente propício ao respeito às diferenças, refletindo ainda uma lógica homogeneizante (FREIRE, 1996, p. 49).

O declínio do estado de bem-estar social representou um duro golpe nas pretensões de propiciar desenvolvimento social por meio do acesso universal à educação pública, gratuita e de qualidade. O crescente endividamento dos países, sobretudo os em desenvolvimento (Brasil incluso), limitou de maneira determinante os recursos financeiros que possibilitavam o desenvolvimento das políticas públicas acima descritas. Esse contexto histórico propiciou a ascensão da política neoliberal ao poder, o que trouxe determinantes reflexos no âmbito dos sistemas educacionais, conforme se verá a seguir.

1.5 A avaliação institucional (em larga escala): a política educacional no período neoliberal

Conforme acima mencionado, a limitação dos recursos financeiros para o desenvolvimento de políticas públicas, sobretudo a efetivação do acesso universal à educação pública, significou uma mudança drástica no que diz respeito ao planejamento e gestão dos estabelecimentos educacionais. Num contexto de contenção de despesas, corte de gastos e privatização de serviços públicos, a escola deveria apresentar resultados consistentes, se utilizando da menor quantidade de recursos possíveis. Assim, não é difícil perceber que os ideais de eficiência e eficácia passaram a nortear a gestão dos estabelecimentos educacionais, que passaram a se utilizar da avaliação pedagógica como um instrumento de verificação de resultados, a fim de obter dados para a melhor alocação de recursos (FRANCO, 1990, p. 32).

A escola passa a ser pensada e gestada como se fosse uma empresa, e assim leva-se o processo ensino-aprendizagem ao extremo do utilitarismo: a meta é atender o máximo de alunos possível, com o menor custo possível, atingindo os melhores resultados possíveis. A avaliação pedagógica é a ferramenta utilizada para avaliar não somente os alunos, mas também os professores e os próprios estabelecimentos educacionais - sua abrangência foi, portanto, aumentada grandemente, e por isso é denominada “avaliação institucional”: porque constituiu a aplicação de testes em larga escala visando atestar se as instituições de ensino estavam cumprindo as metas estabelecidas pelo governo. É nesse contexto que surgem no Brasil as avaliações institucionais como o Exame Nacional do Ensino Médico (ENEM) e a Prova Brasil.

O Estado passa, assim, a desempenhar um papel de avaliador, testando as instituições de ensino de todos os níveis no intuito de verificar se estavam fazendo jus ao investimento financeiro realizado, de modo que aquelas instituições que não conseguissem atingir o patamar previamente estabelecido deveriam estabelecer estratégias no sentido de “recuperar o tempo perdido”.

Não é difícil perceber que essa nova realidade representou um forte controle dos planos de ensino e das práticas pedagógicas por parte das agências reguladoras dos governos à época, afinal, para que se alcançassem os objetivos traçados, batendo as metas estabelecidas, se fazia necessário a definição de uma rigorosa metodologia, que era padronizada para todas as instituições de ensino.

Esse panorama desenhado representou grande retrocesso nas políticas educacionais, forçando as práticas pedagógicas a retrocederem a patamares próximos àqueles dos tempos da vigência do paradigma positivista, na figura da pedagogia tecnicista. A avaliação, que novamente assume a função de meramente atestar numericamente o desempenho dos alunos, é elevada de patamar: é aplicada agora de maneira massiva a todos os alunos do sistema de ensino, no intuito de aferir a quantidade de conteúdo absorvido pelo aluno e atestar se está preparado ou não para as próximas séries. Mais do que isso: os resultados dos testes determinavam a alocação dos recursos destinados à educação, evidenciando uma lógica mercadológica no âmbito da educação pública.

2. Análise crítica da historicidade da avaliação pedagógica

O panorama histórico delineado acima certamente determinou o status quo das práticas pedagógicas avaliativas dos dias de hoje. A gradativa construção do mecanismo da avaliação ao longo do tempo histórico não se deu sem proximidades e distanciamentos, sem continuidades e rupturas. Entretanto, mesmo sendo exposto como um processo de naturezas acentuadamente heterogêneas entre si, assevera-se a possibilidade de se enxergar uma “linha reta”, características que persistem ao longo de todo o caminho e que aparecem hoje.

Talvez o conceito acima apresentado represente mais uma abstração teórica do que, de fato, um diagnóstico que faça menção a uma realidade concreta - entretanto, é flagrante a existência da predominância de um conjunto de ideias que permanece de certa maneira intacta, orientando, consciente ou inconscientemente, as práticas pedagógicas e as relações sociais de conhecimento até a atualidade - confluindo num mesmo sentido para formar o que aqui se denomina “modelo tradicional de avaliação”. Assim, a seguir, serão destacados os principais caracteres da pedagogia tradicional que persistem moldando as práticas pedagógicas avaliativas.

2.1 As práticas pedagógicas são hierarquizantes e classificatórias

Numa sociedade onde o desempenho intelectual do aluno muito provavelmente determinará o lugar que ocupará futuramente, entende-se como papel da escola, em um primeiro momento, formar o aluno para o mercado de trabalho, e em um segundo momento, selecionar aqueles que apresentam o melhor desempenho para que se qualifiquem ainda mais para ocuparem os melhores postos de emprego futuramente. A avaliação pedagógica, nesse sentido serve apenas para atestar os resultados alcançados, subsidiando o julgamento de resultados que a sucede. Segundo Gonçalves e Larchert (2012, p. 30),

Esta abordagem ancora-se na crença de que o que vai definir a posição que cada ser humano assumirá na sociedade é o seu desempenho intelectual; e sendo assim, cabe à escola o preparo intelectual e moral dos alunos e a estes o esforço de aprender o máximo que conseguirem para individualmente definir o seu lugar. [...] a avaliação da aprendizagem nesta abordagem se dá pela verificação de curto prazo e de longo prazo, tais como: interrogatórios orais, exercícios para casa, provas escritas, trabalhos etc.. O reforço será sempre negativo, por meio de notas baixas, rótulos tais como fraco, insuficiente, defasado e outros. Já o reforço positivo vem por meio de notas altas e rótulos de forte, estudioso, esforçado, interessado etc... A responsabilidade do fracasso ou do sucesso é sempre do aluno. Ele alcança ou não o mérito necessário para que ocupe posições mais elevadas na sociedade.

Não é difícil perceber que todo o esforço do aluno em construir um raciocínio para a compreensão do conteúdo é desprezado, já que apenas e somente a reprodução das ideias do professor do modo mais fiel possível é considerada nos testes avaliativos: o próprio aluno enquanto sujeito de aprendizado é resumido e limitado ao numeral correspondente à sua nota. O julgamento da nota, assim, se confunde com o julgamento do próprio aluno, se apto ou inapto a prosseguir seus estudos.

Uma vez que ignora as condições sociais, econômicas e culturais que influenciam o processo ensino-aprendizagem, as práticas pedagógicas hierarquizantes contribuem para perpetuar uma estrutura social desigual, dificultando que os alunos das classes mais populares ascendam socialmente por meio da educação.

2.2 As práticas pedagógicas são autoritárias

De fato, a lógica “domesticatória” da pedagogia tradicional ainda subsiste fortemente no âmbito das práticas pedagógicas atuais. O professor ocupa uma posição de “fonte inquestionável” de todo o conhecimento, e por isso o processo ensino-aprendizagem se desenvolve como que uma via de sentido único: pois num primeiro momento, o professor assume uma postura ativa, e os alunos, uma postura passiva: aquele transmite o conteúdo por meio de técnicas padronizadas e previamente estabelecidas, e é dever desses absorver o máximo possível, com a maior exatidão possível; num segundo momento (quando da avaliação) as posições se invertem, pois o aluno deve reproduzir o que aprendeu no teste avaliativo e cabe ao professor simplesmente atestar numericamente o desempenho desses, qualificando como satisfatório ou insatisfatório.

Tem-se assim o engessamento do processo ensino-aprendizagem: ao invés de comunicação, aprendizado passivo; ao invés de construção intersubjetiva do conhecimento, absorção acrítica do conteúdo dado; ao invés de amplo diagnóstico com vistas à correção reflexiva do raciocínio, mera quantificação dos acertos dos alunos; ao invés de construção gradativa da autonomia intelectual do aluno, “domesticação” do aluno, para que se encaixe nos padrões de qualidade de aprendizagem estabelecidos. Nesse sentido a observação de Gonçalves e Larchert (2012, p. 31):

Essa prática avaliativa, que reduz a avaliação da aprendizagem apenas ao ato de atribuir notas ou conceitos aos alunos, retira da escola a possibilidade de utilização da avaliação como ferramenta de reflexão, tanto da ação docente como também do planejamento da escola. Tal prática exige do aluno uma atitude passiva de receptor da mensagem. A retenção do conteúdo ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos.

O autoritarismo nas práticas pedagógicas persiste na atualidade, assim, na forma autoritária pela qual muitos professores conduzem o processo ensino-aprendizagem, impedindo que o conhecimento seja solidamente construído e consolidado por meio da interação entre iguais que procuram se entender sobre um objeto em comum - estabelecendo em seu lugar práticas pedagógicas contra-emancipatórias e domesticatórias, que entendem o aluno como sujeito que deve se adequar aos padrões estabelecidos pela sociedade, e jamais como sujeito pensante na busca de consolidar sua autonomia intelectual.

2.3 As práticas pedagógicas são homogeneizantes

Um ambiente escolar é, por natureza, um ambiente de diversidade: mais que isso, é o lugar onde a criança aprende a conviver com o diferente - é o primeiro espaço de contato com o outro, e por isso deve propiciar ao máximo o intercâmbio de informações e de ideias entre pessoas de lugares diferentes, de contextos socioeconômicos e culturais diferentes - em suma, o ambiente escolar é imprescindível para que os indivíduos compreendam o significado de viver em sociedade.

No instante em que a escola adota uma lógica “domesticatória”, estabelecendo um padrão de atitudes e ideias que deve ser absorvido, adotado e reproduzido, passa a reprimir essa diversidade, e não estimulá-la, como é seu dever. O bloqueio no intercâmbio de ideias prejudica de maneira determinante o processo ensino-aprendizagem, pois o aluno passa a não ter acesso a modos diferentes de pensar o mesmo objeto de estudo, tendo uma visão opaca e limitada desse.

Certamente essa característica da pedagogia tradicional ainda persiste nas práticas pedagógicas atuais, atingindo principalmente os alunos das classes populares que se veem obrigados a se adequarem aos padrões de agir estabelecidos caso queiram ascender economicamente por meio da educação e limitando a abrangência do processo ensino-aprendizagem.

Conclusão

Sem dúvida, as práticas pedagógicas avaliativas tradicionais, que hegemonicamente ainda vigem nos dias de hoje, devem ser transformadas se se pretende uma escola democrática. A avaliação deve ser entendida como processo de construção do conhecimento que coloca o professor e aluno como sujeitos do processo ensino-aprendizagem, por meio do diálogo, ou seja, é uma avaliação que envolve o professor e aluno como sujeitos capazes de construir conhecimentos. Para tanto é necessário o rompimento com os paradigmas da educação tradicional, como já demonstrado fartamente neste trabalho.

Para que uma avaliação seja democrática e inclusiva o professor precisa conhecer e respeitar a complexidade e a diversidade que há em sua sala de aula advindos de diferentes grupos sociais, cada um com característica próprias: a escola deve ser um lugar de superação de todas essas diferenças, é lugar de oportunidades.

Quando aluno e professor se tornam sujeitos ativos do processo educativo, se fazem capazes de construir e reconstruir para si o conhecimento. A educação deve ser capaz de problematizar os objetos de conhecimento e provocar o intercâmbio de informações e construções cognitivas. Para que a avaliação cumpra as suas funções fundamentais é necessário que o aluno conheça os resultados de suas aprendizagens e saiba quais foram seus acertos e erros, para que por meio de um trabalho mediador do professor, por meio do diálogo e incentivo, possa corrigir suas falhas, propiciando-se condições para refletir sobre si mesmo e o seu processo de construção do conhecimento.

Por isso que se faz necessária uma tomada de consciência dos professores no sentido da adoção de uma perspectiva democrática de avaliação e, num nível micro, desenvolver ações avaliativas contra-hegemônicas, que tenham como objetivo estimular o diálogo e o intercâmbio de informações professor-aluno e aluno-aluno, na esteira do que Vasconcelos (1998, p. 87) preconiza: a avaliação como “um processo de comunicação”.

Torna-se necessário, nesse contexto desenhado, um esforço teórico e prático daqueles que pretendem pensar as práticas pedagógicas no sentido do desenvolvimento gradual de um novo modo de avaliar: um modo que leve a sério o princípio de uma escola democrática e todas as suas implicações.

Necessário se faz abandonar a avaliação como elemento disciplinador, discriminatório, de exclusão, de injustiça e romper com as estruturas dominantes em nossa sociedade, para que orientada pela ética possa transformar-se em um instrumento para aprofundar os conhecimentos, rompendo com o tradicionalismo e com o positivismo.

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Recebido: 04 de Novembro de 2017; Aceito: 25 de Outubro de 2018

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