Introdução
A organização do ensino no Brasil, desde os anos iniciais até a pós-graduação, apesar dos esforços, ainda é marcada por uma fragmentação e desarticulação entre os diferentes conteúdos abordados, subdivididos em diversas disciplinas que, muitas vezes, são incomunicáveis e não contribuem para uma formação crítica do aluno (PIRES, 1998).
Visando superar os obstáculos de um processo ensino-aprendizagem pouco engajado nos dilemas da vida cotidiana, educadores e alunos têm buscado novas alternativas e metodologias que proporcionem uma aprendizagem significativa e condizente com as demandas atuais (WEIGERT; VILLANI; FREITAS, 2005). Uma das alternativas encontradas são as práticas interdisciplinares, que buscam romper as fronteiras do conhecimento e estimular o diálogo entre as diferentes disciplinas.
O presente estudo é um relato de experiência que tem como objetivo descrever sobre as atividades praticadas no Seminário Interdisciplinar dos laboratórios de Ergonomia, Saúde e Trabalho (ERGOLAB) e de Psicologia, Saúde e Comunidade (LAPSIC) - o SIEL, fundamentado em uma perspectiva interdisciplinar e realizado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), como resultado da parceria entre os dois laboratórios vinculados ao Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
O campus da FCA-UNICAMP de Limeira, São Paulo, inaugurado em 2009, oferece diversos cursos em nível de graduação e pós-graduação em diversas áreas do conhecimento. Seu projeto pedagógico tem o intuito de fortalecer a interdisciplinaridade, culminando em uma proposta inovadora na formação de profissionais. Neste sentido têm-se os laboratórios e os centros de pesquisa multidisciplinares, coordenados pelos docentes da instituição, que visam organizar a área de pesquisa a partir do tripé ensino-pesquisa-extensão, como no caso do ERGOLAB e do LAPSIC.
O ERGOLAB tem a proposta de estudar o trabalho em sua multidimensionalidade e interdisciplinarmente, com vistas a contribuir com a saúde, a segurança e o conforto dos indivíduos. O LAPSIC tem por norte fomentar as discussões sobre a Psicologia e a interdisciplinaridade, gerando estudos e estratégias que possam contribuir com a qualidade de vida da população. Ambos os laboratórios acolhem alunos de graduação, pós-graduação e profissionais da rede de Assistência Social, Educação e Saúde.
O SIEL surgiu em 2014, com o intuito de contribuir para o tratamento interdisciplinar dos problemas contemporâneos, criando um espaço de referência para os diversos temas de pesquisa dos laboratórios supramencionados. Através de ações integradas, promove a troca de experiência entre pesquisadores, estudantes e profissionais nas diferentes áreas do saber. Em um esforço coletivo e sob o respaldo de estudos teóricos, reúnem-se mensalmente para tratar assuntos no campo interdisciplinar das Ciências Humanas e Sociais. E ainda, o Seminário em questão esforça-se em superar um modelo de produção do conhecimento fragmentado, conforme Santos (2008), Tonet (2013) e outros autores.
Nesse sentido, o presente texto é composto de três seções, além desta introdução. Na primeira, explora-se o conceito de interdisciplinaridade, com o intuito de contextualizá-lo como prática no processo de ensino-aprendizagem. Na segunda seção, relata-se a experiência do SIEL, enfatizando os seminários como movimentos interdisciplinares na construção do conhecimento. Na terceira seção apresentam-se os resultados dessa experiência. Por fim, a guisa de conclusão, oferece-se as considerações finais.
1. O conceito de interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade, embora não seja um tema recente, atualmente tem sido recorrente nas discussões sobre ensino-aprendizagem (BERARDINELLI; SANTOS, 2005). De acordo com Cesco, Moreira e Lima (2014), na pós-graduação essa é uma das áreas de conhecimento que mais cresce no país, provavelmente pela “necessidade de estabelecer novos diálogos com a sociedade e ajudar a responder aos problemas complexos e híbridos que enfrentamos” (p.57).
Na busca por superar a fragmentação do conhecimento, segundo Thiesen (2008), a interdisciplinaridade se coloca de diversas formas como base da realidade social com seus conflitos e contradições. Este autor aponta que não se deve desconhecer as múltiplas dimensões que constituem um problema a ser estudado, mesmo que este seja delimitado.
Para Morin (2005), certas concepções científicas mantêm sua vitalidade porque se recusam ao claustro disciplinar. A especialização do conhecimento científico é uma tendência que nada tem de acidental. E acrescenta “só o pensamento complexo sobre uma realidade também complexa pode fazer avançar a reforma do pensamento na direção da contextualização, da articulação e da interdisciplinarização do conhecimento produzido pela humanidade” (MORIN, 2005, p.23).
O termo interdisciplinaridade, embora não seja um verbete novo, ainda causa incerteza e insegurança diante das suas múltiplas definições (LIMA; MONTEIRO, 2018). Oliveira e Santos (2017), ao analisar as distintas concepções de interdisciplinaridade, concluíram que não há um consenso e nem clareza na definição desse conceito. Todavia, os autores advertem que, embora não se tenha uma definição única, todos os trabalhos convergem para a superação da fragmentação do conhecimento e na necessidade de diálogo.
Entende-se, nesse estudo, que é preciso cautela para conceituar a interdisciplinaridade, pois há um risco eminente de esvaziar o seu sentido, considerando que essa é uma proposta construída a partir da própria cultura disciplinar e ao tentar encontrar nela uma objetividade de abrangência conceitual significa concebe-la dentro da ótica disciplinar (THIESEN, 2008).
Na medida em que não existe uma definição única possível para esse conceito, mas inúmeras experiências interdisciplinares em curso, entende-se que se deva evitar procurar definições abstratas de interdisciplinaridade. Porque independentemente da definição assumida ela estará sempre no campo onde se pensa e acontece a resistência sobre um saber fragmentado. “A tarefa de procurar definições finais para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente interdisciplinar, senão disciplinar” (LEIS, 2005, p.7).
Sem a intenção de esgotar essa discussão, neste estudo recorre-se a alguns autores que discutem sobre interdisciplinaridade com o intuito de explorar o conceito. Para tanto, faz-se importante dar um passo para trás para compreender o processo de fragmentação do saber que evocou a necessidade de novos paradigmas para enfrentar essa querela.
De acordo com Santos (2008, p.74), o conhecimento produzido pelas ciências modernas tende a ser um conhecimento fragmentado em disciplinas; “segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor”. Tal modelo de racionalidade das ciências modernas surgiu a partir do século XVI, sendo influenciado pela revolução científica, consolidando-se em um discurso potencializador e hegemônico a partir do século XIX.
Tonet (2013) corrobora com a mesma concepção, cuja visão de um saber fragmentado é um saber de um mundo fragmentado, evidenciando que o mesmo é funcional à manutenção dos interesses da classe burguesa. Como forma de transpor fronteiras, aquele autor afirma que é preciso a produção de um saber totalizante e a luta pela construção de um mundo unitário e emancipado capaz de eliminar a fragmentação do saber. Faz-se necessário, portanto, passar pela superação da perspectiva da cientificidade moderna - onde o sujeito detém a centralidade - e pela apropriação da perspectiva metodológica - objetivando-se a emancipação humana.
Na busca da integração de saberes, é possível observar as muitas discussões existentes no campo da interdisciplinaridade. No entanto, tem-se o seguinte questionamento: como compreender a interdisciplinaridade? Neste sentido, Tonet (2013), ao questionar a interdisciplinaridade, não tenta criticá-la, mas sim, o mundo que a produz e que necessita de uma forma de produção do saber, considerando que antes de propor qualquer fórmula de superação da fragmentação do saber, é preciso explicar o fenômeno, e não aceitá-lo.
É possível verificar em Japiassu (1976, p. 74) a compreensão quanto à interdisciplinaridade como um domínio vasto e complexo, que se refere à interação de disciplinas; que se caracteriza “pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um projeto específico de pesquisa”.
Aponta que, mais do que construir um conceito, o que se busca é encontrar seu sentido epistemológico, seu papel e suas implicações sobre o processo do conhecer. Propondo uma revisão de pensamento, o diálogo, a troca, a integração conceitual e metodológica de diferentes campos de saber (JAPIASSU, 1976).
Sob tal concepção cita-se Olga Pombo (2005) e alguns apontamentos realizados em uma conferência apresentada no Congresso Luso-Brasileiro sobre Epistemologia e Interdisciplinaridade, realizado em Porto Alegre, em 2004. Aquela autora traz em seu discurso não saber como se faz a interdisciplinaridade, e acrescenta que talvez ninguém saiba, uma vez que além de não saber como se faz, também não sabe o que é a interdisciplinaridade. No discurso proferido pela autora, é possível notar que, passada mais de uma década, ainda se tem o mesmo questionamento, dada a complexidade e importância quanto ao assunto na episteme moderna.
Pombo (2005) faz um esforço explicativo no intuito de discutir e compreender alguma coisa daquilo que se pensa sobre a interdisciplinaridade. Inicialmente, aquela autora trata do uso que se faz em relação ao termo “interdisciplinaridade”, arremetendo à incapacidade que o ser humano tem em ultrapassar os próprios princípios discursivos, as perspectivas teóricas e os modos de funcionamento em que são treinados, formados e educados. Daí a necessidade de se buscar a emancipação humana evidenciada por Tonet (2013).
Aquela autora ainda sugere a possibilidade do abandono do termo em questão e seus congêneres, a fim de lograr uma alternativa. Contudo, ela observa que o mais importante não se refere à questão nominal, mas sim, na compreensão do que se pensa a respeito do termo e de outros termos que incitam o mesmo teor, quais sejam: “pluridisciplinaridade”, “multidisciplinaridade” e, “transdisciplinaridade” - o que ela denomina como a resistência à especialização, na adoção da metodologia analítica proposta por Galileu e Descartes, na ideia subjacente de que o todo é igual à soma das partes.
Para Pombo (2005), a especialização é uma tendência da ciência moderna que parte da adoção de uma metodologia que buscava dividir a totalidade em pequenas partes, com a ideia de que poderá se reconstruir na sua totalidade. No entanto, aquela autora aponta que existe na ciência contemporânea um esforço para a superação do caráter disciplinar, sendo possível observar nas relações entre as disciplinas e aproximações de forma descentrada e irregular com a finalidade de colaborar com a discussão de um problema comum entre as diversas áreas.
Nesse sentido, somente se tem a plena interdisciplinaridade se o ser humano é capaz de partilhar o restrito domínio do saber que se tem, e se existe a coragem necessária para abandonar o conforto da linguagem técnica para se aventurar em um domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo, encerrando ser necessário, de fato, “caminharmos juntos” (POMBO, 2005).
A interdisciplinaridade é integrante de uma família de quatro elementos que visam romper a disciplinaridade, a saber: 1) pluridisciplinaridade; 2) multidisciplinaridade; 3) interdisciplinaridade; e, 4) transdisciplinaridade. Assim, independente do que cada um dos termos supramencionados querem dizer individualmente, é possível verificar que todas as suas definições são uma tentativa de romper um modelo disciplinar, estabelecendo conexões e transpondo disciplinas (POMBO, 2005).
Deslocando tais definições para o campo da pesquisa científica, Nicolescu (1999) define que a pesquisa disciplinar diz respeito a um único e mesmo nível de realidade ou fragmentos. Já na pesquisa pluridisciplinar, um objeto de uma disciplina é estudado por várias outras disciplinas ao mesmo tempo. Na pesquisa interdisciplinar, tem-se uma transferência de métodos de uma disciplina para outra; é um tipo de pesquisa que ultrapassa as disciplinas, mas ainda permanece inscrita na pesquisa disciplinar. Por fim, a pesquisa transdisciplinar indica aquilo que está entre, através e além das disciplinas.
D’Ambrósio (2007) faz uso da metáfora dos pássaros para discorrer sobre a pluridisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Para aquele autor, as gaiolas representam as disciplinas, e várias gaiolas juntas seriam, então, a pluri/multidisciplinaridade. Na interdisciplinaridade, as gaiolas permaneceriam abertas, permitindo que os pássaros pudessem voar de uma gaiola para outra. Já na transdisciplinaridade, como ação de superação do modelo disciplinar, não haveria gaiolas, e os pássaros poderiam voar livremente.
Somar disciplinas e misturar conceitos e representações não é sinônimo de interdisciplinaridade (CESCO; MOREIRA; LIMA, 2014). Logo, como adverte Leis (2005), torna-se fundamental observar os excessos que o termo em questão tem concebido no campo científico, o que tem gerado a sua banalização. O todo não é a soma de todas as partes; logo, a soma das especializações não garante uma abordagem multidimensional. Neste ínterim retrata-se Minayo (1994) ao declarar que a interdisciplinaridade tem se tornado uma panaceia epistemológica, sendo esta invocada para curar os males da ciência moderna e evidenciando a incapacidade de ultrapassar os discursos e as perspectivas teóricas.
Ao mesmo tempo, um trabalho interdisciplinar provoca resistências porque promove a mudança de hábitos na busca por algo novo e desconhecido. Esse novo movimento gera desafios e sobrecarga de trabalho, assim como medo de errar e inclusive medo de perder privilégios (LUCK, 2001).
Apesar desses impasses, a interdisciplinaridade tornou-se a condição fundamental para o ensino e a pesquisa na sociedade contemporânea (LEIS, 2005). Nesse sentido, como um processo de construção contínua, ressalta-se que para além da discussão sobre o conceito, conforme destacam Lima e Monteiro (2018, p.21), o que torna esse tema fundamental são as “características das atitudes que a coadunam”. Logo, “a interdisciplinaridade não é algo que possa ser ensinado. Para ter sentido precisa ser vivida, sentida, trata-se de uma postura intencional do sujeito”.
Sem desconsiderar nenhuma das definições supramencionadas, de modo geral, neste estudo, a noção de interdisciplinaridade é compreendida como uma “atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento” (FAZENDA, 2008, p.17), que visa “quebrar a rigidez dos compartimentos em que se encontram isoladas as disciplinas” (PIRES, 1998, p.177). Atitude essa que leva em um movimento constante na busca de alternativas que possam promover um processo de compartilhamento para além das disciplinas.
Assim, entende-se que a interdisciplinaridade na medida em que se produz como atitude (FAZENDA, 2010), como um modo de pensar (MORIN, 2005), como um pressuposto, como uma metodologia (THIESEN, 2008), poderá ser uma resposta à fragmentação do conhecimento na perspectiva do diálogo e da integração das ciências e do conhecimento, procurando romper com a fragmentação de saberes (GODOTTI, 2004, apud THIESEN, 2008).
Diante do exposto, faz-se importante questionar: é possível desenvolver pesquisas que dialogam com diferentes referenciais teórico-conceituais fundamentados na interdisciplinaridade, ultrapassando definições reducionistas? Como incorporar a perspectiva interdisciplinar na produção do conhecimento nos diferentes níveis de ensino, fomentando as discussões interdisciplinares e promovendo o intercâmbio de conhecimento entre pesquisadores e alunos?
É a partir desses questionamentos que se tem o relato da experiência do SIEL na próxima sessão.
2. Sobre o SIEL
Na tentativa de superar definições reducionistas e incorporar novas perspectivas é que surge o SIEL. A partir de esforços conjuntos para uma articulação de saberes, o Seminário em questão desenvolve suas atividades em consonância ao que postula Severino (2000), ao argumentar que sob a orientação de textos e o trabalho em equipe, a função de um seminário consiste em levar todos os participantes a uma reflexão aprofundada.
De fato, o que se pretende no trabalho do SIEL é provocar a articulação de saberes na busca da compreensão mínima do que venha a ser a interdisciplinaridade frente às discussões temáticas que dela derivam. Logo, é preciso reconhecer a necessidade de espaços que provoquem a discussão frente à temática em questão, acarretando na confissão de Pombo (2005), que atenta não saber como proceder sobre a interdisciplinaridade, provocando os leitores a fazerem um esforço no sentido de compreender como ela se faz.
De fato, talvez a interdisciplinaridade não devesse ser feita, mas sim, vivida em seus múltiplos aspectos, despojada de interesses pessoais, na busca de novas conexões, estabelecendo-se por meio do exercício reflexivo constante e empático entre todas as partes.
Os seminários de estudos, conforme Cervo, Bervian e Silva (2007), referem-se a um método de estudo onde os problemas de pesquisa dos participantes podem ser discutidos, inclusive, a metodologia de trabalho utilizada. Corroborando com aqueles autores, Veiga (1991) complementa que o seminário é uma técnica ativa de produção do conhecimento, que permite o desenvolvimento de senso crítico e a independência intelectual, favorecendo a criação de um espaço cooperativo e dialógico.
O seminário tem sua origem etimológica no latim seminarium, que é uma espécie de viveiro de plantas, um local utilizado para fazer sementeiras. Neste sentido, o presente termo pode ser definido como um espaço para semear ideias, favorecendo a sua germinação e lançando novas perspectivas (VEIGA, 1991). Os conhecimentos adquiridos e as conclusões provisórias ou definitivas também podem ser postos em pauta, sendo esta uma técnica democrática e participativa. Ademais, enquanto método, os seminários também podem ser utilizados em outros contextos, a saber: congressos, encontros programados e reuniões. Todavia, sua utilização tem como tendência nos cursos de pós-graduação, como se dá, por exemplo, no SIEL.
Entre os debates realizados no SIEL, os principais temas explorados centram-se na discussão quanto à interdisciplinaridade, envolvendo a saúde, a educação, a Psicologia, o trabalho e a sociedade, como temáticas, por exemplo. Os assuntos são propostos e colocados em pautas durante as reuniões, a fim de que, em conjunto, a equipe possa articular necessidades e expectativas no que se refere aos aspectos de idealização, planejamento, divulgação, preparo e condução dos seminários propostos.
Além dos seminários, tem-se a preocupação em buscar formas para se ampliar as ações, entre as quais, a promoção de projetos de pesquisa e extensão, fóruns e congressos.
A cada dia, é possível observar a iminência da necessidade da formação de profissionais crítico-reflexivos, capazes de transformarem a realidade social. Portanto, tem-se como desafio a oferta de espaços onde a mobilização de saberes e esforços sejam possíveis. A oportunidade de partir do conhecimento individual, onde cada um, imbuído em sua essência biopsicossocial, compartilhe e assimile novas formas de se pensar, traz perspectivas de originalidade, o que, de per si, constitui-se como elemento significativo junto ao processo. Assim, refletir e se posicionar de modo mais crítico, buscando a interface com outros saberes, onde se faz necessária uma interação na busca de um eixo comum, é um objeto de interesse do SIEL.
Sob este prisma, entre as propostas apresentadas pelo grupo, é necessário o exercício da empatia e de uma escuta ativa e qualificada entre todos os envolvidos, cujo propósito é a tomada de consciência e reflexão sobre o mundo de então, culminando em contribuições intencionais, conscientes e críticas na busca de novas condições de possibilidades, de outros possíveis. Neste sentido, o método dos seminários, entre inúmeras variações, mostra-se como um modo satisfatório de favorecer espaços que proporcionem o encontro de discussão e problematizações, a partir de uma reflexão aprofundada dos temas de interesse de ambos os laboratórios.
2.1 Sobre a construção colaborativa do conhecimento
O Seminário Interdisciplinar dos laboratórios de Ergonomia, Saúde e Trabalho (ERGOLAB) e de Psicologia, Saúde e Comunidade (LAPSIC) (SIEL) foi proposto em 2014 por docentes responsáveis pelos referidos laboratórios. O seu público-alvo destinava-se a pós-graduandos do programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (ICHSA) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A princípio, tinha como objetivo fomentar as discussões interdisciplinares ali desenvolvidas, bem como criar um espaço de produção coletiva. A estratégia utilizada nos encontros era de roda de conversa, com o intuito de promover uma comunicação dinâmica e produtiva sobre a interdisciplinaridade em torno dos temas de pesquisa de ambos os laboratórios. Os alunos de graduação e profissionais da rede de assistência social, saúde e educação também integravam sua equipe.
A partir de 2015, houve uma reestruturação do SIEL, que passou a adotar, além da roda de conversa, discussões teóricas-conceituais sobre os temas transversais às pesquisas em andamento. Tal estratégia foi incluída tendo em vista que servia como um aporte teórico e metodológico para embasar as discussões e estimular reflexões críticas em torno da interdisciplinaridade.
Em 2016, o SIEL ganhou um novo formato. Adotaram-se as mesas redondas e a participação de pesquisadores e profissionais convidados para o debate de temas pesquisados pelo grupo. Tal iniciativa teve o intuito de promover o encontro de alunos de graduação e pós-graduação com profissionais e pesquisadores de um mesmo objeto, estimulando o intercâmbio de informações e a socialização do conhecimento, além de propiciar um espaço de debate entre os pares.
Os objetivos específicos do SIEL são: (i) aprofundar sobre as questões da produção científica e a sua disseminação, estimulando o debate e a reflexão interdisciplinar; (ii) difundir as possibilidades da pesquisa interdisciplinar em todos os níveis do ensino; (iii) promover o intercâmbio de informações entre os participantes; e, (iv) fomentar as pesquisas em desenvolvimento pelos laboratórios e aprimorar e fortalecer parcerias e o envolvimento com a comunidade.
Na complexidade atual, os esforços em problematizar, questionar, buscar novas conexões ou religações fazem parte do processo de construção de todos os envolvidos em um movimento que tem por norte romper fronteiras entre as disciplinas e os saberes, na proposta de conhecer e pensar, não em direção a uma verdade absoluta, como expressa Morin (2000), mas dialogando com a incerteza.
Descrição das Atividades
O Seminário tem periodicidade mensal e é aberto à comunidade acadêmica e aos profissionais das diversas áreas que têm interesse nos temas abordados pelos laboratórios. As reuniões são organizadas por uma comissão, que é formada por integrantes dos laboratórios, que definem o tema e a dinâmica de cada encontro. O arranjo de cada encontro tem sua pauta em três formatos, a saber: 1) mesa redonda; 2) discussão de textos sobre interdisciplinaridade; e, 3) apresentação de pesquisadores e/ou profissionais convidados.
Em consonância ao que propõe Severino (2000), sob a forma de que o seminário é um trabalho essencialmente coletivo em que se pressupõe empenho de todos e não apenas de um único elemento responsável pelo encaminhamento dos trabalhos do dia, para que as ações sejam operacionalizadas, a cada semestre, um grupo de discentes do programa de Mestrado se dispõe a tomar frente nas atividades a serem conduzidas durante o período, bem como mobilizar o envolvimento de pessoas da comunidade junto ao grupo.
A movimentação daqueles que estão em posição de liderança em um determinado período decorre da necessidade de se pensar na sucessão dos integrantes, além de favorecer novas perspectivas e frentes de trabalho, o que torna o processo um valioso instrumento de aprendizagem para seus integrantes. Outro aspecto que merece destaque se refere aos precursores ao evento propriamente dito.
A realização do SIEL se dá com base nas seguintes etapas sequenciais: organização; divulgação; apresentação; e, registro.
Na primeira etapa (organização), o grupo de coordenadores estrutura cada encontro, preparando o material para a etapa seguinte. De modo antecessor aos seminários, têm-se as reuniões periódicas, com duração de uma a duas horas, que são necessárias para as definições quanto ao formato a ser seguido, bem como a confecção de uma pauta capaz de contemplar não apenas as ações a serem executadas, mas também um espaço para se pensar em assuntos que tragam contribuições para mestrandos, candidatos ao processo de Mestrado, alunos de graduação, docentes do curso e demais interessados no trabalho. Comumente são pré-definidas leituras sobre determinado assunto, que são pautadas em temáticas de interesse dos participantes, independente de suas posições frente à tarefa de disseminar o conhecimento. Assim que o tema é definido, um partícipe se responsabiliza em identificar o material de referência e enviar aos demais integrantes para o aprofundamento necessário. Vale salientar que a reunião é sistematicamente registrada, a fim de ser revisitada em momento posterior, passando pela reavaliação concernente.
A partir de um trabalho frente ao tema, o passo seguinte é operacionalizar o conhecimento através do método dos seminários. Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007), a preparação de um seminário é um momento importante, tendo em vista que condiciona seus resultados.
Após a elaboração de cada encontro e com as informações necessárias sobre o evento, tem início a segunda etapa: a divulgação para o público alvo, por meio de uma seleção de meios de comunicação e canais estratégicos. Aqui, os coordenadores repassam o material de divulgação para todos os integrantes do SIEL, entram em contato com a assessoria de imprensa da Universidade e fazem a divulgação, por meio de mídias sociais e eletrônicas, todas as informações referentes ao seminário.
A terceira etapa é a apresentação. Ao se efetivar o seminário, durante a reunião, o partícipe responsável pelo tema do encontro é orientado a introduzir o assunto e conduzir a discussão. Em tal processo, é possível observar que cada integrante, oriundo de diferentes áreas de formação, procura trazer contribuições significativas, sendo estimulado ao exercício de trabalhar com diferentes perspectivas, entre as quais seja possível conceber outras áreas e formas de pensar, de cunho científico ou não. O formato aplicado corrobora com as ideias de Severino (2000), cuja proposta de seminário não se reduz a uma aula expositiva, onde um colega apresenta e o professor comenta.
A quarta e última etapa consiste no registro de cada encontro, cujo intuito é relatar todos os tópicos ali abordados, culminando em um documento para consulta a posteriori e um instrumento de reflexão sobre o andamento do seminário.
De fato, o SIEL é um círculo de debates onde todos os participantes estudam o texto com o rigor devido. Assim, é fundamental a participação ativa de todos os envolvidos, para a construção de novos elementos na própria condução de novos seminários. Perante a ideia de se pensar, repensar e reconstruir a interdisciplinaridade, buscam-se, em parceria com diferentes saberes, as formas de superação quanto a um modelo de sociedade que favorece um conhecimento fragmentado.
3. Resultados alcançados
Maria Amélia Oliveira, em seu texto “A interdisciplinaridade no ensino e na pesquisa em Enfermagem”, elenca alguns requisitos necessários para que a interdisciplinaridade ocorra, sendo possível dividi-los em dois blocos. O primeiro bloco relaciona-se à compreensão das limitações das disciplinas na busca pelo conhecimento, o que exige do pesquisador/aluno sensibilidade diante da “complexidade, capacidade para buscar mecanismos comuns a diferentes campos do saber, atenção a estruturas profundas capazes de articular aquilo que aparentemente não é articulável”. Já o segundo bloco, se aproxima de atitudes de um aluno/pesquisador ativo e que tenha comportamentos “de curiosidade e de abertura, gosto pela colaboração e pelo trabalho em comum e coragem para abandonar o campo específico de saber para nos aventurarmos em outros campos epistêmicos” (OLIVEIRA, 2012, p.02).
No SIEL, ao longo desses anos, foi possível perceber que os resultados alcançados pelo grupo se situam nesses requisitos apontados por aquela autora, sendo evidenciado progressivamente ao longo do processo de produção científica. É notório o quanto as discussões têm aguçado o senso crítico dos participantes, ampliado o repertório de respostas positivas frente à interdisciplinaridade, além de motivar e prestigiar um espaço de construção coletiva.
Entre as inquietações e reflexões propostas, as atividades do Seminário Interdisciplinar dos laboratórios de Ergonomia, Saúde e Trabalho (ERGOLAB) e de Psicologia, Saúde e Comunidade (LAPSIC) (SIEL) têm aprofundado questões relacionadas à saúde, à educação e ao trabalho em suas múltiplas dimensões, gerando estudos e estratégias que possam contribuir com a formação dos pesquisadores, profissionais e alunos que deste participam e, igualmente, projetos em parcerias com instituições que desenvolvem ações na cidade onde está localizada a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Quanto aos debates e reflexões propostos, além da temática “interdisciplinaridade”, tem-se a abordagem de questões concernentes aos assuntos: moradores de rua e sua condição social, saúde mental, profissionais de saúde, trabalho infantil, assuntos emergentes sobre a complexidade do homem e da sociedade contemporânea, além das relações de trabalho e trabalhador.
No exercício da interdisciplinaridade, compete, sobretudo “estimular a busca além-fronteiras” (SCHWARTZMAN et al., 2017, p.542). Assim, ao debater esses temas, o que o SIEL tem buscado é ultrapassar as fronteiras disciplinares, de tal maneira que os participantes possam juntos compreender a impossibilidade de uma única disciplina superar os entraves.
Neste sentido, o SIEL, tem estimulado o debate e a reflexão interdisciplinar, promovendo um intercâmbio de informações entre os participantes e fomentando as pesquisas em desenvolvimento pelos laboratórios supramencionados, além de aprimorar e fortalecer parcerias e o envolvimento com a comunidade.
Considerando que interdisciplinaridade como atitude, um subproduto do SIEL é a produção de artigos científicos de cunho interdisciplinar para a apresentação em eventos científicos, em 2015, os participantes do Seminário em questão, a partir das discussões de um seminário sobre metodologia de pesquisa interdisciplinar, elaboraram um estudo sobre o uso do método história de vida em pesquisa com a população de rua, refletindo sobre as novas perspectivas de metodologias para a formulação e desenvolvimento de Políticas Públicas relacionadas àquela população. Em 2016, outro artigo sobre o trabalho em saúde em uma perspectiva multidimensional também foi produzido após um seminário cujo tema era “potencialização da saúde do trabalhador”, e apresentado por integrantes do SIEL em evento científico. Tais produções científicas surgiram resultantes de um esforço coletivo, que visa, sobretudo, privilegiar o campo interdisciplinar para a produção do diálogo entre as diversas disciplinas.
De fato, o Seminário tem estimulado e desenvolvido a cooperação, a socialização e a interação entre os participantes com formação disciplinar distintas, criando um espaço potencializador para a exposição de ideias, respeito às diferenças e diversidade disciplinar, demandando competências essenciais às ações coletivas, pois é somente a partir desse movimento que é possível, conforme aponta Fazenda (2010), estabelecer o diálogo e vivenciar a interdisciplinaridade coletivamente, ampliando a possibilidade de troca, a partir de atitudes de humildade, para a aceitação do saber do outro. Esse processo permite a construção de relações entre as pessoas e o conhecimento é a condição fundamental para a prática da construção coletiva.
As experiências vivenciadas entre aqueles laboratórios e externalizadas por meio dos seminários valorizam um processo educativo que tem como objetivo transformações sociais, econômicas, políticas, ecológicas e humanas, proporcionado momentos únicos de reflexão, avaliação, desconstrução-reconstrução-construção de pensamentos e conhecimentos, necessários à experiência do cotidiano e essencial na formação dos pesquisadores envolvidos. Por conseguinte, é preciso estimar que as propostas desenvolvidas perpassem a esfera acadêmica e sejam capazes de trazer contribuições significativas junto à comunidade local. Tal processo corrobora com Velloso et al. (2016) que apontam que a interdisciplinaridade proporciona uma aproximação do saber técnico-científico e vivência cotidianas. Para aqueles autores, “um projeto interdisciplinar pode contribuir na formação ética e estética do aluno, caso o educador mantenha a organização do seu pensamento de forma coerente” (p.267).
Nesse sentido, os resultados das vivências de iniciação ao ensino, pesquisa e extensão, têm contribuído de modo impar aos envolvidos no processo, ainda que cientes da necessidade de revisões necessárias junto ao trabalho até então explorado. Destarte, o método do seminário vem se mostrando uma prática eficaz da disseminação do conhecimento, além de estimular o trabalho coletivo a partir dos conteúdos temáticos explorados pelos laboratórios.
Considerações finais
Considerando a interdisciplinaridade como uma atitude, que envolve diversos desafios para superar o conhecimento disciplinar e fragmentado, o presente relato de experiência buscou descrever uma possibilidade de se produzir conhecimento coletivamente. Nesse sentido, o método de seminário demonstra-se uma estratégia eficiente para estimular o diálogo, dinamizando o processo de ampliação do repertório da aquisição de trocas e de produção do conhecimento. A abordagem de temas diversificados em cada encontro, propositalmente elaborada, tem contemplado um amplo debate acerca de questões sociais, aprofundando discussões sobre temas contemporâneos.
As atividades fomentadas no Seminário Interdisciplinar dos laboratórios de Ergonomia, Saúde e Trabalho (ERGOLAB) e de Psicologia, Saúde e Comunidade (LAPSIC) (SIEL) prosseguem na busca de um trabalho que venha ao encontro da interdisciplinaridade, caracterizando-se como um espaço onde as discussões interdisciplinares sejam possíveis e configurando-se por meio do encontro entre diferentes saberes, vislumbrando a construção de novos caminhos, através de indivíduos que se dispõem ao desafiante exercício de uma escuta ativa e qualificada na busca de outros possíveis.
A prática interdisciplinar se apresenta como uma das possibilidades de conceber no espaço universitário o fortalecimento de relações, tal como expõe Pombo (2005, p.14) “Mas, se a universidade não é apenas uma escola [...], ela tem que preparar [o aluno, o pesquisador, o profissional] para a interdisciplinaridade. Ela tem que perceber as transformações epistemológicas em curso e, de alguma maneira, ir ao seu encontro”. É na busca deste encontro que caminha o SIEL.
Em suma, o presente estudo buscou sintetizar uma experiência de cunho acadêmico interdisciplinar. Como mérito, além de estimular a melhoria intelectual dos acadêmicos, também foi possível a inserção da comunidade local em um espaço aberto à troca de conhecimentos e, ainda que seja incipiente e se faça oportuna a necessidade de revisões e melhorias, tais vivências possuem a potência de um movimento na expansão de novas aprendizagens e conhecimentos sem precedentes para os integrantes, reforçando a necessidade de inserir práticas interdisciplinares no contexto acadêmico.