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Revista Eletrônica de Educação

versão On-line ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.1 São Carlos jan./abr 2019  Epub 05-Ago-2019

https://doi.org/10.14244/198271992694 

Relatos de Experiência

Registros Digitais: desafios e sucessos nas aulas de Literatura do Ensino Médio

Registros Digitales: Desafíos y Sucesos en las clases de Literatura de la Escuela Secundaria

Ana Elisa Sobral Caetano da Silva Ferreira I  

IDoutoranda em Linguística na Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos e Psicopedagoga pela Universidade Católica de Santos. Atua nos grupos de pesquisa: Discursos na Rede (UFSCAR) e Grupo de pesquisa em educação, linguagens, tecnologia e inovação (IFSP). - E-mail: anaelilsaferreira@ifsp.edu.br Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Cubatão-SP, Brasil


Resumo

Este Relato de Experiência narra a trajetória do projeto Stories de Leituras, desenvolvido em 2017 com alunos do 3o ano do Ensino Médio do IFSP campus Cubatão. Com o objetivo de discutir como o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) pode auxiliar nas atividades de leitura, o projeto propõe a utilização da Rede Social (RS) Instagram como um diário virtual, no qual os alunos podem registrar sua relação com o livro e interagir com as postagens dos colegas. O projeto também visa refletir sobre a influência de exames vestibulares nas escolhas dos livros de literatura adotados no Ensino Médio.

Palavras-chave: Literatura; Tecnologias digitais de informação e comunicação; Ensino médio

Resumen

Este relato de experiencia narra la trayectoria del proyecto Stories de Leituras, desarrollado en 2017 con alumnos del 3er año de la Escuela Secundária del IFSP campus Cubatão. Con el objetivo de discutir cómo el uso de Tecnologías Digitales de Información y Comunicación (TDIC) puede auxiliar en las actividades de lectura, el proyecto propone la utilización de la Red Social (RS) Instagram como un diario virtual, en el cual los alumnos pueden registrar su relación con el libro e interactuar con la producción de los colegas. El proyecto también pretende reflexionar sobre la influencia de exámenes vestibulares en las elecciones de los libros de literatura adoptados en la Escuela Secundária.

Palabras claves: Literatura; Tecnologías digitales de información y comunicación; Escuela secundaria

Abstract

This Case Report narrates the trajectory of the project named Stories de Leituras, developed in 2017 with students of the 3rd year of High School at the IFSP campus Cubatão. The main goal of this project is to discuss how the use of Digital Information and Communication Technologies (DICT) can improve reading activities. The project proposes the use of the Instagram Social Network as a virtual diary in which students can register their relationship with the book and interact with colleagues’ posts. The project also aims to reflect on the influence of vestibular exams on the choices of literature books adopted in High School.

Keywords: Literature; Digital information and communication technologies; Secondary education

Introdução: Uma breve reflexão sobre o uso das redes sociais na pós-modernidade

Assim como acontece em diversas áreas, a educação se encontra em um momento crítico que nos faz repensar o paradigma vigente. Uma das razões que nos leva a questionar como e o que ensinamos é o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e seus impactos na nossa interação dentro e fora do ciberespaço.

As Redes Sociais (RS) tornaram-se ambientes naturalizados onde a interação, principalmente de adolescentes, acontece de maneira assíncrona e icônica1, com ênfase no registro de imagens, em especial as selfies, transformando nossa relação com o tempo, com o espaço e com as informações que recebemos. Isso não acontece sem profundos desdobramentos no modo como nos interagimos socialmente.

Um dos aspectos mais marcantes da pós-modernidade é que hoje “o comércio de significado de vida é o mais competitivo dos mercados” (BAUMAN, 2012, p.27). Esse mercado, que estimula o discurso do sucesso e que para Bauman enfatiza aspectos da individualização, deixa vestígios no ambiente escolar. No Ensino Médio, orienta currículos, direciona escolhas de materiais didáticos, mas talvez a forma mais marcante da materialização desse discurso desponte nas faixas em frente às escolas que estampam rostos felizes de alunos aprovados nos competitivos vestibulares.

Parece que o último ciclo da educação básica tornou-se apenas uma passagem para universidade e não um espaço de reflexão e construção de um cidadão autônomo e crítico.

A atividade que proponho nesse relato de experiência procurou retomar a Escola como esse espaço onde alunos pudessem escolher e desenvolver suas leituras repensando seus posicionamentos em sociedade.

Han (2017) faz uma crítica essencial para discorrermos sobre o que foi proposto nesse projeto e entender como um dos objetivos da atividade é subverter a relação que os alunos têm com as RS. “Na era do facebook e do photoshop o ‘semblante humano’ se transformou em face, que se esgota totalmente em seu valor positivo. A face é o rosto exposto sem qualquer ‘áurea da visão’” (HAN, 2017, p.48)

Em uma era de selfies repensar o Instagram como espaço de autoria, relacionando-o com literatura, e não como um ambiente propício para narcisos pode ser um desafio, mas certamente é uma provocação necessária.

Oásis, papéis e instituições

Sei que meu relato se passa em um oásis no deserto da atual educação brasileira. Meus alunos, do Instituto Federal de São Paulo campus Cubatão, têm celulares, acesso à internet e nossa escola conta com laboratórios de informática. São alunos privilegiados se pensarmos na realidade da educação pública. Mas, ainda assim, são adolescentes. Meninos e meninas de 16 e 17 anos, que nasceram em uma era na qual a rede digital é naturalizada como fonte de acesso à informação.

Pensamos esse processo de naturalização como efeito de um recorte histórico, mas enfatizamos que esse aspecto não é correspondente à neutralidade, principalmente se pensarmos em mecanismos de busca como o Google, que seleciona por meio de uma programação algorítmica aquilo que será disponibilizado nas primeiras páginas da sua ferramenta2 de busca, hierarquizando e silenciando certos discursos.

Além desse aspecto, que demanda uma profunda reflexão crítica, também é possível perceber os efeitos dessa naturalização na linguagem, no momento em que Google torna-se verbo - googlar / dar um google - que equivale a “procurar na internet” e se amálgama a outros dispositivos sociais, educacionais e culturais que também promovem a circulação de discursos.

Vaidhyanathan (2012) discorre sobre essa revolução e cunha o termo Googlization frisando que “Google penetrou na nossa cultura (...) ele está no limiar de tornar-se a própria Web” (VAIDHYANATHAN, 2012, p.30)3 alertando-nos da ilusão criada de neutralidade do acesso à informação precisa e relevante por meio deste buscador.

É nesse contexto de Googlização, que muitos dos alunos admitem ser avessos à leitura de clássicos e fazem a maior parte das suas atividades em frente à uma tela. Nisso, são semelhantes a qualquer outro adolescente. Logo, conduzi-los nas aulas de Literatura e despertar o gosto pela leitura pode parecer um desafio fadado ao fracasso, mas é preciso pensar que aquelas atividades, das telas do computador e dos celulares, envolvem processos de leitura, interpretação e autoria, e mesmo que não sejam relacionados a textos canônicos, esses alunos estão constantemente interpretando e produzindo nesse espaço virtual.

Mesmo quando não acompanhada de encontros, a interação no ciberespaço continua sendo uma forma de comunicação. Mas, ouvimos algumas vezes dizer, algumas pessoas permanecem horas “diante de suas telas”, isolando-se assim dos outros. Os excessos certamente não devem ser encorajados. Mas dizemos que alguém que lê “permanece horas diante do papel”? Não. Porque a pessoa que lê não está se relacionando com uma folha de celulose, ela está em contado com um discurso, uma voz, um universo de significados que ela contribui para construir, para habitar com sua leitura. O fato de o texto ser apresentado na tela não muda nada4. Trata-se igualmente de leitura, ainda que, como vimos, com hiperdocumentos e interconexão geral as modalidades de leitura tendam a transformar-se. (LÉVY, 2014, p.165)

Apesar de o autor apontar que o médium5 não tem impacto no processo de leitura, sabemos que este impõe certas restrições ao leitor e, sobretudo, não é neutro, portanto, é importante destacar que o objetivo desse projeto foi agregar diversos suportes de produção, possibilitando que os alunos explorassem o espaço digital de maneira autoral e crítica.

Para entendermos nossos alunos é preciso dar ouvido às suas necessidades, saber quais são suas bagagens e principalmente a realidade que os cerca. Muitas vezes, o currículo que conduz as aulas de Literatura Brasileira no Ensino Médio é traçado de acordo com obras definidas em listas de vestibulares, desconsiderando assim o principal sujeito nesse processo, o leitor.

Não entraremos na discussão sobre avaliações padronizadas, como vestibulares, mas é preciso pensar como esses instrumentos acabam sendo balizadores do que é estudado na Escola, ignorando características tão singulares que diferem milhões6 de alunos em suas salas de aula.

Por isso, gostaria de propor uma breve reflexão sobre o caráter deformador desses exames no processo de aprendizagem e o impacto dessa lógica na abordagem do ensino de Literatura e leitura de clássicos em âmbito escolar.

Uma Escola que tem por objetivo um exame classificatório, e, portanto, excludente, apresenta uma abordagem antidemocrática de ensino. A imagem construída da Escola-Produto, principalmente no Ensino Médio, como apenas uma ponte cuja finalidade é alcançar a aprovação no vestibular, transfere a lógica comercial para aprendizagem e transforma um direito em uma mercadoria.

Essa é uma lógica de perversão do papel da Escola, espaço onde a avaliação deveria ser parte do processo de aprendizagem, acolhendo e não excluindo, principalmente quando se trata de leitura e autonomia do leitor.

Outro aspecto da lógica do mercado que acaba deslizando para Escola é a constante busca por resultados no menor tempo possível. Atualmente, proliferam-se escolas bilíngues e sistemas de ensino para educação infantil que já tem como objetivo desenvolver habilidades para exames que só acontecerão no final do EM. Isso faz com que parte imprescindível do processo de aprendizagem, a experiência por meio da contemplação, seja silenciada pelo discurso do resultado. Muitas vezes, investe-se no desenvolvimento da criança pensando única e exclusivamente na sua inserção no mercado de trabalho.

Na contramão dessa corrida desenfreada para o “sucesso” na aprovação de vestibulares, temos o prazer da leitura (BLOOM, 2000). Ler leva tempo, demanda concentração e reflexão. É preciso que o leitor se envolva com a narrativa e se deixe levar com os personagens. A leitura não respeita a lógica do mercado, ela obedece apenas a lógica da contemplação da narrativa e da realidade. Não é incomum cursos preparatórios para vestibulares trabalharem com resumos de obras clássicas para agilizar a leitura, sequestrando esse precioso tempo que o leitor necessita para desenvolver sua bagagem.

Seria a antiexperiência que Bondía (2002) atribui às Tecnologias Digitais, mas que também acontece na Escola,

A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. (BONDÍA, 2002, p.21)

Então, pode parecer um tanto antagônico um relato sobre o uso de Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDIC) abordando a importância da contemplação e do tempo da experiência, mas um dos objetivos desse projeto é se apropriar da tecnologia de maneira crítica, refletindo sobre seu uso e estudando possibilidades de transformar o tempo em sala de aula em momentos de contemplação e experiência.

Dewey (2007) e Bondía (2002) relacionam tempo, experiência e aprendizagem como pontos indissociáveis e as tecnologias digitais muitas vezes parecem abalar essa tríade quando aceleram nossas interações demandando imediatismo. É preciso ter resultados rápidos, é preciso acessar a informação, internalizá-la e compartilhá-la sem que se permita tempo para experimentar e aprender.

Não é possível apreciar a leitura de um clássico com o imediatismo da internet e isso pode ser um desafio para nossos alunos, habituados aos cliques e aos likes. Além disso, ler é um processo solitário muito diferente do mundo virtual no qual temos a ilusão de nunca estarmos sozinhos.

Ao pensar nesse projeto, li e reli os autores acima, tentando desenhar um caminho que possibilitasse a experiência e a contemplação da leitura, de uma forma significativa e compartilhada, na qual os alunos pudessem ser autores dentro do espaço virtual, transformando a própria contemplação em um diálogo com suas leituras.

Acredito que minha experiência como professora de segunda língua tenha me ajudado a repensar o modo como trabalho a língua materna. Uma das principais preocupações de teóricos e professores de Inglês como Segunda Língua (ESL) é a associar a língua ao ato comunicativo, como aponta Leffa (2012),

Já quem vê a língua, não como um sistema independente, mas como prática social, não consegue desmontá-la em elementos menores, porque a vê atrelada à comunidade que a usa; a língua, nessa perspectiva, não existe fora do evento comunicativo que a constitui. [...] Do mesmo modo, não podemos perceber a língua se ela não estiver sendo usada por alguém em algum tipo de interação com o outro. (LEFFA, 2012, p.392)

Se pensarmos o livro como início desse evento comunicativo que serve de vínculo para prática social de reflexão sobre a leitura e a realidade que nos cerca, é possível utilizar as TDCI para amplificar essa possibilidade de interação.

A questão da avaliação será abordada ao longo dessa conversa, mas iniciaremos com algumas perguntas básicas como: Quem é meu aluno e o que ele gostaria de ler?

Alguns dirão que a Escola tem por obrigação apresentar as obras clássicas para que os alunos possam ter a oportunidade de lê-las ao menos uma vez na vida. Concordo e dou voz à Ana Maria Machado,

É claro que hoje em dia o ensino é diferente e o mundo é outro. Não se concebe que as crianças sejam postas a estudar latim e grego, ou a ler pesadas versões completas e originais de livros antigos [...] Apenas não precisamos cair no extremo oposto. Ou seja, o de achar que qualquer leitura de clássicos pelos jovens perdeu o sentido e, portanto, deve ser abandonada nestes tempos de primazia da imagem e domínio das diferentes telas a palavra impressa no papel. (MACHADO, 2002, p.12)

A autora menciona dois pontos importantes para nossa reflexão; o primeiro deles diz respeito à leitura das obras completas e originais, e concordo que dependendo da faixa etária, devemos trabalhar versões para introduzir o pequeno leitor no prazeroso mundo da literatura, entretanto, com alunos do Ensino Médio podemos escolher títulos que permitam que a obra original seja devorada e bem digerida.

Porém, alguns livros das famosas listas de vestibulares se mostram desafiadores até para os mais ávidos leitores. Quantos dos nossos alunos têm autonomia para desbravar Macunaíma e entender a profundidade dessa narrativa, sem recorrer à longas pesquisas na internet?

Não há nada de errado com pesquisas, elas são extremamente enriquecedoras e aqueles que apontam os deveres da escola, provavelmente responderão que é o papel do professor guiar o aluno, decifrando a leitura com ele e incentivando essa busca por conhecimento. Também concordo. Porém, queremos um aluno que dependa da figura docente para ler ou um que consiga percorrer um caminho autônomo e construir suas próprias leituras?

Isso deveria ser feito no Ensino Fundamental, dirão. Mais uma vez, concordo. “Se o leitor travar conhecimento com um bom número de narrativas clássicas desde pequeno, esses eventuais encontros com os mestres da língua portuguesa terão boas probabilidades de vir a acontecer quase naturalmente depois” (MACHADO, 2002, p.13). Mas afinal, o Ensino Médio também não é um ciclo da Educação Básica?

Outro ponto que Machado (2002) coloca é a predileção por telas às palavras impressas no papel. Nossos alunos estão, cada vez mais, debruçados em aparelhos eletrônicos tanto para estudar quanto para se entreter e, se aparatos se fazem tão presentes, pergunto-me se não deveria convidá-los para minha aula, utilizando-os como uma porta de entrada ou como um espaço para levar a discussão sobre leitura para fora dos limites físicos da Escola.

As perguntas, apresentadas acima, mostram que não ignoro questionamentos recorrentes propostos por pais, colegas de trabalho e até mesmo alunos e justamente por considerá-los, desenvolvi o projeto que descreverei abaixo, com a intenção de proporcionar mais autonomia aos alunos do EM, para que eles pudessem se apropriar do papel de leitor, construindo os próprios significados para o que denominamos clássicos literários (BLOOM, 2000).

Preciso dizer que este relato não é um plano de aula para atingir o sucesso com o uso de TDIC, mas sim um processo de reflexão sobre a prática docente e o caminho que escolhemos traçar com nossos alunos quando nos vemos diante do dilema telas digitais versus livros.

Ainda apoiando-me em teóricos de ensino de línguas, cito o senso de plausibilidade, Prabhu (1990), para justificar que esse aspecto subjetivo da docência envolve muito além de um método ou receita. Cabe ao professor uma reflexão sobre as necessidades de cada uma de suas turmas, para adaptar atividades e sugerir leituras.

Portanto, o objetivo desta narrativa é propor um novo olhar para uma prática muitas vezes engessada em listas de vestibulares e aprovações em universidades. As obras escolhidas, a Rede Social (RS) utilizada e todo o desenvolvimento do projeto servirão como ilustração para uma discussão mais profunda: É possível apropriar-se de meios digitais para promover a autonomia de leitura?

O projeto Stories de Leituras

Como descrito acima, o projeto foi desenvolvido com alunos do 3o ano do Ensino Médio que tinham acesso a celulares ou computadores e isso possibilitou a primeira parte do projeto. Essa etapa foi desenvolvida fora da sala de aula como um exercício concomitante ao processo de leitura que deveria ser desenvolvida como tarefa de casa.

O nome do projeto vem de uma ferramenta, Stories, disponível na Rede Social (RS) Instagram, com a qual usuários podem tirar fotos que serão apagadas em 24 horas. No início, pensei em usar essa ferramenta para registrar o processo de leitura dos discentes, mas como o registro seria apagado, decidi pela publicação de fotos (ou pequenos vídeos) no feed do Instagram, que além de possibilitar um registro mais duradouro, conta com hashtags que otimizam a busca dentro da Rede Social.

Previa que ao propor o uso de uma RS, alguns discentes seriam resistentes, pois provavelmente não gostariam de vincular o conteúdo que produzem na vida privada à vida acadêmica. Resistência que parece reforçar a ideia que aquilo que é produzido na Escola é descolado da vida real, como algo artificial que não teria diálogo com vida cotidiana. Sugeri que cada aluno criasse uma conta exclusiva, porém com acesso público, para o desenvolvimento do projeto e dos 103 alunos matriculados nas turmas participantes, apenas seis não criaram contas ou produziram qualquer conteúdo relacionado à leitura.

Para que os alunos se sentissem parte integrante de todo processo, eles foram responsáveis pela escolha da obra por meio de votação. Propus uma lista com cinco livros, cuja temática comunicava com a faixa etária dos leitores e também era pertinente ao conteúdo programático proposto no planejamento anual.

Por serem alunos do terceiro ano do Ensino Médio e estarem estudando o Modernismo e suas características, propus as seguintes obras: “O apanhador no Campo de Centeio” de J.D. Salinger, “Minha vida de menina” de Helena Morley, “Mayombe”, de Pepetela, “Capitães da Areia” de Jorge Amado.

Dois desses títulos estão na lista de leituras obrigatórias da FUVEST 2018 e foram escolhidos propositalmente, já que uma das hipóteses do projeto era que os alunos escolheriam o livro de acordo com indicações de testes vestibulares.

A obra mais votada, no entanto, foi o romance de J.D. Salinger e por se tratar de um romance norte-americano, propus que os alunos tentassem estabelecer diálogos com obras brasileiras que eles já haviam lido.

Eles produziram, ao longo do projeto, diversas postagens7 nas quais citavam livros, filmes e músicas que conversam com a narrativa do personagem principal, mostrando que eram capazes de interpretar e estabelecer relações entre diversas manifestações artísticas.

Estas postagens eram fotos ou pequenos vídeos, seguidos de trechos do livro e comentários pessoais. Apesar de serem livres para comentar suas impressões, alguns critérios foram adotados para validar as publicações como: uso de linguagem adequada para o meio acadêmico, respeito à produção dos colegas e frequência semanal de acesso.

Os alunos deveriam publicar ao menos duas postagens por semana e adicionar na legenda as seguintes hashtags: #stories_de_leituras, #literatura, #ifspcubatao que facilitariam a busca de produções referentes ao projeto. Uma das hashtags, #literatura, já é amplamente utilizada dentro do aplicativo e foi adotada para que o projeto atraísse usuários que não eram, necessariamente, alunos do instituto.

Alguns discentes relataram que isso aumentou o número de curtidas em seus posts, porém a interação mais significativa era dos próprios colegas envolvidos no projeto.

Criei uma conta no Instagram e mantive meu diário de leitura respeitando os mesmos critérios estabelecidos para os alunos. Também utilizei a conta para indicar leituras ou vídeos disponíveis na internet, que falavam sobre a obra escolhida.

Ao final das 4 semanas, a primeira fase referente ao uso do Instagram foi concluída e os alunos participaram de um debate no qual deveriam compartilhar suas conclusões, tanto da leitura quanto do processo de postagens.

Quem leu melhor?

A avaliação, ao contrário do exame que prima a classificação, é um processo que se “caracteriza pelo seu diagnóstico e pela inclusão” (LUCKESI, 2014, p.25), e, portanto, deve considerar as singularidades do avaliado. É um momento essencial no processo de aprendizagem e não deve ser desassociada do seu propósito de acolhimento.

A herança da concepção tecnicista do exame nos afasta a possibilidade de proporcionar um momento de partilha e construção coletiva, pois questões da ordem classificatória acabam minando essa oportunidade.

Questões pragmáticas podem ser medidas e classificadas, mas como definir quem leu melhor ou quem leu certo, quando consideramos a interpretação individual do aluno?

Por isso que, particularmente, acredito que o processo de leitura não tem como ser medido em um momento de avaliação estanque e que esse tipo de exigência inibe e afasta os leitores. A maioria dos clássicos possibilita diversas discussões que só fazem sentido se partilhadas, não só entre professor e aluno mediados pelo papel, mas com toda sala de aula enquanto comunidade.

Entretanto, é preciso avaliar. Nosso sistema exige que os alunos sejam classificados com notas ou conceitos e dentro da perspectiva apresentada, a forma mais eficaz de fazê-lo é de maneira contínua como é proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica, que apontam a possibilidade de avaliar o desempenho dos discentes de “várias formas, tais como a observação e o registro das atividades dos alunos” (BRASIL, 2013, p. 115).

No projeto apresentado, os alunos eram avaliados de acordo com suas produções, visuais e escritas, e também pela interação que estabeleciam com as produções de seus colegas. Desse processo, surgiram vários questionamentos que foram utilizados para segunda fase, um debate em sala de aula.

Nesse debate, cada aluno teve em média dois minutos para apresentar suas reflexões e propor perguntas para seus colegas. O tempo controlado foi fundamental para possibilitar que todos os alunos tivessem oportunidade de expor suas opiniões além de garantir um momento de debate geral no final da aula.

O que dizem as postagens?

No início, os alunos contaram com diretrizes específicas para produção do conteúdo. Essas instruções pontuavam aspectos que seriam fundamentais para avaliação ao final do projeto, mas isso não os impediu de trabalhar de forma autônoma e autoral como demonstram algumas legendas8 selecionadas e reproduzidas abaixo:

“4:40 da manhã. Depois de sete capítulos sucessivos, aterisso no comecinho do décimo quarto e me deparo com o seguinte trecho, a qual, mixado com o ápice da música “Famous Last Words” - da minha, diga-se de passagem, banda favorita -, me fez dar aquela ESTREMECIDA: “(...)O dia estava

começando a clarear. Puxa, eu estava nas últimas. Ninguém imagina como eu estava deprimido. Foi então

que comecei a falar mais ou menos em voz alta com o Allie. Às vezes, quando estou muito deprimido,

costumo fazer isso.” ...........

Engraçado - pra não dizer trágico -, que um dos trechos cantados no ápice parece trazer exatamente o oposto das ideias que circundam a mente de Holden enquanto deprimido.

“I’m not afraid to keep on living

I’m not afraid to walk this world alone”.

“Estava organizando meus relatórios de estágio e pensei o quanto era mais legal ser uma criança sem nenhuma preocupação além de se divertir. Pude relacionar isso tanto com Holden quanto com os meninos de Capitães de Areia. Em ambas as obras os personagens foram obrigados a crescer, embora Holden seja mais mimado que os “meliantes”. Ele tem até vontade de morar sozinho, mas seu relacionamento com Phoebe, sua irmãzinha, nos mostra o quanto ele gosta de ser criança.”

“Iniciando minha leitura, acabo tendo a mesma reação que tive lendo Memórias Póstumas de Brás Cubas: me surpreendo com o linguajar e de como um romance de 1952 possa ser tão atual como se fosse feito em 2017. Essa atemporalidade é reforçada pelo o modo que o protagonista Holden tem sua visão de mundo, com suas reclamações e sua sordidez juvenil. No momento enxergo uma dificuldade dele se encaixar, com apenas seu dezessete anos, suas atitudes se dividem entrem uma criança e um adulto, portanto deixarei uma reminiscência em minha foto do modo com que ele trata Ackley: infantilidade!”

“Por essa eu não esperava, todo aquele papo furado de Holden no trem com a mãe do Ernie para mim, era muito mais além daquele papo de minto “por puro esporte”. Parecia de verdade que ele tinha ficado atraído de certa forma pela mãe do doido lá, e que queria, como ele mesmo diz, “cuidar dela ali mesmo”. Isso eu achei muito estranho, a final, a diferença etária era enorme e, ele menor de idade. Eu até consigo entender que ele possa ter se sentindo atraído pela mulher, mas me causou estranheza seu comportamento.

Ah, também achei interessante o fato da Vogue ser uma revista famosa desde a época em que o livro foi escrito. A foto é duma revista da época de lançamento do livro.”

“Uma coisa que sempre me é comum nas leituras é sentir o clima ou imaginar um, e eu sempre pego esse sentimento e o carrego para o resto da narrativa. É como se fosse o tom emocional da história, que em “The Catcher in the Rye” se dá por um clima gelado e solitário, ( eu senti muito isso quando li “O Oceano no Fim do Caminho”, que tem um vibe muito “blue”). Acho a coisa mais preciosa a visita que ele faz ao professor Spencer. Eu enquanto aluno valorizo muito a relação aluno professor e no caso do Holden, talvez isso o ajude.

Confesso que até agora me identifico mais com o professor do que com o próprio Holden kkkk. “(...) tem gente velha pra chuchu, como o velho Spencer, que fica na maior felicidade só porque comprou um cobertor(...)”. Eu sou exatamente esse tipo de pessoa, mas fico mais alegre ainda com panelas antiaderente.

Ps: espero que Holden continue esse menino meio que subversivo e cada vez menos atilado (se é que algum dia tenha sido).”

“Fazendo algumas comparações, a personagem principal de “The Catcher In The Rye” me fez lembrar de 2 livros que eu tive contato a tempos atrás (sendo um deles discutido na aula de literatura). Nos 3 livros presentes na foto, tem-se como protagonistas garotos jovens que são excluídos da sociedade de diferentes formas, entretanto, em cada um deles a soluçao vem de outra forma (ou não vem). Como Capitães da Areia foi um livro abordado em sala de aula, falarei do livro “Como Me Tornei Estúpido” de Martin Page. Ele traz um humor e ironia similar ao de Salinger em “The Catcher In The Rye”, além disso tem-se como protagonista também um garoto jovem que não é aceito na sociedade e rebelde. Diferentemente de Holden, Antoine (protagonista do livro de Martin Page) busca sua aceitação na sociedade se tornando uma pessoa estúpida (não confunda com burra). Alguns aspectos dessa “estupidez”, na minha opinião, se fazem presentes em Holden, mas, diferente de Antoine, que escolheu isso, Holden acaba sendo assim por natureza.”

Os exemplos apontados acima ilustram como os alunos se apropriaram do objetivo do projeto, tanto de criação visual (com as fotos e vídeos) quanto com os textos produzidos nas legendas, conversando com suas experiências de leituras - literárias e do mundo - incluindo trechos de músicas, questionamentos sobre responsabilidade, sexualidade e afetos, possibilitando um diálogo que vai além da obra lida e estabelece um vínculo de comunidade por meio de experiências compartilhadas.

O que aprendi com este projeto

Inicialmente, os alunos apresentaram certa resistência para usar uma Rede Social, para fins escolares. Acredito que esse gesto evidencia a cisão entre vida pessoal e vida acadêmica, já que o uso de RS é primordialmente associado a momentos de entretenimento.

Alguns discentes também questionaram se uma avaliação formal, como uma prova de papel e caneta, não seria mais pertinente, reforçando o paradigma escolar tradicional enraizado nos alunos que passaram grande parte de sua trajetória condicionados a momentos de avaliação estanque.

Outro aspecto a ser considerado é que esse projeto exigia periodicidade e interpretações pessoais, já que o aluno deveria apontar trechos do livro, dificultando o uso de resumos disponíveis na internet.

Foi interessante perceber que a escolha da obra com participação dos alunos também influenciou no engajamento da leitura. Muitos deles comentaram que a linguagem simples e usual adotada por J.D. Salinger desconstrói a ideia que um clássico é difícil de ler.

Os adolescentes se envolveram com a narrativa do personagem principal, Holden, por partilharem dúvidas e reflexões pertinentes à essa faixa etária. Essa identificação apareceu de maneira significativa nas legendas das postagens no Instagram e no final do projeto quando eles puderam debater em sala de aula questões sobre a linguagem (uso de gírias) e sobre o processo de amadurecimento de Holden, relacionando esses tópicos com suas próprias experiências pessoais.

Os alunos vivenciaram dois momentos que ampliaram a proposta do projeto para toda comunidade escolar. Primeiramente, na divulgação dentro do Instituto em um mural feito pelo monitor da área de literatura, onde a conectividade virtual foi representada por linhas coloridas que ligavam os comentários, e na publicação de uma nota9 no site institucional divulgando o projeto para comunidade. Essas ações reforçaram a importância da leitura para os alunos que de certo modo se sentiram valorizados como participantes do projeto.

Ao final, eles pareciam surpresos que aquele título poderia ser considerado um clássico e estudado na escola e isso fez com que eu, enquanto docente, repensasse o processo de escolha dos livros sugeridos para meus alunos do EM.

A utilização inovadora de ambiente digitais como diários de leitura também foi um aspecto que possibilitou uma discussão sobre os impactos das Redes Sociais nas interações dos adolescentes e como eles percebem esses ambientes, desenvolvidos primordialmente para propagação do simulacro10 que perpetua aspectos da pós-modernidade e consolidam que “a sociedade da transparência é uma sociedade sem poetas, sem sedução e sem metamorfose” (HAN, 2017, p.159)

O registro feito na RS Instagram foi um modo de desenvolver um diário de leitura compartilhado no qual eles pudessem criar, acessar e partilhar suas impressões, mantendo aquela experiência viva, mesmo após o final do projeto e estabelecer uma relação mais próxima e significativa, além da avaliação escolar, do processo de leitura.

Referências

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VAIDHYANATHAN, Siva. The Googlization of everything (and why we should worry). California: University of California Press, 2012. [ Links ]

1Uso de Emojis, que são figuras geradas pelo sistema Unicode, e amplamente utilizadas em diversas redes sociais.

2O emprego da palavra ferramenta neste relato equivale à tradução livre da palavra inglesa tool que é utilizada para designar dispositivos dentro de aplicativos digitais (apps) como Instagram e Google Search.

3Tradução nossa

4Grifo nosso

5Segundo definição de midiologia de Regis Debray em Manifestos Midiológicos. “Chamo ‘midiologia’ a disciplina que trata das funções sociais superiores em suas relações com as estruturas técnicas de transmissão [...] As produções simbólicas de uma sociedade no instante t não podem ser explicadas independentemente das tecnologias da memória utilizadas no mesmo instante”(1995, p.21).

6Em 2016 foram registradas 8,1 milhões de matrículas no EM segundo site do INEP <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/notas_estatisticas_censo_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf> acessado em 27/10/2017

7É importante destacar que essa fase de produção foi feita fora do horário de aulas, para que eles pudessem ter o tempo da experiência (como apontado por Bondía) e conseguissem refletir sobre suas postagens como um processo de autoria.

8As legendas foram reproduzidas exatamente como publicada pelos alunos, sem correções ou mudança na diagramação.

9Disponível em: <http://cbt.ifsp.edu.br/index.php/noticias-81/2416-stories-de-leituras-projeto-que-envolve-literatura-e-novas-tecnologias> acessado em 28/10/2017.

10Segundo definição de HAN (2017).

Recebido: 19 de Março de 2018; Aceito: 22 de Junho de 2018

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