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Revista Eletrônica de Educação

versão On-line ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.2 São Carlos maio/ago 2019  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.14244/198271993357 

Dossiê Educação, Cultura e Subjetividade

Desafios curriculares no ensino superior: contribuições do Programa Abdias Nascimento

Curricular challenges in Higher Education: contributions from the Abdias Nascimento Program

Ana Cristina Juvenal da Cruz I  

Tatiane Cosentino Rodrigues II  

Denise Cruz III  

Ivanilda Amado Cardoso IV  

IProfessora Adjunta, Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas, UFSCar. E-mail: anacjcruz@ufscar.br - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos-SP, Brasil

IIProfessora Adjunta, Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas, UFSCar. E-mail: tatiane.rodrigues@ufscar.br - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos-SP, Brasil

IIIMestre em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. UFSCar. E-mail: denise.mafalda@gmail.com - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos-SP, Brasil

IVDoutoranda em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. UFSCar. E-mail: ivanildaamado@hotmail.com - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos-SP, Brasil


Resumo

Este artigo apresenta alguns resultados da primeira fase de implementação do projeto “Conhecimento, pesquisa e inovações curriculares na formação de professores para a diversidade étnico-racial no ensino superior: questionamentos e contribuições das matrizes étnico-raciais e culturais, de saberes africanos e afrodescendentes” do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (NEAB/UFSCar), vinculado ao Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento fomentado pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). O projeto visa estabelecer uma rede transnacional de investigação conjunta entre pesquisadores e pesquisadoras em parceria com três instituições internacionais: Universidad Distrital Francisco José de Caldas (Colômbia), Georgia State University (EUA) e Université Paris Nanterre (França). O projeto objetiva analisar se e de que forma os currículos dos cursos de formação de professores estão se modificando para o diálogo de conhecimentos étnico-raciais e culturais, de saberes africanos e afrodescendentes. Neste artigo apresentamos um recorte do levantamento bibliográfico sobre este tema nos contextos da Colômbia e dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Currículo; Ensino superior; Diversidade étnico-racial; Políticas de ação afirmativa

Abstract

This article is dedicated to the development and presentation of the results of the first phase of implementation of the project “Knowledge, research and curricular innovations in teacher training for ethnic-racial diversity in higher education: questioning and contributions of ethnic-racial matrices and (NEAB / UFSCar), Brazil, linked to the Abdias Nascimento Academic Development Program, promoted by the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). The project aims to establish a transnational network of joint research between researchers in partnership with three international institutions: Universidad Distrital Francisco José de Caldas (Colombia), Georgia State University (USA) and Université Paris Nanterre (France). The project aims to analyze if and how the curriculum of teacher training courses are changing for the dialogue of ethnic-racial and cultural knowledge, African and Afro-descendant knowledge. In this article we present a review of the literature on this subject in the contexts of Colombia and the United States.

Keywords: Curriculum; Higher education; Ethnic-racial diversity; Affirmative action policies

Introdução

Esse artigo apresenta dados da primeira fase de implementação do projeto Conhecimento, pesquisa e inovações curriculares na formação de professores para a diversidade étnico-racial no ensino superior: questionamentos e contribuições das matrizes étnico-raciais e culturais, de saberes africanos e afrodescendentes, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento da Capes. O projeto visa estabelecer uma rede transnacional de investigação conjunta entre pesquisadores e pesquisadoras do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos em parceria com três instituições internacionais: Universidad Distrital Francisco José de Caldas (Colômbia), sob supervisão da Profa. Dra. Adela Molina; Georgia State University (EUA), sob supervisão da Profa. Dra. Joyce King e Université Paris Nanterre La Defense (França), sob supervisão da Profa. Dra. Véronique Francis.

O projeto em curso está estabelecendo uma pesquisa comparativa entre as instituições mencionadas, as quais possuem em seus quadros docentes pesquisadores atuantes em pesquisas centradas no repertório epistemológico e de conhecimento acadêmico que derivam das matrizes étnico-raciais e culturais e de saberes africanos e afrodescendentes produzidas no espaço da diáspora (BRAH, 2011). O objetivo é constituir uma agenda de pesquisa em consonância, que articule as discussões locais nos países à discussão global sobre a diversidade e a diferença no campo da educação. Um dos conceitos centrais a partir do qual essas discussões estão sendo realizadas no que corresponde às relações étnicas e raciais é o de diáspora. Esse conceito tem sido ampliado no interior de uma base analítica que permite pensar não apenas rotas de dispersão, mas distinções de movimento. A diáspora pode, portanto, ser empregada em um quadro interpretativo de análise cuja articulação propicie traçar e identificar a relação de bens, objetos, pessoas, saberes e culturas em âmbito global. Já o espaço da diáspora é onde essas diversas articulações atuam entoadas como “dinâmicas de poder de interseccionalidade”, ou seja, é o espaço de vivência desses processos (BRAH, 2011, p. 246).

A configuração que se formula na contemporaneidade apresenta determinadas mudanças, rupturas e continuidades especialmente dos paradigmas epistemológicos da modernidade e das consequências políticas que orientam a maneira pela qual sua história é contada. É neste contexto que surgem questionamentos sobre a produção e circulação dos conhecimentos. Isso responde a um movimento desenvolvido de forma especifica no campo acadêmico acerca do descrédito de alguns antigos modelos epistemológicos que anteriormente asseguravam determinados desígnios de razão e verdade. Considerados obsoletos em algumas medidas, é no momento em que esses pressupostos são colocados em xeque que questionamentos são dirigidos a intelectuais e perspectivas teóricas. Os campos elaborados no interior dos estudos culturais, subalternos, pós-coloniais, decoloniais, feministas, indígenas entre outros adquiriram forte influência nas academias levando a mudanças de interpretação acerca de diversas questões sociais. Isso tem sido feito especialmente por movimentos sociais e migratórios em diferentes perspectivas, os quais têm buscado reposicionar a leitura das instituições modernas, das identidades, e dos discursos legitimadores de alguns paradigmas acadêmicos.

Ou seja, há uma compreensão de que a orientação etnocêntrica e eurocêntrica presente em boa parte da estrutura das universidades ocidentais, entendidas como lócus de produção de um conhecimento acadêmico específico, ocultou de seu espaço saberes africanos e afrodescendentes. Isso pôde ser visualizado nos últimos anos por meio das diversas políticas de reconhecimento multicultural em diferentes contextos nacionais, especialmente na área da educação, que possibilitaram o conhecimento das influências das matrizes africanas nas ciências naturais, humanas e exatas.

O “Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento” tem como objetivo propiciar a formação e capacitação de estudantes autodeclarados pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, com elevada qualificação em universidades, instituições de educação profissional e tecnológica e centros de pesquisa no Brasil e no exterior. O programa, resultante da reivindicação de políticas de ação afirmativa na sociedade brasileira, leva o nome de Abdias Nascimento em homenagem a uma das figuras mais importantes da luta antirracista no Brasil. Abdias Nascimento descendeu de uma família pobre, negra, e dedicou sua vida à luta antirracista.

No projeto em tela o que nos interessa de modo particular é capturar o modo pelo qual os elementos da matriz diaspórica africana repercutem na estrutura acadêmica das universidades que estabelecem a rede de pesquisa transnacional proposta. Intentamos identificar as maneiras pelas quais o conhecimento dessas matrizes se forma, perpetua e transforma o espaço acadêmico pelas vias da pesquisa, do ensino e da extensão universitária. Nossa hipótese é de que a presença desses temas inseridos de formas distintas nessas universidades molda a estrutura, a produção de conhecimento e a formação oferecida nessas instituições. Essas modificações estão vinculadas em parte pelas posições distintas dessas nações na história do colonialismo e do tráfico dos povos africanos na modernidade.

De outra parte, os temas são discutidos pelas vias distintas de inserção no campo da política da diversidade étnico-racial e cultural. A absorção desses temas, produzidos nas universidades pelas políticas de reconhecimento cujas proposições ocorreram de maneiras distintas, impactou o campo da educação. Ao nos dirigirmos para os modos pelos quais docentes e estudantes mobilizam saberes e estabelecem diálogos teóricos com matrizes teóricas intentamos analisar essas políticas no campo da estrutura dessas instituições e dos debates no campo teórico desses temas. Apresentamos os delineamentos da pesquisa desenvolvida a partir de uma análise comparativa em contextos diferenciados de relações étnico-raciais. Especificamente, neste texto, nos deteremos aos contextos de duas das universidades participantes da proposta, o estadunidense e o colombiano. Para isso, no contexto estadunidense nos detivemos às discussões realizadas em um simpósio realizado na Reunião Anual 2018 da American Educational Research Association (AERA). No contexto colombiano, apresentamos um levantamento amostral da última década de textos localizados no banco de dados SciElo da Colômbia.

A discussão teórica sobre currículo no contexto estadunidense

Entre 2017 e 2018 estudantes vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar realizaram intercâmbio na Georgia State University sob a supervisão da Professora Drª. Joyce Elaine King, pesquisadora de referência no campo dos Black Studies e Curriculum Change nos Estados Unidos. Como parte das atividades realizadas durante o intercâmbio, neste item, apresentamos um panorama de pesquisas apresentadas na Reunião Anual de 2018 da American Educational Research Association (AERA). Dar-se-á ênfase ao simpósio: Roots, Realities, Refusals, Reinventions: Critical Reflections on the Histories and Futures of Liberation Education vinculado ao grupo de trabalho Histories and Futurities (The Frames of Curriculum - Curriculum Studies). Esse simpósio reuniu investigações centradas no campo de estudos de currículo e de relações étnico-raciais na vertente da Black Education dos Estados Unidos.

Com o objetivo de apresentar um quadro quantitativo das pesquisas, procedemos a um levantamento no repositório AERA Online Paper Repository . Foram consultadas a fonte referida em busca simples, assim com o descritor Curriculum localizamos 1.235 trabalhos, utilizando os seis descritores, previamente definidos na base: “1) Curriculum Desing and evolution, 2) Curriculum in Classroom, 3) Curriculum 4) Policy and Reform, 5) Curriculum Studies and Diversity, 6) Curriculum Theory”, localizamos 268 artigos:

Descritores Trabalhos localizados
Curriculum 84
Curriculum Desing and evolution 44
Curriculum in Classroom 32
Curriculum Policy and Reform 37
Curriculum Studies and Diversity 31
Curriculum Theory 40
Total 268

Fonte: AERA.

Quando realizamos a busca na unidade Curriculum Studies e SIG-Critical Issues in Curriculum and Cultural Studies, utilizando o descritor curriculum, localizamos 300 trabalhos associados, o que nos possibilita inferir que quando subtraído com o total dos 268 encontrados por descritores, 32 trabalhos foram enviados para as unidades de currículo sem que mencionassem o termo currículo nos descritores.

Também levantamos pesquisas que mencionaram o termo curriculum nos títulos, localizamos 160 pesquisas, realizamos as leituras dos títulos com intenção de localizar pesquisas que relacionassem currículo e relações raciais, diversidade e diferenças. Localizamos os seguintes descritores:

Descritor Incidência
Antiblackness 1
Colonialism 1
Black 3
Children 1
Difference 1
Diversity 2
Equity 2
Ethnic 5
Feminist 1
Gender 1
HigherEducation 1
Minorities 1
Race 2
Racial 2
Teacher 13
Womanism 1

Fonte: AERA.

Destaca-se a incidência do termo teacher vinculado ao termo curriculum em 13 títulos de pesquisas indicando a prevalência desse campo articulado à discussão da prática docente junto a discussões sobre metodologias de formação de professores. A soma total dos termos das 25 ocorrências identificadas nos títulos oferece-nos uma noção quantitativa dos temas envoltos ao debate sobre diversidade e diferença presentes nas discussões sobre currículo.

Para visualizarmos se haveria a incidência de pesquisas que tivessem como foco o contexto educacional brasileiro utilizamos o descritor Brazil. Na busca por títulos e abstracts, localizamos 15 trabalhos nos quais o termo Brazil aparece no título e 27 no abstract. Após sobreposição identificamos que apenas um trabalho mencionou Brazil no título, mas não o repete no abstract, totalizando 28 trabalhos que foram submetidos e aprovados na AERA 2018. Do total de 27 pesquisas, três mencionaram o termo currículo e seis utilizaram termos relacionados ao campo da diversidade, minorias, diferenças e relações raciais.

Do levantamento obtido, debruçamo-nos em analisar quatro trabalhos apresentados no simpósio mencionado: Roots, Realities, Refusals, Reinventions: Critical Reflections on the Histories and Futures of Liberation Education presidido por Kristen L. Buras, professora especialista em Teoria Crítica da Raça e história do currículo na Georgia State University. O simpósio teve como objetivo refletir criticamente sobre as raízes, realidades, recusas, reinvenções da educação libertadora no cerne do debate mais amplo sobre o futuro da educação pública americana sob algumas perspectivas teóricas no campo do Black Thought, Black Education e Black Studies. O enfoque se deu no sentido de discutir a recuperação das lutas históricas de grupos racialmente marginalizados para a superação dos desafios educacionais em contexto local e global. Ainda no interior dessa proposta, os debates centraram-se no estímulo às/aos participantes de apresentarem os modos pelos quais o legado histórico e político dos movimentos de grupos marginalizados, especialmente da população afro-americana, informam as diretrizes que pautam a educação pública atual no contexto estadunidense.

O primeiro trabalho analisado How Does It Feel to Be a Problem? Communities of Color, Self-Determination, and Historical Educational Struggle, Wayne Au, Bothell, Anthony L. Brown e Dolores Calderon iniciam com uma questão secular colocada pelo sociólogo, historiador e ativista William Edward Burghardt Du Bois em 1903, quando lançou o livro The Souls of Black Folk ENT#091;As almas da gente negra, 1999ENT#093; e sugeriu que o problema do século 20 seria o da “linha de cor”. Essa metáfora evidenciava a existência de um conjunto de fatores estruturais que alocavam brancos e afro-americanos em lugares distintos da dinâmica social. Tais locais se estruturavam pelo oferecimento a esses distintos grupos étnico-raciais acessos diferenciados a bens, serviços e elementos no desenvolvimento social na sociedade americana. Essa distinção operava como um véu que separava esses grupos em polos opostos no campo social. Com base na metáfora do véu, a questão colocada por Du Bois, problematizava como os negros historicamente foram enquadrados como um problema para o sistema educacional dos Estados Unidos. As questões giravam em torno das problemáticas advindas de uma política histórica para a educação que quando não excluía diretamente os afro-americanos pela proibição de acesso à escola pela via legal, aplicavam medidas que impediam a permanência dessa população na estrutura educacional, o que pode ser verificado como continuidade em sucessivos governos nos Estados Unidos.

As discussões desenvolvidas pelos autores no referido trabalho se centram nas lutas históricas de resistência, contra o “genocídio cultural do currículo”, empreendidas por comunidades não brancas, como chineses e nipo-americanos, mexicanos e afro-americanos. Vítimas de tensões criadas pela xenofobia nativista da ideologia da supremacia branca, chineses e nipo-americanos, por exemplo, lutaram pela inclusão no sistema de educação pública estruturado para o favorecimento à população identificada como branca e desenvolveram estratégias como a criação de instituições próprias de ensino primário e secundário.

A revisão dos currículos escolares, segundo Au, Brown e Calderon (2018) é uma luta histórica dos intelectuais mexicanos americanos. Segundo os autores, este grupo questiona a americanização e a violência simbólica da educação nos currículos oficiais oferecendo contranarrativas. O questionamento dos intelectuais e ativistas mexicanos e mexicano-americanos ao currículo denominado oficial tem fundamento histórico na luta pela preservação cultural e direito à participação social desses grupos de forma inclusiva.

Para um conjunto de autores/as esses processos de segregação racial são caracterizados como um apagamento da história africana e afro-americana nos currículos. Essas ações são profundamente criticadas por pensadores da Black Education. Grant, Brown e Brown (2015) analisaram o discurso educacional americano criticando concepções tradicionais de currículo na literatura infantil e nos livros escolares.

No texto Minds Stayed on Freedom, Joyce Elaine King reflete sobre a importância da recuperação da história da educação negra e questiona sobre o que podemos aprender sobre as práticas de interpretação teórica do pensamento negro em educação. Com aporte das propostas desenvolvidas por intelectuais cujas obras pautaram-se na crença da transformação social pela capacidade das pessoas comuns de criar mudanças como Ella Baker e Walter Rodney, discute o ensino para a libertação pautada nos saberes das pessoas comuns, no processo de autoconhecimento e do compartilhamento de experiências coletivas para encontrar respostas para as questões sociais e políticas.

Ainda para King (2018), a análise particular de Amílcar Cabral sobre as potencialidades das culturas de massa enquanto realidade sociológica é fonte da ideologia da luta pela libertação usurpada e suprimida pela lógica colonial. Esse movimento pautou a ação política para a educação e o pensamento da libertação dos negros em diversos espaços do continente africano e no espaço da diáspora. King, que se identifica na perspectiva afrocentrada, estabelece uma ponte com Amílcar que é identificado como marxista. Essa ponte se estabelece em dois pontos: no “Retornar à Fonte” e na “memória do desenvolvimento histórico” (CABRAL, 1973 apudKING, 2018).

O “Retornar à Fonte’ é identificado como uma interpretação teórica das ações vinculadas à denominação de práxis de educadores e ativistas históricos. King (2018), indica alguns movimentos no contexto estadunidense no interior dessa denominação como o Movimento Garvey Global (UNIA), nas Escolas de Educação para a Cidadania, como a Escola Folclórica Miles Horton e Highlander, e o legado das Escolas de Liberdade do Mississippi, Summer Project do Student Non violent Coordinating Committee (SNCC). Da ação de Ella Baker durante o Movimento dos Direitos Civis ao Instituto dos Negros World and the Oakland Community School organizado por ativistas do Partido dos Panteras Negras e ainda as escolas independentes negras e movimentos de educação em casa, permitem segundo King (2018), iluminar a práxis epistêmica, pedagógica e curricular informada por uma visão ampla do significado de liberdade nos movimentos políticos daquele período (KING, 2018). A elaboração de uma “memória do desenvolvimento histórico” é projetada na mesma perspectiva de construir uma memória dos feitos e ações históricas das pessoas que dedicaram suas vidas à emancipação da população afro-americana.

Além dos movimentos coletivos a autora indica que há uma “expressão cultural criadora negra” cuja expressão pode ser visualizada principalmente nos modos inventivos de uso da música e da linguagem e de uma espiritualidade orientada, áreas que engendraram e refletiram a consciência negra fomentando a capacidade dos afro-americanos para o pensamento crítico e resistência às estruturas materiais e discursivas da opressão racial. Essa perspectiva, denominada de Africanidade duradoura, é vinculada à denominação e permanência de elementos considerados como africanos no contexto da diáspora. Essa é o fundamento de uma gênese epistemológica do que é denominado de “pensamento negro” em educação.

Nilma Lino Gomes, em semelhante postura propõe discussões nessa linha de interpretação, a partir do contexto histórico brasileiro. O reconhecimento e a compreensão do passado histórico do movimento negro brasileiro como educador e como formulador de estratégias educacionais é fundamental para o entendimento do caráter articulador e propositivo do movimento negro brasileiro (GOMES, 2017). Aproximar essas perspectivas nos permite pensar questões centrais do currículo na contemporaneidade como a recuperação histórica de formulações teóricas de professores e professoras nas diversas lutas sociais e das diversas estratégias e práticas desenvolvidas na educação.

A provocação de King (2018) para interpretação teórica da práxis de educadoras e educadores junto ao ativismo social não é apenas urgente como fundamental. Tal conhecimento merece ser divulgado seja por meio de pesquisas biográficas e da recuperação das memórias e experiências ainda presentes nos movimentos. Essa foi a visão apresentada por Derrick Alridge no artigo Teachers in the Movement: Pedagogy, Activism, and Freedom (2018). Alridge realizou pesquisa com metodologia baseada na história oral com professoras e professores de escolas elementares, secundárias e universidades que participaram do movimento pelos direitos civis dos negros afro-americanos. O objetivo foi o de explorar suas ideias, estratégias pedagógicas e a elaboração de currículos implementados que pautaram as ações em diferentes momentos históricos. O desenvolvimento da pesquisa se pauta no uso epistemológico da diáspora negra enquanto conceito. Ao integrar a fala e a ação política dessas personalidades no campo da educação, se inserem em uma agenda de pesquisas centrada na formação e na política educacional construídas em espaços nacionais. Ao tomar a reflexão da estrutura da educação em países com diferentes experiências de colonização atravessados por práticas de segregação, privação educacional, racismo agregam experiências diversas de resistências e inovações no campo pedagógico para enfrentamento dos sistemas opressores impostos nesses espaços.

Em suma, as discussões realizadas no simpósio se voltam para a proposição de um currículo que considere experiências de vida de pessoas que viveram em regimes antidemocráticos e, sobretudo, construíram formas de “educar para a liberdade” (HOOKS, 2013). Indicam que essa “escavação histórica” pode servir de recurso para pensar a educação em curso. Segundo Grant, Brown e Brown (2016) a tese de “escavação histórica” é defendida pelo historiador porto-riquenho Arthuro Alfonso Schomburg no ensaio The negro digs up his past, publicado em 1925 na revista Survey Graphic. Schomburg (ENT#091;1925ENT#093;1992) argumentou no referido ensaio a importância da memória coletiva de africanos e seus descendentes na América:

The American Negro must rebuild his past in order to make his future. Though it is orthodox to think of America as the one country where it is unnecessary to have a past, what is luxury for the nation as a whole becomes a prime social necessity for the Negro (SCHOMBURG, 1925, p. 671).

Para essa ação de “escavar” as discussões no simpósio apontaram ainda para a existência de acontecimentos, marcos e movimentos que precisavam ser desenterrados para um conhecimento da pluralidade da humanidade, a contribuição intelectual e cultural dos povos da diáspora africana deve ser enunciada no interior dessa característica (GRANT; BROWN; BROWN, 2016).

As reformas educacionais foram utilizadas como medidas políticas para a manutenção do status quo e geraram dificuldades no processo de emancipação pela via educacional da população negra. Na discussão realizada no simpósio, o que os pesquisadores e pesquisadoras apontam é a continuidade dessas medidas na contemporaneidade. Isto foi notado por Buras (2018) no artigo George Washington Carver Senior High School: A Legacy That Can’t Be Chartered sobre a histórica escola pública negra secundária GW Carver em Nova Orleans, fundada entre 1958 e 1959. Esta escola é reconhecida por ter educado gerações de jovens, promovendo um forte senso de vinculação junto à comunidade por meio da oferta de atividades curriculares e extracurriculares diferenciadas. Tal ação inaugurou uma tradição intergeracional de excelência educacional enraizada na cultura e na história de Nova Orleans, particularmente na luta pela autodeterminação das pessoas negras daquele lugar.

Devido à passagem do furacão Katrina em 2005, a escola fechou e posteriormente foi reaberta com denominação de No Excuses Charter Schools. Esse movimento foi identificado como uma ação de apagamento das ideias, currículos e práticas vinculadas à educação libertária desenvolvida historicamente pela Carver. Para Buras, a reforma educacional implementada resultou em uma abordagem que não se manteve fiel ao legado da Escola Secundária de Carver, violando os direitos educacionais civis e humanos dos estudantes (BURAS, 2018). Indo na mesma proposição dos autores supracitados, Buras (2018) sugeriu que a recuperação do legado histórico da Escola Secundária de Carver seria uma possibilidade de reinvenção das escolas públicas de Nova Orleans. King no texto Black Education post-Katrina And “all us we” are not saved, publicado em 2009 problematizou qual seria o estado contemporâneo da Black education após o furacão Katrina. A experiência do furacão Katrina acentuou um contexto de complexidades em torno da educação negra (black education). Nova Orleans é reconhecida como uma das cidades com uma população majoritariamente negra dos Estados Unidos. Conhecida como o berço das músicas da diáspora negra como jazz e blues e constituída pelo legado dos povos da África Ocidental. Para King (2009), o abandono da educação dos negros mais pobres daquela região constitui-se em um padrão histórico de negligência sistemática que pode ser identificada em guetos urbanos de várias cidades americanas.

Essa interpretação derivada do que ocorreu após o furacão Katrina junto à definição da educação negra (black education) é um exemplo de que além da difícil tarefa de descentralizar os conhecimentos eurocêntricos no currículo, os estudiosos dessa área são desafiados por acontecimentos da materialidade do tempo-espaço e fenômenos naturais identificados como “acidentes”. A rubrica de acidente, no entanto, não se sustenta ao considerarmos o descaso com qual é exposto o legado de determinadas populações. A queima, em 13 de maio de 1891, dos arquivos de registro da escravidão, autorizada por Rui Barbosa e a recente perda de itens do acervo do Museu Nacional, como o mais antigo fóssil humano encontrado no Brasil a Luzia, a Coleção do Egito como o Trono de Daomé, registro de línguas indígenas extintas entre outros, são exemplos passados e recentes que colocam em articulação uma sistemática de desapreço às histórias desses povos. Isso leva à urgência de tomada de posicionamento e vigilância diuturna de pesquisadores e pesquisadoras acerca da necessidade de “escavação”, ou seja, da recuperação das lutas históricas como defendem Au, Brown, Calderon, Alridge, King, e Buras para superação dos desafios educacionais atuais.

A produção teórica sobre currículo e diversidade no contexto colombiano

As discussões sobre a inserção de temas raciais no campo da educação, em especial no ensino superior da Colômbia, têm se constituído em um campo de pesquisa fecundo junto ao debate para a construção de uma educação inclusiva com as diferenças. Algumas considerações históricas sobre as conceituações de raça e racismo na Colômbia são elucidativas para compreender sob quais aspectos o campo epistemológico se assenta. A Colômbia possui histórico de formação com forte presença da diáspora africana, as matrizes africanas fazem parte da formação permeada por uma trajetória atravessada pela constituição do colonialismo europeu de modo que esse processo influenciou na formação das diversas identidades e pertencimentos existentes na Colômbia na contemporaneidade (ROJAS, 2008).

A constituição de diferentes identidades entre os povos descendentes de africanos na Colômbia nos permite compreender que, apesar da experiência traumática da escravidão com a ausência total de direitos, liberdade e humanidade estes povos buscaram diversos meios de resistir e reconstruir sua existência e identidades ligadas aos contextos vividos neste território. Tal processo histórico levou à consolidação política de termos como afrocolombiana(o) e negra(o) no vocabulário cotidiano demarcando o pertencimento étnico-racial dos cidadãos/ãs colombianos/as e afrodescendentes. A opção pelo uso de “afrocolombiano” está envolta à negação do termo “Negro” por este remeter ao passado colonial, já que “negra” (o), foi construído por uma denominação imposta pelos colonizadores (ROJAS, 2008).

Neste sentido, Cristiano Rodrigues (2014) afirma que existem mais duas terminologias que são frequentemente utilizadas para marcar não apenas o pertencimento racial, mas também a dimensão étnica e territorial, que são as categorias “palenquero” e “raizal”, como explica o autor:

(...) palenquero e raizal acionam a identidade étnica e a territorialidade como laços da solidariedade étnica. Palenquero se refere ao habitante de um Palenque, que a exemplo do quilombo brasileiro, se trata de uma forma de assentamento de difícil acesso para onde se dirigiam negros cimarrones (aqueles que se rebelavam contra os senhores de escravos ou fugiam do cativeiro). Devido ao seu isolamento geográfico, os palenques acabaram por se constituir em comunidades autóctones, com o desenvolvimento de práticas culturais, tradições e línguas próprias. Raizal, por sua vez, faz referência a um grupo étnico Afro-Caribenho, habitante do arquipélago de San Andrés e Providência, falando a Língua Creole e inglês crioulo (RODRIGUES, 2014, p.67).

Como podemos observar, os pertencimentos étnico-raciais e territoriais apontam para as regiões do litoral pacífico e do Caribe colombiano. Não obstante, são as regiões com a maior população afrodescendente e consequentemente com as maiores expressões diaspóricas, que se desdobram desde o estilo das músicas, da estética e das formas linguísticas que apresentam alguns elementos africanos, às danças, instrumentos musicais, festas tradicionais, gastronomia, produção intelectual, entre outros elementos que marcam não só a experiência compartilhada de resistência, bem como o volumoso legado cultural que contribuiu para a formação da sociedade colombiana (ROJAS, 2008).

É a partir das diversas identidades negras colombianas que podemos compreender as lutas por reconhecimento de suas identidades como grupos étnicos submetidos a discriminações específicas. A reformulação da Constituição Colombiana em 1993 é resultado de parte dessas reivindicações. A inserção no texto Constitucional da garantia ao direito territorial dos afro-colombianos no Pacífico, reconhecida como a Lei 70 ou “lei das comunidades negras”, apresenta em seu primeiro artigo:

La presente ley tiene por objeto reconocer a las comunidades negras que han venido ocupando tierras baldias en la zonas rurales ribereñas de los ríos de la Cuenca del Pacífico, de acuerdo con sus prácticas tradicionales de producción, el derecho a la propiedad colectiva, de conformidad con los dispuestos en los artículos siguientes. Así mismo tiene como propósito establecer mecanismos para la protección de la identidad cultural y de los derechos de las comunidades negras de Colombia como grupo étnico, y el fomento de su desarrollo económico y social, con el fin de garantizar que estas comunidades obtengan condiciones reales de igualdad de oportunidades frente al resto de la sociedad colombiana (COLÔMBIA, 1996, p.1).

Esta legislação foi um marco histórico, pois, o reconhecimento dos afro-colombianos como populações étnicas na legislação, levou à formulação de políticas públicas específicas para essa população, além de ter possibilitado o crescimento dos estudos investigativos sobre as especificidades desses grupos étnicos, e consequentemente identificar os equívocos que limitavam o alcance dessa lei (ROJAS, 2008).

Nesse sentido, Rodrigues (2014) afirma que no decorrer dos anos de1990 vários decretos foram sancionados para aprimorar a Lei 70 a fim de garantir sua efetividade e ampliar suas ações. Dentre esses decretos, o mais importante no campo da educação foi o da criação da Cátedra de Estudos Afro-colombianos (CEA) em 1998, que tem como principal objetivo:

ENT#091;...ENT#093; superar el desconocimiento del aporte significativo de los afrocolombianos a la construcción de la nacionalidad en lo material, lo cultural y lo político, así como la escasa retribución del país a éstos en términos de reconocimiento y valoración como etnia, para así romper con la invisibilidad política, social y económica y el desbalance en la inversión social y en recursos productivos para su sostenimiento y desarrollo (MEN, 2017, p.13).

Diante desse cenário, podemos inferir que, assim como a lei nº 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar foi um avanço na educação brasileira, a Cátedra de Estudos Afro-colombianos foi igualmente um ganho substancial para a educação colombiana. Ao institucionalizar o direito a uma educação que considerasse os aspectos étnicos e raciais previu, entre outras ações, a revisão de livros escolares, para que estes não apresentassem conotações racistas em seus conteúdos (CASTILLO; ABRIL, 2008).

Rojas (2008) afirmou que esta proposta foi construída com base no conceito de etnoeducação cujo principal objetivo é o de construir uma epistemologia pautada em projetos junto às comunidades em que estão inseridos. As propostas advogam concepções de fortalecimento da autonomia, de projetos de vida direcionados. Com esse movimento surgiram cursos de formação docente em etnoeducação, materiais didáticos e cursos de formação continuada dirigidos às comunidades negras e indígenas colombianas.

Para identificar a materialidade desse contexto no campo da pesquisa em educação procedemos a uma busca no banco de dados SciElo da Colômbia as produções publicadas na última década. Os descritores foram “educación superior y diversidade”, “etnoeducación”, e, por fim, “educación del docentes y interculturalidad,” a fim de compreender o que se tem produzido na Colômbia a partir desses temas com enfoque na temática racial afro-colombiana para o ensino superior.

Com o descritor “educacion superior y diversidad” encontramos três artigos. O primeiro artigo foi escrito por Dóris Santos, em 2013 com o título “Mimesis y bilingüismo ideológico: un análisis crítico del discurso sobre la diversidade nun documento de política educativa universitaria en América latina”. Nesse trabalho, a autora analisou os documentos da política educativa do ensino superior a fim de identificar uma espécie de “bilinguismo ideológico” nas universidades latino-americanas, e observou, no caso colombiano a existência de uma imitação não apenas no emprego dos usos da linguagem, mas também das políticas educativas. Segundo Santos, esse cenário é impactado pelos “países do centro” que moldam a produção acadêmica dos países da periferia. Assim a autora sugeriu que se reivindique o reconhecimento de uma linguagem própria com elementos forjados no espaço periférico e que se faça uma interlocução crítica e produtiva.

O artigo escrito por Gloria Esperanza Mora Monroy (2016) com o título: “Dos experiencias educativas y editoriales com estudiantes indígenas, afrodescendientes y de municipios pobres em La universidad, desde una perspectiva intercultural”, abordou as colocações do trabalho de Doris Santos descrevendo uma experiência de trabalho docente em um curso de leitura e escrita com estudantes negros e indígenas com elevado desempenho acadêmico da Universidade Nacional da Colômbia. A autora analisou docentes que trabalham com estes estudantes, bem como suas produções acadêmicas escritas.

O artigo “Empatia y tolerancia a la diversidad em un contexto educativo intercultural” de Moises Esteban-Guitart, Maria Jane R. Damian e Rebeca Myrian (2012) finaliza os materiais encontrados sob este descritor. No artigo os autores analisaram a relação entre empatia e tolerância comparando resultados com recorte de gênero, étnico-racial e pessoas que frequentavam universidades públicas e universidades interculturais. O destaque se dá nos resultados referentes às questões sobre cultura, etnia e imigração nos quais os estudantes das universidades interculturais demonstraram espectro mais próximo à tolerância sobre a presença de culturas, etnias e grupos migratórios distintos.

Na busca com o descritor “etnoeducacion” foram encontrados cinco artigos. Nos trabalhos de Edisson Diáz Sánches (2015) e Yeison Arcadio Meneses-Copete (2014) que trazem como títulos: “Reflexiones pedagógicas sobre la formación de docentes en los estudios escolares afro-colombianos” e “Representaciones sociales sobre afrodescendencia: curriculum, practica y discurso pedagógico del profesorado”, apresentam reflexões sobre mudanças necessárias no campo para uma educação que contemple as relações étnico-raciais. Em ambos os trabalhos, os autores fizeram recomendações acerca do trabalho pedagógico sobre a diversidade étnico-racial. Segundo eles, o professorado indicado para atuar nas localidades de maioria afrodescendente deveria ser das regiões nas quais se encontram as escolas e ter uma formação para a etnoeducação, e no caso de comunidades com língua própria, o professor deverá ser bilíngue. Indicam ainda que o currículo, como marco político ideológico, operou um papel central na ausência e no não lugar dos povos afrodescendentes, portanto, colocam como elemento fundamental que as universidades colombianas assumam a responsabilidade política de criar programas de formação no campo dos estudos afrodiaspóricos e que trabalhem a diversidade étnica e cultural.

O artigo “En busca de la igualdad y el reconocimiento. La experiencia histórica de la educación intercultural en el Caribe colombiano” de Celmira Castro Suarez publicado em 2014;Educación para ciudadanos del mundo con identidad afrodescendiente: caso institución educativa Antonia Santos, Cartagena de Indias, Colombia” de Alejandrina Lago de Zota, Carmen Lago de Fernandez e Diana Lago de Vergara publicado em 2012 e o texto Las luchas por otras educaciones en el bicentenario: de la iglesia-docente a las educaciones étnicas” de Elizabeth Castillo Guzman e José Antonio Caicedo Ortiz publicado em 2010, se articulam essencialmente em torno da indicação do desenvolvimento de ações para (re)contar o processo histórico de construção da política pública para a etnoeducação, a partir de diferentes perspectivas. Castro Suarez (2014) e Lago de Zota, Lago de Fernandes e Lago de Vergara (2012) colocaram a centralidade do processo histórico a partir do lugar geográfico. Já Castillo Guzman e Caicedo Ortiz (2010) apostam nas reflexões das lutas dos movimentos sociais, suas reivindicações e o impacto desses movimentos na educação.

O último descritor aplicado foi “Educacion de docentes y interculturalidad” no qual encontrou-se apenas dois artigos. O primeiro, escrito por Carlo Granados-Beltrán (2016) “Interculturalidad crítica: Um camino para profesores de inglês em formación”, apresenta uma reflexão sobre o uso da interculturalidade crítica como uma ferramenta da “pedagogia decolonial” em programas de formação inicial de docentes em línguas. Já o segundo artigo “Perception to the literacy process of adults and Young natives from Guainía Department Colombia: Look of the protagonists”, analisa a percepção dos estudantes e docentes indígenas com a experiência de alfabetização de jovens e adultos com uma metodologia pautada na etnoeducação desenvolvida na Guainía-Colombia (Região Amazônica). Essa região é marcada pela forte presença indígena. Os autores Nydia Nina ValenciaJimenez, Maria Aurora Carrillo Gullo, Jorge Eliecer Ortega Montes (2016) apresentaram dados que apontam que a educação multilíngue é facilitadora das trocas e comunicação nas aulas impulsionando os processos de aprendizagem. Apontaram ainda uma sistemática de invisibilização de saberes tradicionais no processo educativo, prática que precisa ser erradicada para a pluralização dos saberes e aprendizagem dos estudantes.

Esses artigos permitem inferir que há no contexto colombiano uma combinação de temas em torno das relações étnico-raciais e da diversidade. Há uma forte linha de debates sobre a construção e incorporação de novas linguagens e políticas para o ensino superior no campo da etnoeducação. Tal questão aparece no âmbito de um projeto de educação que identifique suas estruturas para que não seja refratário de uma educação eurocêntrica, mas que se inicie a partir das vozes e produções que formam essa sociedade. É possível observar que há discussões e propostas para mudanças curriculares que incluam a temática racial e assim como o enfoque na formação de professores oriundos de comunidades específicas que conheçam os pressupostos epistemológicos da etnoeducação. No que tange à temática da interculturalidade é considerada uma ferramenta de ensino para a formação de professores críticos em relação aos diversos saberes próprios dos diferentes povos colombianos.

Desde a década de 1960, autores latino-americanos, como o filósofo Enrique Dussel, apontam que as relações entre Estado, cultura e povo no contexto latino-americano são marcadas pela marginalização dos conhecimentos e saberes nativos e africanos. Nesse contexto, a escolarização tem um papel primordial, já que:

Seja como for, o sistema educativo continua cumprindo sua finalidade: formar cidadãos que possam realizar honestamente as funções que a sociedade lhes assinala em seu momento. Fora disto, nada é digno de ser aprendido. O sistema de escolaridade é então algo assim como o ‘rito de iniciação’ da sociedade secularizada. O ‘certificado’ ou ‘diploma’ significa a chave para ocupar um lugar no controle do poder do sistema” (DUSSEL, 1977, p. 206).

Sendo o Brasil e a Colômbia países que contêm o maior número de afrodescendentes da América Latina, é relevante pesquisar como esses países avançaram no sentido de elaborar um currículo de formação de futuros profissionais na área que esteja de acordo com a pluralidade cultural, étnica e intelectual. Isso é fundante dos documentos dos dois países, no caso da Colômbia em sua reformulação constitucional de 1993, foi estabelecida a oferta de uma educação que seja coerente ao desenvolvimento de sua identidade cultural.

Considerações finais

Os países que compõem o projeto de pesquisa em tela possuem estreita relação com a colonização. Estiveram em diferentes posições e espectros do modelo de colonialismo europeu. Advieram dessas experiências sociedades racializadas e com diferentes contingentes em relação ao pertencimento étnico-racial. As questões aqui delineadas se aliam a uma perspectiva propositiva que visa identificar e apresentar propostas exitosas a partir dos estudos de relações étnico-raciais em diferentes contextos nacionais. A partir de uma ação pautada em colaboração internacional este projeto visa qualificar o debate idealizando mudanças curriculares nos cursos de formação de professores e em paralelo com discussões sobre políticas de ações afirmativas internas às universidades brasileiras. Por meio dessas parcerias busca-se fomentar a cooperação internacional em torno de outros pressupostos epistemológicos em torno de estudos étnicos e raciais brasileiros e estrangeiros, aumentar a capacitação em experiência internacional de estudantes de graduação e de doutorado participantes do projeto, promover a discussão sobre medidas de promoção da igualdade racial e empreender valorização aos estudos da história Afro-brasileira, a fim de combater o racismo.

As relações transnacionais assinalam para o imperativo do estabelecimento de políticas públicas dirigidas a todos os seguimentos populacionais. As desigualdades nas relações étnico-raciais, de gênero, de sexualidades, de classe social, de acessibilidade, e das pessoas com necessidades educacionais especiais, são todos temas internacionalizados, desafios globais que exigem ações cientificamente embasadas e socialmente orientadas, visando erradicar os conflitos advindos dessas desigualdades. A adoção de medidas para a promoção da diversidade no interior das instituições contribui para a qualidade acadêmica, como apontam as universidades mais qualificadas internacionalmente que instituíram políticas de promoção para a diversidade em seus quadros acadêmicos e no fomento à pesquisa nesse tema.

Tais questões estão no interior dos debates sobre os princípios basilares de reciprocidade de cooperação dos povos, entre os quais a garantia e o reconhecimento de direitos e de respeito mútuo entre os Estados. Agregam-se ainda as questões da não discriminação, da igualdade de oportunidades, de uma ética da cidadania global, da diversidade étnico-racial e cultural entre outros termos expressos em todos os acordos internacionais. De modo específico, a proposta se coloca em consonância com uma abordagem multidisciplinar no interior de uma agenda internacional de pesquisa na área em especial da educação, visando à promoção de ações resilientes em conformidade com os objetivos previstos para a educação, as ciências e as tecnologias sociais em nível internacional.

O desafio atual é da criação de condições para a produção de diálogos e elaboração de propostas que ampliem as possibilidades de internacionalização que insiram políticas educacionais em temas internacionalizados. Esse desafio que se constitui na contemporaneidade, não é apenas o da inclusão e/ou inserção da diversidade cultural, mas como essa diversidade convergida nas diferenças “incomensuráveis” como apontam os estudos pós-coloniais e da diáspora africana desafiam concepções curriculares e do campo da formação para a docência ao se colocarem no centro do pensamento epistemológico do trato com as diferenças. Isso se alia às medidas globais tais como a realização da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU entre 2015 e 2024 cujo tema é “reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Esse tema demonstra um alinhamento internacional sobre medidas de reconhecimento que devem ser desenvolvidas nos países com vistas à promoção de justiça social e desenvolvimento das sociedades.

Isso deve considerar a promoção da diversidade dos públicos atendidos por políticas de mobilidade, da produção de debates a partir de pesquisas internacionalmente informadas, visando gerar cidadãos globais. Assim, é crucial conhecer e elaborar políticas de formação a partir de experiências especializadas, cujo mote seja a formação para atuar em um mundo global, interdependente, diverso, multicultural e plurilíngue. Essa agenda deve integralizar as experiências das diásporas africanas, dos povos em migração, das diferentes religiosidades, deve permitir desenhar a constituição de outra reconfiguração histórica que permita a “circulação dos mundos” como sugere Achile Mbembe (2015; 1988).

Isso, no entanto, esbarra na ascensão contemporânea em diferentes regiões do mundo de governos autoritários para os quais a questão das diferenças e da diversidade entra na pauta da discussão pública. No campo da educação, esse movimento retoma sob outras roupagens a orientação de cunho etnocêntrico que, por um longo período, embasou os currículos entendidos como lócus de produção de um conhecimento acadêmico específico. As fantasias nacionalistas fazem eco a proposições que fizeram desaparecer de seu espaço as experiências diversas como os saberes africanos e afrodescendentes. Isso pode ser verificado em contextos internacionais que vivenciaram a experiência da colonização e do tráfico de escravizados negros.

A busca por uma reorientação a esse movimento, que pôde ser visualizada nos últimos anos por meio de políticas de reconhecimento multicultural em diferentes contextos nacionais, especialmente na área da educação, passa a ser ameaçada na contemporaneidade. A ampliação dos conhecimentos acerca das influências das matrizes africanas e da diáspora negra nas ciências naturais, humanas e exatas que adquiriram maior visibilidade tendem a ser submetidas a um novo processo de desconhecimento. Tais medidas, ainda que não plenamente aplicadas como se exige apontam um avanço que não deve ser desprezado. As pesquisas desenvolvidas em diferentes espaços demonstram os aspectos positivos da inserção desses temas nos currículos. A percepção que orienta nossas pesquisas é de dar continuidade ao projeto de formação e de construção epistemológica gestado no interior da história de intelectuais ligados ao ativismo social. No caso do movimento negro as ações de muitas dessas pessoas sempre estiveram em consonância com elementos do debate internacional no que tange as relações raciais na construção de outros laços de pertencimento com o estabelecimento de uma cultura própria ao Atlântico negro. Isso permite ampliar as leituras da presença da experiência da diáspora negra cuja história somente na experiência dos negros significou formas de lidar com o sofrimento, morte e a resistência, mas também produziu uma pluralidade estética, cultural e epistêmica.

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Recebido: 17 de Março de 2019; Aceito: 30 de Abril de 2019

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