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Revista Eletrônica de Educação

versão On-line ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.2 São Carlos maio/ago 2019  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.14244/198271992386 

Demanda Contínua - Artigos

Currículo interdisciplinar no ensino integral: concepções de professores paulistas de Ciências da Natureza e Matemática

Conceptions of integral school and interdisciplinary curriculum

Harryson Júnio Lessa Gonçalves I  

Bianca Rafaela Boni II  

Ana Clédina Rodrigues Gomes III  

IProfessor na Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, câmpus de Ilha Solteira. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência (UNESP) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos (UNESP). Líder do “Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação” (GEPAC) da UNESP. E-mail: harryson.lessa@unesp.br - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Ilha Solteira-SP, Brasil

IIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - câmpus de Bauru. Bolsista da CAPES. Membro do “Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação” (GEPAC) da UNESP. E-mail: bianca.rboni@gmail.com - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Ilha Solteira-SP, Brasil

IIIProfessora da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Docente permanente dos Programas de Mestrado Profissional em Letras - ProfLetras e da Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (UNIFESSPA). Estágio de pós-doutorado na Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - bolsista da CAPES. Membro do “Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação” (GEPAC) da UNESP. E-mail: cledinaana@gmail.com - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Marabá-PA, Brasil


Resumo

Nas últimas décadas, as escolas de tempo integral têm sido implementadas no Brasil com o intuito de oferecer aos educandos uma formação global envolvendo não apenas o conhecimento científico, mas também a constituição de saberes de forma integrada em diversas áreas. As bases para uma proposta de educação integral devem se dar sob a perspectiva da interdisciplinaridade, uma vez que proporciona condições de ensino de maneira dinâmica entre as disciplinas, atreladas aos problemas da sociedade e perspectivas pessoais, promovendo nesse âmbito a educação de sujeitos baseada na ética, no desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Nesse sentido, o presente estudo objetivou caracterizar a implementação de uma proposta de escola integral e sua interface com a interdisciplinaridade a partir da análise sobre a práxis de professores de Ciências da Natureza e Matemática no contexto de uma escola pública paulista. A investigação constituiu-se como exploratória e descritiva, caracterizada como uma pesquisa etnográfica, tratando-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa em educação e apresentou como um de seus principais resultados que as propostas curriculares se mostram como bastante inovadoras, porém enfrentam alguns obstáculos como a fragilidade na formação de professores e a interferência de aspectos das políticas governamentais que impedem seu pleno desenvolvimento.

Palavras-chave: Programa de ensino integral; Currículo interdisciplinar; Formação de professores

Abstract

In the last decades, full-time integral schools have been implemented in Brazil with the aim of providing students a global education involving not only scientific knowledge, but also the constitution of knowledge in an integrated way in several areas. The bases for a proposal of integral education must take place under the perspective of interdisciplinarity, since it provides conditions of teaching in a dynamic way among the disciplines, linked to society’s problems and personal perspectives, promoting in this scope the education of subjects based on ethics, in the development of intellectual autonomy and critical thinking. In this sense, the present study aimed to characterize the implementation of an integral school proposal and its interface with interdisciplinarity based on the analysis of the praxis of teachers of Natural Sciences and Mathematics in the context of a public school in the state of São Paulo. The research was an exploratory and descriptive one, characterized as an ethnographic research, being therefore a qualitative research in education; and it presented as one of its main results that the curricular proposals are shown as quite innovative, but they face some obstacles such as the fragility in the teachers’ formation and the interference of aspects of the policies that impede their full development.

Keywords: Integral education program; Interdisciplinary curriculum; Teacher training

Introdução

Em fevereiro de 2017 o Governo Brasileiro sancionou a Lei nº 13.415 que institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, conhecida como Reforma do Ensino Médio. As discussões em torno de tal lei trouxeram à tona novamente o debate sobre educação integral, o qual, segundo autores, como Branco (2012), Castro e Lopes (2011), entre outros, já perdura no Brasil pelo menos desde a década de 1930 quando no Manifesto dos Pioneiros já se almejava um sistema de educação único.

De lá pra cá foram várias tentativas de implantação de programas voltados para a permanência de estudantes em tempo integral na escola, como por exemplo o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, idealizado por Anísio Teixeira e inaugurado em Salvador, no Estado da Bahia em 1950, conforme relatam Castro e Lopes (2011). As autoras citam ainda que essa escola serviu como inspiração para outros projetos, como:

Os Centros Integrados de Educação Pública, conhecidos como CIEPs ou Brizolões, no Rio de Janeiro (implantados por Darcy Ribeiro, então vice-governador, durante o governo de Leonel de Moura Brizola, em dois períodos distintos, 1983-1986 e 1991-1994), para o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC), projeto do governo de Franco Montoro no estado de São Paulo (1983-1986) e que envolvia as Secretarias de Educação, Saúde, Promoção Social, Trabalho, Cultura e Esportes e Turismo e, finalmente, na esfera federal, em 1991, no governo de Fernando Collor de Melo, para a implantação em diversas escolas, no Brasil, de ensino fundamental em horário integral, dos Centros Integrados de Apoio à Criança (CIACs), posteriormente, CAICs, Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente. (CASTRO; LOPES, 2011, p. 265)

Pensar sobre a implantação de escolas em tempo integral no Brasil hoje nos remete a resgatar os ideais de educação integral já almejados ao longo da história, bem como os conceitos e aspectos que permeiam a implantação desse tipo de escola e os principais desafios que impediram a ampliação de tais experiências no País.

Em relação aos conceitos que são referidos à ideia de educação integral, notamos que o debate ao longo dos anos foi bastante profícuo, se considerarmos a utilização de termos diversos como escola de tempo integral, escola integral, ensino de tempo integral, ensino integral e educação integral. São muitos elementos de cunhos ideológico, epistemológico, curricular, entre outros que perpassam tais conceitos. Percebemos a importância de se verificar em quais bases teóricas as políticas de implantação desse modelo de escola ocorre, o que explicitam em seus documentos delineadores e sua relação com a realidade brasileira, quais os sujeitos envolvidos na sua implantação e que autonomia possuem para deliberar ações voltadas para as necessidades dos educandos, entre outros questionamentos que favorecem uma visão mais crítica sobre que tipo de escola se pretende implantar no Brasil atualmente. Será que os contextos político, educacional e social finalmente possibilitam esse modelo de escola?

Nesse sentido, vale resgatar o conceito de escola integral apresentado por Cavaliere (2002) que destaca sua origem no século XX, a partir dos ideais escolanovistas. As experiências de escolas sob tais ideias criadas em vários países se firmavam na articulação entre “educação intelectual com a atividade criadora, em suas mais variadas expressões, à vida social-comunitária da escola, à autonomia dos alunos e professores; à formação global da criança” (CAVALIERE, 2002, p. 251).

Observa-se que a proposta dessas escolas se mostrava bastante inovadora e com ares democráticos, no entanto, a mesma autora cita algumas análises teóricas que consideram o escolanovismo como expressão do liberalismo, ideologia que conserva a hegemonia do sistema capitalista.

No Brasil, sabemos que os ideais republicanos se encontram na Carta da Constituição, mas o regime político de governos neoliberais impede qualquer forma de emancipação da população, no entanto mantém ações que lhes garantem as características de uma nação democrática.

É sob esse viés que consideramos a escola de tempo integral, assim como o ensino integral, escola integral e educação integral como termos ou situações nas quais se fazem necessárias observações relacionadas à organização do tempo e espaço em prol da formação integral dos sujeitos, uma vez que a simples permanência do educando nesse espaço escolar ou a ação de ensinar numa extensão maior de tempo não garantem a qualidade da ação educativa.

Nesse sentido, ressaltamos que a escola deve proporcionar ações educativas de forma integral, abrangendo as diversas áreas como artes, ciências, linguagens, esportes, entre outras no processo educativo, o qual se efetivará por meio de uma organicidade interdisciplinar que promova a integração e constituição de saberes, habilidades e atitudes que proporcionem ao educando sua evolução enquanto pessoa em convívio com as demais. Daí defendermos que o termo educação integral seria o mais apropriado para definir o tipo de escola almejada, porém, dentro dos preceitos de uma escola que promova de fato uma formação integral.

No presente artigo trataremos das concepções de educação integral a partir da implantação do Programa de Ensino Integral (PEI) pelo Governo de São Paulo. Ressaltamos que o texto se origina da Pesquisa Interdisciplinaridade na escola: currículos e práticas no contexto de uma Escola Paulista de tempo integral” realizada no período de 2015 a 2016, coordenada pela Autora - da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, que contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Tal pesquisa teve como objetivo geral analisar currículos e práticas de professores de Ensino Médio sobre a interdisciplinaridade no ensino de Ciências Naturais e Matemática no contexto de uma escola pública paulista que se encontra em processo de implementação do PEI. A pesquisa visou ainda apontar diretrizes formativas que possibilitam uma ação crítica docente transcendendo práticas centradas em uma racionalidade técnica.

Com base no objetivo geral da pesquisa citada, este artigo, por sua vez, busca caracterizar a implementação de uma proposta de escola integral e sua interface com a interdisciplinaridade a partir da análise sobre a práxis de professores de Ciências da Natureza e Matemática.

A investigação constituiu-se como exploratória, pois se caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com objetivo de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação do fenômeno explorado; e descritiva, caracterizada como uma pesquisa etnográfica, em que se utilizam técnicas voltadas para descrição densa do contexto estudado.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa em educação, por permitir ao investigador uma visão crítica e reflexiva das diversas dimensões do fenômeno educacional estudado, assim como a complexidade da natureza em que ele está inserido.

Assim, os dados coletados se basearam nas análises de currículos prescritos (currículos oficiais) que norteiam as escolas públicas paulistas de ensino integral, visando compreender o conceito de “ensino integral” que permeia tais currículos, bem como as principais recomendações direcionadas à organização e desenvolvimento curricular dessas escolas a partir de uma perspectiva interdisciplinar, além de análises do currículo moldado da escola visando identificar a incorporação das recomendações e normatizações dos currículos oficiais na sua organização curricular.

Foram realizadas ainda observações de aulas da área de Ciências da Natureza e Matemática (Biologia, Química, Física e Matemática) e de reuniões pedagógicas (Atividade de Trabalho Pedagógico de Área - ATPA e Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo - ATPC) com o objetivo de compreender a dimensão prática e cotidiana desses currículos.

No intuito de responder tais questões, o estudo tomou como base a pesquisa qualitativa em educação, de natureza exploratório-descritiva. Na investigação foram delineados os seguintes objetivos específicos: (i) identificar as recomendações prestadas por currículos oficiais de Ensino Médio sobre a interdisciplinaridade; (ii) caracterizar desafios e perspectivas percebidos na práxis de professores sobre a interdisciplinaridade na organização curricular de uma escola pública paulista de ensino integral; (iii) reconhecer estratégias didático-pedagógicas presentes em currículos (prescritos e praticados) que possibilite uma abordagem interdisciplinar.

O tipo de pesquisa definido permitiu chegar mais próximo do espaço da escola investigada buscando entender como se operam no seu dia a dia e como veiculam e reelaboram conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e sentir a realidade e o mundo. A aproximação desse espaço permitiu uma visão mais detalhada das relações e interações que constituem a escola, identificando estruturas de poder e modos de organização do trabalho escolar, além do papel e atuação de cada sujeito nesse processo.

O plano prescrito

O estudo tomou como ponto de partida a implementação do Programa de Ensino Integral (PEI) instituído pelo Governador do Estado de São Paulo por meio da Lei Complementar n° 1.164, de 4 janeiro de 2012, alterada pela Lei Complementar n° 1.191, de 28 de dezembro de 2012. Os princípios básicos do Programa são a permanência dos educandos e educadores na escola, a interdisciplinaridade e o protagonismo juvenil por meio do desenvolvimento de um currículo integralizado para rede pública de Ensino Fundamental e Ensino Médio.

O PEI tem como objetivo oferecer educação de qualidade para adolescentes e a valorização de seus profissionais, considerando a necessidade de políticas educacionais voltadas à continuidade dos processos de melhoria da educação pública paulista. O segundo artigo da Lei Complementar n° 1.191/2012 aponta que o Ensino Integral tem como objetivo a formação de indivíduos autônomos, solidários e competentes, com conhecimentos, valores e habilidades dirigidas ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania.

Para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), a missão das escolas de Ensino Integral é “ser um núcleo formador de jovens, primando pela excelência na formação acadêmica; no apoio integral aos seus projetos de vida; seu aprimoramento como pessoa humana; formação ética; o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (SÃO PAULO, 2012?, p.35).

Ao tomar a interdisciplinaridade como basilar do PEI, o currículo paulista se subsidia, dentre outras normativas nacionais, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) apontando a interdisciplinaridade como um dos princípios pedagógicos necessários à estruturação dos currículos escolares (BRASIL, 1998). No documento a interdisciplinaridade é entendida nas suas mais diversas formas, partindo do princípio de que todo conhecimento mantém diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.

Deste modo, o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir; objetivos que são facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir cada uma com sua especificidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação ou de ação.

Segundo as Diretrizes do PEI, a escola possibilitará vivências direcionadas à qualidade de vida, ao exercício da convivência solidária e à leitura e interpretação do mundo em sua constante transformação, por meio de conteúdos acadêmicos e socioculturais, tendo o protagonismo juvenil como matriz. O PEI considera a interdisciplinaridade enquanto eixo metodológico para buscar a relação entre os temas explorados, respeitando as especificidades das distintas áreas do conhecimento, assim, o aluno será capaz de relacionar os conteúdos curriculares com seu dia a dia, sendo protagonista de sua aprendizagem (SÃO PAULO, 2012?)

Tais diretrizes trazem à tona, na concepção de Educação Integral apontada, a exigência, a pressão e a luta constante pela democratização da educação, por uma escola universal de qualidade, considerando o acesso aos recursos culturais, às mais diversificadas metodologias do processo educativo e, também, à utilização de novas tecnologias como respeito à condição humana e sua dignidade.

As diretrizes do PEI ressaltam ainda que as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade.

Assim, percebe-se que a interdisciplinaridade tem um papel fundamental no Ensino Integral, já que pressupomos uma concepção reduzida de ciência fragmentada que reflete em ações educativas frágeis no processo de formação do estudante da Educação Básica, com ações docentes isoladas, dificultando a construção de uma aprendizagem mais significativa.

Diante desse contexto, o Ensino Integral tem como aspectos, por sua vez a jornada integral dos alunos, com currículo integralizado, matriz flexível e diversificada; escola alinhada com a realidade do jovem, preparando os alunos para realizar seu Projeto de Vida e ser protagonista de sua formação; infraestrutura com salas temáticas, sala de leitura, laboratórios de ciências e informática; professores e demais educadores em regime de dedicação plena e integral à unidade escolar.

A essência do PEI é formar cidadãos que se protagonizem, assim, a sua construção curricular se viabiliza a partir de seus projetos de vida, que traz como exigência uma perspectiva de um currículo mais contextualizado com a realidade e o protagonismo desses alunos, portanto, a interdisciplinaridade se materializa para viabilizar tal lógica curricular.

Diante de tal proposta de Ensino Integral, trazemos à reflexão as seguintes questões: Como a interdisciplinaridade se configura no planejamento dos professores de Ciências da Natureza e Matemática no contexto de uma escola pública paulista de ensino integral? Quais perspectivas interdisciplinares são percebidas na práxis de professores da área de Ciências da Natureza e Matemática?

Ao utilizarmos o PEI como documento central da pesquisa, verificamos que os elementos que orientam o trabalho pedagógico da escola de ensino integral, estão em consonância com as diretrizes do Programa, elencadas anteriormente. Os elementos norteadores apresentados pelo Programa são:

Projeto de Vida - foco para o qual devem convergir todas as ações educativas do projeto escolar, sendo construído a partir do provimento da excelência acadêmica, da formação para valores e da formação para o mundo do trabalho. O Projeto de Vida é um meio de motivar os alunos a fazerem bom uso das oportunidades educativas, tendo o apoio integral dos educadores garantindo a qualidade de suas ações, além da necessidade de corresponsabilidade dos alunos, já que são os interessados diretos. Portanto, o Modelo Pedagógico da escola é constituído para assegurar a construção do Projeto de Vida. Os alunos elaboram um documento ao iniciarem os estudos na escola de ensino integral que contém suas expectativas e anseios para o futuro e durante todo o ano, a escola condiciona todo o trabalho pedagógico para incentivar o desenvolvimento desse projeto. Além disso, o PEI prevê disciplinas voltadas para a orientação do projeto de vida, bem como disciplinas eletivas nesse mesmo intuito.

Protagonismo Juvenil - é um processo no qual o aluno passa a ser ator principal na condução de ações nas quais ele é sujeito e simultaneamente objeto das suas várias aprendizagens, portanto, o jovem vai se tornando autônomo à medida que é capaz de avaliar e decidir com base nas suas crenças, valores e interesses; vai se tornando solidário, diante da possibilidade de envolver-se como parte da solução e não do problema em si; e competente para compreender gradualmente as exigências do novo mundo do trabalho e preparado para a aquisição de habilidades específicas requeridas para o desenvolvimento do seu Projeto de Vida.

Disciplinas Eletivas - é um componente da Parte Diversificada tendo como objetivo promover o enriquecimento, a ampliação e a diversificação de conteúdos, temas ou áreas do Núcleo Comum. Essas disciplinas têm a interdisciplinaridade enquanto eixo metodológico para buscar a relação entre os temas explorados, respeitando as especificidades das distintas áreas de conhecimento. As disciplinas eletivas ocupam um lugar central à diversificação das experiências escolares, oferecendo um espaço para a experimentação, a interdisciplinaridade e o aprofundamento dos estudos. Por meio delas é possível propiciar o desenvolvimento de diferentes linguagens: plástica, verbal, matemática, gráfica e corporal, além de proporcionar a expressão e comunicação de ideias, a interpretação e a criação de produções culturais.

Clubes Juvenis - são espaços destinados à prática do Protagonismo Juvenil, principalmente quanto à autonomia e à capacidade de organização e gestão, concebidos para se constituírem a partir dos interesses dos estudantes, havendo, porém, a ressalva de que eles devam sempre atender a exigências de relevância para a formação escolar. Para que um Clube Juvenil possa ser formado é preciso que os alunos interessados proponham uma forma de organização para o clube e metas a serem atingidas, portanto, são os próprios alunos que irão planejar e desenvolver as propostas do Clube, com a ajuda e intervenção dos professores quando necessário.

Atividades Experimentais e Laboratórios - as aulas experimentais contribuem para a melhoria do desempenho dos estudantes proporcionando oportunidade de manipular materiais e equipamentos especializados no ambiente de laboratório, comparar, estabelecer relação, ler e interpretar gráficos, construir tabelas dentre outras habilidades e, desta forma, construir seu conhecimento a partir da investigação com práticas eficientes. No laboratório, as atividades investigativas podem contribuir para o desenvolvimento de competências e habilidades tais como: formular hipóteses, elaborar procedimentos, conduzir investigações, formular explicações, apresentar e defender argumentos científicos. Assim, esses ambientes são essenciais para a aprendizagem efetiva dos alunos quanto à construção de conhecimentos científicos, necessitando de ambientes e metodologias especializadas para as práticas pedagógicas poderem ser desenvolvidas com sucesso.

Nivelamento - estratégia para a aquisição dos conhecimentos adequados e prescritos para as respectivas séries/anos escolares buscando um ensino efetivo. O nivelamento é realizado a partir dos resultados das avaliações, que mostram a situação de cada aluno em relação às habilidades e competências exigidas. As avaliações em processo são aplicadas no primeiro e no segundo semestre, em toda a rede estadual, é baseada no Currículo do Estado de São Paulo e afere as habilidades dos conteúdos das séries anteriores cursadas pelos alunos. O Nivelamento prevê o uso de estratégias para que os professores possam reconhecer as dificuldades dos alunos para auxiliá-los no processo de ensino-aprendizagem que estão defasados e também para que possam replicar, ou seja, compartilhar com os outros professores ações que deram resultados satisfatórios para o desenvolvimento de um ensino de qualidade.

O documento do PEI orienta que todas as ações da escola devem se voltar para esses elementos, os quais irão nortear o trabalho pedagógico e, segundo o documento, isso permite uma formação necessária ao pleno desenvolvimento das potencialidades dos alunos, ampliando as perspectivas de autorrealização e o exercício de uma cidadania autônoma, solidária e competente, além de oferecer também aos docentes e equipes técnicas condições diferenciadas de trabalho para fortalecer as diretrizes educacionais do Programa.

A proposta curricular do PEI se mostra bastante inovadora, ou seja, aponta mudanças estruturais do espaço escolar, organizativas do currículo e de concepção de escola, no momento em que considera o protagonismo dos estudantes e proporciona novas relações entre os sujeitos que compõem a comunidade educativa (professores, gestores, estudantes, familiares), seguindo princípios democráticos, com foco na função da escola que é promover a formação dos educandos.

A reestruturação dos espaços e tempos nos moldes que se apresenta o PEI tem grande potencial para promover o que Gonçalves (2006, p. 133) sugere como ideal de escola de tempo integral, na qual o currículo deve promover a formação de sujeitos a partir de: “situações e oportunidades para o desenvolvimento das competências no campo linguístico-argumentativo, competência propositiva, competência decisória e competência auto-inquiridora”, lhes garantindo ser críticos, autônomos e aptos a integrar coletivamente uma sociedade democrática.

Todavia, é salutar avaliar quais os aspectos apresentados no Plano e sua interface com a realidade gerada. Assim, apresentamos no item seguinte alguns elementos observados a partir da observação das práxis da equipe docente que compõe as escolas que fazem parte do PEI.

A proposta real a partir da práxis docente

Com vistas a ampliar o olhar sobre o PEI, considerando ainda os objetivos traçados pela pesquisa, foram realizadas observações participantes de aulas dos professores de Ciências da Natureza e Matemática das três séries do Ensino Médio (Biologia, Química, Física e Matemática) e observações participantes de reuniões pedagógicas configuradas pela seguinte forma:

Atividade Pedagógica de Área (ATPA) - reuniões que ocorreram semanalmente. Nessas reuniões os(as) professores(as) da área de Ciências da Natureza e Matemática se reúnem para discutir sobre o desenvolvimento curricular de sua disciplina e os projetos interdisciplinares da área, bem como estudam as Diretrizes do PEI; a reunião é dirigida pela Coordenadora de Área.

Atividade Pedagógica Coletiva (ATPC) - reuniões que ocorrem semanalmente, onde todos os(as) professores(as) da escola se reúnem para discutir as atividades didático-pedagógicas da escola, compartilhar experiências, além de estudar e obter orientações gerais sobre as Diretrizes do PEI. Nessas reuniões é estabelecido como foco pensar estrategicamente a melhoria da qualidade de ensino e a permanência dos alunos na escola. A reunião é dirigida pela Coordenadora Geral da escola.

Nas diretrizes do PEI, as disciplinas da escola são organizadas em disciplinas comuns (Biologia, Física, Química, Língua Portuguesa, História, etc.) e diversificadas, que são as disciplinas eletivas, ofertadas para os alunos a cada semestre, sendo ministradas por pelo menos dois professores. O tema das disciplinas eletivas são os professores em conjunto que, no início do semestre, planejam, todavia tal disciplina deve estar atrelada aos Projetos de Vida dos alunos, bem como deve cumprir ainda um papel de aprofundar os conteúdos da Base Nacional Comum.

Assim, é gerada uma oferta de disciplinas disponibilizando aos alunos condição de escolhas, de acordo com os seus interesses. Assenta-se aí uma perspectiva interessante para uma prática interdisciplinar no contexto da escola de ensino integral. O documento coloca a interdisciplinaridade como eixo metodológico no planejamento e desenvolvimento das disciplinas eletivas a fim de buscar a relação entre os temas explorados, respeitando as especificidades das distintas áreas do conhecimento.

Em 2014, quando a escola inicia o PEI, as disciplinas eletivas eram ministradas por dois professores da mesma área, porém, em 2015, quando os professores participaram de uma formação continuada de três dias oferecida pela Diretoria de Educação, retomaram os estudos das Diretrizes do PEI, as disciplinas eletivas passaram a ser planejadas por dois professores de áreas distintas, dando então um enfoque interdisciplinar.

Em uma das reuniões de ATPA realizada no início de 2015, os professores concordaram que as disciplinas eletivas organizadas dessa forma permitiriam uma articulação entre as áreas do conhecimento e que assim seria possível trabalhar os conteúdos de uma maneira diferente tornando os conteúdos mais atrativos para os alunos.

Apesar dos professores se mostrarem empenhados em trabalhar de uma forma diferente com os alunos e da proposta ter um cunho interdisciplinar, percebemos algumas fragilidades na ação dos professores ao lidarem com os conteúdos propostos de forma inter-relacionada. Na observação de uma das aulas de disciplina eletiva coordenada por professores de Biologia e Matemática, em que a proposta era tratar da anatomia dos animais, percebemos que os professores trabalhavam de forma individual ao lidar com os conteúdos da disciplina.

Segundo a proposta que foi apresentada para os alunos, o professor de Biologia trabalharia um conceito de sua área em uma determinada aula e em outra aula, a professora de Matemática trabalharia conceitos matemáticos. Durante as observações ao longo do semestre, apesar dos dois professores estarem sempre presentes na disciplina, as aulas eram divididas em conteúdos relacionados à Biologia onde os alunos assistiam vídeos ou utilizavam o laboratório para desenvolver atividades práticas (anatomia animal/humana), e em conteúdos relacionados à Matemática em que a professora trabalhava alguns conceitos matemáticos com os alunos. Este caso nos revelou que não houve uma inter-relação efetiva desses conteúdos com a proposta inicial da disciplina eletiva, que seria trabalhar os conteúdos de forma articulada.

Em outra observação, realizada ainda sobre uma disciplina eletiva, coordenada por professoras de Matemática e Física, com a proposta de criarem uma horta na escola, percebemos que apesar da disciplina ter sido criada e organizada pelas professoras de forma conjunta, seu desenvolvimento ficou fragmentado e descontextualizado, uma vez que cada professora cumpria com a sua tarefa sem participar das outras atividades em que eram trabalhados outros conteúdos.

Um exemplo foi a montagem dos canteiros da horta, onde a professora de Matemática trabalhou conceitos geométricos e medidas de espaço com os alunos, porém, ao perguntar para a professora de Física como as atividades eram realizadas com os alunos, esta não sabia responder, pois, segundo a professora, esta não se envolvia em tais atividades e, portanto, não sabia como estavam sendo realizadas. Assim, percebemos que não ocorre um diálogo entre as professoras dessas disciplinas no processo de planejamento de suas práticas interdisciplinares, as quais deveriam promover um trabalho pedagógico interdisciplinar, apesar da proposta da disciplina ser fundada em tal princípio.

A falta de diálogo e relação entre os conteúdos e os professores das disciplinas eletivas se refere à falta de formação especializada para este tipo de trabalho interdisciplinar ou até mesmo por opção pessoal dos professores, acaba dificultando o trabalho de natureza interdisciplinar da proposta, não permitindo que os conteúdos se relacionem uns com os outros e com a realidade dos alunos, que parta de um todo e não de fragmentos. Assim, não se consegue ultrapassar as barreiras disciplinares, o que permitiria aos professores trabalharem os conteúdos de maneira inter-relacionada.

Segundo Fazenda (1996), a intenção da interdisciplinaridade na educação não é a superação de um ensino organizado por disciplinas, mas a criação de condições de ensino em função das relações dinâmicas entre as disciplinas, atrelado com os problemas da sociedade.

Outro elemento a ser discutido quando analisamos os desafios e perspectivas de práticas interdisciplinares refere-se à avaliação da aprendizagem, sendo assim, consideramos neste trabalho tal discussão no âmbito de obstáculos institucionais devido à influência da avaliação em larga escala na prática dos professores da escola. Notamos que as avaliações, principalmente externas, influenciam diretamente todo o trabalho escolar. A preocupação com o rendimento excelente dos alunos de acordo com os critérios estabelecidos por tais avaliações e com o conteúdo curricular a ser cumprido até o período de realização das avaliações, por vezes acabam deixando, em segundo plano, o desenvolvimento de um trabalho pedagógico a partir de uma perspectiva interdisciplinar.

Um exemplo dessa situação foi verificado durante uma reunião de ATPA, quando os professores de Matemática e Língua Portuguesa foram instruídos pela diretora a substituírem as “aulas práticas”, “disciplinas eletivas” e “disciplinas de projeto de vida”, por aulas específicas de suas respectivas disciplinas, assim conseguiriam concluir o conteúdo curricular para que os alunos tivessem base para realizar as avaliações em larga escala, consideradas de grande importância no sistema paulista de ensino - neste caso, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP).

Nesta reunião, a coordenadora da área chegou a comentar que “é nessa avaliação que a escola é exposta e que os alunos precisavam tirar notas satisfatórias para que a escola fosse bem vista”. Assim, tal situação revelou que o treinamento dos alunos para realização do exame torna-se central em detrimento de um trabalho pedagógico coletivo que visa a formação de jovens protagonistas a partir de uma base interdisciplinar.

O mesmo aconteceu tanto no final do segundo semestre de 2014 como em 2015, períodos nos quais se realizou as observações na escola. Os professores foram instruídos a montarem atividades voltadas para questões do ENEM que seriam desenvolvidas no lugar das disciplinas de projeto e vida e aulas práticas, dando grande importância ao sucesso dos alunos nessa avaliação que seria refletido na escola.

As disciplinas que apresentam uma proposta diferenciada, que não são diretamente ligadas ao conteúdo curricular, acabam por dar espaço à recuperação das matérias que não foram concluídas a tempo ou de reforço no caso de alunos que têm dificuldade em alguma disciplina. No último semestre de 2015, os professores de Matemática reuniram alunos que apresentavam dificuldades com os conteúdos e utilizaram as disciplinas diversificadas para reforçá-los. Assim, acabaram usando um espaço que poderia ser utilizado para projetos interdisciplinares e que também ajudariam os alunos a superar suas dificuldades, não percebendo tal situação.

Verificou-se ainda que a escola também possui uma avaliação da aprendizagem (AAP), a qual é aplicada no início de cada semestre para diagnosticar o conhecimento dos alunos em diversas dimensões da Língua Portuguesa e Matemática. A partir dos resultados dessa avaliação os professores classificam os alunos, de acordo com seu rendimento e, então, são trabalhados os conteúdos em que os alunos apresentaram dificuldade.

Observamos em uma reunião de ATPC que os professores analisaram os resultados da avaliação e discutiram sobre questões nas quais os alunos obtiveram menos acertos - elencando as dimensões em que os alunos (turmas) apresentaram dificuldades. Os professores concordaram que os resultados não foram bons, pois foram muitas as questões nas quais os alunos não obtiveram acerto. A professora de Biologia avaliou que algumas dessas questões não estavam relacionadas com a realidade dos alunos e se mostravam descontextualizadas.

Ao final da reunião os professores apontaram que os dados da avaliação refletiam a forma como as disciplinas haviam sido trabalhadas com os alunos; portanto, cada professor deveria (re)pensar sua disciplina a partir desse diagnóstico feito. A situação observada faz notar que os professores, não só da área de Ciências da Natureza e Matemática, mas das demais áreas, se preocupam em elaborar uma avaliação que esteja de acordo com a realidade do aluno e que permita que se identifiquem as lacunas de aprendizagem dos alunos e assim possam rever suas ações no sentido de retomar o processo de ensino-aprendizagem, além de demonstrarem certa preocupação com sua prática docente, passando por um momento de reflexão sobre seu trabalho junto aos alunos nesse processo.

Nas situações observadas, percebe-se que as avaliações são de grande importância para a escola, pois reflete o ensino que esta oferece aos seus alunos, além de proporcionar um diagnóstico das dificuldades enfrentadas pelos alunos.

O Programa de Ensino Integral se mostrou como um espaço para que sejam realizados projetos e atividades que permitem uma abordagem interdisciplinar e diferenciada e que podem resgatar a importância da escola na formação dos alunos, a relação entre os conhecimentos e seu papel na sociedade, porém, nos momentos em que essa mesma escola coloca como prioridade o resultado satisfatório nas avaliações externas, principalmente de larga escala, deixando como segundo plano propostas de atividades e projetos que tenham um cunho interdisciplinar, interpretando tal situação como prejudicial no rendimento dos alunos, deixa claro que ainda não consegue romper as barreiras da escola comum.

Considerações

A partir da investigação aqui expressa, percebemos que a interdisciplinaridade aparece nos documentos do currículo prescrito e moldado como uma forma de superar gradativamente o tratamento compartimentalizado que caracteriza o conhecimento escolar. Os currículos prescritos ressaltam que, na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a intenção de criar novas disciplinas ou saberes, mas pretende utilizar conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um fenômeno sob diferentes pontos de vista.

Sendo assim, a interdisciplinaridade tem função instrumental e deve ser entendida a partir de uma abordagem relacional, onde são estabelecidas interconexões entre os conhecimentos, porém respeitando as especificidades de cada disciplina.

Nos currículos moldados da escola, a interdisciplinaridade é citada de forma sucinta, como uma estratégia para alcançar os objetivos defendidos pela escola de ensino integral, perpassando por algumas ações exigidas no trabalho pedagógico dos professores.

A organização do currículo escolar do Ensino Médio em três grandes áreas do conhecimento - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias - evidencia a contextualização e a interdisciplinaridade, assim como outras formas de articulação e integração entre os diferentes saberes dos componentes curriculares, não excluindo as especificidades de cada conhecimento.

Encontra-se nos documentos analisados a interdisciplinaridade atrelada a contextualização como uma das bases para esta etapa da Educação Básica (integração de conhecimentos gerais e técnico-profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização), atendendo assim a uma demanda de escolarização interdisciplinar e contextualizada em uma sociedade contemporânea, tida como complexa e multidimensional.

Essa organização indica que a reunião dos conhecimentos que compartilham objetos de estudo facilita a comunicação entre eles e cria condições para que a prática escolar seja desenvolvida numa perspectiva interdisciplinar, demonstrando que a interdisciplinaridade é colocada como uma necessidade mais pedagógica do que epistemológica, no sentido de articular as disciplinas escolares e seus conteúdos tornando a aprendizagem mais efetiva.

Assim por vezes, percebemos que a interdisciplinaridade aparece nesses documentos como orientações gerais/genéricas ou como instrumentos de ações para alcançar uma educação de qualidade, pressupondo-a como interposição entre os diversos componentes curriculares e saberes, porém, em alguns momentos acabam deixando de lado a interdisciplinaridade como necessária ao processo de emancipação do sujeito.

As situações observadas revelaram que a escola incentiva o trabalho coletivo dos professores e estes se empenham no desenvolvimento de atividades e projetos que tenham cunho interdisciplinar, o que traz como potencial a formação de sujeitos críticos, autônomos e aptos a integrar coletivamente uma sociedade democrática, conforme já apontado anteriormente por Gonçalves (2006) como ideal formativo. Porém, ainda existem obstáculos que dificultam a realização do trabalho de fato interdisciplinar na escola.

As observações realizadas dão indícios que a formação desses professores se mostra fragilizada, pois não os preparou para um trabalho no âmbito da interdisciplinaridade, uma vez que demonstraram dificuldades para desenvolverem práticas pedagógicas a partir de uma perspectiva de inter-relação entre as áreas do conhecimento.

A falta de diálogo e a relação entre os conteúdos e professores de diferentes áreas do conhecimento também são aspectos que dificultam o trabalho interdisciplinar, pois os impedem de ultrapassar as barreiras disciplinares. Este tipo de trabalho exige que os professores saiam de sua zona de conhecimento específico, o que pode ser-lhes mais confortável, além de requerer uma sobrecarga de trabalho que muitas vezes é evitada para não se perder o prestígio pessoal, culminando na acomodação pessoal e coletiva.

Outra dificuldade a ser enfrentada para que os ideais do PEI se concretizem se refere à demasiada cobrança com o andamento dos conteúdos curriculares e com os resultados das avaliações, principalmente externas, pois essas situações fazem com que os professores fiquem limitados a concluir todo o conteúdo à risca, sem ter muito espaço para se dedicar ao planejamento e desenvolvimento de projetos interdisciplinares que demandam tempo e espaço específicos para a sua realização.

Pressupomos que a preocupação com a quantidade de conteúdos que os alunos devem “aprender” e os resultados satisfatórios nas avaliações de larga escala esteja atrelada a uma racionalidade técnica que prima por um ensino técnico, formadora de “mão de obra especializada” e que não dá muito espaço para um ensino que seja reflexivo e inter-relacionado. Os professores acabam perdendo sua autonomia de criação por ficarem engessados ao currículo, que apesar de auxiliar no trabalho pedagógico também limita o processo de autonomia do professor, que recebe pronto o que deve ser trabalhado com os alunos com a função apenas da execução de tarefas prescritas.

Acreditamos que a presente investigação se mostra importante para a construção curricular da escola de tempo integral, pois apesar da interdisciplinaridade se fazer presente nos currículos oficias ainda apresenta fragilidades quando se trata do cotidiano escolar e da prática pedagógica do professor. A implantação de escolas de tempo integral vem crescendo consideravelmente no estado de São Paulo e no Brasil, o que implica na preocupação por parte dos educadores comprometidos com uma proposta de educação que seja de fato integral, daí a importância de estudos consistentes sobre a implementação de tal programa nas escolas brasileiras, visando compreender as necessidades e exigências oriundas da própria comunidade escolar.

Referências

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Recebido: 13 de Agosto de 2017; Aceito: 10 de Agosto de 2018

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