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Revista Eletrônica de Educação

versão impressa ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.3 São Carlos set./dez 2019  Epub 01-Set-2020

https://doi.org/10.14244/198271993458 

Dossiê Políticas de Educação superior e produção do conhecimento no Brasil: novos modos de regulação e tendências

Novos modos de regulação e batalhas na produção do conhecimento - um estudo de caso1

New modes of regulation and battling in the production of knowledge - a case study

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo-SP, Brasil - Professor Titular na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Sociologia e Livre Docente em Educação, com Pós-Doutorado na Middlesex University, Londres, Reino Unido. Pesquisador 1A do CNPq. E-mail: amcatani@usp.br


Resumo

O artigo faz um estudo de caso específico: o da proposta de criação de um novo Programa de Pós-Graduação junto à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Tudo se precipitou após a divulgação dos resultados da avaliação quadrienal (2013-16) da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em fins de 2017, sendo a nota do Programa reduzida de 6 para 5, passando o mesmo a ser regulado pelas normas do PROAP (Programa de Apoio à Pós-Graduação) ao invés do PROEX (Programa de Excelência Acadêmica), pois a “excelência” é restrita aos classificados com conceitos 6 e 7. Isso implicou em redução de verbas e prestígio acadêmico. As consequentes cisões e clivagens internas levou um grupo de professores a estruturar um novo Programa na FEUSP que, após cumprir os trâmites internos à Faculdade (não isentos de consideráveis tensões) e à Reitoria da USP, foi remetido à CAPES para os procedimentos de avaliação de praxe. Em dezembro de 2018 a agência não aprovou a proposta e, dias depois, o grupo de acadêmicos reunidos decidiu recorrer da decisão. No início de março de 2019 ainda se aguardava o resultado do pedido de reconsideração. O material empírico que arrima a análise é constituído por atas de reuniões da congregação, dos departamentos, da comissão de pós-graduação, de registros escritos dos encontros realizados pelos docentes que pretendem integrar o novo Programa, além de trocas de mensagens eletrônicas entre os diversos agentes envolvidos no processo.

Palavras-chave: Produção do conhecimento; Pós-graduação em educação; Campo universitário brasileiro; Lutas acadêmicas

Abstract

This article presents a specific case study: the proposal to create a new Graduate Program at the School of Education of the University of São Paulo (FEUSP). Everything was precipitated after the results of CAPES´four-year evaluation (2013-16) were published in the last quarter of 2017, since the program´s score was reduced from 6 to 5, that is, it was from now on regulated by the PROAP instead PROEX, because the “excellence” is exclusive from those classified with concepts 6 and 7. This implied a reduction of funds and academic prestige. The consequent divisions and internal cleavages led to a group of teachers taking the initiative to structure a new Program at FEUSP, which, after completing internal procedures to the course (which were not exempt from considerable tensions) and the Rectory of USP, was sent to CAPES for necessary assessment procedures. In December 2019, the outcome, the agency did not to appeal the decision. At the beginning of March 2019, the outcome of the reconsideration request is still pending. The empirical material that grounds the analysis consists of minutes of meetings of the congregation, the departments, the post-graduation committee, as well as written records of the meetings held by professors who intend to integrate the new Program, as also exchanges of electronic messages between the various agents involved in the process.

Keywords: Knowledge production; University graduate in education; Brazilian university Campus; Academic fights

Escreve-se sempre com e contra o passado Manuel António Pina, O coração pronto para o roubo.

Para Patrizia Piozzi (1949-2015), que só a percebi longe de mim tempos depois.

Introdução

Quando estudava Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (1971-75), logo me voltei às Ciências Sociais, em especial para Sociologia, além de Psicologia, Economia. Interessava-me também por Cinema, Teatro, Literatura, Música, Arquitetura, Artes Plásticas - tal multidisciplinaridade ocorria na própria EAESP2, via cineclube, cursos, palestras, shows e espetáculos ali realizados, além de esforços extras, buscando fora o que desejava em disciplinas específicas, ciclos, seminários, conferências - ver CATANI, 2012.

Caipira do interior de São Paulo, fazer Administração Pública na FGV, curso então gratuito, contribuiu significativamente na constituição e atualização de meu habitus intelectual. A GV, segundo a feliz expressão de um amigo, “nos ensinou a falar”. Nas disciplinas havia o que se denominava participação em nossa avaliação, “fórmula que tentava aferir o grau de interesse e de aprendizagem do aluno através de seu desempenho oral em aulas e seminários” (LIMA, 1997, p. 21). Adquiria-se a necessária desenvoltura, na forma como explicitaram Wright Mills (1962) e Bourdieu (1972, 1979, 1984, 1989).

Esse aprendizado escolar nos preparou para a análise do presente sem descartar o passado. Ao se abordar temática atual enfrentam-se sérios riscos. Talvez o principal o de desconsiderar a história que reveste o objeto estudado, as variáveis que podem limitá-lo ou contribuem para seu desenvolvimento. Por esta razão me vali do poeta português Manuel António Pina (1943-2012) para o que vou dizer aqui: “escreve-se sempre com e contra o passado”.

Optei por estudar caso específico: a proposta de criação de um novo Programa de Pós-Graduação junto à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Após a divulgação do resultado da avaliação quadrienal (2013-16) da CAPES, em fins de 2017, deu-se quase uma batalha campal, pois a nota do Programa foi reduzida de 6 para 5, isto é, o PPG em Educação passou a ser regulado pelas normas do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), ao invés daquelas do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX), uma vez que a “excelência” é exclusiva aos classificados com 6 e 7, implicando em redução de verbas e prestígio. As consequentes cisões e clivagens internas levaram um grupo de professores, alguns dos quais dotados de capital e posição institucionais fortes, dispostos à inserção mais efetiva no debate educacional internacionalizado e, também, com considerável capital político, oriundo de postos em organismos e agências de fomento à pesquisa, a estruturar proposta de um novo PPG em Educação na FEUSP. Após cumprir de forma conturbada os trâmites junto à Faculdade e à Reitoria, foi remetido à CAPES. Em dezembro de 2018 a agência divulgou o resultado, não aprovando a demanda. Dias depois, o grupo ingressou com pedido de reconsideração da decisão. Em março de 2019 se aguardava o resultado da solicitação.

O material empírico que arrimou a análise compõe-se de atas de reuniões da congregação, dos departamentos, da comissão de pós-graduação, de registros escritos das deliberações dos encontros realizados pelos docentes e de mensagens eletrônicas dos agentes envolvidos no processo.

Para se evitar constrangimentos, não mencionei os nomes dos participantes desse acirrado combate simbólico.

1. O Programa de Pós-Graduação em Educação - FE/USP

O site da FEUSP informa que seu PPG em Educação data de 1971 e, desde então, se defenderam cerca de 1.600 Teses de Doutorado e 1.800 Dissertações de Mestrado. O PPG mantém mais de 130 docentes credenciados e 750 alunos regulares, matriculados nos cursos de Mestrado, Doutorado e Doutorado Direto. O total de alunos, em 2018, era de 705 (266 no mestrado e 439 no doutorado e no doutorado direto).

Reconhecido pela CAPES recebeu, no quadriênio 2013-16, conceito 5, em escala de 3 a 7 - antes, nas avaliações trienais, o PPG recebeu os graus 6 (2001-03), 5 (2004-06) e 6 (2007-09; 2010-12).

Ao longo da existência, o PPG teve diferentes configurações. Hoje, organiza-se em 6 Áreas de Concentração”: Cultura, Filosofia e História da Educação; Educação Científica, Matemática e Tecnológica; Educação e Ciências Sociais: Desigualdades e Diferenças; Educação, Linguagem e Psicologia; Estado, Sociedade e Educação; Formação, Currículo e Práticas Pedagógicas.

A expressiva quantidade de mestres e doutores formados no PPG, vindos de todo o país e com significativa inserção nacional e internacional, atuam nos vários segmentos vinculados à educação e à investigação, havendo “forte compromisso com o desenvolvimento de pesquisas voltadas prioritariamente para questões relativas às redes públicas de ensino”. As duas finalidades relevantes do PPG são “desenvolver pesquisas e formar pesquisadores na área da educação, abrangendo temas relativos aos sistemas de ensino, nos seus diversos níveis e modalidades, e às múltiplas esferas sociais nas quais a educação se faz presente” e “formar professores-pesquisadores para o ensino superior”.

2. O Choque, a confusão e o início de tudo

Dia 05.10.2017 a direção da FEUSP e a presidência da CPG enviaram e-mail a docentes e alunos do PPG convidando-os para uma Reunião Geral (16.10) a fim de tratar da avaliação da CAPES e do futuro do Programa para o quadriênio futuro. Em 06.10.2017 os mesmos signatários explicitam que devido ao resultado da avaliação, a Congregação já ocorrida elaborara cronograma de reuniões para “ampliar as discussões e definir os direcionamentos” do PPG, listando atividades realizadas (reunião da CPG e da direção com o representante da área de Educação junto à CAPES; reunião da Congregação - 28.09.2017) e próximos passos: reunião da CPG com coordenadores de área e representantes de linhas de pesquisa; reunião aberta da FE com o representante junto à CAPES, CPG e direção; reunião de áreas, linhas e departamentos; reunião da CPG para organizar os posicionamentos oriundos dessas reuniões; 27.11, plenária deliberativa sobre o projeto do PPG para o quadriênio; 30.11, reunião da Congregação.

A CPG encaminhou, em outubro de 2017, a “Proposta de reenquadramento dos atuais orientadores até o próximo momento de recredenciamento”. “Visando buscar a retomada do conceito 6, apresentamos proposta transitória de recredenciamento a ser assumida de imediato. Importante notar que na proposta não há expectativa de descredenciamento”. Os atuais orientadores do PPG seriam enquadrados como permanente ou colaborador, sem receber novos orientandos os classificados na segunda categoria - o PPG tinha 80 docentes permanentes e 62 colaboradores. Uma tabela detalhava isso e se estabeleciam normas para o futuro recredenciamento como orientador permanente, compreendendo 2017, 2018 e primeiro semestre de 2019, tendo o docente, obrigatoriamente, que ministrar ao menos uma disciplina no período; possuir entre 4 e 8 orientandos; participar da gestão - nas comissões do PPG e em atividades específicas (bancas de ingresso, pareceres de revalidação de diploma, de pedidos de bolsa, etc.) -, todas pontuadas, devendo atingir ao menos 5 pontos; ter bolsa de produtividade ou projeto de pesquisa financiado; possuir produção intelectual mínima de 35,5 pontos com base em 5 produtos, sendo ao menos 2 artigos, nos estratos A1, A2, B1 e B2, com a seguinte pontuação: Artigo A1 - 10 pontos; A2 - 8,5; B1 - 7; B2 - 5,5; Livro - 10; Capítulo - 5. Total mínimo para recredenciamento: 40 pontos (mínimo 35,5 na produção intelectual).

Discutiu-se a proposta nas Áreas de Concentração do PPG e nos Departamentos da FEUSP, não sendo aprovada. O Conselho do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação (EDF), em 10.11.2017, por 9 votos a 1, e 1 abstenção, se posicionou contra a proposta da CPG, encaminhando como alternativa “retomada da fase de conferências dos dados no próximo quadriênio; preocupação quanto à formação científica para pesquisa entre os discentes na graduação; possibilidade de formação de cursos abertos; proposição de disciplina optativa de formação para pesquisa; consciência de que um diagnóstico apenas parcial dessa situação possa induzir a erros e que, portanto, seria favorável que o calendário fosse estendido para aprofundar e ter mais informações, sem prejuízo de decisões imediatas e urgentes, desde que não impliquem prejuízo aos docentes”.

Em fins de outubro de 2017 as discussões ocorridas levaram à renúncia do vice-presidente da CPG, que se engajara nos trâmites para a criação do novo PPG.

No decorrer da reunião circulou o documento “Contribuições ao debate sobre o PPG em Educação da FEUSP”, contendo 45 assinaturas de um grupo de docentes “resultando em proposta comum”. Apresentado em reunião da CPG de 13.11.2017, se constituiu em alternativa à da Coordenação para a reforma do PPGE. A manifestação foi classificada como Proposta 1, em oposição à Proposta 2 (CPG). Os discordantes esclareciam que o ora divulgado surgiu como resultado de discussão na linha de Filosofia e Educação, “tendo sido apresentado a colegas de outras linhas e áreas, bem como na reunião da Área de Educação e Ciências Sociais e na reunião do Conselho do EDF. A partir desse diálogo sugestões se incorporaram, sendo assumido pela Área de Estado, Sociedade e Educação como proposta a ser remetida à CPG”, e apreciada, com caráter deliberativo, em 27.11.2017. Três grandes eixos foram expostos: a) Como a CAPES estava revendo sua política de avaliação, pretendiam aguardar tais definições e, em paralelo, continuar a discutir os rumos futuros do PPGE; b) Aprimorar e intensificar os canais de comunicação com os discentes e aceitar alunos como ouvintes em disciplinas e grupos de estudo e pesquisa; c) Realizar seminário sobre avaliação CAPES em 2018, com a participação da sua direção de avaliação e de representantes dos PPGE da USP, Unicamp3 e Unesp4.

Em 22.11 divulgou-se na lista de docentes da FEUSP mensagem assinada por professores com conteúdo similar ao “Contribuições ao debate...”. Sintetizava a proposta em poucas linhas e abordava ponto delicado. Criticava-se a CPG pela não inclusão na Plataforma Sucupira de parte da produção docente do PPG - artigos, livros e capítulos de livro registrados nos respectivos Lattes não migraram para a Plataforma, motivando, em 23.11, resposta da presidência da CPG, ponderando que após acurada revisão da produção não declarada e simulação do impacto da mesma na nota do Programa, “o resultado obtido foi de um aumento de 3,8 pontos, elevando nossa média para 166,5 (...) Tal aumento corresponde a cerca de 2% e nos mantém ainda muito distante da média dos Programas nota 5, que foi de 182 pontos”.

A Proposta 1 foi assim sintetizada:

“Extensão do prazo de debate sobre os dados da produção docente e discente (...) bem como do futuro do PPG, que pode culminar na composição de proposta de alteração de seu funcionamento em todos os seus aspectos (regras de credenciamento, prazos de integralização, políticas de produção científica, etc.). Tal proposta prevê que uma comissão assessora da presidência da pós se ocupe de seu calendário, a ser elaborado (...) após a plenária, tendo como limite para sua conclusão o mês de junho/2018” (cf.xxx@usp.br para docentes@listas.usp.br-22.11.2017).

No “Documento base para a plenária final em 27/11/2017”, a CPG reunia a Proposta 1, acrescida da proposição da “criação de uma comissão assessora da presidência da pós-graduação, e a Proposta 2, (da CPG), nos seguintes termos:

“1. Divisão imediata dos orientandos entre colaboradores e permanentes segundo a proporção apresentada na proposta original da coordenação para que haja alteração na oferta de vagas do próximo processo seletivo. Ela seria feita segundo os critérios estabelecidos pela presidência da pós-graduação em acordo com proposta original;

2. Adoção de uma pontuação entre 30 e 35,5 pontos para recredenciamento, nos termos da proposta original da coordenação, a ser definida em julho de 2018”.

Estava tudo preparado para a Reunião Plenária deliberativa da CPG. O relatado a seguir foi extraído da memória da reunião de 27.11.2017, a qual compareceram dezenas de professores e o representante da área de Educação junto à CAPES, que apresentou “a situação atual do PPG com vistas ao próximo quadriênio de avaliação” pela agência. Quase ao final, a fala foi interrompida: parte dos docentes entendeu que se apresentava nova proposta, semelhante à não aprovada pela CPG e pelos Departamentos da FEUSP. A confusão se instaurou e, após longo debate, decidiu-se que novas propostas poderiam ser apresentadas. Foi lido o que se chamou de Proposta 1 e a presidência da CPG leu a Proposta 2. Em rápidas tintas, após o debate de outras proposições surgidas durante a reunião, houve votação. A Proposta 1 recebeu 42 votos, enquanto a Proposta 2, 25. Assim, decidiu-se pelo encaminhamento da Proposta 1 “para análise e manifestação da Congregação da FEUSP”. Após o encaminhamento, um docente, professor titular, que coordenara o PPG e possui realce no campo educacional nacional, pediu para registrar “seu incômodo com a decisão tomada na Reunião Plenária, [pois] com essa estratégia o Programa deve permanecer com a nota 5; convida para uma reunião, agendada para 12 de dezembro, às 10:00 horas (...) todos os interessados em um Programa com nota 6, a aderir a criação de um novo PPG, no âmbito da FEUSP”.

Três dias após, em 30.11.2017, na reunião da Congregação, o presidente da CPG afirmou que “infelizmente, por decisão da maioria, os critérios foram mantidos da forma em que estão” e lamentou “o clima que a plenária tomou”. Para um membro do colegiado, “se configurou um divisionismo (...) presente e latente na FEUSP, porque ela tem múltiplas orientações e perspectivas, seja de natureza epistemológica ou ideológica”. Outra colega disse que a avaliação se fez “num clima de desconfiança com relação à coordenação. Todos que assumem cargos de gestão, que são presidentes de Comissões ou representantes, ninguém passa por isso sem o aval dos colegas”. Lamentou-se o alto grau de desinformação dos docentes: “Isso é imperdoável. Se quer participar da pós não pode ficar à margem dos critérios de avaliação”. Ponderou-se que “nosso PPG só não recebeu nota 4 porque não é possível decrescer 2 pontos. Mas a ameaça está presente (...). Em junho será tarde demais, não haverá mais o que fazer”. Entendeu-se como injusto o resultado da avaliação: “a FEUSP é referência, a nota 5 não expressa o que representamos no cenário nacional”.

No dia seguinte, 01.12.2017, em reunião ordinária do Conselho do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada (EDM), docente que participara da Congregação comentou que o processo de reestruturação não ocorria de forma adequada: “todos tem sua responsabilidade. As falhas poderiam ter sido reconhecidas com humildade (...) o maior equívoco está em atribuir àquelas pessoas que votaram por ampliar o prazo para a discussão a opção de permanecer com a nota 5 ou 4 no PPG, o que não é verdade. Todos querem subir a nota, mas pensam em caminhos diferentes para chegar a isso.”

12.12.2017 foi um dia agitado: pela manhã, reunião de 23 docentes interessados na criação de um novo programa e, à tarde, outra, com 15, que queriam permanecer no PPG em Educação - ver, a respeito, Catani (2017a, 2017b). Participei de ambas, pois quando se deu o debate, em fins de 2017, encontrava-me afastado, realizando pesquisa.

Já havia clareza por parte dos professores que se dirigiram ao novo PPG quanto ao escopo e aos objetivos da empreitada: deveria enfatizar a internacionalização e fugir da tradicional abordagem disciplinar, com poucas áreas de concentração. Seriam elaborados novos programas de curso e disciplinas ministradas em inglês. Era necessário “alto grau de solidariedade interna” e o grupo contaria com uns 25 membros. Os docentes se desvinculariam do atual PPG, tornando-se colaboradores.

A previsão era obter, excepcionalmente, a nota 5 (o normal seria 4) para o novo PPG, na metade do quadriênio (2019-20) e, no quadriênio cheio (2021-24), 6, em razão do quadro qualificado de professores, do total de publicações acadêmicas de excelência, da expressiva inserção internacional, etc.

À tarde o encontro foi mais ameno. Informou-se a data limite de 09.02.2018 para votar na Congregação do novo PPG, bem como um esboço para a recomposição das atuais áreas de concentração, uma vez que em 11.12.2017, na reunião da CPG, deliberou-se a constituição de comissão para elaborar o calendário de discussões e atividades tendo como base a Proposta 1, a mais votada na plenária de 27.11.2017. A mensagem de 13.12.2017 (xxx@usp.br - Contribuições para a reorganização do PPG/FEUSP) esclarece que a comissão seria “composta por todos os coordenadores de área, pelo representante discente e pelo vice-presidente da CPG, a ser eleito”. Além da recomposição das áreas e linhas de pesquisa, destacou-se a necessidade de disciplinar e reduzir o tempo na formação de mestres e doutores, “um dos principais fatores que levaram ao rebaixamento da nota”. Terminou solicitando que a CPG convocasse reunião aberta, em fevereiro/2018, para discutir modos de fortalecimento das linhas e áreas para implementar a Proposta 1.

Em 14.12.2017, a coordenação do PPG respondeu que a comissão de acompanhamento se instalaria em fevereiro/2018 e que o mandato do coordenador iria até março, evitando “a devolução precoce da verba PROEX”. Comentou, ainda, a necessidade de se discutir toda e qualquer alteração em termos da criação de novo PPG no interior da própria CPG, pois “todos somos orientadores de um único programa”.

Em 17.12.2017 (xxx@usp.br - Sobre a reunião do dia 12/12, à tarde) subscritores da Proposta 1 esclareceram que não tiveram a intenção de excluir colegas de participar da reunião de 12.12: “deveríamos ter encaminhado o convite para toda a lista de docentes da FEUSP. Inicialmente, pensamos em fazê-lo, mas tivemos receio de que parecesse uma afronta ou de que tal convite pudesse ser visto como ação apartada e distinta daquela definida pela CPG (...) Em hipótese alguma a intenção era excluir colegas e, se assim pareceu, lamentamos sinceramente nossa falha”.

3. A proposta do novo programa, os embates e a divisão se consolidando

O ofício do Pró-Reitor de Pós-Graduação (05.12.2017) era claro: a partir do calendário estabelecido pela CAPES, “os APCNs devem ser apresentados à Pró-Reitoria até o dia 19. 02 impreterivelmente”.

Assim, a CPG/FEUSP marcou reunião para 05.02.2018, procurando fazer rápida tramitação em âmbito interno para cumprir o prazo. Os embates se intensificaram: a linha de Filosofia da Educação enviou mensagem (xxx@usp.br - Sobre a próxima reunião da CPG - apontamentos - 04.02.2018a) argumentando que “esta reunião não deveria ser decisória” e que “não consideravam a atual composição da CPG representativa da maioria dos docentes e que, tampouco, tivesse legitimidade para decidir qualquer mudança nos atuais rumos do PPG, inclusive sobre a possibilidade de criação de novo programa”. Outro e-mail (04.02.2018b) da mesma linha de pesquisa reitera que “aprovar nesta reunião um novo programa atentará, inclusive, contra o atual estatuto da CPG, que prevê a representatividade de seus coordenadores de área, o que neste exato momento não é o caso - dado que a grande maioria dos integrantes da atual Comissão da pós declarou sua migração para o novo programa, em detrimento de uma discussão ampliada das linhas e áreas para que se pudesse tomar quaisquer decisões que fossem de fato representativas do corpo docente” (grifos do original). E vai além: “espera-se que, no mínimo, na reunião de amanhã os colegas que pretendem migrar para o novo PPG coloquem seus cargos à disposição e aguardem uma nova eleição”.

A reunião da CPG de 05.02.2018 aprovou (7 votos a favor, 1 contra e 1 abstenção) a criação do PPG Educação em Fronteiras. Assegurou-se o estabelecimento de compromissos e diretrizes concretas que minimizassem o impacto de sua criação sobre o que estava vigente, garantindo-se a transição e a readequação do atual programa enquanto o novo ainda não for criado. Indicou-se vice - coordenador do PPG em Educação, responsável pelo andamento dos trabalhos da Comissão Assessora que definiria, em 15.02.2018, a agenda de atividades do PPG. Nessa reunião alguns coordenadores de áreas e de linhas se desligaram das respectivas funções (Cf. Memórias e reflexões da 374ª. Reunião Ordinária da CPG- 05.02.2018 e Ata da reunião Ordinária do EDF, 09.02.2018).

No início de 2018 foi divulgado documento referente ao PPG Educação em Fronteiras, integrado por 27 docentes até então credenciados junto ao PPG em Educação, sendo 10 professores titulares, 5 livre-docentes e 12 doutores; 13 eram bolsistas produtividade do CNPq (9 nível 1, 2 dos quais 1A; 3 nível 2 e 1 sênior). A ementa geral era a seguinte:

“A proposta de um PPG de excelência com formação sólida de pesquisadora(e)s e temática Educação em Fronteiras dialoga com dois pressupostos fundamentais. O primeiro assenta-se na compreensão de que as fronteiras são simultaneamente zonas de contato e de conflito, ao mesmo tempo porosa e impermeáveis. O segundo remete ao caráter polissêmico que o termo fronteira assume, podendo ser interpretado em diversas vertentes: geográfica, política, epistemológica ou cultural. Nesse diapasão, Educação em Fronteiras problematiza os efeitos da construção dos Estados Nacionais tanto para a escolarização das sociedades modernas e suas práticas pedagógicas, quanto para a construção dos enquadramentos teóricos e das políticas educacionais, em particular a partir do século XIX, enraizados na comunidade imaginada da Nação (...) Interroga sobre os desafios inter/trans/pós-disciplinares em suas múltiplas intersecções culturais - a exemplo de gênero e de etnia (mas não somente) - da produção científica e filosófica do campo, conformando-se, por um lado, em atenção às demandas locais/nacionais; por outro, constituindo-se a partir da circulação inter e transnacional de saberes e sujeitos. O PPG constrói-se, por fim, no fio tênue da tensão do enter/inter e no alerta constante sobre o como e o quê se evidencia como prática e conhecimento pedagógico/educacional, além de quem o produz”.

Ele foi organizado em 2 áreas, “Fronteiras geopolíticas e epistêmicas”, com 3 linhas de pesquisa (1. Epistemologias da investigação educacional; 2. Estado e difusão internacional de políticas educativas; 3. Circulação transnacional de sujeitos, ideias e artefatos educacionais), com 16 docentes, e “Fronteiras Culturais”, com 2 linhas (1. Ensinar e aprender em múltiplos contextos; 2. Linguagens, cultura e educação), com 11 professores. Serão 32 disciplinas, entre obrigatórias, inter-áreas e eletivas, com o inglês obrigatório para a proficiência em língua estrangeira. Detalham - se, também, procedimentos de ingresso dos alunos e outras normas de funcionamento do PPG.

Em 19.02.2018, docente e pesquisadora relevante no campo educacional brasileiro lavrou Parecer relativo ao novo PPG, concluindo que o conjunto “exprime originalidade e inovação na pesquisa educacional, reiterando o compromisso com o rigor e o decorrente aprofundamento acadêmico, bem como materializando um desafio promissor para os estudos de Pós-Graduação em Educação no país”. Concluía: “meu parecer é fortemente favorável ao conjunto de disciplinas proposto pelo PPG Educação em Fronteiras”.

Esse PPG não foi aprovado na reunião da Congregação de 22.02.2018. Na “Carta aberta à comunidade FEUSP” (26.02.2018), 8 integrantes do colegiado explicaram as razões de seu posicionamento, argumentando que as lideranças da FEUSP subscreveram a proposta “sem avaliar os seus efeitos sobre o programa existente” e que, “no conjunto de documentos apreciados, não figurava plano de transição com os procedimentos a serem adotados” com relação ao PPG Educação.

Em 04.03.2018, membros da linha de Filosofia e Educação divulgaram carta de apoio à carta aberta de 26.02.2018. Após quatro longos considerandos contundentes, endossam a carta aberta e propõem “que haja uma transição pactuada, não imposta (...) de modo a se observar não apenas os trâmites formais, mas, fundamentalmente, garantir o respeito aos docentes, funcionários e alunos desta nossa instituição e o bom convívio entre nós; a saber, uma transição feita de modo transparente, democrático, priorizando o diálogo com todos os envolvidos”. Dias 4, 5 e 6.03.2018 foram escritas várias mensagens de docentes aderindo à carta de apoio.

A Comissão Assessora da Pós-Graduação (CAPG), composta pela vice-presidente da CPG, pelos 6 coordenadores de área, pelos representantes dos 3 departamentos e pelos representantes discentes, reuniu-se em 15 e 27.02.2018, com a seguinte pauta: a) Diagnóstico e recomposição das áreas de concentração e das linhas de pesquisa; b) Processo seletivo; c) Retomada da discussão dos critérios de recredenciamento e para professores permanentes e colaboradores; d) Retomada das discussões sobre mecanismos inclusivos (“Síntese das reuniões da CAPG e da 375ª. Reunião Ordinária da CPG - 05.03.2018).

O mesmo documento relatou a reunião da CPG (05.03.2018), quando se apresentou o referido Plano de Transição, de 28.02.2018, “para ser submetido à Congregação Extraordinária de 6 de março”, sendo aprovado por 7 votos favoráveis e 3 abstenções. Previam-se outras medidas e se esclarecia que “o período de transição de docentes e aluna(o)s entre os Programas seria de, no máximo, 3 anos, com a transição se completando até 31.12.2020”.

O Plano equacionava aspectos delicados, esclarecendo que nenhum dos 27 professores do novo PPG abririam vaga no processo seletivo do PPG em Educação, que 21 deles permaneceriam como colaboradores e 6 se manteriam como permanentes. Os docentes do PPG Educação em Fronteiras orientavam 155 discentes e se elaborou leque de possibilidades para tais alunos, prevendo-se eventuais transferências para o novo PPG. Acertaram-se aspectos relativos aos recursos financeiros, à reorganização da CPG, ao trabalho da Seção de Pós-Graduação e se advogou o acompanhamento da transição coordenado por comissão “composta pela coordenação de ambos os programas, pela presidência da CPG e por representante da congregação, que analisará e buscará equacionar as questões não previstas neste documento” (Plano de Transição).

Por 11 votos a favor, 2 contra e 3 abstenções foi aprovada, na reunião extraordinária da Congregação de 06.03.2018, a criação do PPG Educação em Fronteiras. Mencione-se que, quando do envio da documentação para a Reitoria, protocolada em 19.02.2018, ficou faltando a decisão da Congregação e o parecer de mérito, indicando que tal esfera superior colaborou bastante com o empreendimento.

4. O existente e o a existir caminhando em paralelo

A partir do segundo trimestre/2018 o Programa existente e o que tentava existir desenvolveram atividades em paralelo.

O PPG em Educação divulgou memória da reunião da CPG (02.04.2018), contendo na pauta a constituição de chapa para a candidatura à presidência e à vice-presidência do colegiado e elaboração do Relatório de 2017 da CAPES. Quanto à reorganização do PPG, marcou-se “Plenária de docentes da Pós, aberta à participação de discentes, para 24.04.2018”. Publicou-se, ainda, edital do processo seletivo 2018-19, reduzindo o número de vagas para 202 (E-mail de USP: xxx@usp.br - 02.04.2018 - Memória da reunião da Pós e convocação de reunião da Área).

Na reunião do Conselho do EDM (06.04) um dos membros afirmou existir “um vazio completo na CPG, haja vista que não há coordenação neste momento” e “uma vice assumiu à revelia dos estatutos”; “havia dificuldade para se montar outra chapa para concorrer à presidência da Comissão”.

Em 28.08, representantes dos alunos remetem à CPG deliberações da Plenária Discente de 03.05, solicitando resposta a uma série de questões acerca do novo PPG (razões de sua criação, diferenças entre os PPGs, possibilidades e implicações para a transferência entre eles, envolvendo sistema de créditos, prazos, proficiência em idiomas estrangeiros, relações com os orientadores, bolsas, formas de financiamento, etc.) - “Encaminhamentos da Plenária Discente...”.

A “Resposta da Coordenação do PPG/Educação da FEUSP” é longa. Destaco o relevante para este artigo. Dentre as razões que levaram à proposta de criação do novo PPG, mencionam-se as estruturais (“a demanda de organização de PPGs menores, dada a dificuldade de gestão de um PPG demasiado grande, bem como a atenção a um tipo de formação mais focal de quadros de pesquisa/docência”) e as conjunturais, em especial quando da última avaliação da CAPES. Quanto a estas, “ficou patente que havia disparidade entre os docentes tanto no que se refere à compreensão da multiplicidade de fatores envolvidos na avaliação de um PPG, quanto no que tange à rapidez das respostas organizativas possíveis frente ao que se atestou na referida avaliação”. Um quarto dos docentes não se sentiu contemplado pelas decisões da maioria, optando “pela idealização de um PPG que se dispusesse a equacionar o mais rápido possível (...) os impasses deflagrados na avaliação da CAPES, contemplando (...) estruturação curricular e formativa mais específica e atenta, inclusive, às demandas históricas dos pós-graduandos...”

Na Reunião Plenária da PG de 26.06.2018 aprovou-se (13 votos a favor, 3 contra e 4 abstenções) proposta de (re)credenciamento junto ao PPGE/FEUSP, exigindo-se produção, no que se refere às publicações, de 30 pontos, contabilizados entre 2016 e junho/2019, da seguinte forma: Livro (9 pontos); Artigo A1 (6); A2 (5); B1 (4); B2 (3); Capítulo de Livro (3). Aprovou-se, também, atribuição de 5 pontos a projetos de pesquisa financiados e a “criação de uma faixa de credenciamento, de 24 a 29 pontos de produção intelectual, aplicada somente nesse quadriênio, cuja finalidade é contribuir para que os docentes com menor produção posam continuar inseridos no PPG, com todos os direitos e deveres dos demais docentes, porém com a necessária diminuição de orientandos, não abrindo novas vagas nos processos seletivos, até ultrapassarem os 30 pontos”.

Os professores comprometidos com o PPG Educação em Fronteiras também organizaram calendário de reuniões mensais para discutir a operacionalidade do Programa. Tenho documentada a primeira do ano (segunda do coletivo), ocorrida em 16.03.2018. Nela detalham-se providências referentes ao acordo de transição entre os dois PPGs, as estratégias necessárias e o mapeamento dos orientandos que tivessem condições de migrar para o novo PPG.

Não obtive documentos de todas as reuniões havidas - ao menos duas não se realizaram. Na terceira (20.04.2018) informou-se que se fez, a pedido da Pró-Reitoria de PGr da USP, pequenos ajustes na proposta; houve encontro entre as coordenações dos programas; acertou-se reunião com os alunos; detalhou-se a situação de docentes e discentes do PPG atual; projetou-se a publicação, em revistas internacionais, da produção de professores do PPG; organização de evento para a divulgação da proposta; possibilidade de financiamento de projeto coletivo pela FAPESP; agendamento de seminários.

A memória da reunião de 17.08.2018 indica que a proposta do PPGEf estava em tramitação; discutiu-se sobre os trabalhos da secretaria e da constituição de nova CPG e das possibilidades de desenvolvimento de projetos temáticos internacionais, da vinda de convidados estrangeiros e da realização de seminários e da futura coordenação do PPG.

5. A CAPES disse não, mas talvez possa dizer sim

Em 06.12.2018 a CAPES divulgou o resultado do APCN 453/2018 do PPG Educação em Fronteiras. O resultado foi negativo, não recomendando sua criação. O texto faz restrições à documentação apresentada, mencionando que “não foi anexado documento que expressa a anuência da administração superior da instituição quanto à proposta de desmembramento do programa, declarando o comprometimento com a implantação e o êxito dos cursos de Mestrado e Doutorado Acadêmicos”. Fala da ausência de regras detalhadas do processo de desmembramento, “caracterizando a correlação entre o programa originário e o novo programa, bem como a solução dada a problemas relativos à divisão do corpo docente dos cursos existentes (...) e a situação das orientações em andamento”. Menciona o não cumprimento da norma que prevê que se apresentem esclarecimentos sobre a decisão de desmembrar e os entendimentos mantidos com a comissão de área a respeito, além de outros quesitos referentes às áreas de concentração, ao necessário plano de transição, às condições de migração dos pós-graduandos, às estratégias para equalizar a carga horária e a dedicação dos docentes aos dois programas, etc.

Quanto à dimensão e ao regime de trabalho do corpo docente, apontam-se problemas de dupla ou tripla vinculação à PPGs. Reconhece-se a maturidade acadêmica e a capacidade de pesquisa dos professores, “que apresentam produção científica consolidada, com uma média de 401 pontos por docente”, o dobro da média exigida na área de educação para as APCNs. No último campo do formulário lê-se que a comissão solicitou diligência documental para o esclarecimento do que se foi elencado, mas “foi recusada pela coordenação da área, por entender que, ainda que tais esclarecimentos fossem feitos, a proposta não poderia ser aprovada, pois apresenta mais de 40% dos docentes permanentes atuando em 3 programas, contrariando a exigência da área. Pelo exposto, o CTC-ES acompanha o parecer da coordenação da área, recomendando a não aprovação da proposta”.

Houve consternação entre os docentes, reunidos em 11.12.2018. Decidiram, por unanimidade, ingressar com pedido de reconsideração da decisão. Entenderam que “a avaliação fundamentou-se em dados equivocados quanto à suposta vinculação dupla/tripla do(a)s referido(a)s docentes com outros programas, bem como à natureza do curso (novo, e não desmembramento)” (E-mail de USP: xxx@usp.br - 12.12.2018 - Três assuntos).

Dois dias depois enviou-se à CAPES “Pedido de Reconsideração do Resultado da Avaliação da APCN 453/2018 (PPG Educação em Fronteiras - FEUSP)”. Destacou-se que o parecer exarado pela Comissão de Área e pelo CTC reconhece “o mérito geral” da proposta, razão pela qual apresentavam “o presente pedido de reconsideração, esperando, com isso, dirimir as questões apontadas no referido parecer, as quais, a nosso ver, se circunscrevem a aspectos formais da proposta em tela”.

A ficha de avaliação baseou-se “em quatro informações equivocadas e/ou parciais quanto à fundamentação geral da referida APCN”, o que levou o grupo a detalhar cada restrição e contra argumentar:

Seria um desmembramento do já existente PPG em Educação da FEUSP. Os docentes discordam; a APCN refere-se a um curso novo. “Ademais, sua criação não altera a estrutura do PPG em Educação, mantendo intactas as linhas de pesquisa originais”.

Haveria docentes com dupla ou tripla vinculação em relação ao PPG em Educação. Outro equívoco; todos os docentes filiados ao PPG Educação em Fronteiras já se desvincularam do PPG original.

Não se apresentaram dados relativos à implantação da proposta. Comentam que se estabeleceu um Acordo de Transição entre os PPGs quando da aprovação da proposta pela Congregação/FEUSP, com as responsabilidades dos docentes que se desvincularam do PPG original. O PPG contava, em 2017, com 85 docentes permanentes.

Não estava implícita a anuência e o comprometimento institucional da USP com a criação do novo PPG. Outro equívoco; a Congregação designou comissão para analisar a proposta em 06.03.2018. Depois, foi avaliada e aprovada “por três diferentes Câmaras da Pró-Reitoria de Pós-Graduação responsáveis por analisar os pedidos de cursos novos e suas respectivas viabilidades (Câmara de Normas e Recursos, Câmara Curricular e Câmara de Avaliação), antes de ser homologada pelo Conselho de Pós-Graduação em 28.05.2018”.

2019 chegou e, em 12.02 (E-mail de USP: xxx@usp.br - 12.02.2019), informou-se sobre o andamento do recurso, que “será analisado pela área de Educação e depois pela área de Ciências Humanas antes de ir para o CTC (...) Estamos contando com a ideia da implantação do PPG ainda no final deste semestre, com início das atividades letivas no começo do semestre seguinte. A ver”.

A mesma mensagem dizia que, consultada a CAPES, obteve-se a anuência de se declarar no PPG, para 2018, a produção dos docentes transferidos para o novo Programa, “sem prejuízo da avaliação do recurso do PPG Educação em Fronteiras”. E concluía, conciliando: “Dessa forma, não há razão para nenhum stress adicional entre os dois PPGs”.

Considerações finais

Aqui se estudou um caso específico, a proposta de criação de novo PPG na FEUSP, que já possuía outro Programa desde 1971. Apoiado em farta documentação, procurou-se mostrar os embates ocorridos entre dois grupos de professores no período de setembro/2017 a fevereiro/2019.

O PPG em Educação obteve nota 6 na avaliação da CAPES (triênio 2010-12); esperava-se 6 ou 7 para 2013-16, mas veio um 5. Os gestores propuseram endurecimento nos critérios de (re)credenciamento para o PPG retornar ao topo, mas 42 docentes não aceitaram as regras, enquanto 27 optaram por criar novo PPG - parte deles dotados de capital e posição institucionais fortes, quase metade bolsistas produtividade do CNPq, com certa inserção no debate educacional internacionalizado e algum capital político, oriundo de postos ocupados em agências de fomento. Em geral, tais docentes conheciam melhor as regras do processo de avaliação e desejavam se apresentar com maior legitimidade no campo educacional em que atuam. Na tramitação interna à FEUSP houve dura reação de professores que continuaram no PPG já consolidado, levando à rejeição da proposta no âmbito da Congregação, depois revista.

A CAPES, em dezembro/2018, não aprovou a criação do novo PPG. No Parecer percebe-se como os embates inerentes ao campo acadêmico se encontram presentes nesse veredicto e o quanto de burocrático e de formalismos vazios dão o tom.

A melhor forma para exprimir esse processo pode ser buscada em texto de Bourdieu, cuja epígrafe, retirada de Sodoma e Gomorra, de Marcel Proust, é a seguinte: “as teorias e as escolas, como os micróbios e os glóbulos, se devoram reciprocamente e asseguram por sua luta a continuidade da vida” (BOURDIEU, 1974, p. 99).

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1 Agradeço às Professoras Cristiane Gottschalk, Ermelinda Pataca e Gladys Barreyro, a Sra. Cláudia Nunes e ao Sr. Sidney Fontanetti, que forneceram parte do material aqui utilizado.

2Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

3Universidade Estadual de Campinas.

4Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Recebido: 15 de Maio de 2019; Aceito: 20 de Julho de 2019

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