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Revista Eletrônica de Educação

versão impressa ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.3 São Carlos set./dez 2019  Epub 01-Set-2020

https://doi.org/10.14244/198271992546 

Demanda Contínua - Artigos

Multiculturalismo, identidades, formação profissional e as cotas: construções por estudantes de medicina da UFRJ

Multiculturalism, identities, professional training and quotas: constructions by medical students from UFRJ

Daise PiresI 
http://orcid.org/0000-0001-7177-5397

Vera Helena Ferraz de SiqueiraII 
http://orcid.org/0000-0002-3574-8671

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil - Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutoranda no NUTES/UFRJ. Experiência na área de Educação. Graduada em Pedagogia pela UERJ e Serviço Social pela UFF, com especialização em Educação Infantil pela PUC-Rio e Mestrado em Educação Ciências e Saúde, pelo NUTES/UFRJ. E-mail: daisepires@gmail.com

IIDocente no Programa de Pós Graduação em Educação de Ciências e Saúde - NUTES/UFRJ. Desenvolve pesquisa nos seguintes temas: políticas de identidade e formação profissional; educação em saúde; relações de gênero, raça/etnia e educação; mídia e educação. E-mail: verahfs@yahoo.com.br - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil


Resumo

Com base em noções dos estudos culturais sobre identidade e diferença este artigo discute e problematiza a noção de multiculturalismo, evidenciando-a como conceito útil para entender significados construídos sobre mudanças introduzidas na universidade a partir da introdução das cotas - particularmente nas relações sociais e na formação e atuação do futuro profissional da medicina. Como técnica de coleta de dados fez-se uso de entrevistas semi-estruturadas realizadas com alunos/as do curso de medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), instituição que foi muito resistente à introdução dessa política. Para a análise das construções realizadas pelos alunos em diferentes períodos do curso recorreu-se à análise de conteúdo. Dentre os resultados evidenciou-se a identificação de relações de poder e conflitos como mediadores do convívio entre as múltiplas culturas; ao mesmo tempo, encontrou o reconhecimento que o convívio de múltiplas culturas introduz novas pautas e a concretude de outras experiências anteriormente ausentes desse contexto e que são um convite para se refletir sobre o papel dessa instituição, do curso de medicina e de seu currículo. A despeito de por si só não solucionar as desigualdades sociais, a política de cotas provoca fissuras importantes na homogeneidade social, cultural e racial que, de forma geral, caracteriza os cursos como o de medicina. Assim, é importante refletir sobre a dinâmica dos processos de construção identitária presentes neste espaço, possibilitando indagações sobre a formação desse profissional e a possibilidade de relações mais democráticas na universidade pública.

Palavras-chave: Multiculturalismo; Identidades; Formação médica; Sistema de cotas

Abstract

Based on notions of cultural studies on identity and difference, this article discusses the notion of multiculturalism, evidencing it as a useful concept to understand meanings built on changes introduced in the university from the introduction of quotas - particularly in social relations and in the formation and practice of the future professional of medicine. As a data collection technique, semi-structured interviews were conducted with students of the UFRJ (Federal University of Rio de Janeiro, Brazil) medical school, an institution that was very resistant to the introduction of this policy. Content analysis was employed for the analysis of the constructions carried out by the students in different periods of the course. The results showed the identification of power relations and conflicts as mediators of the conviviality among the multiple cultures; at the same time, we found the recognition that the coexistence of multiple cultures introduces new agenda, brings the concreteness of other experiences previously absent from this context, which is an invitation to reflect on the role of this institution, the medical course, and its curriculum. In spite of not solving social inequalities, the politics of quotas causes important fissures in the social, cultural and racial homogeneity that, in general, characterizes the elite courses such as medicine. Thus, it is important to reflect on the dynamics of the processes of identity construction present in this space, making possible inquiries about the formation of this professional and the possibility of more democratic relations in the public university.

Keywords: Multiculturalism; Identities; Medical training; Quotas system

A desigualdade é um problema que vem se agravando no Brasil em função da não garantia dos direitos básicos de uma grande parcela da população, como o acesso à saúde, educação e trabalho. Apesar do inegável peso do aspecto econômico e da grande evidência dada a este, a desigualdade não está atrelada somente a esse aspecto, mas também a fatores como a raça e etnia, o gênero, entre outros. Ao observarmos os dados em relação à população negra, percebemos que a situação é muito grave, evidenciada, entre outros aspectos, pela falta de acesso à educação e a um espaço significativo no mercado de trabalho.

Quanto ao acesso à educação, destacamos o papel da universidade objetivando minimizar as desigualdades existentes, viabilizando o alcance de níveis culturais, sociais e econômicos mais altos para indivíduos de baixa renda, egressos de escola pública, pretos, pardos e indígenas. Com esse intuito foram criadas políticas de ação afirmativa no âmbito da educação superior, com foco na inclusão desses indivíduos.

Os princípios da ação afirmativa, segundo Brandão (2005), se fundamentam teoricamente, por exemplo, nos estudos de John Rawls, filósofo político americano, que defendia a igualdade entre os indivíduos, porém afirmava que na defesa dessa igualdade podiam-se admitir exceções. No intuito de compreender como se alcança uma sociedade justa, Rawls pauta-se em dois princípios fundamentais. O primeiro garante direitos básicos iguais para todos; o segundo, que diz respeito às desigualdades sociais e econômicas, atendendo à sua concepção de justiça e à possibilidade de atingir a base de legitimidade política, considera a oferta de mais vantagens aos membros mais desfavorecidos da sociedade. Assim, para o referido autor, a desigualdade só é justificada se oferecer vantagem à camada que esteja em posição inferior na sociedade (QUINTANILHA, 2010; BRANDÃO, 2005).

Dentre as ações que integram o conjunto das “políticas culturais de diferença” (HALL, 2003), implementadas a partir de 2002, apoiadas no Programa Nacional de Ações Afirmativas (BRASIL, 2002) e no Programa Diversidade na Universidade (BRASIL, 2002), ressaltam-se: (i) a política de cotas, adotada pela primeira vez em 2003 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que determinou a reserva de 40% das vagas dos cursos de graduação, seguida pela Universidade Estadual da Bahia e pela Universidade de Brasília em 2004, sendo esta a primeira universidade federal a adotar a política de cotas; (ii) o Programa Universidade para Todos - PROUNI (BRASIL, 2004), que concede bolsas integrais e parciais em universidades privadas, que recebem isenção de impostos federais; (iii) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI - com o “objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas unidades federais” (BRASIL, 2007, Decreto 6.096 Art. 1º); e (iv) reformulação do Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM (BRASIL, 2008), constituindo-o como o único meio de acesso às universidades federais.

Dentre as políticas de ação afirmativa, destacamos neste trabalho a política de cotas, que suscitou intenso debate na academia e em outros setores, gerando muitas controvérsias a respeito da desigualdade social, do racismo, da discriminação, da necessidade de compensação e igualdade entre todos os cidadãos, gerando posicionamentos múltiplos, tanto de defesa como contrários à sua implantação, no último caso principalmente em relação às cotas raciais.

A política de cotas, apesar de tantas controvérsias, foi reafirmada pela Lei nº 12.711 em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal aprovou a constitucionalidade das Cotas Raciais, e determinou a reserva de 50% das vagas das universidades federais para os alunos que cursaram o Ensino Médio em escola pública, e destas vagas, 50% para estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita; e o proporcional de vagas dos autodeclarados pretos, pardos e indígenas da população do estado onde está situada a universidade. Foi incluída a pessoa com deficiência, neste grupo, em 2016.

No ano de 2014, dos 243.383 alunos que ingressaram nas unidades federais, 98.121 vagas foram ocupadas por meio das cotas. Destas 48.676 foram ocupadas por alunos que se declararam pretos, pardos e indígenas, sendo 49,6% das vagas destinadas às cotas (BRASIL. SEPPIR, 2015).

Com a implementação das políticas educacionais inclusivas, torna-se mais diversificado o perfil do alunado na universidade pública, com o ingresso de uma parcela da população que historicamente foi deixada à margem do desenvolvimento social, educacional, econômico, como os indivíduos de classes sociais mais baixas, os egressos de escolas públicas e de diferentes raças e etnias (pardos, pretos e indígenas).

A diversidade ocorre também com o ingresso de estudantes de vários estados brasileiros a partir da criação, em 2010, do Sistema de Seleção Unificada - SISU, administrado pela Secretaria de Educação Superior, em que as instituições públicas de educação superior disponibilizam as vagas dos cursos de graduação, unificando o processo seletivo que é realizado com base na nota do Enem, possibilitando a junção de indivíduos com diferentes vivências e culturas, oriundos de todos os estados brasileiros, no espaço universitário. No ano de 2010, 51 instituições participaram do processo seletivo, tendo ocorrido mais adesões, com a participação de 131 instituições em 2017, oferecendo 238 mil vagas, tendo sido recebida a inscrição de 2.498.261 estudantes (BRASIL. MEC, 2017).

A instituição universitária e sua comunidade - estudantes, professores, entre outros - se vêem assim desafiados a conviver com diferentes processos de construção de identidade e com uma determinada diversidade cultural até então ausente no ensino superior. Neste novo cenário convivem indivíduos com visões de mundo diversas, diferentes histórias de vida e múltiplas experiências de sucessos/fracassos e aceitações/discriminações. Enfim, uma diversidade que coloca como imperativa a necessidade de um olhar crítico para a pluralidade cultural encontrada neste espaço.

No caso da medicina, ressaltamos que tal diversidade até certo ponto corresponde àquela que os/as futuros/as profissionais médicos/as encontrarão em seu exercício profissional, quando se deparam com o desafio de lidar com indivíduos de diferentes classes sociais, de múltiplas culturas e identidades, tanto no universo da população que será atendida por eles, como na própria equipe da qual farão parte.

Pensar como se dá a formação desses estudantes implica expandir a discussão de currículo para múltiplas direções (COSTA et al., 2016), rompendo com a noção que centraliza os processos formativos nas instâncias formais educativas. Supõe assumir que os sujeitos se formam e as identidades/diferenças são construídas em diversas relações sociais que acontecem nos mais variados espaços: na sala de aula, nos estágios, nas redes sociais, nas conversas de corredor..., nelas aderem a um ou outro ponto de vista, ocupam diferentes e novos lugares de sujeito.

A forma de posicionamento, ação, aceitação e resistência do indivíduo em sua relação com os/as outros/as e com a realidade na qual está inserido é diretamente influenciada pela cultura, a qual exerce poder na subjetividade dos indivíduos fornecendo “identificações e noções de sujeito por meio de formas de conhecimento, valores, ideologias e práticas sociais que disponibiliza, em relações desiguais de poder, para diferentes setores das comunidades global e nacional” (GIROUX, 2003, p. 19).

Neste artigo discutimos e problematizamos o multiculturalismo, evidenciando-o como conceito útil para entender significados construídos sobre as mudanças introduzidas na universidade a partir da introdução das cotas - particularmente nas relações sociais, na formação e atuação profissional do/a profissional da medicina.

Realizamos nosso estudo na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, a maior universidade pública e uma das mais importantes universidades do país. Esta instituição, criada em 1920, atualmente conta com 157 cursos de graduação, 4 mil professores, 9 mil funcionários e 55 mil alunos. O início da discussão sobre as ações afirmativas se deu em 2003, quando estas passaram a compor as pautas das sessões do Conselho de Ensino e Graduação (CEG) da UFRJ, contudo nenhuma ação foi implementada em tal ocasião.

No ano de 2004, a Congregação da Faculdade de Medicina mais uma vez abordou a implantação da política de cotas, quando deliberou, por unanimidade, manifestação contrária a qualquer tipo de cota a ser adotada para ingresso na universidade, alegando que a adoção das cotas iria prejudicar a qualidade do ensino superior público.

Passados sete anos, ou seja, no ano de 2010 a UFRJ retoma as discussões sobre a democratização do acesso à mesma, aprovando a adoção da política de cotas com critério social, para a seleção do ingresso de 2011. Neste mesmo ano, segundo Marcelo Paixão (2016), a resistência às cotas raciais demonstra o não reconhecimento pelos Conselheiros da existência da discriminação racial na sociedade brasileira, o que para o autor, influencia negativamente no desempenho educacional e reduz as expectativas de futuro de “milhões de jovens afrodescendentes”.

Com a Lei 12.711/12, a UFRJ se vê frente à determinação de implantar a reserva de vagas para pretos, pardos e indígenas; esta é instituída por meio da Resolução nº 18/2012, em 13/09/12, quando elevou o percentual destas vagas para 50% a ser aplicado em 2014. Entre os anos de 2011 e 2017, a UFRJ ofereceu 26.456 vagas para os/as estudantes ingressantes pela política de cotas, e destas 734 foram destinadas ao curso de medicina.

Assim é que, a resistência a mudanças fica bem caracterizada nessa trajetória da UFRJ de adesão às cotas.

Este é um momento único para a universidade, quando ocorre a mudança da vida cultural, precipitada pelas vozes “de fora”, dos/as que estavam à margem. Essas transformações ocorrem em decorrência das “políticas culturais da diferença, de lutas em torno da diferença, da produção de novas identidades e do aparecimento de novos sujeitos no cenário político e cultural” (HALL, 2003, p. 338).

Evidencia-se assim a pertinência de se discutir o multiculturalismo como projeto político e social na abordagem dessas mudanças. Tendo estas questões em vista, articulamos neste artigo as noções de multiculturalismo, de inclusão/exclusão e de identidades/diferenças, tendo em vista a implantação da política de cotas.

Iniciamos o artigo evidenciando múltiplos entendimentos da noção de multiculturalismo, empregado não raro a serviço de apaziguar, acomodar, em lugar de efetuar verdadeiras inclusões sociais, conforme apontado por Hall (2003), Candau (2008), Walsh (2009) e Silva (2000). A seguir apresentamos algumas questões levantadas por estudos empíricos que abordam a convivência das múltiplas culturas e pertencimentos étnico-raciais e sociais na universidade em relação às cotas, para então, a partir das categorias de multiculturalismo e identidade, discutirmos as representações de estudantes de medicina sobre essa política.

O estudo integra uma pesquisa maior, “Cotas e processos de formação na universidade pública - enfoque na subjetivação de professores e alunos” (apoio CNPq- Projeto Universal e PQ), que busca entender processos de subjetivação de alunos e professores da área das Ciências e da Saúde com a adoção da política de cotas e a consequente inclusão de segmentos sociais até então excluídos da universidade.

Multiculturalismo: o convívio das diferenças

Segundo Hall (2003, p. 52), o termo multiculturalismo “refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais”.

Como indica Candau (2008), o multiculturalismo nasce no interior dos movimentos sociais relacionados às identidades negras, na luta pela conquista da cidadania plena. A introdução do multiculturalismo na universidade com desdobramentos em sua formação ocorre em um segundo momento e de forma “frágil”, sendo alvo de muitas discussões devido a sua estreita relação com a ação dos movimentos sociais.

A autora aponta para a existência das várias e diversificadas concepções e vertentes multiculturais. Destaca duas abordagens essenciais: (i) a descritiva, que vê o multiculturalismo como uma característica das sociedades atuais com as configurações multiculturais dependendo de cada contexto político, histórico e social. Assim, focaliza a descrição e a compreensão da estruturação da formação multicultural de um determinado contexto; (ii) a prescritiva, que percebe o multiculturalismo como um meio de atuar, de agir e modificar a dinâmica social. Uma forma de agir sobre as relações culturais em uma sociedade e elaborar políticas públicas nesse sentido.

Ao mesmo tempo, Candau (2008), destaca três concepções multiculturais, a saber: o multiculturalismo assimilacionista afirma que fazemos parte de uma sociedade multicultural, onde as oportunidades são diferentes, e alguns grupos sociais têm acesso a certos serviços, bens, direitos fundamentais que outros não têm. No sentido prescritivo, uma política assimilacionista viabiliza a integração de todos na sociedade e na cultura hegemônica, sem questioná-la.

O multiculturalismo diferencialista propõe o reconhecimento da diferença, garantindo espaços para que as diferentes identidades culturais se expressem. Reforça o acesso a direitos sociais e econômicos, com foco na organização de comunidades culturais homogêneas, o que, em algumas sociedades atuais, proporcionou o surgimento de verdadeiros “apartheids” socioculturais. Essas duas posições, segundo Candau, (2008), convivem de forma conflituosa, sendo focadas nas polêmicas sobre a questão multicultural.

Já o multiculturalismo interativo, também chamado de interculturalidade, foca um processo aberto e interativo com ênfase na interculturalidade, considerado pela autora como o mais adequado na organização de sociedades democráticas e inclusivas, que associem políticas de igualdade com políticas de identidade.

A perspectiva intercultural promove a inter-relação entre os diferentes grupos culturais em uma sociedade, contrapondo-se à concepção assimilacionista, na qual as diferenças são absorvidas pelas tradições do grupo dominante. Percebe as culturas em um processo contínuo de elaboração, construção e reconstrução. As pessoas não são fixadas em um determinado padrão cultural. As culturas, nesta perspectiva, não são consideradas puras, pois nas sociedades os processos de hibridização cultural são intensos e focam a construção de identidades abertas em constante construção. As relações culturais são construídas na história e consequentemente perpassadas por questões de poder, por relações hierárquicas, pelo preconceito e pela discriminação de alguns grupos. A perspectiva intercultural reconhece a relação entre as questões da diferença e da desigualdade que existem de forma conflituosa em nível mundial e em cada sociedade.

Para Candau (2008), a abordagem intercultural se aproxima do multiculturalismo crítico de Mc Laren (1997, apud CANDAU, 2008), que entende que o multiculturalismo deve se posicionar a partir de uma agenda política de transformação. Percebe as representações de raça, gênero e classe como fruto das lutas sociais sobre signos e significações. A cultura é vista como conflitiva e destaca que a diferença deve ser posicionada em uma política de crítica, com foco na justiça social.

O multiculturalismo crítico indica um conjunto de articulações, ideias e práticas sociais, que possibilita a ampliação dos discursos públicos. No espaço universitário, possibilita aos estudantes uma variedade de opções pedagógicas onde podem investir, agir e falar para ampliar suas capacidades, viabilizando a organização de uma sociedade mais forte democraticamente. Esta perspectiva se opõe ao multiculturalismo conservador, que preconiza a absorção das diferenças pelas tradições e costumes do grupo dominante.

A perspectiva pós-colonial, que tem como um de seus focos questões relativas à desigualdade, diferença e identidade, ajuda a entender a complexidade do discurso de multiculturalismo e de suas apropriações. Na visão de Walsh (2009), a diversidade cultural nos anos 1990 passou a ser uma temática em moda na América Latina em decorrência da luta dos movimentos sociais na busca de reconhecimento e direitos, mas também, por ser ligada aos desenhos globais do poder, capital e mercado.

Para a referida autora, a diferença construída e imposta desde a colônia não está baseada na cultura e nas questões de classe. A matriz da colonialidade estabelece a raça, o racismo e a racialização como base das relações de dominação. A diferença colonial influencia a articulação e o crescimento do capitalismo global.

A dupla modernidade - colonialidade funcionou ao longo dos anos, afirma Walsh (2009), com base em padrões de poder baseados na exclusão, negação, subordinação e controle no sistema/mundo capitalista, que atualmente se camufla por um discurso neoliberal multiculturalista, o qual busca mostrar que o projeto hegemônico deixa de existir com o reconhecimento da diversidade e a busca de sua inclusão. No entanto, a autora ressalta que de fato ocorreu nos últimos anos um processo de reacomodação da colonialidade do poder dos desígnios globais, relacionados a projetos de neoliberalização e das demandas do mercado, dando-se assim a “recolonialidade”.

Em seu diálogo com Zizek (1988, apud WALSH 2009), Walsh destaca que, no capitalismo atual, a lógica multicultural desenvolvida absorve a diferença buscando neutralizá-la e esvaziá-la de seu verdadeiro significado. O reconhecimento e respeito à diversidade cultural passam a ser uma nova estratégia de dominação que mantém a diferença colonial por meio do discurso do multiculturalismo e pela interculturalidade “funcional”. Estes, ou seja, o discurso do multiculturalismo e a interculturalidade “funcional” focam o controle do conflito étnico e a manutenção da estabilidade social, visando promover os imperativos econômicos do modelo neoliberal de acumulação capitalista com a “inclusão” dos grupos excluídos historicamente, ao invés de buscarem a criação de sociedades com mais equidade e igualdade.

Segundo a referida autora, a política multicultural atual visa, além do reconhecimento da diversidade, “incluir” os historicamente excluídos em um modelo globalizado de sociedade orientado pelos interesses do mercado. Esta política não visa à transformação das sociedades racializadas, mas sim administrar a diversidade, posicionando a razão neoliberal como racionalidade única, voltada para o conjunto da sociedade com foco em um viver melhor, assim permanecendo sem ser questionada.

O termo interculturalidade, para Walsh (2009), é utilizado para se referir a discursos, políticas e estratégias de corte multicultural - neoliberal. Com base em Tubino (2005, apud WALSH, 2009), a autora denomina essa interculturalidade como funcional, por não questionar as “regras do jogo” e ser compatível com o modelo neoliberal existente. Esta visão, ou seja, de interculturalidade funcional, aproxima-se da visão de multiculturalismo assimilacionista de Candau (2008).

Walsh (2009) situa a interculturalidade, vista como projeto político, social epistêmico e ético, como interculturalidade crítica. Afirma que a interculturalidade funcional estabelece a diversidade cultural como eixo central, indicando seu reconhecimento e inclusão na sociedade e no Estado, excluindo os dispositivos e padrões de poder institucional/estrutural responsáveis pela desigualdade. Já a interculturalidade crítica tem como central a questão do poder, seu padrão de racialização e da diferença construída em função do mesmo.

A interculturalidade funcional atende e integra os interesses e necessidades das instituições sociais, enquanto a interculturalidade crítica é construída por e a partir de pessoas que têm um histórico de sofrimento com a submissão e subalternização. Origina-se nas discussões políticas no interior dos movimentos sociais, com sentido contra - hegemônico.

O multiculturalismo interativo/interculturalidade se opõe ao multiculturalismo assimilacionista e à interculturalidade funcional, reconhecendo a relação entre as questões da diferença e da desigualdade. A interculturalidade crítica abordada por Walsh (2009), aproxima-se da visão de multiculturalismo interativo/interculturalidade abordada por Candau (2008).

A interculturalidade, para Walsh (2009), deve ir além da relação entre grupos, práticas ou pensamentos culturais, da inclusão dos historicamente excluídos das estruturas educativas, disciplinares ou de pensamento, da criação de programas “especiais” onde a educação “universal” mantenha sua prática racializada e excludente. Faz-se necessário enfrentar e modificar as estruturas e instituições que mantém suas práticas e pensamentos baseados em uma lógica racial e colonial. Um trabalho que desafie e derrube as estruturas sociais e políticas da colonialidade, o que a autora denomina de-colonialidade. Assim, a autora propõe a interculturalidade crítica como uma ferramenta pedagógica que

(...) questiona continuamente a racialização, subalternização, inferiorização e seus padrões de poder, visibiliza maneiras diferentes de ser, viver e saber e busca o desenvolvimento e criação de compreensões e condições que não só articulam e fazem dialogar as diferenças num marco de legitimidade, dignidade, igualdade, equidade e respeito, mas que - ao mesmo tempo - alentam a criação de modos “outros” - de pensar, ser, estar, aprender, ensinar, sonhar e viver que cruzam fronteiras” (WALSH, 2009, p. 25).

Diante do convívio das múltiplas culturas e da desigualdade existente em nossa sociedade, percebemos a perspectiva intercultural/multiculturalismo crítico, abordada por Walsh (2009), acrescida da visão de Candau (2008), como orientadoras para as necessárias transformações na instituição universitária, que se dão no contexto de mudanças sociais mais amplas e remetem a uma perspectiva que enfrenta as relações de poder existentes entre os diferentes grupos, favorecendo a organização de um novo sentido comum entre conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes. A perspectiva intercultural, para a autora, visa à construção de uma “sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade” (CANDAU, 2008, p. 52).

Desafios para se lidar com as múltiplas culturas e identidades

Como já mencionado, com o ingresso de segmentos até então excluídos do ensino superior a universidade se vê frente a uma heterogeneidade de perfis, às diferentes identidades e à diversidade cultural; nela passam a conviver jovens com diferentes histórias de vida, com diversas visões de mundo, com identidades construídas com base em vivências em diferentes contextos sociais. Pode-se dizer que novas identidades surgem, sua estabilidade é flexibilizada na medida em que novos lugares de sujeito são oferecidos e passam a ser ocupados.

Segundo Hall (2011), em grande parte em decorrência do processo de globalização, referente a uma complexa série de eventos que têm redefinido a lógica da produção, do consumo, da comunicação e dos valores entre diferentes grupos de pessoas em todo o mundo, as identidades podem atualmente ser entendidas como uma “celebração móvel”, ou seja, construídas e modificadas permanentemente de acordo com as relações que travamos com os sistemas culturais por onde passamos.

Ainda de acordo com o referido autor, podemos assumir identidades diferentes em momentos diversos. Possuímos identidades contraditórias que nos levam em diferentes direções, ocorrendo frequentes deslocamentos de nossas identificações. A identidade, nesta perspectiva, é aberta, contraditória, fragmentada, em constante processo de formação. Como bem sinaliza Silva (2000), a identidade é marcada pela diferença. Identidade e diferença são inseparáveis, sendo produzidas no contexto de relações culturais e sociais, onde estão sujeitas as relações de poder.

A questão da identidade, da diferença e do/a outro/a é vista por Silva (2000), como um problema social, pois o encontro com o estranho, com o diferente é inevitável em um mundo heterogêneo, e é visto também como um problema pedagógico e curricular, devido à convivência com o outro na escola/universidade, e a necessidade de se considerar a questão da diferença como matéria pedagógica e curricular. Assim, para o autor, a escola/universidade deve adotar uma estratégia pedagógica e curricular que aborde a diversidade cultural como produto de um processo perpassado por ações de diferenciação, questionando a diferença e a identidade e, sobretudo o poder ao qual a identidade está associada.

Parece necessário, na busca desta mudança, atentar para a cultura e as relações interpessoais que permeiam a vida universitária do/a estudante, preparando, no caso em questão, o futuro médico para lidar com as diferenças.

Documentos oficiais atualmente contemplam a questão da diversidade, como se pode constatar nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina (2014), segundo as quais a formação do estudante da área da saúde deve contemplar as “dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social” (BRASIL, 2014).

Muitas exclusões têm lugar no caso em que o currículo, com todos os valores e atitudes que transmite, se pauta por uma noção de cultura universal, e age no sentido de normalizar, hierarquizar. Uma crítica à formação prevalecente vem sendo feita, há décadas, por estudiosos da educação médica, como Batista e Silva (1998), apontando que esta desconsidera a integralidade do paciente, seus aspectos culturais, sociais e subjetivos, o que é reforçado pelo currículo do curso de medicina, inclusive por ser formado por disciplinas isoladas. Como aponta Ceccim e Ferla (2008), o futuro profissional deve estar disponível ao coletivo, já que convive com múltiplas culturas em sua atuação junto a diferentes sujeitos, entre seus pacientes e a equipe multiprofissional da qual faz parte.

O currículo, tanto em seus aspectos formais como nos valores, ideias e atitudes que transmite para o alunado, tem papel central no perfil desse profissional. Trata-se, assim, de se ampliar as possibilidades para pensar a interculturalidade crítica, no sentido de permear o contexto universitário e a formação do estudante de medicina.

A implementação das cotas traz como importante desdobramento a possibilidade de diálogo entre os saberes e vivências dos vários grupos agora existentes no ambiente universitário, o que pode ter impacto nos processos formativos. Lembramos aqui que o Ministro Lewandowski (BRASIL, 2012a), ao julgar a ação de inconstitucionalidade das ações afirmativas, destaca a garantia de um ambiente acadêmico plural e diversificado com a adoção da política de cotas, podendo este ambiente produzir benefícios educacionais. Em seu diálogo com Vieira (2006, apud BRASIL, 2012a), ressalta que a não integração dos grupos sociais pela universidade impedirá a produção de conhecimento que atenda os excluídos, reforçando as hierarquias e desigualdades.

Quase inexistem estudos que se voltam para os processos de inclusão em contextos específicos, como na medicina. Entretanto, algumas pesquisas sinalizam para resistências de ordem cultural com a introdução da política de cotas. A perda da “homogeneidade social, cultural e racial” dos estudantes após a implementação dessa política, foi um discurso encontrado por Valentim (2007), em estudo em uma universidade estadual do Rio de Janeiro, com base em entrevistas com docentes da Faculdade de Direito. Os mencionados docentes manifestam o desejo de que esses “novos” alunos assimilem a cultura do espaço universitário para que a “ordem” retorne, sendo que um dos professores declarou que seria “homogeneizar para cima”, ou seja, utilizando seu padrão cultural, o “padrão branco classe média”. (VALENTIM, 2007, p.13)

Apesar de ter ocorrido uma maior mistura social na universidade, não ocorreu, segundo Neves et al. (2016), uma maior integração entre os indivíduos das classes mais populares e das classes mais abastadas. Em estudo realizado na Universidade Federal de Sergipe, os autores buscam analisar a influência exercida pela política de cotas nas percepções dos alunos cotistas e não cotistas sobre si mesmos e suas vidas, nas relações estabelecidas com outros alunos e professores, e a forma como explicam as desigualdades sociais. Concluem que o aluno ingressante por meio das cotas encontra resistências à sua presença na universidade, enfrentando discriminações com base em estereótipos formados por alunos não cotistas e docentes, sendo visto como incapaz e não merecedor de estar neste espaço.

Doebber (2010), em estudo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com base na análise de documentos e entrevistas com gestores, evidencia a imposição da homogeneidade aos estudantes que ingressaram na universidade, ou seja, a ideia que para entrar nesta é necessário que o estudante seja como os outros que lá se encontram. Para a autora, reconhecer-se diferente é a condição de entrada para o aluno negro e depois deve se tornar igual aos que lá estão como condição para sua permanência. Apresenta a fala de um gestor que afirma que ao ingressar na universidade, os alunos são tratados como iguais, o que, segundo a autora, demonstra uma tentativa de invibilização de suas diferenças.

O estudo de Marques e Brito (2015), realizado em uma universidade da região Centro-Oeste, com base nas falas dos candidatos pretos e pardos, em banca avaliadora do fenótipo, relata a dificuldade de adaptação enfrentada pelos alunos ao ingressarem na universidade por meio da política de cotas ao se depararem com um espaço historicamente homogêneo e dominado por um grupo étnico, que busca a manutenção da estrutura. As autoras ressaltam que se os estudantes “compreenderem e decodificarem” (MARQUES; BRITO, 2015, p. 6) os códigos próprios da cultura universitária irão se afiliar à mesma, caso contrário, estão fadados ao fracasso.

A pesquisa feita por Lima et al. (2014), a partir da aplicação de questionários, que teve como contexto a Universidade Federal de Sergipe, aborda questões que dizem respeito ao convívio entre os estudantes, onde relatam a quase inexistência de contato entre cotistas e não cotistas que convivem nas mesmas salas.

Procedimentos metodológicos

Na realização deste estudo, que como já mencionado integra uma pesquisa mais ampla, nos ativemos às visões de alunos da Faculdade de Medicina, em diferentes períodos de formação. As seguintes questões orientaram o estudo: como os discentes se posicionam em relação à coexistência de múltiplas culturas e ao convívio com as diferenças? Que relações estabelecem entre o novo perfil do alunado, mudanças no currículo da medicina e futura prática profissional?

O multiculturalismo e a questão das identidades foram utilizados como categorias analíticas. O estudo teve caráter qualitativo, de cunho exploratório. A abordagem qualitativa, como afirma Bogdan e Biklen (1994), nos permite compreender melhor a experiência humana, o processo de construção de significados, possibilitando identificar e analisar como são construídos os posicionamentos dos sujeitos. Por meio da linguagem são expressos os conceitos, os pensamentos, ideias, significados e propostas.

Como técnica de coleta de dados, utilizamos entrevistas semi-estruturadas realizadas com alunos/as - cotistas e não cotistas - do curso de medicina desta universidade. Das 24 entrevistas realizadas no estudo maior, utilizamos 8, sendo 6 com cotistas e 2 com não cotistas. Apesar de não realizarmos propriamente uma análise das atas da congregação da Medicina, estas nos auxiliaram no sentido de caracterizar a cultura institucional. Fizemos uso da análise de conteúdo, que nos possibilita, segundo Bogdan e Biklen (1994), compreender melhor a experiência humana, o processo de construção de significados, viabilizando a identificação e análise da construção dos posicionamentos dos sujeitos.

Escolhemos o curso de medicina devido ao seu alto grau de seletividade; pela autopropagada superioridade intelectual dos seus alunos, destacada nos discursos destes e da própria instituição; por serem, em sua maioria, alunos provenientes de estratos privilegiados de classe social, e com um número extremamente reduzido de alunos negros.

Os aspectos éticos necessários foram observados: apresentação do projeto ao comitê de ética, obtendo aprovação; autorização dos entrevistados por meio do termo de consentimento para uso da entrevista, e a garantia do anonimato, onde utilizamos nomes fictícios.

Resultados e Discussão

Em nosso estudo, encontramos que existe um tensionamento entre a representação de um novo cenário mais diversificado, que poderia ser uma porta para avanços em direção a um ambiente verdadeiramente intercultural, e o reconhecimento de que a “verdadeira” mudança não ocorreu.

Nas falas de Bruno e Giovani, adiante, é reconhecida a tradicional homogeneidade no perfil dos estudantes do curso de medicina e os benefícios de uma variedade maior, com a entrada dos cotistas: a “antítese de pessoas pensando diferente”, “mistura gente pobre e rica”, como salienta Bruno. Entretanto a fala de Giovani sugere que o ingresso de alunos de outras classes e raças/etnias não significa a aceitação das diferenças e o convívio das diferentes culturas e diferentes identidades. O aluno relata ter ocorrido “um choque” no curso de medicina, quando significa o ingresso de uma multiplicidade identitária, que em sua heterogeneidade seria difícil de representar. Ao abordar a ausência de “uma mudança tão qualitativa (em) como as turmas enxergam estes negros na universidade”, o estudante sinaliza para certa invisibilidade dos alunos negros, que não são historicamente percebidos como um grupo discriminado e excluído, sendo então “absorvidos” pela turma hegemônica, devido à homogeneidade imposta pela mesma.

(...) eu passei no vestibular tradicional também, passei na Federal do Espírito Santo, lá ainda não tinha aderido ao SISU [nem cotas]. (...) E aí, tipo assim, era uma coisa tão fechada, as pessoas das mesmas origens, dos mesmos lugares, das mesmas biografias que passam férias em lugares parecidos, que pensam do mesmo jeito. Você não, só de não ter a antítese de pessoas pensando diferente já é complicado. (...) Acho que essa coisa [diversidade cultural] é a melhor do SISU, mesmo sem a cota, se não tivesse a cota, ia misturar gente. Com a cota é melhor que se mistura gente pobre e rica (Bruno, cotista, 8º período).

Com certeza, eu acho que o que mais afeta em termos de universidade é que tem que haver uma mudança de composição social e a gente só vai poder de fato determinar isso depois de cinco anos, quando as turmas já tiverem formadas. Inclusive na medicina houve um choque, antigamente os ingressantes nas turmas se dividiam em quatro quadrantes: 25% oriundos da Barra, 25% oriundos da zona sul, 25% oriundos da Tijuca e o resto composto por gente de Minas Gerais, São Paulo e outros lugares, na maioria brancos. Na minha turma, além de mim que hoje me considero negro, há dois negros, com mais estereótipo de negro mesmo, que são estrangeiros que vieram pelo programa de convênio. Os dois continuam na faculdade, estão cursando normalmente os períodos, mas na verdade nas turmas mais novas, depois que entrou a cota, há um número um pouco maior de negros. Apesar de não ter uma mudança tão qualitativa como as turmas enxergam estes negros na universidade. (Giovane, não cotista, 9º período).

Walsh (2009) ajuda a perceber os limites apontados por Giovani, ao alertar que a convivência de múltiplas culturas não proporciona, por si mesma, uma transformação nas relações na universidade, mas sim a administração da diversidade, mostrando para a sociedade uma forma de “viver melhor”, mas sem ser questionada. Teríamos assim, como afirma a mencionada autora, o controle do conflito étnico e a manutenção da estabilidade social. As falas a seguir, todas de cotistas, evidenciam a demarcação das diferenças, destacadas pela falta de entrosamento de alguns estudantes em função das diferenças de classe, cultura, local de moradia, etc.

(...) apesar de eu saber que no Cefet também entravam pessoas de alta renda, classe média alta, tipo, ninguém tinha aquele lance de ficar mostrando nada, sabe, de ficar mostrando que era mais rico e tal, (...) já na faculdade eu senti um pouco mais de resistência, na faculdade eu senti que essa diferença era muito grande, assim, nas conversas, sei lá, agora na medicina eu estou sentindo bastante isso (...) (Lucia, cotista, 2º período).

Mas assim, questão das pessoas, eu achei as pessoas diferentes também, as pessoas são, sei lá, mais - não sei se é legal usar essa palavra - mais egoístas, no sentido de olharem mais para si e menos em conjunto. (...) agora em medicina eu vejo que tem as pessoas que andam juntas por amizade, mas tem essa questão das festas e tal, então é mais uma amizade por também- pessoa, ela tem uma renda parecida com a outra então elas frequentam as mesmas festas, então elas são amigas, entendeu, uma coisa assim, não sei se eu me expressei bem (Lucia, cotista, 2º período).

Nós somos os penetras da... Estamos invadindo o espaço deles aqui. De vez em quando eles falam que a gente mudou toda a cara da UFRJ, que não é mais carioca, que a gente tá roubando a vaga deles. Isso foi meio... Uma coisa meio bizarra no começo, mas depois pararam com esse preconceito com a gente. Dos veteranos com a gente (...) (Augusto, cotista, 2º período).

Minha turma foi a primeira a ter as/ o Enem integralmente, e as cotas, (...) minha turma na verdade tem muita gente de fora do Rio, acho que eu diria uns 70% de fora do Rio e são pessoas que na verdade já são os discriminados, vamos dizer assim né, por não serem daqui, então eu acho que isso quebrou um pouco, sabe, não que a gente não tem muito na minha turma essa questão de uma competição lado A, lado B, mas no geral na faculdade tem sim, tem muito esse papo de Ah, se a galera Enem... e aí como tem a “galera Enem”, tem a “galera cota” né. Eles tão ali no meio e são com certeza os mais prejudicados nessa correlação de forças que se coloca. Então assim, especificamente na minha turma não, mas no curso em geral, sim [existência de preconceito] (Laura, cotista 8º período).

Verificamos assim a percepção, pelos/as cotistas, que diferentes lugares de sujeito são construídos para eles/as, que influenciam na sua formação identitaria: a demarcação dos espaços diferenciados, as restrições ao convívio social em comum, enfim a diferenciação entre “nós” (que já estávamos aqui, “de direito”) e “eles/as” que são os penetras, os estudantes cotistas, “a galera do Enem”, não merecedores de estar nesse espaço: nessa “correlação de forças”, identificada por Laura, são estabelecidas hierarquizações de classe, de moradia, e de oportunidades na formação, etc., impondo-se uma marcação de diferença e sendo construídas/modificadas as identidades dos/as alunos.

A mesma dificuldade/resistência no contato entre os alunos cotistas e não cotistas também foi percebida por Lima et al. (2014) em seu estudo realizado na Universidade Federal de Sergipe, e de Valentim (2007), mencionados acima, ao estudar o convívio entre os/as estudantes.

As “regras do jogo” a que se refere Walsh (2009), compatíveis com o modelo neoliberal existente, não mudaram, as diferenças permanecem. Os significados compartilhados entre as “culturas” dos egressos pela livre concorrência e a dos cotistas não são os mesmos. Os primeiros querem a estabilidade daquilo de que desfrutavam; deparam-se com ameaças ao espaço “historicamente homogêneo e dominado por um grupo étnico”, como identificado no citado estudo de Marques e Brito (2015), agora habitado por “intrusos”.

Como aponta Silva (2000), a identidade e a diferença são produzidas no contexto de relações culturais e sociais, sendo perpassadas por relações de poder, que irão agir no processo de diferenciação, ou seja, na produção da identidade e da diferença, definindo quem será incluído ou excluído, neste caso demarcando fronteiras, determinando quem pertence e não pertence ao espaço universitário.

Essa demarcação de fronteiras vai definir as posições de sujeito, dividindo o mundo entre “nós/eles”, o que demonstra o processo de classificação na vida social. Com a divisão e a classificação ocorre a hierarquização, quando uma determinada identidade é definida como a norma, que nesse caso, como já mencionamos, é a do aluno egresso das escolas privadas e das públicas que se destacam, atendendo ao perfil requerido pela universidade. Assim é que se percebe a existência de conflitos no convívio entre as diferentes culturas, que é perpassado por relações de poder. A “história dos cotistas” define identidades, lugares de sujeito que não se misturam com a dos estudantes “bem de vida”, “com renda parecida”, que são “da elite”.

Ao mesmo tempo percebemos nas falas, sobretudo dos/as estudantes cotistas, a identificação e valorização dessa nova composição no perfil dos discentes, ao se referirem ao ingresso de “pessoas de outras realidades”, ou seja, de outros estados, de diferentes classes sociais - não somente os da “elite”- rompendo com o perfil dos estudantes historicamente estabelecido no curso de medicina.

Essa convivência dos estudantes com múltiplas culturas, identificada como positiva pelos estudantes, também o é para Giroux (2003), que enfatiza a importância, nesse processo, de se colocar no lugar do/a outro/a, questionando as ideologias do poder que favorecem alguns sujeitos e negam o protagonismo a outros. A alteração do perfil é, para além, percebida como um fator de mudança na formação deste aluno, uma “necessidade” para o bom exercício profissional, influenciando o perfil do futuro médico, a sua construção identitária, a formação de seus valores:

Então, isso, acontecendo as cotas, vai favorecer né, que isso aconteça, que pessoas de outras realidades entrem num curso de medicina, e mudem um pouco o perfil do médico, né, que hoje é um perfil muito... Médico bem elitizado né? (Ana Paula, não cotista, 1º período).

Mesmo que não fosse médico, como pessoa, acho que foi bom, (...) [a mudança do perfil dos alunos em função da adoção do SISU e da política de cotas], eu acho que você ter esse conhecimento assim, sabe? Lidar com gente diferente te permite na hora de que você tá atendendo ter mais malícia de tipo, tem tratamento que as pessoas não vão aderir, às vezes você tem que reduzir o dano, ou a pessoa não vai poder pagar, ou você vai entender que o sistema não vai fazer tudo pra ele (...) (Bruno, cotista, 8º período).

Esse aspecto, referente a uma autoidentificação dos/as alunos/as cotistas em termos de cultura, condições de vida, etc., com a clientela a que atenderão como profissionais, apareceu de forma contundente na nossa pesquisa. O alunado não cotista desconhece esta outra cultura e sua aproximação à mesma é percebida, principalmente pelos/as cotistas, como uma contribuição para a formação do futuro profissional. Essa mudança no perfil proporcionaria o convívio entre os diferentes sujeitos, com as diversas culturas, o que é visto como inexistente na formação do médico, como podemos perceber nas falas a seguir. Encontramos o destaque atribuído à contribuição desta convivência para “as discussões acadêmicas”, que estariam mais enriquecedoras porque “tá tendo uma visão mais ampla” das diferentes realidades.

A gente vê nas discussões, por exemplo, pessoas que nunca tiveram contato com ninguém que morasse em favela, (...) então tem tipo de pergunta que pra pessoa que nunca teve contato com ninguém de favela é uma coisa obvia, ah você não chega nem a perguntar, por exemplo, ao invés de perguntar assim, você tem água encanada, você tem esgoto tratado, tem ventilação, quantos cômodos tem na casa, você nem chega a fazer esse tipo de pergunta, porque achava que tinha encanamento em casa, que tinha água tratada, então assim, as pessoas estão começando a ver que existe outro mundo além do delas, que a vida delas, que elas moravam numa bolha e quem mora na favela também começou a ver que também morava numa bolha, porque são microambientes totalmente diferentes. (Emilia, cotista, 8º período).

Acho que as discussões, as matérias que a gente tem de discussões ou de caso clínico ou de caso mesmo em geral, a gente consegue ver uma mudança de vivência das pessoas, a gente vê que os casos são, ah eu vi esse caso ali no hospital, na UPA Maré, eu vi esse caso na minha vizinha, sabe esse tipo de coisa, minha vizinha que mora na, em Manguinhos, sabe, eu peguei um paciente de bala perdida, (...) Então as discussões acadêmicas, elas estão mais enriquecedoras porque tá tendo uma visão mais ampla do que é realmente o Rio de Janeiro, sabe, de uma coisa que não é separada, sim uma coisa mais, ampla de tudo, da favela, do morro do Leblon, de Ipanema, da praia, de tudo (Emilia, cotista, 8º período).

Aspectos antes invisíveis estariam vindo à tona, conforme significado nessas falas. Neste ponto trazemos a visão de Pereira (2003), que percebe a política de cotas como um movimento que possibilita à sociedade vislumbrar a diversidade como uma fonte de riqueza na formação de um povo. Em seu estudo, o autor discute a adoção desta política e o “choque social” decorrente desta adoção como resultado de um processo sociocultural, que tem mantido em segundo plano questões que estruturam a nossa história como a questão racial.

Podemos perceber estas mesmas questões, ou seja, as relações entre as experiências e a vivência do/a futuro/a médico/a e as do/a possível paciente e a influência das diversas culturas na formação do/a médico/a no excerto a seguir, quando Bruno aponta a sua proximidade com a realidade dos pacientes como um ponto positivo em sua formação e consequentemente dos/as outros/as estudantes, ao ressaltar a “mistura” com os/as estudantes de “todos os cantos do país”.

Aqui acho que quando você, sei lá, meus pais, minha mãe é lavradora, meu pai é mecânico, minha avó é quase analfabeta, eu sei que é tipo uma coisa da minha realidade. E você na atenção primária lida só com gente bem simples, e pobre e tal, então você acaba criando mais facilidade de ter mais empatia pelas pessoas, porque às vezes quando você fica muito especialista você começa a ver as pessoas pela doença, pelo órgão, ah aquele ali é o fulano que tem a doença tal. Você não fala o fulano, você fala a doença, sabe. Acho que nesse sentido é legal, e no SISU entra um pouco disso porque o SISU te traz... de todos os cantos do país, se misturam com essas pessoas, você enfrenta a diversidade, você tem que se adequar a cultura do lugar que você chega (Bruno, cotista, 8º período).

Os/as alunos/as apontam a pluralidade de culturas como positiva, por criar um contexto de formação, integrando os vários estilos de vida, várias histórias e experiências culturais. Certamente esses/as alunos/as não ignoram as diferenças de ordem material existentes entre eles e os/as demais estudantes da medicina, as fronteiras entre suas culturas e as dificuldades maiores enfrentadas para o ingresso e para fazer o curso. No caso, apontam para mudanças mais locais, mais situadas, que ocorrem nos micro espaços (FOUCAULT, 2014), e que podemos tomar como constituintes de mudanças sociais mais amplas. Nesse sentido, temos como hipótese, que merece ser objeto de estudos futuros, que a presença desses alunos influencia o currículo do curso de medicina, mostrando que o mundo não é a “sua bolha”, contribuindo para que os profissionais sejam mais preparados e próximos da realidade de seus pacientes.

Nesse sentido, no excerto abaixo, percebemos que Carla significa possibilidades de uma mudança curricular, quando relata que os estudantes que estão ingressando no curso de medicina trazem para seu interior “uma visão completamente diferente de mundo”. O mesmo podemos identificar na fala de Laura ao destacar a formação médica voltada para “as demandas da população”.

É, varia um pouco né, aquele padrão que existe desde que você tá colocando gente que é tão boa quanto né, falando de aula mesmo, de estudo, mas que tem uma visão completamente diferente do mundo, que já passou pela fila do SUS, que já não foi atendido, erro médico, um monte de coisas, que quem tá na nata da sociedade... (Carla, cotista,2º período).

Então os estudantes mais novos são, não sei se, dos períodos mais baixos e que são cotistas, eles estão muito próximos da gente no centro acadêmico também. Então assim, tão mais abertos a discutir é, quais são os cortes de classe que podem estar relacionados a problemas de saúde, que os outros talvez não se deem tão, né, dão ao trabalho de pensar. E a gente sente sim, que tem uma galera que tá se importando mais em pensar o currículo pra que a gente se forme em seis anos de ensino médico voltado às demandas da população e não médico voltado a uma demanda própria, sabe? Eu acho que tá tendo um pouco mais dessa preocupação sim, de se discutir as coisas, discutir o currículo, discutir o que tá acontecendo na universidade. (...) eu acho que tá mudando e pra melhor assim, com a presença dos cotistas. Tem estudantes negros que já estão entrando, participando de coletivos, então assim, já tem uma carga maior, sabe? (Laura, cotista, 8º período).

Carla ressalta a proximidade entre a vivência desses “novos” alunos e as situações do cotidiano do sistema de saúde; essas vivências apontam para uma formação que se opõe ao paradigma biologicista da formação médica, focando o atendimento básico, abrangendo a diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, entre outras. Quando relata o ingresso de “gente que é tão boa quanto”, a aluna ressalta a visão atribuída ao aluno ingressante por meio das cotas, visto como incapaz, o que reforça a sua estigmatização, e com esta afirmativa reivindica um estatuto de maior igualdade.

Considerações finais

Neste estudo buscamos refletir sobre a importância do multiculturalismo para o entendimento de como é significada a mudança do perfil dos estudantes do curso de medicina da UFRJ e sua influência na formação identitária do futuro médico. Com base em noções dos estudos culturais sobre identidade e diferença e de diferentes formulações sobre o multiculturalismo, analisamos os significados construídos pelos estudantes de medicina da UFRJ em sua convivência com múltiplas culturas e com as possíveis mudanças ocorridas em função destas.

Os posicionamentos e valores expressos pelos/as estudantes, em alguns momentos ressaltam a importância da coexistência de diferentes identidades e culturas na construção identitária do futuro médico; acenam com a possibilidade de mudança curricular em função da convivência entre estudantes com “uma visão completamente diferente de mundo”, sendo esta convivência considerada enriquecedora, com a “mistura” de estudantes de “todos os cantos do país”, com vários estilos de vida, várias histórias e experiências culturais. Em relação a este aspecto, ressaltamos o fato de os/as alunos/as cotistas assumirem sua identidade como diferentes, portadores de outras experiências, valorizando-as e acenando com a possibilidade de deslocamentos no modelo tradicional de formação do profissional de medicina, o que introduz novos elementos para entender os processos de homogeneização, de imposição da homogeneidade e apagamento das diferenças para “sobrevivência” dos cotistas, conforme apontado em diversos estudos, como o de Doebber (2010), acima mencionado.

Em outros momentos, os/as alunos/as apontam que o convívio entre as múltiplas culturas é perpassado por relações de poder, não estando isento de conflitos, como demonstram os alunos ao apontarem: a falta de entrosamento de alguns estudantes devido às diferenças de classe, cultura, local de moradia, etc.; a discriminação de alguns estudantes por não serem do local de moradia e egressos das escolas dos alunos que formavam o “antigo” perfil; e a invisibilização do estudante negro, que é “absorvido” pela turma que impõe a homogeneidade.

Chamou atenção a fala de um aluno cotista que se considera um “penetra” na universidade, evidenciando que o mesmo se sente excluído desta, não pertencente a este espaço, como se não tivesse o direito de fazer parte dessa universidade. São obstáculos, fronteiras construídas que não podem ser explicadas tendo em vista apenas questões de convivência, empatia e aceitação do/a outro/a, mas que, como nos ensina o multiculturalismo crítico, remetem a pensar as estruturas, as instituições e o quanto estas, ao resistirem às mudanças, favorecem a reprodução das desigualdades sociais.

A alteração no perfil dos/as estudantes, entretanto, conforme reconhecida pelos alunos/as, introduz novas pautas, traz a concretude de outras experiências que estavam fora desse contexto e que são um convite para se refletir sobre o papel dessa instituição, do curso de medicina, de seu currículo.

Para os/as cotistas entrevistados/as, o convívio com as diferentes vivências, múltiplas culturas e diversas identidades contribuem para a formação de uma nova visão da realidade, ou seja, a diversidade cultural tem influência na construção do conhecimento e na formação identitária do futuro médico. Essas mudanças vão ao encontro, a nosso ver, da almejada transformação de paradigma da formação biomédica, passando a focar o atendimento básico em saúde e a atenção primária da população, tendo em vista o atendimento pleno ao paciente como sujeito social, de direitos, sua forma de vida e cultura.

Considerando o multiculturalismo crítico como um norteador das práticas na universidade, percebemos que as “novas” culturas trazidas para o interior da universidade pela parcela da população excluída historicamente, apesar de não solucionarem, por si só, as desigualdades, podem contribuir para a desestabilização do status quo, provocando reflexões sobre as diferenças que até então eram invisibilizadas.

A construção identitária dos sujeitos é influenciada pelos deslocamentos culturais e sociais introduzidos pela política de cotas, desafiando a universidade a mobilizar ações e estratégias para lidar com as diferentes identidades e culturas. Como aponta Candau (2008), é importante que ocorra o resgate dos processos de construção das identidades culturais, valorizando as histórias de vida individuais e coletivas como parte do processo educacional, com atenção para a formação de novas identidades culturais, fruto do diálogo entre os diferentes saberes, conhecimentos e práticas dos diversos grupos culturais. E, também, que a universidade valorize as culturas dos/as estudantes, buscando desconstruir os preconceitos e as discriminações, respeitando as diferenças, reconhecendo os jovens, como afirma Canclini (1996), como sujeitos de “interesses válidos, valores pertinentes e demandas legítimas”.

Concluímos chamando atenção para o fato de que, a despeito de não solucionar as desigualdades sociais, a política de cotas provoca fissuras importantes na homogeneidade social, cultural e racial dos/as estudantes do curso de medicina, o que pode favorecer novas indagações sobre a formação desse profissional e a possibilidade de relações mais democráticas na universidade pública.

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Recebido: 20 de Novembro de 2017; Aceito: 25 de Outubro de 2018

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