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Revista Eletrônica de Educação

versão impressa ISSN 1982-7199

Rev. Elet. Educ. vol.13 no.3 São Carlos set./dez 2019  Epub 01-Set-2020

https://doi.org/10.14244/198271992591 

Relatos de Experiência

Alfabetização de adultos e idosos a partir de um lugarejo1 quilombola

Literacy of adults and elderly people from a quilombola village

IIUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas-RS, Brasil - Professora Associada do departamento de Ensino da Faculdade de Educação de Pelotas (FaE/UFPel). E-mail: geohelena@yahoo.com.br


Resumo

Este artigo recupera a experiência de diálogos sobre a alfabetização de adultos e idosos quilombolas no estado do Paraná. Tal experiência fez parte de um seminário realizado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná destinado a alfabetizadores/as, alfabetizandos/as e lideranças indígenas e quilombolas e ocorreu em Faxinal do Céu, em 2008. Com o avanço das politicas educacionais para quilombos em todos os níveis, da educação básica ao ensino superior, acredita-se que recuperar a memória deste processo de educação que pouco é refletido - alfabetização de adultos e idosos -, torna-se importante enquanto memória e projeção de futuro acerca do modo como as populações quilombolas, em alguma medida, se constituem sujeitos de sua luta por escolarização, há um longo tempo. Considera-se, também, que as conjunturas sociais e políticas, são ora favoráveis e ora desfavoráveis. Nesse sentido, o registro do construído é um potente instrumento de reivindicação de direitos não alcançados na sua totalidade, principalmente, de processos de educação e escolarização com outros matizes étnico-raciais, geracionais, históricos e culturais.

Palavras-chave: Alfabetização; Adultos; Idosos; Quilombos

Abstract

This article recovers the experience of dialogues on the literacy of adults and elders in the state of Paraná. This experience was part of a seminar held by the Secretary of Education of the State of Paraná for literacy teachers, literacy students and indigenous and quilombola leaders, and took place in Faxinal do Céu in 2008. With the advancement of educational policies for quilombos in all levels, from basic education to higher education, it is believed that recovering the memory of this education process that is little reflected - adult and elderly literacy - becomes important as a memory and projection of the future about how quilombola populations , to some extent, have been subjects of their struggle for schooling for a long time. It is also considered that the social and political conjunctures are now favorable and sometimes unfavorable. In this sense, the registration of the built is a powerful instrument of claiming rights not fully achieved, mainly, education and schooling processes with other ethno-racial, generational, historical and cultural nuances.

Keywords: Literacy; Adults; Elderly; Quilombos

Percursos da educação formal em quilombos

Nem sempre é possível precisar as mudanças que ocorrem, após um determinado tempo. Uma década já se passou desde a experiência que é relatada nesta escrita, no entanto, a mesma não se originou no exato momento que se efetivou e, nem tão pouco, se extinguiu no seu término; foram deixados “rastros”2 (VASCONCELLOS, 2013), anterior e posterior à ela! Assim podemos iniciar remetendo-nos aos processos de construção da educação escolar quilombola que, resumidamente, não é contraponto, mas, sim, o diálogo com processos educativos ancestrais emergentes das milhares de comunidades quilombolas existentes em todo o território brasileiro cuja historicidade deste diálogo formal e não formal sempre foi o cerne da institucionalidade educativa almejada (NUNES, 2016a), ou seja, uma escolarização que fosse diferenciada em seus princípios didáticos, pedagógicos e políticos (SILVA, 2012).

Do norte ao sul do país (SOUZA; NUNES; MELO, 2016; NUNES, 2016b), por um longo tempo, se tornava evidente para os próprios quilombolas que os processos educativos escolares que não decorressem das especificidades de sua realidade, dificilmente poderiam impactar positivamente estudantes e suas respectivas comunidades, ávidas por mudanças que lhes conferissem dignidades sociais, econômicas e humanas.

Valer-se da diversidade que constitui estes territórios e propor a partir dos mesmos práticas pedagógicas e políticas específicas, significa incorporar a currículos monoculturais elementos das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas que desacatam discursos de verdade porque são decorrentes da […] “vivacidade com que, de posse de alguns elementos de seu repertório cultural se constituem em diferentes processos socializantes, como sujeitos potencializadores de mudanças” (NUNES, 2015, p. 12).

A concepção de tempo na perspectiva sociológica desenvolvida por Elias (1989, p.11-17) “cumpre funções coordenadoras e integradoras”, por isso, “[...] dias e meses do calendário se constituem em um modelo repetitivo da não repetição da sequência de fatos”. Neste sentido, uma década após, a experiência de formação de educadores/as realizada em Faxinal do Céu (PR), ao creditar ao passado, o sinônimo de longínquo/velho e ao presente, o crédito de recente/novo, seria, pelo menos, minimizar as possibilidades de captura dos efeitos que são produzidos sobre indivíduos, coletividades e sociedades por intermédio de relações cambiantes de todas as naturezas: étnico-racial, gênero/sexualidade, geracional, de classe e religiosa.

No caso dos quilombos brasileiros, o tempo está conjugado às dinâmicas internas e externas do espaço territorial que não são apenas físicas, mas, sim, igualmente socioculturais e espirituais e, por isso, o tempo para os quilombos, é determinado pelo conjunto das relações sociais estabelecidas no seu interior e entorno, nem sempre favoráveis.

Dos quilombos históricos, aos quilombos contemporâneos (GOMES, 2015), as tensões históricas da relação entre a liberdade e supressão desta, são persistentes na medida em que, para cada grupo, a unidade tempo-espaço assume diferentes significados. Tal disputa de significados, principalmente em relação aos sentidos da terra para a produção da vida distanciada dos valores de mercado capitalista e ocidental, oscila entre avanços, retrocessos e, em alguns casos, estagnações. Os quilombos brasileiros vivem em luta por partilhas de poder que, em última instância, é a reivindicação de direitos essenciais à terra, à saúde, moradia e por uma escola que eduque para seus interesses.

Desde 2012, o sistema educacional brasileiro conta com uma nova modalidade de ensino que se chama Educação Escolar Quilombola. Conforme as Diretrizes Curriculares Nacional para a Educação Escolar Quilombola, esta “[...] pode ser entendida como uma modalidade alargada, pois, dada sua especificidade, abarca dentro de si todas as etapas e modalidades da Educação Básica e, ao mesmo tempo, necessita de legislação específica que contemple as suas características” (BRASIL, 2012, p.27).

Anterior à construção das diretrizes, entre os anos de 2006 e 2009, algumas instituições de ensino como a Secretaria do Estado do Paraná (SEED), como decorrência do processo de organização do movimento quilombola que pautava junto à demanda por regularização da terra, direitos outros, como uma educação em todos os níveis, desenvolveu uma série de processos direcionados à construção de projeto experimental de escola, formação de educadores/as, construção de material didático específico e seminários que reuniam docentes, lideranças comunitárias, estudiosos de diversas áreas mas prioritariamente do campo das relações étnico-raciais na medida em que a Lei 10639/03 que obriga o estudo da história e cultura africana e afro-brasileira perpassava a educação escolar para remanescentes de quilombos de todas as idades.

Passado algum tempo desde esta experiência, ao se estar vivenciando uma outra fase para se pensar a educação direcionada aos remanescentes de quilombos em virtude de que muitos3 cursos de graduação e pós-graduação das universidades públicas brasileiras já destinam uma reserva de vagas específicas para os/as mesmas, pode-se dizer que, na atualidade, a preocupação com a educação básica é prioritária visto que os índices de escolarização nos quilombos brasileiros são importantes, no entanto, o horizonte da universidade é uma realidade assegurada para este grupo e que carece de outras reflexões acerca de como se efetivará o acesso, a permanência e a participação destes no processo de construção de conhecimento em nível superior.

Da educação básica ao ensino superior, as ainda escassas produções acadêmicas acerca dessa temática começam a surgir. No entanto, torna-se fundamental, relatar a forma como foram sendo criadas as concepções de educação que transcenda os espaços não formais que são educativos por excelência a partir de experiências que trazem como acento, uma perspectiva dialógica com todos/as envolvidos/as. Neste sentido, acredita-se ser importante o relato de uma experiência que sob o ponto de vista temporal pode ser longínqua, mas que, talvez, seja pouco explorado que é o processo de alfabetização de idosos e adultos.

À época, a atividade dizia respeito ao Programa Paraná Alfabetizado, programa este que era uma parceria entre a SEED e o Ministério da Educação e que até hoje ainda está em vigor.

Compreender a forma processual como a educação em quilombos está se efetivando, é analisar a forma como grupos historicamente excluídos estão a conquistar uma visibilidade e a provocar reações didático, político e pedagógicas do campo da educação no sentido de compreendê-los na sua singularidade. Descreve-se, nessa perspectiva, a construção de um Seminário promovido pela SEED, em Faxinal do Céu (PR), em Março de 2008, cujo formato metodológico tinha como objetivo construir possibilidades alfabetizadoras para indígenas e quilombolas através de oficinas e palestras. A oficina ministrada tinha como propósito, por orientação da coordenação, construir-se na perspectiva de identificar quem eram os sujeitos alfabetizadores e alfabetizandos do programa e estratégias para a construção do processo.

Introduzindo a forma como o encontro se construiu: ritos, palavras e pedagogias possíveis!

Quando se projetou a atividade a ser desenvolvida para a oficina acerca da alfabetização de jovens, adultos e idosos em comunidades remanescentes de quilombos, se pensou, em um primeiro momento, no lugar onde se construiriam as práticas alfabetizadoras, as pessoas que o habitam e são habitadas por este espaço. O público que estaria presente na oficina comportaria não apenas a diversidade que caracteriza os quilombos paranaenses como também a multiplicidade dos envolvidos no processo, não se limitando, portanto, aos quilombolas; membros externos à comunidade também constroem, de certa forma, esta relação de ensino e aprendizagem.

Contudo, ainda que diante desta diversidade, é da natureza do pedagógico, estabelecer pontos de partida que desencadeiem um processo que no seu curso tende a assumir a identidade coletiva de grupo. Uma das preocupações era de não se distanciar, ainda que se entendesse a estreiteza do tempo - apenas três dias - da concretude das relações que são experenciadas nos cotidianos daqueles/as que estariam presentes.

Os momentos do planejar são momentos de imaginar, de antecipar-se reportando-se às representações acerca do que um território de quilombo poderia engendrar, principalmente, por intermédio de algumas vivências que, sabidamente, não se repetem, cotidianamente se refazem, com outros contornos, com outros movimentos. Daí a primeira decisão pedagógica: a prática pedagógica a ser desenvolvida obedeceria a ritos, assim como o fazer, saber e ser dos envolvidos no processo.

Por ritos entende-se a sequência dos atos temporais que, se (des)obedecem a normas e que nem sempre são perceptíveis porque resultam em feitos das mais diversas ordem.

Viver, portanto, significa atender a ritos presentes em práticas sociais, culturais, permeadas de um sentido forjado frente às necessidades da vida, frente às crenças estabelecidas, frente ao compósito de forças das quais homens, mulheres e crianças reúnem para se tornarem sujeitos, por vezes, anônimos e, por isso, autônomos no mundo; como diria Rolnik (2001, p.08) “um rito sem mito [...]” porque “o mito se engendrará do próprio ritual, mapa imanente da singularidade daquelas vidas”.

Os territórios de quilombos, as Áfricas reinventadas na diáspora, se constituem um lugar de ritos e mitos “a partir de um estoque de ideias e imagens, geradas em incontáveis apresentações anteriores que existem na memória de cada narrador, e na memória de todos aqueles que não só ouvem, mas que participam da apresentação” (WILLIS, s/d, p.15); então, (re)construiríamos mitos e ritos, coletivamente, através das falas e escutas, nos dias que nos aguardavam.

Para as comunidades tradicionais4 negras percebe-se que, por força da tradição,

(...) a ligação entre o homem e a palavra é mais forte. Lá onde não existe a escrita o homem está ligado à palavra que profere. Está comprometido por ela. Ele é a palavra, e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é. A própria coesão da sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra (HAMPATÉ-BÂ, 1980, p.181).

A tradição, embora elemento vital da cultura, não pode ser compreendida como a persistência de velhas formas de estar no mundo e, por isso, “os elementos da ‘tradição’ não só podem ser reorganizados para se articular a diferentes práticas e posições e adquirir um novo significado e relevância” (HALL, 2003, p.260) como também irão produzir pontos de intersecção entre a cultura como modo de vida e a cultura como forma de luta (HALL, 2003).

No interior de uma cultura letrada, saber ler e escrever, se constitui um mecanismo de luta, uma forma inequívoca de reivindicar direitos historicamente negados em sociedades em que o diferente se torna inferior e a diferença sinônimo de privação; significa, antes de tudo, a possibilidade de interpretar as relações sociais em que homens e mulheres estão inseridos, redimensionando a noção de poder como algo que se encontra em disputa, ou seja, como força que não está tranquilamente alojada nas culturas dominantes.

A alfabetização de jovens e adultos quilombolas implica, no entanto, em “compreender que o uso da palavra, em especial a oral, pode e deve ser pensado como um instrumento que possibilite [...] especialmente o negro, olhar a si próprios e ao outro como produtor e reprodutor de cultura, de valores e de saberes [...]” (SOUZA, 2001, p.179).

No dizer de uma alfabetizanda da cidade de Palmas (PR) o papel da alfabetização é explicado da seguinte maneira: “[...] as letras na minha frente e eu preciso delas. Era um sofrimento, não sabia preço. Hoje eu olho a letra, sei para onde estou indo, estou feliz e tenho orgulho de mim mesma. Adoro ajudar os outros, quem precisa de mim sai feliz”.

Alfabetizar-se a partir do poder de criação que a palavra comporta em comunidades tradicionalmente marcadas pela cultura oral significa dizer que esta palavra assume diferentes formas: é trazida na forma de cânticos em festas que celebram o divino e o mundano, na impressão deixada pelos dedos que de maneira artesanal revelam um modo de viver e saber que sobrevive ao arsenal técnico-industrial, enfim, assume a forma de palavra expressa, transpirada, tatuada em um corpo que se faz palavra pela maneira que fala e se comunica com as pessoas de seu envolvimento e com o redor.

A oficina foi pensada, a priori, voltada para os objetivos estabelecidos pelo grupo que coordena o Paraná Alfabetizado e professores/as ministrantes. Todavia, o planejamento deixaria uma abertura, enfim, novos objetivos seriam agregados aos quereres, pensares, e agires, desconstruindo a possibilidade de que, para a oficina, bastaria a lógica binária-reprodutivista composta por alguns que pensam e muitos que executam; outras pedagogias deveriam anunciar-se!

Sintetizando: o grupo constituir-se-ia de alfabetizandos, alfabetizadores e algumas lideranças locais que ocupariam o espaço da oficina por uma compreensão acerca da alfabetização como um ato político em que o ler e o escrever se inscrevem em dimensões muito mais amplas como, por exemplo, a luta pela titularidade das terras quilombolas. Reivindicar a escritura das terras quilombolas é para além de saber unir as letras impressas no papel que conferem à terra alguns “donos”; o sentido de posse não se lê no papel, mas se lê na forma como se semeia a terra, se conduz a vida, alimenta a alma, vitaliza o corpo e redesenha os mais inusitados sonhos de sentidos éticos e estéticos que a diáspora negra define como um ler e escrever um mundo não limitado às cercanias de um processo alfabetizador que pode, por vezes, ser amplamente colonizador.

Neste sentido, o cuidado de pensar a oficina como uma possibilidade de cerzir uma teia de significados teórico-práticos advindos das múltiplas experiências que ali se reuniriam, foi sendo materializada. A metodologia utilizada, então, seria aquela que estimularia a fala, a participação, o diálogo e, em alguns momentos, teria que se aproximar os ditos dos não-ditos a fim de interpretar os silêncios enquanto revelações que, subliminarmente, desafiam métodos e técnicas de ensino/aprendizagem que, ainda que apresentadas como dialógicas, muitas vezes, conduzem, equivocadamente, a um consenso homogeneizador, revestido pela reprodução de jargões que também é uma forma de fala, contraditoriamente, silenciada.

Além de recuperar o vivido pelo grupo nas suas comunidades de origem, caberia, ir mais além; seria necessário cartografar neste vivido as ausências/carências no processo alfabetizador e as medidas para suprimi-las na forma de políticas públicas. É de responsabilidade política e pedagógica estimular que os sujeitos soltem a fala no sentido de reivindicar a intervenção do Estado enquanto órgão partícipe da democratização do acesso e permanência a todos os níveis de ensino. Estaríamos, então, a cada dia, escrevendo um texto, com autorias individuais que se transformariam em uma escrita coletiva cujas demandas requeridas não se configurariam como simples espera, mas um estar junto, forjando novas conquistas e ocupação de espaços nas suas elaborações e realizações.

Na forma de ininterruptas perguntas e diferentes respostas, buscar-se-ia construir a figura do alfabetizador e do alfabetizando, romper-se-ia as fronteiras entre ambos sem, no entanto, descaracterizar o papel social de cada um; se tentaria evidenciar que o aprender e o ensinar é uma via de mão dupla em que, quem ensina aprende e quem aprende ensina; reconhecer, também as identidades do grupo, percebendo-as em permanente construção e contribuir, desta forma, para o fortalecimento étnico-identitário de alfabetizandos cujo acesso tardio à escola se deve por processos históricos que alijaram e alijam os negros/as brasileiros/as de terem acesso à educação formal5.

Os ritos de iniciação foram se instituindo a fim de conduzir/construir o momento pedagógico que se requeria.

Rito 1-O “eu” na forma palavra

Os ritos foram se instaurando e, então, conhecer e perceber os sujeitos na maneira como se veem frente a si e ao mundo se tornava um imperativo para os primeiros momentos do encontro. Foi, para tanto, sugerido que cada um grafasse a si próprio através da escolha de uma palavra que sintetizasse o quem sou eu? Como me percebo? Como me constituo a partir das minhas múltiplas pertenças? Enfim, qual identidade assumo ou me fazem assumir? A partir das revelações identitárias como uma apresentação do eu para o outro, estabeleceríamos um contato preliminar com a(s) história(s) de cada um; a relação entre o eu e outro, que é marcada pelo signo da diferença, foi expressa em uma palavra que veio seguida de dados biográficos.

A maioria se identificou através de palavras que os adjetivavam como sujeitos de esperança e suas derivações. As palavras foram perseverança6, prudência e disposição que conjugavam-se à representatividade de guerreiros/as que haviam encontrado estágios de paz, felicidade, alegria, espontaneidade, curiosidade, otimismo, paciência, coerência, persistência . Alguns/mas se apresentaram como tímidos/as, agitados/as, ansiosos/as, papagaios/as e provocantes. Esta exploração de sinônimos de si seria um elemento pedagógico a ser explorado na medida em que todo e qualquer processo educativo não está fora do jogo das representações sociais (HALL, 2003) que age sobre identidades mutantes. Refletir sobre a identidade, implica, necessariamente, em refletir acerca da diferença e as rupturas que ela deve produzir em práticas educativas/alfabetizadoras que se apresentam aos sujeitos de forma normatizantes como meio de, igualmente, conduzi-los, mantê-los dentro de uma norma invisível que regula a formação humana no interior de um currículo, historicamente, conformado dentro dos modelos masculinos, cristãos, brancos e heterossexuais,

Rito2-Fitas, cores, negociações e... energia vita (axé!) que conduziria o ritual pedagógico!

Foram oferecidas ao grupo, algumas fitas multicoloridas, estreitas e com um tamanho em torno de vinte centímetros. Para além desta característica física, partiríamos em busca da sua dimensão simbólica como traço da cultura (CUCHE, 2002; HALL, 2003; DA MATTA, 2005; SODRÉ, 2005); por isso, aquele objeto - fita - seria traduzido através do significado atribuído por cada elemento do grupo. Após alguns momentos de exposição do motivo que impulsionou a escolha da fita para si, o grupo estabeleceu uma unidade na diversidade e conferiu à fita o sentido de coesão a ser construído durante os dias em que estaríamos juntos. Sem atá-la aos pulsos, sem escondê-la, sem expô-la nos crachás de identificação, sem fixá-la nas roupas, elas seriam colocadas sobre uma grande mesa que se encontrava no espaço destinado à oficina formando um amontoado de cores cujas diferentes interpretações conferidas às mesmas se agregariam em torno do propósito de emanar energia, vibração positiva e clareza de ideias para todos nós.

Tal pacto, traz a lembrança de Mia Couto (2003, p.21), de um fragmento do texto em que um lenço colorido deita-se no rio, atirado por uma velha mulher que atribuía ao lenço um sentido semelhante às fitas:

- Não se aflija, o lenço não tombou. Eu é que lancei nas águas.

- Atirou o lenço fora e porquê?

- Por sua causa, meu filho. Para lhe dar sortes.

- Por minha causa? Mas esse lenço era tão lindo! E, agora, assim desperdiçado no rio

- E depois? Há lugar melhor para deitar belezas?

O rio estava tristonho que ela nunca vira. Lhe atirara aquela alegria. Para que as águas recordassem e fluíssem divinas graças.

As fitas foram deitadas sobre a mesa também na expectativa de que ao final da atividade, os seus donos as levassem para seus endereços com outros sentidos, porque agregadas a elas estariam as memórias, lembranças, as possibilidades e limites para se refletir sobre a alfabetização de jovens e adultos em quilombos.

Os ritos estabelecidos no decorrer da oficina irão interromper a linearidade deste texto, trazendo, as continuidades e rupturas, elementos presentes em qualquer perspectiva didático-pedagógica.

Alfabetização em quilombos: as palavras “geradoras” de significados para aprender!

Na perspectiva de compreender a forma como a alfabetização se constrói para as populações quilombolas jovens e adultas, começou-se a buscar o sentido atribuído à palavra que se tornaria mais tarde, palavra escrita, palavra lida e palavra interpretada. A cada método alfabetizador se atribui características de modo a singularizá-los, pode-se dizer que algumas perspectivas (des)metoditizam o processo alfabetizador (MORTATTI, 2006, p.01). Aprendemos nas diferentes alternativas metodológicas formas consideradas ideais para alcançar a aquisição da leitura e escrita; devoramos conceitos teóricos e nem sempre perguntamos como tais conceitos são consumidos pelos/as educandos/as.

Começamos a dialogar provocando que cada um dissesse ao grupo o que entende por palavra. Pretendíamos fazer uma bricolagem7 (CUCHE, 2002; LÉVI-STRAUSS, 1970) das concepções apresentadas.

Uma aluna antecipa-se dizendo que a alfabetização é uma transformação da palavra em palavra lida e escrita. Este primeiro olhar indica uma transmutação de funções. Aos saltos, os significados iam sendo lançados cabendo ao mediador do processo sistematizá-los de modo a construir uma unidade que não engessasse a diversidade de opiniões que comportava, também, o fragmento. Imaginação, comunicação, descoberta, destruição, encantamento foram, valendo-se de uma redundância, as palavras que sintetizaram a palavra!

As construções mais elaboradas traziam a seguinte reflexão:

A “palavra” significa complexidade, ou seja, implica em parcialidade, imparcialidade, antecede ao pensamento por isso exige certo “tempo” para atingir certa racionalidade;

Possibilidade de relatar a história;

Pensamento que toma corpo ou o corpo das ideias;

Por onde se eterniza o conhecimento, a história (Faxinal, Março de 2008).

Sob o emblema da bricolagem se tentaria colar a multiplicidade de histórias, vivências e identidades impregnadas nos sentidos atribuídos à palavra.

Algumas pessoas que compunham o grupo, fizeram o exercício de rememorar, atribuindo a autoria do seu significado a outras pessoas, a seus antepassados, negros/as que haviam sido escravizados/as. O modo como a palavra era usada pelo pai de uma educadora, por exemplo, disciplinava os/as filhos/as: Caveira8não desobedece! Todos compreendiam o significado da palavra caveira para além da sua representação aterrorizante.

A educadora, autora do relato, observou que, na medida em que estudava alguns autores africanos que desvelavam o sentido atribuído à palavra pelas diversas etnias em África, compreendia que a mesma era permeada por concepções de verdade e sagrado; nela se corporificava uma realidade, um compósito formado por tambor-som-corpo que, numa primeira interpretação, remete a uma complementaridade, a uma dimensão de totalidade que afirma que as culturas não eurocêntricas, trazem, como perspectiva de mundo, a contraposição à ideia do fragmento, da cisão, tão presente em um ocidente marcado pela ruptura entre corpo-mente, razão-emoção, morte-vida e demais cisões que nada mais são do que complementaridades!

Uma liderança quilombola, ao ser questionada sobre o significado da palavra disparou o seguinte comentário: eu não sei nada disso, eu sei cantar e, de forma cantante, continuou a traduzir-nos o sentido da palavra:

Cantos-

Tereza o que te acontece

Que eu sempre vejo chorando

Com o pranto derramando

Sou seu amigo e não posso

Ver seu pranto derramando

Me diga qual é a mágoa

Que está te atormentando

Eu choro e tenho razão

Vendo meu amor com outra

Que alegria eu posso ter

***

Eu vou pra Bahia eu vou

Eu vou pro lado de lá

Eu sei que eu chego lá

Os baiano vem me buscar

Marmelo é fruto gostosa enquanto não apodrece

Que nem o amor novo enquanto não aborrece

Abre a porta

Meu bem abre a porta

E abre a porta a porta que eu estou chegando agora

E amarrando meu burrão na espora

E apertando pelo laço da saudade

A palavra cantada era palavra escrita/cultivada na terra, brotava da alma. Os cantos acima eram cantos de trabalho utilizados pela mulher para aliviar o cansaço produzido pela labuta: “Eu cantava vinte e quatro horas sem parar na roça, eu nem via o dia passar e ainda não repetia canto. Eu ia pra beira do rio e adorava lavar roupa cantando” (D. Vani, quilombola da Comunidade Quilombola de Castro/PR).

Seguidas às cantorias na roça e no riacho, foram cantadas ladainhas que reportam à Recomenda das Almas, ritual realizado no período da quaresma por grupos que saem a visitar as casas vizinhas, orando para que as almas encontrem o seu caminho; tal cerimonial se formaliza através de diversas normas que conduzem ao êxito do auto religioso.

O envolvimento no momento da oficina foi tão intenso que todas as pessoas que estavam presentes viam-se nas histórias contadas pelos outros. Um jovem que monitorizava a oficina reviveu a infância e os casos sobre as Recomendas da Almas vivenciadas pela sua família e problematizava o sentido atribuído à matraca, artefato de madeira que avisa a chegada do grupo de oradores/as à casa visitada.

Inúmeros mitos circundam a utilização da matraca e o ritual de Recomenda das Almas, contudo, frente à natureza deste trabalho, pode-se, apenas, dizer que o ver-se como sujeito da alfabetização significa introduzir memórias, vivências que gerem palavras que podem ser lidas e escritas, mas palavras que dinamizem o próprio processo ensinante/aprendente fazendo dela - palavra - um momento em que a vida de cada um também tem assento na escola.

Outra alfabetizanda nos diz que a alfabetização lhe confere autonomia e liberdade para guiar-se em um mundo cuja inexistência de amor é grande. Ela reconhece-se como mulher que costuma proferir aos outros palavras, gestos e atitudes permeadas de amorosidade que lhe trazem como retorno o reconhecimento acerca de sua pessoa. Este depoimento quando foi trazido, comportava no seu enunciado, reflexos de autoestima alcançados por uma pessoa idosa que se autorizava falar por possuir, agora, um domínio das letras. A sua decisão em entrar para a escola foi pautada pelo seguinte desafio: Vou entrar e vou mostrar quem eu sou!

Os envolvidos/as e envolvimentos na alfabetização de adultos e idosos

Evidenciar quem eram os envolvidos na alfabetização se constituía uma necessidade na medida em que se discorreria não sobre funções e práticas isoladas, mas acerca de uma experiência articulada entre os sujeitos imprescindíveis da ação pedagógica: alfabetizador/a e alfabetizando/a.

Observou-se que ambos os segmentos compreendem que a criação de alternativas locais são insuficientes se não forem mediadas por políticas públicas que garantam sustentabilidade, principalmente, de ordem material ao projeto educativo. Os reclames tramitam entre a falta de material escolar diversificado, de lanche, de meios de transporte, enfim, daquilo que seria o mínimo requerido, a estrutura que possibilite aos sujeitos, a partir de suas circunstâncias, alcançarem os objetivos que os remetem à escola, bem como, ultrapassar os obstáculos que dificultam a sua permanência na mesma. Na caracterização de cada sujeito, se conformaram os limites e possibilidades da dinâmica alfabetizadora de adultos e idosos quilombolas.

O/a alfabetizando/a

Numa perspectiva de reconhecer e se auto-reconhecer, a figura do “alfabetizando” foram sendo tomados contornos de uma pessoa com as mais diferentes características. Diferenciar entre aspectos positivos e negativos, seria dividir um sujeito que é único; o fato de estar sendo alfabetizado em diferentes tempos do ciclo normal para estar na relação idade/escolarização, fornece, por si só, indícios que os motivos da privação, necessariamente, em alguns momentos, devem vir à tona como caracterização do sujeito. Por sua vez as esperanças e razões para ali estarem poderá compor um equilíbrio e tornar menor a discrepância entre as necessidades reais que os/as afastaram e as liberdades, por enquanto, sonhadas.

Então, a fim de sintetizar o retrato do/a alfabetizando/a, pode-se dizer que ele/a é visto como um sujeito do processo que é percebido a partir da sua historicidade, por isso não chega vazio e, se não movimenta o lápis e a caneta que deveriam, no dizer dos mesmos/as, desenhar a palavra no caderno, a utilizam na sua forma menos presa, de natureza fluida/falada, concebendo-lhe inteligência, através de uma capacidade de manejo que lhe permite descrever, em profundidade, o lugar em que vive e os fatos, desconstruindo, então, as hegemonias dos jeitos de ler e escrever.

Na forma de arte, às vezes, é trazido o jeito como alguns grupamentos étnicos lêem e escrevem. Couto (2006), em sua obra O outro pé da sereia, traz uma passagem em que um personagem faz a sua leitura de mundo:

O adivinho respondeu que tinha os seus modos de ler. Foi a uma tina de água e nela lançou um dos manuscritos. Ficou olhando as letras se diluírem, primeiro apenas esbatidas, depois engolidas pelo papel já sem forma. - É sempre assim: nunca vi uma palavra que soubesse nadar - Desculpe, compadre, mas está-me a destruir os papéis... -É só este. Eu leio na água meu filho... (COUTO, 2006, p.42).

Tal excerto advindo de uma ficção, contempla, com realidade, o dia a dia de comunidades rurais em sua relação entre homens, mulheres e natureza que estabelecem, ainda, vivências de proximidade e simbiose que geram leituras para além das letras agrupadas, soletradas e registradas. Relações mecânicas para com as letras, tendem, pouco a pouco, a perder-se em um mar de ilusões cuja potencialidade interpretativa torna-se liquefeita frente a uma leitura do aparente, do superficial, do ideologicamente construído para ser assimilado. Ler, escrever e interpretar torna-se possível quando parte de um projeto didático-pedagógico que instiga a uma capacidade crítica frente às dificuldades; torna-se possível, também, quando a reflexão/ação se revela a partir de diferentes estratégias que denunciam sobre as violações de direitos que antes de serem legais são humanos e, igualmente, a anunciação acerca de infinitas maneiras de resistir e vencer.

Não se pode esquecer que o mesmo sujeito que é criador, também é criado, criado no jogo das representações sociais que são construídas em uma sociedade em que , conforme já citado anteriormente, a diferença tem se tornado mecanismo propulsor das desigualdades sociais, das culturas de margem e de centro. Tais hierarquizações, não sem resistência, conseguem produzir uma autoimagem de alfabetizando que, no dizer de alguns alfabetizadores, “se sente excluído, está à margem, é reprimido, inseguro, envergonhado e tímido”.

Eis um grande desafio que se coloca: desfrear a voz, irromper a autoestima escondida nos porões da timidez, inserir no mundo letrado, do acesso às tecnologias presentes nas telas eletrônicas das operações mais elementares como recebimento de aposentadoria, acesso a benefícios de todas as naturezas que promovem liberdades, ainda, reguladas pelo mínimo necessário à sobrevivência.

É vital alfabetizar para a desconstrução de estereótipos, forjar outras formas de se perceber enquanto sujeito produtor de conhecimento, de cultura, de modos de enfrentamento, por vezes imperceptíveis na sua grandiosidade. Enfim, o reconhecimento destas particularidades é um dos caminhos, outros ainda se tem que descobrir!

Exaltar o valor de quem chega à sala de aula, eleger na sua cotidianidade as artes de inventar, reinventar e estabelecer modos de administrar e subverter as agruras do dia a dia é uma escuta atenta aos depoimentos dos que chegam ao programa de alfabetização, muitas vezes, levado por um desejo único de estar junto a outras pessoas.

A insatisfação por não dar conta de virar-se sozinho/a, a responsabilidade de ser pai, mãe ou o filho/a que ajuda no sustento da casa e, por isso, ter que eleger o trabalho como prioridade em detrimento do tempo de estudar se transforma em uma falta de disposição para levar adiante o projeto de alfabetizar-se; é uma inadequação concreta entre a utopia que leva à escola e as necessidades diárias que dificultam a permanência na mesma.

A falta de objetos de uso pessoal que se apresenta no seu aspecto utilitário - óculos, prótese dentária - em verdade, são construções que alcançam a dimensão simbólica da expropriação de direitos, do sequestro de uma dignidade humana cerceada nos seus direitos preliminares de existência social.

Os alfabetizandos/as e alfabetizadores/as, unanimemente, detectaram que a busca pela escola é fruto de estímulos que emergem do cotidiano, ou seja, existe um conjunto de fatores que não podem mais ser negligenciados no sentido de impossibilitar até mesmo a permanência nos quilombos. Nesse sentido, o tradicional é tensionado pelo moderno ao mesmo tempo que o tradicional torna-se resistente frente a mudanças que, nem sempre, geram desenvolvimento, progresso e bem estar para as populações quilombolas que são, dentre os pobres9, as mais desprivilegiadas economicamente.

Voltar-se para a especificidade do processo de alfabetização as concepções acerca do tempo são questões a serem refletidas com cuidado; existe um descompasso entre um tempo formal e um tempo real. O tempo formal da escola enquadra competências e habilidades dentro de um período pré-determinado por lógicas da racionalidade didático-pedagógica; o tempo real dos alfabetizandos/as desacomoda o tempo formal na medida em que seus tempos são ritmados por razões de diferente natureza: a sazonalidade do trabalho, o (in) curso de uma vida voltada a responder as precisões do dia e também pelo tempo dos afetos estabelecidos que faz com que prolonguem determinados estágios de aprendizagem em prol de ficar com a professora que gostam: “ele querem repetir para ficar com a gente; tem idoso que só aceita uma alfabetizadora; eles ( idosos) necessitam de um outros trato porque tem dias que eles só querem é conversar, contar suas histórias” (Alfabetizadora do Programa Paraná Alfabetizado) .

A individualidade de cada alfabetizando/a é trazida na identificação de quem ele/a é nas descrições mais adversas. Em uma das comunidades que estava presente no encontro, foi colocada a problemática do alcoolismo e o trato para com a questão por uma alfabetizadora: “me dói muito como a dificuldade é tratada como um caso de polícia”.

A ingerência para estas situações é justificada porque as transgressões à ordem são vistas como susto para a normalidade. Inúmeras são as consequências das não políticas em relação à diferença desviante, principalmente, porque, ela existe “independente da autorização, da aceitação, do respeito ou da permissão outorgado da normalidade” (SKLIAR, 1999, p.23). O ato pedagógico, então, se estabelece, descompromissado com os elementos sintomáticos, por vezes, de uma falta de políticas que não entendem o desregramento como circunstância que se estabelece na sequência de processos históricos de estrangulamento sócio, econômico e cultural.

Em um momento da significação de quem seria o alfabetizando, chegou-se à afirmação de que se teria que construir um jeito de alfabetizar contemplando a característica dos povos da diáspora africana. Tal afirmação não se remete a uma concepção de ensino que induza uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2008) - um retorno à África - uma forma essencializada de não desenraizar-se, de sentir-se preso a uma sociedade da qual não se faz parte na sua totalidade. Seria necessário, então, reportar-se às visões de mundo afro-brasileiras que comportam elementos imprescindíveis para a construção de pedagogias alfabetizadoras e dialógicas com as múltiplas pertenças étnico-culturais.

Existe uma cosmovisão afro-brasileira muito presente em quilombos, que emana princípios de existência no òrun” (céu) e no Àiyé (terra10) como complementaridades. Este círculo ininterrupto interliga todas as dimensões em que se encerram a existência humana, também, por isso, o alfabetizando quilombola não se adéqua à fragmentação de tempos compartimentado entre tempo de escola e tempo fora da escola.

2.2 Os/as alfabetizadores/as

Os/as alfabetizadores/as ao exporem suas práticas pedagógicas, expõem o modo como cativam os/as alfabetizandos/as: “a gente vai às casas”, “com muita conversação”, trabalham com temas geradores, aliam formas de tratar a saúde (bulas de remédios e fitoterápicos), recuperam as dimensões socializantes do/no trabalho e incentivam a soltura das emoções e a discussão acerca de suas identidades.

No decorrer da oficina, atividades como teatro foram propostas ao grupo como forma de trazerem à tona os seus fazeres pedagógicos; representaram os seus cotidianos e apresentaram as suas humanas fragilidades e o reconhecimento das mesmas que lhes permite, então, “correr atrás” do que não sabem. Encenam, também, os momentos de vergonha que insurgem na sala de aula e os mecanismos para blindá-la:

Aluna: [...] eu tenho vergonha. “Truxe” papelzinho pra escrevê carta de amor pro velho...

Professor: Consegue, consegue... cabelo branco não é velhice, o que não tem mais utilidade... é só ter boa vontade.

Aluna: Posso dizer versinho? (Encenação do cotidiano da sala de aula de alfabetização de idosos/as ).

Os versos têm sido uma constante forma de comunicação trazida no decorrer das formações pedagógicas para alfabetização em quilombos. As mulheres, principalmente, trazem os versos rimados, contando as estórias de um tempo muito vivo em suas memórias. Estes são cadenciados pelas rimas que trazem a cotidianidade dos amores, desamores, de todas as coisas que aconteceram e deixaram de acontecer nesta vida num entrelaçamento entre prosa, verso e irreverência popular.

Ritual 3-

Entre os rituais desenvolvidos para tecermos os três dias de formação, valeu-se de cânticos ora trazidos pelos alunos, ora como ferramenta pedagógica utilizada pela responsável da oficina .

Recorreu-se a divindades presentes na mitologia africana buscando, em alguns momentos, recuperar este diálogo entre os espaços do material (Àiyé) e imaterial (òrum) e religar nessa comunicação os desejos que também incentivam o ir à escola para aprender a ler, escrever e alcançar dias melhores. Um dos cantos chamava-se Um sirê para Oxum11. Segundo Silva (2005, p.78), “Oxum é deusa iorubana da água doce, dos lagos, das fontes, das cachoeiras. Na África está relacionada com a fertilidade das mulheres e com a riqueza dela decorrente, já que é pela procriação que se garante a continuidade das famílias e a subsistência das comunidades”.

Todavia, sabe-se que existe uma pluralidade religiosa em quilombos e recorrer à mitologia africana não tem como intencionalidade homogeneizar crenças, mas sim conferir legitimidade a uma religiosidade que, ideologicamente, tem sido negada, reprimida e discriminada ainda que sobrevivente aos pretensos massacres advindos, principalmente, de outros credos religiosos.

Sirê significa cantar/orar alegremente, como sinal de devoção; o sirê foi entoado e democratizado a outras divindades que no imaginário de cada um/a dos/as presentes poderia conceder a força necessária para não fraquejarem em seus caminhos, por isso, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião também receberam um sirê, santos estes de devoção das comunidades quilombolas que estavam presentes.

A musicalidade, juntamente com outros princípios, como a corporeidade, são traços de uma identidade afro-brasileira. Por isso, o recurso da música foi altamente explorado como estratégia de nos permanecermos odara12 dentro daquilo que se pretendeu.

Oliveira (2007, p. 101) afirma que

(...) é preciso ler o texto do corpo para vislumbrar nele a cosmovisão que dá sentido à história dos africanos e afro-descendentes, espalhados no planeta. Como o corpo é um texto dinâmico e a tradição de matriz africana um dinâmico movimento, é no movimento do corpo que vislumbro a possibilidade de uma leitura do mundo a partir da matriz, o que implica em decodificar uma filosofia que se movimenta no corpo e um corpo que se movimenta como cultura.

Como perspectiva metodológica para discutir a alfabetização em quilombos, recuperou-se a dimensão do corpo como texto, um corpo que deve ser atentamente lido porque escreve em todos os momentos. Em comunidades negras rurais, nos festejos, nas danças, nas mais diversas formas de trabalho, nos roçados, na lavagem de roupa, nas cozinhas, socando o pilão, a linguagem corporal alfabetizadora , abundantemente, se apresenta como palavra porque “ [...] os gestos de cada ofício reproduzem no simbolismo que lhe é próprio, o mistério da criação primeira [...] ligava-se ao poder da palavra” (HAMPATÉ-BÂ, 1980, p.196).

Ritual 4-

Extraiu-se da terra Faxinal do Céu (PR), um apanhado de barro e propomos aos participantes das oficinas que criassem palavras a serem lidas. Tal ideia inspira-se em José Saramago e nos significados do corpo; os dedos que de forma tão simplificadora em processos alfabetizadores seguram o lápis e (re)produzem, por vezes, palavras de tão pouco sentido, seriam pensados como um cérebro que atua nas suas pontas (SARAMAGO, 2003).

O barro, remetendo-se novamente à mitologia africana, remete à Nanã Burucu. O barro foi a matéria prima oferecida por Nanã a Oxalá a fim de que, com o sopro de Olorun, a criatura humana fosse criada e pudesse caminhar:

Dizem que quando Olorun encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem do ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra ainda ficou pior. Fez de fogo o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada. Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro. Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama a Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas que é Nanã. Oxalá criou o homem, o modelou no barro. Com o sopro de Olorun ele caminhou. Com a ajuda dos orixás povoou a Terra [...] (PRANDI, 2001, p.197).

Ao ofertar o barro, houve um pânico por uma parte do grupo, principalmente os/as alfabetizadores/as: havia se esvaído a capacidade de intelectualidade através dos dedos! Foram momentos de dúvidas, incertezas, falta de jeito; foi necessário um tempo, o tempo do suspiro, da fluidez da memória, do desembaraço. As inventividades, o poder de criação das mãos foi, lentamente, sendo recuperado.

Os objetos/palavras foram os mais diversos: pilões, panelas, corpos femininos, animais, enfim, cada invento comportava a dimensão simbólica que cada sujeito sócio-histórico e cultural atribuía. Estava ali um arsenal de palavras geradoras permeadas de significado, ou seja, do barro a possibilidade alfabetizadora porque é produção humana, porque é advinda dos saberes e conhecimentos acumulados no contexto em que se vive, e que também é, por isso, alfabetizador. Balduíno Andreolla (2002, p.58) recupera com preciosidade a síntese entre cérebro e mão ao dizer:

Hoje me dou conta de como eu havia cegamente assimilado a ideologia que dicotomiza o cérebro e as mãos e havia perdido a capacidade de “pensar com as mãos”. Os longos anos de formação me haviam propiciado uma riqueza de conhecimentos e experiências. Mas me haviam levado também a esquecer ou negar uma porção de conhecimentos e habilidades acumulados em mais de dez anos de vida na roça. [...] a superintelectualização me havia amputado as mãos.

Esta reflexão proposta por Saramago (2003) e Andreolla (2002), vai ao encontro das demandas das lideranças quilombolas no sentido que a escolarização contribua para que haja sustentabilidade no quilombo sem necessariamente amputar a cultura local. Para tanto, é necessário, acima de tudo, reconhecer a riqueza do lugar e as potencialidades que os saberes do lugar e os historicamente acumulados podem engendrar.

O educador Ilton Gonçalves da Silva, do Quilombo de Guaraqueçaba (PR), em sua participação na mesa de abertura do Curso de Formação em Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos/as e Diversidades, tece uma crítica à educação que pensa o ambiente e a preservação da vida enquanto retórica que não contempla as especificidades e necessidades quilombolas:

Todas estas belezas existentes

Pelos tradicionais foram preservados

E quando delas precisamos

Somos seriamente penalizados

Terras preservadas até hoje

Considero, pelo um povo soberano

Após tantos cursos de educação ambiental

Só uma coisa está sendo vista

Coisa que não se via em área rural

Má qualidade de vida e um acúmulo de lixo

Como isto acontece?

Pois posso dizer agora

Quem produzia seu alimento local

Hoje busca tudo fora.

Se na abertura do evento, Sr. Ilton faz a denúncia sobre forma como a educação formal tem ignorado o saber local e tornado as comunidades reféns das sociedades urbanas e, consequentemente, da sociedade de produção de consumo e não de vida com liberdade, saga ainda hoje perseguida pelas inúmeras comunidades remanescentes de quilombo esparramadas de norte a sul do Brasil, no término do evento, se teria que apresentar, com uma linguagem a escolher, a síntese da reflexão desenvolvida nos três dias de trabalho. Encontrou-se em uma melodia do sul do país, de Porto Alegre (RS), algumas particularidades que remontam a vida em quilombos: a capacidade de troca, os verdes, os deuses, a pesca, a caça, o trabalho de um povo que é rei e que não tem canga!

A arte possibilita que as pessoas a interprete a partir de seus referenciais, e nessa rota África-Brasil, quilombos daqui e de lá, a música e a teatralização foram as maneiras escolhidas de problematizar/sintetizar alfabetização em quilombos.

A melodia chamada “Lugarejo”, de Giba-Giba, compositor gaúcho e interpretada pela cantora pelotense Giamarê, foi o pano de fundo para se interpretar a complexidade em alfabetizar a partir da realidade quilombola.

Lugarejo

Uma cidade um país, lugarejo,

Uma igualdade um sossego, um beijo,

Num canto do mundo

Perdido sem dinheiro...

Tudo é troca, o verde a banana

E a água do rio

Tranquila.

Tem uma deusa e um povo que é rei,

Tem uma deusa e um povo que é rei

Que toca, que pesca, que caça, que ama

Trabalha e não chora, porque não tem canga

Planta de dia come de noite

Banana Pitanga e os raios de sol

Após cada um situar-se na melodia, se pensou na forma como se adaptaria a essência da música à problematização que se direcionava à alfabetização de jovens, adultos e idosos/as. Todos foram atores/as de um espetáculo que encenava uma vida real e os desejos, também, de um vir a ser. O lugarejo quilombo é um canto do mundo onde aos deuses e deusas foram incorporadas as características das divindades de matriz africana que protegem as caças, as colheitas, os rios e que devassam os caminhos abrindo-os à liberdade de um povo que, aquilombado, não tem canga; o povo que é rei é o povo onde esta condição é universal (sem súditos!), por isso, pensamos em gente que trabalha e que o não choro, talvez, pudesse ser pensado na dimensão metafórica em que lágrimas não servem para desaguar tristezas e sim umedecer a terra e torná-la fértil. A fertilidade da terra é demonstrada pelos seus frutos e na diversidade gastronômica que, por exemplo, a abundante banana em Guaraqueçaba (PR) se transforma (banana frita, cozida, bolinho, doce, pastel e bala de banana 13) .

Ficou por conta de algumas pessoas do grupo que se apresentariam como agricultores/as ( e são!), construir seus instrumentos de trabalho e levarem para o palco; as ferramentas representavam os saberes do ofício que são imprescindíveis nas vivências alfabetizantes. Por fim, a liderança do quilombo de Castro (PR), encerra a apresentação com ladainhas entoadas nos rituais de Recomenda das Almas, como forma de demarcar o campo da pedagogia alfabetizadora como um campo em que o sistema de crenças, lógicas culturais, experiências, contos e lendas dispersas no dia a dia deve ser incorporado à racionalidade pedagógica que pensa didática e politicamente as exigências também no nível das subjetividades como elemento indispensável para o se encaminhar e permanecer na escola.

A solicitação (unânime!) de que o poder público conceda óculos para que consigam ficar na escola, pode ser estendida a todos/as que estão envolvidos no processo de alfabetização de jovens, adultos e idosos/as. É necessário olhar tal processo com outras lentes; é urgente tornar este espaço um espaço de inovação pedagógica que enxergue o alfabetizando/a a partir do lugarejo quilombo; um olhar que não é romantizado mas que é interveniente naquilo que urge transformar e conservar.

Freire e Guimarães (2003, p.61) na obra “ A África ensinando a gente” recupera a dimensão freiriana de que a realidade ensina a desmistificar que mesmo as metodologias voltadas às camadas populares, não servem como modelos a serem seguidos em toda e qualquer situação. Sobre o continente africano, Paulo Freire faz a afirmação abaixo e que tem relações com o grupo a ser alfabetizado, negro e quilombola:

Na África [...] a gente está enfrentando uma cultura cuja memória [...] é auditiva, é oral, e não escrita. O educador é que, na sua preparação, enquanto africano, [...] tem que provocar uma certa convivência entre os educandos e o texto, pela oralidade e não da escrita do texto. (FREIRE; GUIMARÃES, 2003, p. 61)

Em quilombos os desafios pedagógicos são muitos; embora a cultura oral seja, igualmente, característica marcante nas comunidades, outras particularidades em solo brasileiro foram construídas pelos negros da diáspora. É necessária uma escuta atenta a tudo que “fala” em quilombos para então construir metodologias que dialoguem com os/as alfabetizandos/as em uma linguagem que , nas suas mais diversas formas de manifestação, todos possam contá-la, lê-la e registrá-la.

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1 Lugarejo faz alusão à música que os alfabetizadores e alfabetizandos encenaram no término do evento da diversidade organizado pelo Programa Paraná Alfabetizado (SEED/PR).

2Para Vasconcellos (2013, p. 251), “[…] é compreendido como parte constitutiva de uma narrativa a ser formada. Em sua acepção mais básica, o rastro é a marca (a pegada) de um animal deixada em seu caminho. Cabe ao caçador, recompor a partir dessas marcas, um percurso que o permita encontrar o animal buscado”.

3A Universidade Federal de Pelotas e a Universidade Federal de Goiás são duas das instituições que se sabe que possuem reserva de vagas para quilombolas tanto na graduação como na pós-graduação. Em relação apenas à graduação, o número é maior e traz-se como alguns exemplos a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Tocantins (UFT), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

4Conforme Almeida (2006, p. 23) “a expressão ‘comunidades’, em sintonia com a ideia de ‘povos tradicionais’ deslocou o termo ‘populações, reproduzindo uma discussão que ocorreu em âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1888-89 [...]. O ‘tradicional como operativo foi aparentemente deslocado no discurso oficial, afastando-se do passado e tornando-se cada vez mais próximo de demandas do presente. Em verdade o termo ‘populações’ denotando certo agastamento, foi substituído por ‘comunidades’, que aparece revestido de uma conotação política inspirada nas ações partidárias e de bases confessionais, referidas à noção de ‘base’, e de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se por este viés da categoria ‘povos’.

5Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014, o atendimento para crianças negras no pré-escolar é menor do que entre as crianças brancas. No que diz respeito ao ensino fundamental, a grande discrepância está entre aqueles que concluem na “idade certa”: brancos 82,6%, pretos 66,4% e pardos 67,8%. Em relação ao ensino médio, a taxa de matrícula para jovens entre 15 e 17 anos para brancos é cerca de 15% maior do que para pretos e pardos. Fonte: www. educação.estadao.com.br. Acesso: 11/12/2017.

6As palavras grifadas foram as trazidas pelo grupo para identificarem-se.

7A noção de bricolagem (colagem, construção, conserto, arranjo feito com materiais diversos) advém do antropólogo Lévi-Strauss. Segundo Cuche (2002, p.152), “Lévi-Strauss se interessa então pela maneira como a criatividade mítica examina os arranjos possíveis a partir de um estoque limitado de materiais desiguais, das mais diversas origens (heranças, empréstimos...). [...] A inserção destes materiais neste novo conjunto, ainda que não transforme a sua natureza, fará que eles digam algo diferente do que eles diziam antes: uma nova significação nasce desta disposição compósita final”. Em relação à cultura negra da América, a “bricolagem permite preencher as lacunas da memória coletiva, profundamente marcada pela escravidão e pela transferência de local (CUCHE, 2002, p.155).

8A estória da caveira refere-se, segundo a educadora, a uma lenda africana, de um caçador que perguntava à caveira o porquê de sua morte sem se dar por conta que morto não fala. A caveira tinha o significado não exatamente do medo que a figura poderia proporcionar a crianças, mas sim do silêncio respeitoso em relação aos mais velhos.

9Segundo relatório divulgado pela Seppir, com base nos dados do ano de 2012, cerca de 75% dos quilombolas do Brasil vivem em estado de extrema pobreza. Disponível em: www.sepir. gov.br Acesso em: 11/12/2007

10Forma figurada de remeter-se a um mundo “invisível”, descolado da materialidade terrena.

11Coral Cecune POA no CD “Diáspora em canto coral: a música negra nas Américas”. Esta música é um pedido de coisas que compõem as necessidades ainda pensadas no campo do “básico” para viver: vestes (axó), alimento (unjé), calçados (bata), recursos financeiros (owó), habitação (ilê) e descendência (omó).

12Segundo Lopes (2004, p.487), odara é “palavra usada em expressões e cânticos afro-brasileiros para qualificar tudo o que é bom, bonito e positivo. Do ioruba dára, ‘belo’”.

13Fonte: Apresentação em Power Point que traz um “Levantamento Básico das Comunidades Tradicionais Negras, Terras de Preto e Remanescentes de Quilombos no Estado do Paraná” do Grupo de Trabalho Clóvis Moura (Curitiba/PR), Março de 2006, texto e fotos de Socorro Araujo.

Recebido: 22 de Dezembro de 2017; Aceito: 19 de Dezembro de 2018

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