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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.17 no.2 Uberlândia mayo/ago 2018  Epub 01-Mayo-2019

https://doi.org/10.14393/che-v17n2-2018-19 

Resenhas

O estudo do manuscrito de João Köpke: um objeto de memória e história da leitura

The study of João Köpke's manuscript: an object of memory and history of reading

El estudio del manuscrito de João Köpke: un objeto de memoria e historia de la lectura

LARISSA DE SOUZA OLIVEIRA1 

1 Mestranda em Educação na Faculdade de Educação da Unicamp. E-mail: sor.larissa@gmail.com

FERREIRA, N.S.A.. Um estudo sobre "Versos para pequeninos". manuscrito de João Köpke, Campinas/SP: Mercado das Letras, 2017. 275 pp.


Temos diante de nós um manuscrito apresentando-se como um caderno esfacelado e amarelado pelo tempo. Um caderno para uso escolar? Um “boneco de livro” para publicação? Ambos, talvez?

Norma Sandra de A. Ferreira, p. 93

Esse questionamento da autora, aqui utilizado como epígrafe, nos apresenta o tema desta obra: uma investigação cuidadosa, criteriosa, acurada, histórica sobre um achado de grande valor para a história da leitura e da literatura infantil do país: um manuscrito, de autoria de João Köpke, “venerável, emérito, incansável, incorruptível, notável mestre e educador reformador” (p. 109) do século 19.

O material em questão, Versos para pequeninos, nunca foi publicado por seu autor. Chegou às mãos da pesquisadora por via de uma das herdeiras de Köpke. Qualificando-o como um material “que se inscreve na cultura escrita como objeto para uma história da literatura e da produção cultural de um tempo” (p. 37), a autora dá indícios do que será seu trabalho: uma história de uma produção que dá forma a uma concepção de ensino de leitura e da produção cultural de uma época. Da mesma forma, é possível pensar nessa afirmativa como uma qualificação do livro de Ferreira. Essa obra, essencial para o estudo da história da leitura do nosso país, é exatamente aquilo que afirma a autora sobre o manuscrito de Köpke.

A autora busca compreender o projeto da obra de acordo com seu contexto social e temporal. Onde se encaixa? Qual o projeto editorial? Qual o projeto estético-verbal do manuscrito? Olivro de Ferreira trata-se de uma obra fruto de uma pesquisa que concedeu à autora o título de Livre-Docente da Faculdade de Educação da Unicamp; portanto, aqui o leitor irá se deparar com teorias, caminhos de pesquisa, alguns termos específicos da área, linguagem formal, embora a autora se permita alguns diminutivos ao descrever algumas características dos poemas para os “pequeninos”. São ainda encontrados termos que remetem à teoria de fundo do trabalho da autora: “a obra sugere...” (p. 30), “poderia ser considerado um indício...” (p. 106), “as estampas parecem cumprir o papel...” (p. 188).

Apoiada em conceitos da História Cultural, Ferreira apresenta, em cinco capítulos, características que possibilitam conhecer “como algumas obras se amarram nos objetos ou nas práticas da cultura escrita de seu tempo” (CHARTIER, 2002, p. 16 apud FERREIRA, 2017, p. 32). Nesse sentido, assume-se um estudo da configuração composicional do objeto, que se relaciona a aspectos discursivos que “articulam o texto entre si, mas que incluem o suporte do texto, que os carrega e os sustenta e as práticas que os movimentam, dando-lhes sentido”, ou seja, o manuscrito em questão se torna um objeto “possível de ser interrogado discursivamente e materialmente, quanto ao gênero e suporte que o sustenta” (p. 39).

Antecedendo o capítulo 1, há uma apresentação sobre o manuscrito em questão, a forma como a autora toma conhecimento desse material e reconhece seu potencial de pesquisa histórica; as bibliotecas públicas, de universidades, internacionais, os arquivos públicos, institucionais, pessoais, os centros de memória e, inclusive, um cemitério, os lugares físicos aos quais esse material conduziu a pesquisadora.

A autora relata também o cuidado que teve de atestar a autenticidade da autoria de João Köpke, buscando um serviço profissional para tanto. Apresenta, também, sua representação do caderno manuscrito enquanto “objeto cultural e de interesse na contemporaneidade”, vez que: “O manuscrito dá visibilidade a traços que se apagam, uma vez publicados. A obra manuscrita sugere o processo de leitura e de escrita do autor. São marginalias, sinais de apagamento, repetições e retomadas. Sugere usos e finalidades previstos para ele. Registro de textos lidos e produzidos...” (p. 30), cuja materialidade, “formato, tamanho da letra, a cor e o tipo de tinta utilizados, a disposição do texto verbal e visual no espaço em branco da página, o tipo e tamanho do papel entre outros” (p. 30) apontam tantas outras representações e contam histórias. É nesse caminho que a autora se insere.

No capítulo 1, em um movimento de analisar seu objeto de pesquisa, a autora chama outras duas obras contemporâneas à analisada, que a acompanharam durante suas reflexões, são elas: Contos Infantis (1986), de Adelina Vieira e Júlia Lopes de Almeida, e Livro das crianças (1987), de Zalina Rolim, esta última constitui uma obra muito próxima à de Köpke, cuja produção foi, inclusive, sugerida por ele. Além disso, Ferreira também intertextualiza com outros textos: artigos, livros escolares em série (inclusive os produzidos pelo próprio autor estudado ou pelo Instituto Henrique Köpke, em que era diretor). Com esses materiais, a autora pensa em representações de leitores, práticas e finalidades de leitura pressupostas nesses livros a partir de suas materialidades. A partir de aproximações e distinções de cada um, Ferreira vai compondo sua representação do caderno que tem em mãos.

No capítulo 2, representa a materialidade da página de rosto do manuscrito em estudo, o título, o autor, a epígrafe. No capítulo 3, pensa na disposição visual e tipográfica, nos assuntos, na linguagem e nas estampas dos poemas inscritos no manuscrito. A autora tece reflexões sobre a maneira pela qual esses elementos caracterizam a obra, inscrevem sentidos, carregam uma concepção de ensino, de aluno (criança), de intencionalidade do manuscrito.

Interessante também é notar a concepção de leitura enquanto formadora do homem já nos dizeres de Köpke, que: “Defende, assim, que os livros são responsáveis pelo cultivo da imaginação da criança e também pela integridade (moral e intelectual) do homem” (p. 74). Justamente por isso, o gênero poesia e a linguagem sensível, que pressupõem um ritmo de leitura específico, que conclama a oralidade e a imaginação, que é próxima da infância, assim como a temática, as imagens (ou estampas) presentes no manuscrito, segundo Ferreira, pressupõem uma representação de criança que se torna o motivo da obra, “faz parte do texto escrito” (p. 237), vez que o autor se preocupa com “a primeira imersão da criança no mundo oral, no jogo lúdico da palavra” (p. 239).

No capítulo 4 são apresentados quatro poemas componentes da obra em sua configuração composicional. E no capítulo 5, a autora defende a sua representação do manuscrito a partir de todas as análises. Por fim, ainda retoma algumas reflexões sobre seu processo investigativo e apresenta, logo após as referências, o conjunto de 18 poemas que compõe o manuscrito “Versos para pequeninos”. Cabe ressaltar que desta pesquisa também resultou uma edição fac-símile do manuscrito de João Köpke, que está disponível para acesso gratuito no site da Revista Fapesp2, agência que apoiou a publicação da obra.

As materialidades desta obra apresentada por Ferreira também apontam para diferentes sentidos: o formato de livro diferenciado, que parece trazer mais conforto para a leitura; a imagem antiga de “pequeninos” na capa, uma das estampas do material em estudo, “uma das poucas coloridas que foram coladas neste caderno” (p. 216), em conjunto com um fundo que remete a uma cor envelhecida e com as páginas que compõem o miolo, em tom amarelado, antecipa que nos encontraremos com histórias de outrora, de um manuscrito, de João Köpke. O livro é belo, chama a atenção, seduz o leitor.

Traz ainda, na quarta capa e na orelha, opiniões positivas de especialistas renomados na área da leitura, que dão confiança e convidam o leitor para esse encontro que, como comenta Lilian Lopes Martin da Silva na orelha do livro, se trata de “um encontro sensível” entre um objeto de memória, um percurso de pesquisa que se insere no campo da história da leitura e uma pesquisadora “criativa, rigorosa (...) e generosa, que compartilha com o outro o modo como vai construindo seu caminho investigativo”.

Referências

FERREIRA, N.S.A. Um estudo sobre "Versos para pequeninos", manuscrito de João Köpke. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2017. 275 p.. [ Links ]

Recebido: 01 de Dezembro de 2017; Aceito: 01 de Fevereiro de 2018

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