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Cadernos de História da Educação

versión impresa ISSN 1982-7806versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.17 no.3 Uberlândia set./dic 2018  Epub 07-Mayo-2019

https://doi.org/10.14393/che-v17n3-2018-8 

Artigos

A Educação na Constituinte do Estado de Minas Gerais (Brasil) - 1947

CARLOS ROBERTO JAMIL CURY1 

1Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com estágios de pós-doutorado concluídos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na (França), na (França) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A. Professor Titular aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: crjcury.bh@terra.com.br


Resumo

Este texto visa verificar o processo de tramitação do direito à educação na Constituinte do Estado de Minas Gerais - Brasil no ano de 1947. O Brasil, país federativo, atribuía aos Estados o respeito às diretrizes e bases da educação nacional e a capacidade de desenvolvimento de seus sistemas de ensino em suas Constituições. Ao mesmo tempo, a Constituição determinava que os Estados deveriam elaborar suas Constituições devido à sua autonomia e à descentralização de competências no campo da educação. Este estudo se insere dentro de pesquisas e estudos interessados na relação entre processos parlamentares e educação. O estudo das fontes evidenciou que a Constituinte Mineira de 1947 se desincumbiu do dever posto na Constituição Federal. Busca-se tanto apontar o texto final como o processo que o constituiu. As fontes documentais foram a matéria-prima de consulta nos Anais da Assembleia Constituinte na biblioteca e arquivos da Assembleia Legislativa Estadual de Minas Gerais e no Arquivo Público Mineiro. Bibliotecas de universidades e do setor público também foram investigadas. O capítulo próprio da educação ganharia um desenho mais detalhado por meio de leis infraconstitucionais.

Palavras-chave:  Constituinte e educação; Educação e Constituinte Mineira; Direito à Educação e Processo Constituinte

Abstract

This study examines the process by which the 1947 Constituent assembly was able to incorporate the right to education into a new State Constitution for Minas Gerais. As a federative country, Brazil had established certain national guidelines for its member States regarding education and the development of school-systems, guidelines that appeared in the 1946 Federal Constitution. However, the same document also called for States to draft their own constitutional texts which, all while following federal guidelines, might nonetheless afford a certain measure of autonomy and decentralization in the management of education within each State. The present article aligns itself with other studies concerned with the link between parliamentary process and education. Our investigation of sources consulted at university and public libraries, in conjunction with close reading of primary texts (namely, the Constituent Assembly Annals available in the library and archives of the State Legislative Assembly, as well as in the Public Archive of Minas Gerais) leads us to conclude that the 1947 Constituent did in fact discharge its duty as laid out by the Federal Constitution. This is especially apparent when one compares the final text to the process by which it was drafted, as evinced by records of debate, proposals for amendment and the arguments supporting them. The chapter on education would eventually gain clearer form following the introduction of infraconstitutional legislation.

Keywords:  Constituent and education; Education and the Minas Gerais Constituent; Right to Education and Constituent process

Introdução

Esta pesquisa buscou trazer à luz o processo de tramitação do direito à educação na Constituinte do Estado de Minas Gerais (Brasil) no ano de 1947 e sua resultante por meio da Constituição Estadual de 1947. A Constituição Federal havia inscrito um capítulo para educação, sendo que competia à União o estabelecimento de diretrizes e bases da educação nacional. Esta última era disposta como gratuita, obrigatória no ensino primário e com financiamento vinculado aos impostos a fim de aumentar o número de ingressantes nas escolas. A Constituição também, em matéria de currículo, facultava ensino religioso nas escolas oficiais.

A Constituição Federal de 1946, exigia que os Estados da Federação elaborassem suas próprias Constituições.

A importância do conhecimento mais detalhado desse processo se deve justamente à descentralização das competências no campo da educação dentro de um país federativo. (ARRETCHE, 2000).

A Constituição de 1946, garantida a autonomia dos Estados e o sistema federativo, impôs para todos os Estados e Municípios a instrução primária gratuita e obrigatória no ensino oficial, a vinculação de impostos para o financiamento vinculado, assumindo a educação como direito entre outras diretrizes gerais para todos os entes federativos. (OLIVEIRA, 1990).

Essas realidades se apoiam em um federalismo educacional, no qual as diretrizes e bases da educação nacional são da alçada da União. Assim, compete aos Estados e aos Municípios, a efetivação do direito à educação no âmbito do que hoje chamamos de educação básica, embora, concorrentemente, os Estados poderiam investir no ensino secundário e superior.

Os países com dimensão continental tendem a se regular por regimes federativos. É o caso do Brasil. O que acontece em regimes federativos é a existência de uma complexa engenharia consociativa entre os diferentes polos de poder, principalmente na relação poder central e poder dos Estados membros. Em outros termos, a relação centralização x descentralização. Quando essa engenharia é centrífuga, tende-se ao sistema dos Estados Unidos da América em que o poder dos Estados-membros é muito grande. Quando ela é centrípeta, então, cresce o poder central do que chamamos, no Brasil, de União. (OLIVEIRA; REZENDE, 2003).

O federalismo de cooperação busca um equilíbrio de poderes entre a União e os Estados membros estabelecendo laços de colaboração na distribuição das múltiplas competências por meio de atividades planejadas e articuladas entre si objetivando fins comuns. Esse federalismo político e cooperativo foi posto, formalmente, em 1934, em 1946 na Constituição Federal.

Ao Estado Federal se contrapõe o Estado Unitário. Este se dá dentro de um governo central com autoridade exclusiva de um Estado com jurisdição integral em todo o país. Nas divisões administrativas com as quais ele possa contar, não há a autonomia federativa das mesmas, no mais das vezes chamadas de Departamentos, Regiões ou Províncias. Assim, assuntos como educação, saúde e justiça são diretamente subordinadas à autoridade do poder central mediante delegação.

É importante ter o conhecimento de realidades que significaram e ainda significam passos relevantes no desvendamento da realidade passada e seu impacto no presente. O direito à educação escolar é um destes espaços que importa conhecer com mais riqueza de informações e análises, especialmente atribuições e competências na área da educação escolar fizeram e fazem parte dos entes federativos.

A Constituinte Mineira de 1947 e sua tramitação é objetivo geral dessa investigação. Em matéria de importância, registre-se que, respeitada a legislação nacional, entre 1947 e 1967, o Estado se regeu, nos seus espaços de autonomia, pelo capítulo de educação de sua Constituição. Assim, o direito à educação fica assegurado entre sua definição nacional e seu desenrolar nas redes pública e privada do sistema estadual tendo, no capítulo de educação da Constituição Estadual, um mediador fundamental. (IVO, 1997).

A proposta em tela visa preencher uma lacuna em Minas Gerais. Como a primeira (CURY, 1991) e a última republicana (RESENDE, 1997) já tiveram seus Anais levantados e apresentados com a educação, faltavam ainda duas Constituintes (ou três se considerarmos a adaptação da Constituição Mineira de 1946 à Constituição de 1967). Há a Constituinte de 1935. Tudo indica que, com o incêndio do prédio da antiga Assembleia, os Anais da Constituinte se perderam. E há a de 1947, objeto deste estudo.

A Carta Magna de 1946 determinava, no art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que as eleições estaduais deveriam ter lugar em 19 de janeiro de 1947. Além da eleição de Governadores, senadores e deputados federais, haveria a composição das Assembleias Legislativas Estaduais as quais teriam, ao mesmo tempo, atribuições ordinárias e constituintes. E é deste último aspecto que este texto pretende se desincumbir.

A indagação maior que deu rumo à investigação é a que se segue: teria a Constituição Mineira de 1947, na educação, inovado ou teria havido apenas uma adaptação à Carta Magna de 1946 por meio dos deputados eleitos para a Constituinte Estadual?

As fontes documentais, como Anais, Projetos e Legislação foram a matéria-prima de consulta, levantamento e sistematização na Assembleia Legislativa Estadual de Minas Gerais (ALMG) e no Arquivo Público Mineiro. No caso, foram consultados os dois volumes que registram os Anais da Assembleia Constituinte de Minas Gerais de 1947. (MINAS GERAIS, 1948a).

Estes Anais já estão digitalizados e disponíveis no Portal da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Outros locais como bibliotecas de universidades e do setor público também foram investigados a fim de encontrar subsídios complementares.

Tais consultas foram complementadas com o contexto da época, seja no Brasil, seja especificamente em Minas Gerais por meio de obras de historiadores que já vasculharam o período. (BORGES, 2004 ; CIMINO, 2013).

Desse modo, pretende-se ampliar a organização do campo de conhecimento relativo à relação educação, direito à educação e processos constituintes.

Formalmente, um processo constituinte é democrático se e quando se apoie na soberania popular. A soberania popular implica todos e cada um como fonte do poder e, como cidadãos, são destinatários das leis. Este processo implica a existência de um espaço público que acolha o dissenso. O dissenso, categoria ampla para dizer das múltiplas formas com que as forças sociais podem postular caminhos para o sistema político. O dissenso, expressão de conflitos em propostas e interpretações dentro de um sistema político, não requer necessariamente a violação da norma. O dissenso é também o canal de expressão de minorias que questionam situações que não funcionam no sistema social e postulam alteração do status quo. (BASTOS, 1994; VERGOTTINI, 1986).

Por isso mesmo, eleições periódicas, regulares e honestas, são uma oportunidade para se propor mudanças ou reformas legais pelo comprometimento de candidatos nas votações dos parlamentos e alteração de rumos no que tange a uma administração governamental.

Tais mudanças se dão dentro do referencial da cidadania que, sem ser uma teoria da revolução, é um caminho de redução das desigualdades sociais, das discriminações culturais e das disparidades regionais. (MARSHALL, 1967; CARVALHO, 2002; BOBBIO, 1992)

Ora, uma constituinte tem por trás de si algum movimento de mudança em vista da modificação de uma situação vigente. Pode-se dizer que ela visa uma reforma do status quo. Reforma é um conceito polissêmico que traduz uma pluralidade de concepções.

Sua etimologia vem do latim re-formare, cujo significado é dar a primeira forma, ou seja, retornar à primeira forma, reconstituí-la. Nesse sentido, visaria a alteração de uma posição anterior em relação a uma situação que se almeja. Aos poucos, esse termo também foi ganhando um significado de dar outra forma ou então dar uma outra e nova forma. No primeiro caso, trata-se de uma mudança, cujo conteúdo deve ser examinado. Já no outro caso, impõe-se o estudo da inovação face a uma situação existente.

O termo reforma, de qualquer modo, tem diante de si uma situação existente que o sujeito da reforma pretende substituir por uma outra, na medida em que a existente não atende mais aos novos anseios, seja por desgaste, seja por insuficiência, seja por fracasso ou, então, por uma crise profunda.

Daí a busca de mudança e alteração do status quo vigente para um formato diferente e apresentado como melhor, mais adequado, mais avançado. No caso das sociedades regidas por códigos legais escritos, uma reforma visa a aprimorar o texto da lei em vigor em que a alteração da norma se adeque aos novos parâmetros.

Desse modo, consideradas as situações múltiplas em que a reforma venha a ser postulada, pode-se hipotetizar quatro modos genéricos de concebê-la, de acordo com Commaille (1993):

a) Mudança da lei e mudança social;

b) Mudança da lei sem mudança social;

c) Mudança social sem mudança da lei;

d) Manutenção social e manutenção da lei.

A situação a se dá quando, direta ou indiretamente, uma mudança social determina a alteração da lei. A situação b ocorre ou quando a lei é ineficaz para provocar uma mudança social, ou quando se altera a lei para efeito de prevenir uma mudança social. O caso c indica uma tão pouca eficácia da lei que a relação interativa entre os polos é praticamente inexistente. A situação d se dá quando a situação social e a legal se encontram em estado de estabilidade.

Aqui se deve alertar para os processos de investigação que, saturizando de história as relações sociais, trazem mediações significativas para a compreensão da mudança.

No caso deste estudo, uma reforma da constituição será vista como uma tomada de decisão política por uma autoridade, com poder constituinte derivado decorrente do poder constituinte originário, competência dada aos Estados - membros para elaborarem sua própria Constituição, por meio de suas assembleias legislativas. Decorre daí a alteração de um ou mais aspectos da política educacional que, com base em mudança legal, busque tornar a situação considerada mais congruente com a realidade desejada ou projetada.

O estudo das fontes evidenciou que a Constituinte Mineira de 1947 se desincumbiu do dever posto na Constituição Federal de 1946 ao elaborar sua própria Constituição. E ao fazê-lo contemplou a Educação com um Título próprio (Título XI - Da Educação e Cultura) com 11 artigos, respeitando os dispositivos do capítulo de educação da Constituição Federal sem grandes variações ou avanços.

Eram 72 deputados eleitos, todos do sexo masculino, sendo a maioria eleita pelo Partido Social Democrático (PSD) com 272.003 votos (33,3%), seguido pela União Democrática Nacional (UDN) com 191.271 votos (23,5%), o Partido Republicano (PR) com 165.656 votos (20,3%), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com 89.381 votos (8,5%), o Partido Comunista do Brasil (PCB) com 19.889 votos (2,5%) e outros partidos com 97.323 votos (11,9%). O PSD elegeu 29 deputados, a UDN elegeu 18, o PR conseguiu 14, o PTB ficou com 5, o PCB com 1 e os outros (PTN, PRP, PDC com 1 cada um).

Desde logo se percebe que esses três partidos, PSD, UDN e PR, ficaram com 59 cadeiras. Tais partidos, identificados na literatura da ciência política, como conservadores ficaram com 77,1% do total dos votos apurados, segundo texto publicado pela Assembleia de Minas (1989). Estudo publicado pela própria Assembleia de Minas Gerais sobre as suas Constituintes, pode-se ler:

Também o enraizamento dos partidos, nessas eleições, é bastante peculiar, sugerindo que cada partido, na maioria das zonas eleitorais do Estado, se apoia na votação de um único candidato, o que revela o predomínio, nesses locais, de uma política não-ideológica, antes personalista. (MINAS GERAIS, 1989, p. 240)

Outro dado trazido por essa mesma publicação se reporta ao peso clientelístico da política municipal que permitiu a eleição da maioria dos deputados com base em poucas zonas eleitorais. Alguns poucos advogados e médicos, sem vinculação anterior à política municipalista, obtiveram sucesso.

Segundo essa publicação, deve-se dar grande destaque a essa política municipalista.

[...] os partidos parecem retirar toda a sua força, não de uma eventual relação ideológica com o eleitorado, mas, esmagadoramente, da clientela que, em cada município ou zona eleitoral um determinado político organiza e cultiva. (MINAS GERAIS, 1989, p.246)

A Sessão de instalação se deu a 17 de março de 1947, sob a presidência do Desembargador Leovigildo Leal da Paixão. Para a Mesa dirigente foi eleito Presidente o deputado Feliciano Pena do Partido Republicano (PR) e Tancredo Neves, relator da Comissão Especial, eleito pelo PSD. A esta Comissão cabia ir dando forma ao texto final à medida que se desenrolavam as discussões e as votações.

A Constituinte iniciou seus trabalhos em 20 de março e encerrou seus trabalhos em 14 de julho de 1947.

Temas educacionais

Os assuntos mais debatidos, na educação, foram a gratuidade, a obrigatoriedade, verbas para educação, professorado, ensino privado e ensino profissional.

Não houve debate sobre a gratuidade passiva, aquela pela qual se tem acesso sem pagamento de matrícula, mensalidades ou taxas. A discussão se deu em torno do que viria a ser denominado de gratuidade ativa. Só que neste momento, ela se deu por conta da tradicional existência da denominada caixa escolar.2 Por ela, a administração do estabelecimento cobrava um certo recurso na matrícula das famílias dos alunos que tinham posses. Estes recursos seriam para os desfavorecidos da fortuna para os quais haveria ao menos uma refeição diária e oferta de livros. O debate se deu entre duas correntes: a que requeria a manutenção regulada do caixaescolar; a que postulava a gratuidade ativa, ou seja, que o Estado (especialmente a União) subsidiasse a alimentação e o material escolar. Os defensores da gratuidade ativa propuseram que o ensino primário fosse absolutamente gratuito, portanto sem caixa escolar.

Veja-se abaixo esta intervenção do deputado Luiz Maranha, transcrita nos Anais da Assembleia Constituinte de Minas Gerais (1948, p. 128), propugnando o acréscimo do advérbio absolutamente, antes da expressão ensino gratuito, em uma das versões do projeto de Constituição: “O ensino Primário, dispensado pelo Estado, é absolutamente gratuito e extensivo aos adultos, sendo obrigatório para as crianças em idade escolar e só será dado na língua nacional”. O constituinte assim justificou a inclusão deste advérbio:

O acréscimo de “absolutamente”, decorre do fato de os grupos escolares e outros estabelecimentos de ensino do Estado exigirem uma contribuição por ocasião da matricula de alunos.

Esta contribuição não deverá existir, sob qualquer pretexto, pois, geralmente, somente procuram os estabelecimentos de ensino estaduais, os filhos de homens pobres. (MINAS GERAIS, v.II, p.128) 3

De outro lado, mas dentro desse mesmo espírito, há uma emenda que pretende obrigar o Estado a certa assistência às crianças pobres em idade escolar. A justificativa para esta assistência está assim argumentada:

esta emenda, em parte adotada pela Constituição Estadual de 35, será um auxilio direto do Estado aos pais pobres e uma medida de grande eficiência no combate ao analfabetismo. Se obrigatório é o ensino primário para as crianças em idade escolar, nada mais justo que o Estado concorra, por todos os meios, para o cumprimento desta obrigatoriedade, auxiliando os pais reconhecidamente pobres. (v.I, p.649)

O texto final vai contemplar a questão da assistência social ao aluno pobre como apenas como forma de garantir a eficiência educacional sem especificar as ações que vão assegurar as devidas condições para tal. Essa amplitude ou vai ser normatizada em legislação infraconstitucional posterior, ou vai ser, como já era, resolvida pelo mecanismo da caixa escolar. É o que reza o artigo 128: “O Estado, em colaboração com os municípios, manterá serviços de assistência educacional, que assegurem condições de eficiência escolar aos alunos necessitados.” (v.II, p.597)

Outro ponto que tocou na gratuidade foi a relativa ao ensino posterior ao primário, mas que se restringiu aos que comprovassem carência de recursos. Importa adicionar que a tradição da legislação nacional sobre este assunto, a partir de 1934, sempre garantiu a gratuidade para o ensino primário de quatro anos. O primeiro ciclo do então ensino secundário, posteriormente ginásio, não só não tinham a garantia da gratuidade em nível nacional, como ainda estabelecia os famosos exames de admissão, um dos instrumentos mais seletivos de nossa educação.4 Diz uma proposta de emenda assinada por vários deputados:

Art. 135 – O pai de família de mais de cinco filhos menores e recursos insuficientes para educá-los, terá direito à matrícula gratuita para um deles em estabelecimento estadual de ensino secundário, na forma estabelecida em lei.

Justificação: Não é democrático conceder o privilégio aos funcionários sem estendê-lo aos demais pais de família. O critério para esse favor deve ser o das condições econômicas do chefe da família e não a sua situação social. (v.II, p.76)

O texto base de discussão não contempla essa questão. Pelas discussões percebe-se que há menção a essa “espécie de bolsa” para famílias com mais de cinco filhos cujo pai fosse funcionário público. Entendendo ser essa uma disposição discriminatória, outra proposta dispunha estender esta franquia a todas as famílias necessitadas com mais de cinco filhos. Não passou. O texto final, nas Disposições Gerais a concederá somente ao funcionário com mais de cinco filhos, de acordo com o art.164.

Outra emenda acerca da gratuidade se refere ao ensino ginasial. Como, na ocasião, eram poucos os ginásios estaduais, com muitas cidades mineiras sem um único estabelecimento de ensino neste nível, mesmo particular, a proposta obrigava o Estado a doar terras à iniciativa privada, religiosa ou não, para a construção de ginásios.

Nas cidades onde não exista estabelecimento de ensino secundário, o Governo doará a leigos ou a comunidades religiosas o terreno necessário à construção do edifício, o qual passará à propriedade do Estado, caso se extinga a instituição.

Parágrafo único – Os estabelecimentos de ensino que forem beneficiados pelo art., concederão matriculas gratuitas à Municipalidade, até o máximo de cinco cada ano.

Justificação: Em muitas e prósperas cidades, há falta de Ginásios, existindo, entretanto, alunos, os quais estudam fora, acarretando maiores gastos, com viagens e internamentos, e poucos são os que podem arcar com estas despesas. A providencia beneficiaria as cidades diretamente com a obtenção de um estabelecimento de ensino, que será um fator de progresso e de aprimoramento da cultura, e, por outro lado, a vinda de professores leigos ou religiosos muito influirá no desenvolvimento intelectual dos Municípios. (v.II, p.18)

Os argumentos apresentados apontam para a necessidade de extensão das ofertas educacionais em níveis superiores ao primário como fator de progresso e aprimoramento da cultura. Claro está que a emenda não resolve a questão da gratuidade posterior ao ensino primário, pois ela é focalizada em número pequeno. Mas ela aponta para a necessidade de, progressivamente, universalizar o acesso à escola secundária. A emenda não foi contemplada no texto final.

Curiosamente o texto final não se refere ao ensino no lar, algo possível então e disposto na Constituição Federal de 1946.

O tema da obrigatoriedade foi objeto de discussão.Foram apresentadas cinco emendas. De fato, não deixa de haver uma tensão entre o direito à educação e a obrigatoriedade. Se o titular do direito tem faculdade de agir ou não agir, segundo o direito, a obrigatoriedade impõe a matrícula na instituição escolar. Desse modo, desde sempre, há que bem justificar a obrigatoriedade a fim de que esta tensão seja incorporada em uma dimensão mais ampla.5

Este tema está contemplado, no texto base, replicando o disposto na Constituição Federal:

Art. 92 – A obrigatoriedade do ensino primário gratuito, mantido pelo Estado, será extensiva aos adultos que, sem instrução desse grau, não frequentarem outros cursos.

Parágrafo único – A lei fixará a forma e as condições dessa obrigatoriedade e cominará penalidades, respeitada a legislação federal, aos infratores. (v. I, p.141)

É importante ressaltar que a noção de obrigatoriedade, no âmbito das discussões da Constituinte Mineira, é entendida como uma obrigação ao cidadão. A obrigatoriedade já estava estabelecida na Constituição Federal em seu art. 168, I. O Código Penal do Decreto-Lei n. 2848 de 1940 previa penalidade de crime de abandono intelectual, consoante o art. 246, aos pais ou responsáveis que não mandassem seus filhos à escola primária. Conforme uma emenda:

O Estado, para realização efetiva da obrigatoriedade do ensino primário às crianças em idade escolar, fixará em lei o modo e condições desta obrigatoriedade, cominando pena aos infratores, em tudo respeitada a legislação federal.

Justificativa: Todos nós sabemos que é descurada e não observada a obrigatoriedade do ensino primário às crianças em idade escolar. A grande maioria dos pais, principalmente no interior do Estado, entregase ao criminoso aproveitamento do trabalho de filhos menores, em idade escolar, ao invés de mandá-los à escola. Torna-se, portanto, de necessidade que o Estado estabeleça uma maneira de coibir tais abusos, que ofendem e prejudicam os futuros homens do Brasil. (v.I, p.648)

A questão é posta como se a não presença das crianças na escola fosse uma simples escolha dos pais e não uma atitude que responde também às condições materiais de vida das famílias. As contingências dessas famílias, pobres, vitimadas pela desigual redistribuição da renda, sem a assistência do Estado, acabam por se servir da força de trabalho dos filhos para sua manutenção e subsistência. Cabe ao Estado oferecer condições e oportunidades a fim de garantir, pela obrigação, a educação das crianças e só em última instância criminalizar o cidadão.

Esse tipo de emenda não foi acolhida no texto final, mas nas discussões, sempre que aparece a questão da obrigatoriedade, ela estará associada à possibilidade de punição pelo Estado ao seu descumprimento pelo cidadão, qualificado às vezes como “abuso”. No entanto, em outros assuntos como a gratuidade e a assistência material e pedagógica aos estudantes, ensino profissional e ensino rural, as necessidades dos alunos provenientes das camadas mais pobres da população são sempre lembradas e brandidas como argumento a embasar alguma emenda ao texto constitucional. Parece que não é falta de sensibilidade e de reconhecimento da existência de desigualdades sociais, antes sugere que a relação direito X obrigação ainda não se encontrava amadurecida na concepção de cidadania à luz dos direitos sociais.

A noção de obrigatoriedade também vem expressa em emenda em que o Estado deveria obrigar aos proprietários rurais, com até vinte crianças em idade escolar morando em suas propriedades, a oferecer ensino primário gratuito.

Ficarão os proprietários rurais obrigados, sob pena de não obterem qualquer favor do Estado, quando em suas propriedades tiverem mais de vinte meninos em idade escolar, dar-lhes o indispensável ensino primário.

Justificativa – A instrução primária deve ser encarada com energia não só pelo poder público, como também pelos próprios particulares. Ninguém deve fugir ao dever indeclinável de colaborar efetivamente pelo desenvolvimento da instrução das classes menos favorecidas, principalmente aqueles que tem dentro de suas propriedades meninos em idade escolar. Tais medidas de patriotismo e de solidariedade humanas são exigidas daqueles que estão com condições de prestá-las. (v.II, p.28)

Essa justificativa preconiza, de um lado, parece ter como referência de fundo os artigos 145 e 157 da Constituição Federal que indicam a conciliação entre liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano e o respeito à legislação trabalhista. Na falta da obediência a estes princípios, cabe ao Estado o recurso no uso de ações coercitivas para obrigar a terceiros ao ensino primário obrigatório e gratuito.

Outro tipo de obrigatoriedade é formulado em relação ao município e o ensino rural, relacionada ao percentual de recursos municipais advindos do que a Constituição Federal prescreve seja no art. 15, seja no art. 29.6 Emenda do deputado Antonio Guimarães propugna a criação e instalação obrigatória por parte do município de órgão técnico de fiscalização e controle do ensino rural com funções remuneradas aos técnicos.

Ao art. 95, acrescente-se, logo após a terminação do artigo, o seguinte parágrafo:

Parágrafo único – Obriga-se, entretanto, o Município, à criação de órgão técnico local, para fiscalização permanente do Ensino Primário Rural, órgão este que se submeterá à legislação escolar do Estado, quanto ao padrão por onde se orientará, devendo os seus dirigentes se submeter à concurso de provas ou títulos, na forma que a lei Municipal estabelecer e perceber vencimentos fixados dentro da percentagem destinada à educação pública Municipal. (art. 94, primeira parte). (v.II, p.52)

Outros argumentos reforçam a justificativa dessa emenda, como a desorganização, precariedade, insuficiência de recursos humanos, materiais e físicos das escolas rurais. Situação que o proponente classifica como uma “balbúrdia”. Segundo ele:

O que é, atualmente, o ensino rural municipal?

Um aglomerado de Escolas, com nomes pomposos, com um corpo de professoras orientando-se ao “Deus dará”, instaladas em cômodos desajeitados, sem material para o ensino... Esse fenômeno tem como causa a ineficiência do ensino municipal, pela falta de ordem, coordenação e regulamentação das disciplinas. (v.II, p.52)

Outra dimensão da obrigatoriedade tem expressão em emenda que pretende tornar obrigatório que o Estado instale Liceus de Artes e Ofícios em cidades industriais, zonas agrícolas e, para as meninas, em todas as cidades e vilas escolas profissionais femininas. Não fica claro o que significa a profissionalização feminina. Recomenda-se a criação de escolas primárias em todas as cidades e vilas do estado. Sendo assim, parece que ao constituinte, brandir a obrigatoriedade do ensino, seja uma solução para a insuficiência do sistema educacional mineiro.

A última das emendas se apresenta como uma questão de socialização do ensino, não mais entendido só como ensino primário, mas todos os graus de ensino. Seu autor é o deputado Luiz Maranha:

Dentro do prazo de 60 dias, a contar da promulgação deste ato, o Governo nomeará uma comissão de técnicos, encarregada de lhe apresentar dento do prazo de 180 dias, um estudo completo sobre a socialização do Ensino do Estado.

Também farão parte desta Comissão, Deputados escolhidos pela Mesa da Assembléia. (v.II, p.125-126)

O autor apresenta alguns argumentos como o dever do Estado em prover educação para todos de forma universal e gratuita como fator de desenvolvimento do Estado e da população, evitando a mercantilização do ensino. “Um Estado em que a maioria absoluta de seu povo, tem uma situação econômica precária e angustiosa, necessita encarar o problema educacional com o maior empenho.” (v.II, p.125-126)

Por reconhecer a penúria das finanças do Estado, propõe a criação de uma comissão para a formulação de um projeto abrangente e gradual.

Daí, pedirmos uma comissão de técnicos para o seu exame e estudo, esquadrinhando-o em seus múltiplos aspectos, entre eles, o ensino e patrimônios particulares, o aproveitamento das associações e organizações religiosas e tantos outros.

Defendendo, intransigentemente, o ensino em suas diversas fases, absolutamente gratuito, não nos esquecemos, entretanto, das dificuldades de solucioná-lo, desta maneira, com a rapidez necessária. A economia do Estado, desfalecida, e, enormes interesses particulares invertidos no ensino, convidam-nos, a um maior equilíbrio no estudo deste problema. (v.II, p.125-126)

O autor chega a propor uma espécie de focalização socioeconômica para a progressiva da universalização do direito à educação.

Inicialmente, tanto quanto possível, nesta hora, construam-se grupos escolares nas zonas de maior densidade demográfica.

Os Municípios, cuidando com o maior empenho, da instrução em zonas rurais, auxiliarão o Estado, na complementação harmônica do ensino primário.

Construa-se e reabram-se os ginásios estaduais já existentes, nos Municípios mais centrais, isto é, para onde possam convergir, com as melhores possibilidades, habitantes de outras comunas.

Que aceitem, de início, tão somente, a matrícula de filhos de operários, dos trabalhadores, dos funcionários, enfim, dos das classes menos favorecidas da fortuna, até um ajuste mais razoável e oportuno, e que se generalize a medida, quando tivermos melhores oportunidades. (v.II, p.125-126)

A originalidade deste pensamento, além de ser o único apresentado como uma universalização da educação, não só a primária – obrigatória e gratuita –, está não só na constatação de que sua implantação só poderá ser progressiva, a partir os mais necessitados. Para esta inversão, pede a colaboração de técnicos que tragam dados relevantes sobre a situação da educação no Estado em vista de um plano organizado de modo a articular a ampliação da rede e a sua progressiva universalização da escolaridade primária e ginasial. E insinua que, com tais medidas, o Estado ocupará um espaço que estaria sendo tomado pela mercantilização do ensino.7

No texto final a obrigatoriedade foi contemplada no inciso I do artigo 124, com a noção de obrigatoriedade imposta pelo Estado ao cidadão; nos incisos III e IV do mesmo artigo como obrigação imposta pelo Estado às empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de cem pessoas de manter ensino primário gratuito para seus servidores e seus filhos bem como aprendizagem aos seus trabalhadores menores. No artigo 129 o Estado se obriga a instalar escolas profissionalizantes em diferentes zonas de seu território; no artigo 131, parágrafo único, a obrigatoriedade dos exercícios ginásticos em todas as escolas públicas e particulares e no artigo 132, parágrafo único o recebimento obrigatório e gratuito de crianças pobres das escolas primárias nas praças de esporte construídas pelo Estado ou por ele subvencionadas.

Outro assunto discutido foi o das verbas para educação. O art. 169 da Constituição fixava 20% dos impostos dos Estados e Municípios para a educação.

Do orçamento estadual constará obrigatoriamente uma dotação especial destinada ao financiamento de institutos de pesquisas, de preferência junto dos estabelecimentos de ensino superior.

Minas precisa de fundar de uma vez seus laboratórios de pesquisas e experiências para o estado de nosso solo e subsolo, do regime das águas, de nossas quedas d’aguas, das nossas riquezas, estudos que trariam o conhecimento das verdadeiras possibilidades econômicas do Estado, orientando os poderes públicos e os particulares ao seu aproveitamento. Tais institutos devem de preferência ficar junto dos estabelecimentos de ensino superior... (v. I, p.554) 8

As demais emendas vão tratar de percentuais que os municípios irão destinar à educação com variações de percentuais9 e a outras obrigações municipais como funcionalismo, assistência à maternidade e infância, estradas, canais de irrigação. Nesse caso há uma tendência prescritiva para o texto constitucional:

O Município despenderá com a educação pública quinze por cento de sua renda resultante de impostos; com a assistência à maternidade, à infância, à velhice e com a criação de postos de saúde, quinze por cento; no máximo, vinte e cinco por cento com o funcionalismo e quinze por cento com estradas de rodagem e canais de irrigação agrícola. (v.I, p.526)

Ou esta outra que vai restringir a vinculação, mas mantendo a obrigatoriedade com a educação, de autoria do deputado Luiz Maranha e só por ele assinada:

O Município despenderá com a educação pública, 30% de sua renda resultante de impostos, com a assistência à maternidade, à infância e à adolescência, 10% para a Saúde Pública Municipal, não podendo, o Município, despender mais de 20% de sua renda com o seu funcionalismo. (v.II, p.128-129)

Ainda outra, de autoria de José Carvalheira, cujos argumentos, muito originais, protestam contra a imperatividade da vinculação e desobrigam o município da responsabilidade financeira com a educação. Para ele, a educação, justamente por muito importante, precisa de mais aportes com os quais os municípios, por incapacidade, não poderão participar.10 Vale a pena ler a íntegra da justificativa e entender o que se pensava das obrigações dos municípios.

O Município não poderá despender com o seu funcionalismo mais de vinte e cinco por cento de sua renda ordinária e dela despenderá cinco por cento, no mínimo, com a maternidade e infância.

Justificativa: O Projeto havia estabelecido a obrigatoriedade de gastar o Município, com a Educação Pública, vinte por cento de sua renda de impostos, e, com a assistência à maternidade e à infância, cinco por cento, no mínimo, em obediência a preceito da Constituição Federal contra o qual esta emenda tem a força de um protesto.

Sem dúvida, o problema da educação é muito importante e vasto e, para resolvê-lo, deve o Município concorrer com sua parcela de esforços. Mas é discutível que, diante da crise econômica que atravessamos, seja ele o mais relevante da administração municipal, [...] Pois é certo que o papel do Município tem sido, até aqui, e continuará sendo, o de mero proporcionador das primeiras letras aos habitantes do interior. [...] Tal ensino, de pouco ou nada vale. Destinar, pois, a constituição que com ele se consumam vinte ou vinte e cinto por cento das rendas municipais, é insensatez inominável. [...]

Já é tempo de substituir as nossas quase inúteis escolas municipais por escolas profissionais.

Vê-se logo que tão ingente tarefa não é para os frágeis ombros dos Municípios. Eles poderão ser colaboradores precisos de qualquer plano federal-estadual de ensino técnico-profissional. Mas nunca os seus promotores ou únicos executores. Enquanto tal plano não existir, não se fixe nenhuma obrigação ao Município, em matéria de educação ou instrução. (v.I, p.637)

Por trás desses debates acerca dos percentuais destinados à educação, estão as divergências do que deve ser realmente assumido pelos municípios e o que deve caber aos estados, no caso ao Estado de Minas Gerais.

Alguns parlamentares propugnam, na verdade, que o ensino municipal, tradicionalmente ocupado com o ensino rural, está em descalabro em razão da insuficiência de recursos, mas também da incapacidade técnica para administrar o sistema.

O que se pode aferir do conjunto das intervenções é a entrega do ensino totalmente ao Estado e que o município se voltasse a prestar assistência à maternidade, infância, adolescência e saúde como forma de erradicar a fome, desnutrição e desenvolvimento insuficiente das crianças, temendo pelas populações adultas vindouras.

A única menção no texto final acerca da contribuição dos municípios aparece no artigo 128 do texto final, mesmo assim sem determinar qual seria a parte do município: “O Estado, em colaboração com os municípios, manterá serviços de assistência educacional, que assegurem condições de eficiência escolar aos alunos necessitados.” (v.II, p.597)

Como não havia como desobedecer à Constituição Federal, toda a discussão sobre a vinculação de verbas municipais, no texto estadual, ficou restrita aos termos gerais da Constituição Federal. Claro está que as proposituras de mudanças não vingaram e prevaleceu a prescrição federal referente ao Estado, sem referência ao percentual de aplicação obrigatória por parte do município. É o que consta no artigo 130 do texto final:

O Estado aplicará, anualmente, no mínimo, vinte por cento da renda, proveniente dos impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como destacará obrigatoriamente verbas especiais, destinados ao custeio de pesquisas cientificas. (v.II, p.597)

Uma das emendas, assinada pelos deputados Miguel Batista e André de Almeida, dizia respeito à destinação de verba do orçamento estadual para a Universidade de Minas Gerais, criada em 1927, hoje a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas à época, uma instituição privada financiada por recursos próprios, de matrículas, doações e apoio estadual.

Do orçamento estadual constará anualmente uma verba especial, nunca inferior a 0,5% da renda ordinária da Universidade de Minas Gerais. Justificação – os centros universitários tornam-se hoje em dia indispensável até ao progresso material dos povos, dado o valor das pesquisas cientificas que se efetuam nos mesmos. Daí a necessidade de se proporcionar às universidades acomodações adequadas à sua alta missão social. (v.II, p.110)

Uma outra, à destinação de verbas estaduais para o financiamento de institutos de Pesquisas a serem criados. A justificativa da emenda aponta para a questão do desenvolvimento econômico do estado e da exploração das riquezas minerais, principalmente, antecipando uma realidade de estado predominantemente minerador, mas que, no seu nascedouro, já tinha esta vocação que vai nomeá-lo.

A questão do professorado foi de longe o assunto mais debatido nas sessões ordinárias e também nas da constituinte. Foram quatorze, apesar do texto base trazer, no seu artigo 95, uma única referência ao professorado: “O provimento dos cargos do Magistério Público obedecerá ao preceituado na Constituição Federal.” (v.I, p.141)

As emendas versam sobre diversos aspectos da carreira dos professores de Minas, fossem eles do ensino primário, fossem dos níveis ulteriores. Sobre aposentadoria e ou tempo de serviço e idade para aposentadoria são quatro emendas. Os argumentos usados são, principalmente, a idade para a aposentadoria e o tempo de serviço, propugnando a incapacidade ou dificuldade do exercício da profissão em idade mais avançada. A este respeito, tem-se esta emenda de autoria do deputado Aluísio Costa.

Atendendo à natureza especial do serviço, como o do magistério, o que demanda viagens obrigatórias e o que é praticado em zona insalubre, poderá a lei reduzir os limites referidos em o inciso “b”, e no 2.* deste artigo.

Justificação – Exigir do mestre que lecione até atingir a idade de 70 anos, é submetê-lo ao ridículo, é força-lo a ingentes esforços, superiores às vezes às suas forças. Depois de lecionar durante 35 anos, ou quando conta o mestre 70 anos, de idade, está já velho e cansado, inadaptável ao ambiente modernizado, adverso e hecterogêneo em que resplende a mocidade. E esta exige professor moço, vibrátil, dinâmico. (v.I, p.611612)

Há a proposta de aposentadoria compulsória do magistério aos 60 anos de idade, apoiada por vários deputados. “As professoras (ou professores em geral) serão aposentados compulsoriamente, atingindo a idade de sessenta (60) anos.” (v.II, p.59)

E esta outra subscrita por 9 parlamentares, que combina idade e tempo de serviço:

5ª – As professoras primárias terão direito à aposentadoria com vencimentos integrais a contar de 60 anos de idade, desde que contem 25 anos de trabalho efetivo.

Justificativa: A observação mostra que nessa idade as professoras já não apresentam eficiência no ensino nem estimulo para aperfeiçoarem os seus métodos pedagógicos. (v.II, p.74)

Aliás, os assuntos referentes ao professorado, de modo geral, mobilizaram bastante os deputados. Nos argumentos usados, percebem-se as demandas da classe, por um lado, que faz dos parlamentares seus porta vozes e, por outro, os interesses dos deputados em manter e expandir sua base de apoio político, principalmente no interior. Há uma proposta de emenda que contempla a estabilidade de local de trabalho após dez anos de magistério com a justificativa assinada pelos deputados Geraldo Starling Soares, Guilhermino de Oliveira e Augusto Costa.

Os professores e os funcionários que contarem mais de 10 anos de serviço não poderão ser transferidos, para local diverso daquele onde trabalham, salvo a pedido ou como punição em processo administrativo, em que lhes seja assegurada ampla defesa.

Justificativa – Com este preceito, garantidos estão os professores e os funcionários de poderem optar no interior do Estado pelo partido que quiserem. Às vezes, ou melhor, quase sempre, ou sempre, a transferência a bem do Serviço Público, “direito incontrolável do Governo”, equivale a verdadeira demissão, por não poder, principalmente a professora, sem mais, deslocar-se da sede de sua residência, longe da família para exercer em outro município a sua profissão.

E, como nas lutas políticas locais, infelizmente, contra as professoras é que geralmente se investem os chefetes, parece-me de bom aviso a inserção de semelhante dispositivo na futura Carta Constitucional. (v.II, p.54)

Esta proposta é uma resposta à política de perseguições, à época ainda existente no Estado. Cumpre registrar que o texto final da Constituição ficou assim no tocante a estas questões, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado de Minas Gerais:

Art. 35. São estáveis os funcionários contratados, que tenham mais de dez anos de efetivo exercício. Art. 36. Os atuais funcionários interinos do Estado e dos Municípios, que contem, pelo menos, cinco anos de exercício, serão automàticamente efetivados na data da promulgação dêste Ato. Os atuais extranumerários, que exerçam função de caráter permanente, há mais de cinco anos, ou em virtude de concurso, ou prova de habilitação, serão equiparados aos funcionários, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias.

E também:

Art. 37. Os funcionários que acumulavam função de magistério, técnicas ou científicas, e que, pela desacumulação, ordenada pela Carta de 10 de novembro de 1937 e Decreto-lei federal n.O 24, de 29 de novembro do mesmo ano, perderam o cargo efetivo, são nêle considerados em disponibilidade remunerada, até que sejam reaproveitados, sem direito a vencimentos anteriores à data da promulgação do Ato das Disposições Transitórias d:: Constituição Federal. Parágrafo único. Ficam restabelecidas as vantagens da aposentadoria aos que as perderam por fôrça do mencionado Decretolei, sem direito igualmente à percepção de vencimentos anteriores à data da promulgação daquele Ato.

A insuficiência de políticas públicas em relação ao magistério mineiro encontra muita repercussão entre os deputados, que pretendem, no texto constitucional, reparar essa falta.

Uma emenda acerca de quinquênio foi apresentada, para incorporação de 10% dos salários a cada cinco anos trabalhados, assinada por Guilhermino de Oliveira e Augusto Costa. “Cada período de 5 anos, contados, de efetivo exercício no magistério estadual ou municipal, dará direito ao funcionário a adicionais de 10% sobre seus vencimentos, os quais a estes se incorporarão para efeito de aposentadoria.” (v.II, p.57)

Duas foram as emendas acerca da disponibilidade de professores para outras atividades nos colégios e ginásio, com mais de 25/30 anos de efetivo magistério. Os argumentos para tal são semelhantes aos usados para a aposentadoria, o de certo esgotamento dos professores. Duas outras emendas acerca da efetivação de professores interinos dos ginásios, colégios e escolas técnicas com mais de cinco anos de magistério foram apresentadas por 14 parlamentares:

Os professores interinos ou contratados dos colégios e ginásios do Estado, que tenham, pelo menos, dez anos de exercício, ficarão automaticamente equiparados, na data da promulgação deste Ato, aos professores catedráticos, para efeito de estabilidade, vencimentos, aposentadorias, abono e demais direitos, ressalvados, quanto à estabilidade, o disposto no parágrafo primeiro.

1ª – Os professores de que trata o presente artigo serão postos em disponibilidade remunerada até seu aproveitamento em funções similares, caso suas cadeiras, em conformidade com a legislação federal, venham a ser providas por concurso.

2ª - Para efeito da concessão aos professores beneficiários do presente artigo do abono quinquenal criado pelo Decreto-lei No 1.905, de 12 de novembro de 1946, a contagem do tempo será feita a partir da data em que cada um, como interino ou contratado, começou a exercer o magistério oficial. (v.II, p.111-112)

O ensino profissional, como iniciativa e obrigação do Estado, foi objeto de várias emendas, subsidiadas por muitos argumentos. O texto básico preconizava:

Art. 97 – O Estado organizará e manterá sistema de ensino profissional próprio, destinado à formação de artífices, atendidas as necessidades e peculiaridades regionais.

Parágrafo único – O ensino profissional e o primário poderão ser ministrados concomitantemente, desde que não haja prejuízo para o aproveitamento do segundo. (v.I, p.141)

A redação deste artigo transparece uma noção de profissão ainda como arte, artesanato praticado de forma individual, embora sob a designação de ensino profissional. Não aparece clara a noção de profissão, tal como o capitalismo industrial que tomava corpo no país, passa a requerer. Lembre-se que o art. 157, IX da Constituição Federal proibia o trabalho a menores de 14 anos e a obrigatoriedade do ensino primário abrangia a faixa etária dos sete aos dez anos. Portanto, o parágrafo único sugere uma continuidade do ensino profissional em relação ao ensino primário para pessoas com 14 anos. Esta formulação não obteve aprovação.

Num outro texto, que parece ter sido também usado como base das discussões dos parlamentares, aparece no seu artigo 117, inciso d, a seguinte formulação: “As empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores.” (v.I, p.410-411)

Esta versão repete, ipsis litteris, o previsto na Constituição Federal em seu artigo 168, inciso IV.

Cumpre registrar que, durante o Estado Novo, houve tanto a criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial, pelo Decreto n. 4.048/1942, tendo em vista a intensificação do processo de industrialização no país.Já o sistema oficial de ensino, via Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto-Lei n. 4.073/1942 que era dividido em dois ciclos, sendo o fundamental ministrado em 3 ou 4 anos.E o segundo ciclo visava, em 3 ou 4 anos, à formação de técnicos industriais.

O ensino profissional, como iniciativa e obrigação do Estado, foi objeto de três emendas, propugnando a obrigatoriedade do Estado em proporcionar este ensino. Uma delas assim foi redigida:

O Estado deve promover, por si ou em colaboração com os Municípios e organizações privadas, o maior desenvolvimento do ensino profissional, nos graus elementar e médio.11

Parágrafo único – Quando a iniciativa partir dos Municípios, e o ensino for gratuito, o Estado deverá subvencionar o serviço com uma cota não inferior a trinta mil cruzeiros anuais; quando partir de organizações privada, da existência regular, o Estado subvencionará, proporcionalmente ao número de matriculas postas à sua disposição para os alunos pobres e aplicados, residentes na própria região. (v.I, p.576)

Nessa emenda o entendimento acerca do ensino profissional já avança, para além do primário, como etapa complementar de formação do estudante, de forma a permitir sua inserção futura no mercado de trabalho. A justificativa da emenda apresentada pelo constituinte é reveladora, por si só, das motivações de tal iniciativa:

É certo que a melhor colonização para o nosso Pais será aquela que se faça com os seus próprios filhos. A instrução profissional virá, assim, preencher uma importante lacuna de ordem social e econômica, fornecendo operários especializados às forcas produtoras de Minas Gerais. Além disso, encontraremos nesse mecanismo um importante subsidio para o encaminhamento racional de numerosas crianças pobres, que necessitam e tem o direito de apelar para o amparo do Estado.

Estendendo esses benefícios a todas as camadas sociais e a todos os Municípios, conseguirá o Estado realizar um elevado ideal republicano sobre o qual se consolidará sua grandeza” (v.I, p.576)

Talvez possamos ver no texto algumas preocupações do legislador. Há uma inter-relação implícita do tema da colonização com o da educação profissional. Provavelmente ele veja nessa providência uma forma de o Estado não precisar mais trazer de fora do país profissionais qualificados para a construção de uma sociedade em transformação na sua economia. A outra é uma ligeira menção às forças produtoras de Minas Gerais que começam a se diversificar, para além da atividade agrária de subsistência e da pecuária, que estariam a requerer um outro tipo de profissional.

Por fim, ele explicita a questão do encaminhamento profissional das crianças pobres, muito similar ao que previa a Constituição de 1937.

A segunda emenda, assinada pelo deputado Antonio Guimarães, propõe o seguinte:

Às Disposições Transitórias:

Acrescentar onde convier:

1ª. – Em todas as cidades industriais do Estado, onde existem minerações ou oficinas de E. de Ferro, o Governo providenciará a fundação de Liceus de Artes e Ofícios, para favorecer os filhos de operários na aprendizagem, facilitando também para que sejam preparados para a matrícula no SNA (Serviço Nacional de Aprendizagem), mantido pelo Governo Federal. 12

2ª. – Nas Zonas agrícolas, fundação de aprendizagem pratica de técnicas agrícolas.13

3ª. – Em todas as cidades e vilas, criação de escolas profissionais femininas.

Permitir ou incentivar a criação de escolas primárias em todas as vilas, arraiais e pequenos povoados, auxiliando as que mantiverem no mínimo 20 alunos frequentes, dando uma gratificação não inferior a Cr$ 200,00 mensais, ao professor, desde que demonstre aproveitamento dos alunos depois de 4 meses de aulas.

4ª. – Os professores, poderão mais tarde ser aproveitados, tendo preferência, para nomeações, não só nas tais escolas, como para nomeações para os grupos escolares municipais.

5ª. – Os primeiros liceus a serem criados e as escolas profissionais, constantes desta emenda, deverão ser nas seguintes cidades: Juiz de Fora, Barbacena, Lafaiete, Santos Dumont, Sete Lagoas, Nova Lima, Pouso Alegre, Ibiá, Ibatuba, Cambui, Camanducáia, Extrema,

Silvianópolis e Divinópolis. (v.II, p.99)

O espírito da emenda revela algumas facetas importantes na configuração agrícola e industrial de Minas como a vocação mineradora do Estado. A Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, se valia do minério de ferro era extraído em Minas e transportado até lá.14 A outra diz respeito à malha ferroviária que à época era muito importante para o transporte de bens, matérias primas e pessoas, além de ser razoavelmente extensa no estado. Outra preocupação era a de preparar mão de obra para uma agricultura e pecuária mais técnicas como outra vocação de Minas Gerais na época. A preocupação com a mão de obra feminina que já há uma atenção ao enorme exército de mão de obra feminina no estado trabalhando como operárias em fábricas de fiação e tecelagem no Estado, além da presente na agricultura e pecuária.15

A terceira emenda, subscrita por vinte e um deputados, diz o seguinte: “Fica o Estado obrigado a instalar escolas profissionais em diferentes zonas de seu território.” (v.II, p.28)

Esta emenda foi literalmente incorporada ao texto final, no seu artigo 129. O registro dos debates mostra certa paixão pelo tema com posicionamentos reveladores de posições mais “tradicionais” e outros mais “modernos”. Os argumentos vão, desde a preferência para a formação de alunos pobres que não tinham como aprender nenhum ofício, como uma certa extensão a outras camadas da população na formação profissional. A questão do acesso ao ensino superior também é um dos argumentos para a participação do Estado na formação profissional técnica de nível médio.

Na discussão do tema, há menção às melhores condições para esse tipo de formação no Estado de São Paulo. “O Estado de São Paulo, como todos nós sabemos, avança neste setor especializado de nossa educação. Em Minas se ressente profundamente de falta de operário especializado.” (v.I, p.576)

E há uma ênfase moral na formação do indivíduo, no afastamento da situação de párias, na sua integração como cidadão.

A civilização é o resultado dos elementos naturais e culturais: - naturais, solo, clima, raças, vias de comunicação, distribuição de riquezas, fatores determinantes que influem poderosamente sobre a organização social. Culturais, obra do homem, criação de seu espírito inventivo; ciência, arte e técnica, eis um patrimônio social, que se forma lentamente constituído com os esforços árduos dos antepassados, enriquecendo-se continuamente com a colaboração do presente e transmitindo como herança viva às construções do futuro a contribuição do passado, numa solidariedade indestrutível entre as gerações que se sucedem.

O homem é como a própria terra; preparada, dá ótimos e abundantes frutos; abandonada, nascem-lhe espinhos e cardos; cultivada, dá os melhores e os mais compensadores resultados.

O homem sem educação e sem oficio coloca-se ao nível dos brutos; força negativa senão perigosa da sociedade; cultivado, torna-se elevado no seu patriotismo, abnegado nos seus sentimentos, dignos de seus maiores; força viva, produtora e fecunda da Pátria. (v.II, p.28)

A situação de Minas Gerais, enquanto um Estado, à época, ainda predominantemente agrícola, mas postulando uma industrialização, encontra nesta fala uma acolhida relativa à preparação de uma força de trabalho adequada a uma economia industrial. A questão do ensino privado é dada como algo estabelecido e incorporado na sociedade, principalmente aquele sob a responsabilidade das ordens religiosas. Não aparecem antagonismos entre o sistema público e o privado.

Foi apresentada uma única emenda, introduzindo o tema nas discussões e ela foi assim redigida:

O ensino será livre às iniciativas particulares, dentro do sistema educativo da União e dos Estados. Esse sistema respeitará a necessária autonomia e variedade das instituições educativas.

Justificativa: A emenda torna bem clara o princípio de liberdade de ensino e evita o perigo de uma padronização exagerada e de uma fiscalização burocrática excessiva, sempre contraproducente. (v.II, p.134)

Nos anais não há discussões sobre a questão com posições antagônicas ou divergentes. Havia, entre os constituintes certamente aqueles mais apegados a uma predominância das iniciativas do Estado na questão da educação, mas sem exclusividade para ele. O que chama atenção na redação desta emenda é que ela se refere a iniciativas particulares no plural como as das ordens religiosas e iniciativas laicas. A justificativa declara que a emenda pretende preservar a liberdade de ensino. Transparece que há certo temor em relação ao controle do estado e padronização do ensino. O texto final contempla o que tinha sido preconizado na Constituição Federal.

Outro tema discutido foi a das bibliotecas.

No texto básico, oferecido à discussão dos constituintes, aparece o artigo 100 escrito desta forma:

O amparo à cultura é dever do Estado, devendo ele promover, incentivar e auxiliar:

A fundação de estabelecimento de ensino de todos os ramos e graus: A organização de bibliotecas e museus e a conservação de monumentos, obras e documentos que interessem ao passado histórico regional ou nacional;

A fundação e o desenvolvimento dos institutos científicos e de pesquisas.

(v.1, parte 1, p. 410-411)

Foi apresentada uma emenda de autoria do deputado Starling Soares com a seguinte redação:

O Estado promoverá e estimulará, a criação de bibliotecas públicas, organizando, subordinada à Secretaria de Educação, a “Divisão do Livro”, com finalidade precípua de orientar e dar assistência às bibliotecas municipais e de caráter popular, existentes, recreativas, esportivas e estabelecimentos de ensino oficializados.

Parágrafo único – “Dentro do prazo de 120 dias, a Divisão do Livro, em colaboração com o Instituto Nacional do Livro, promoverá a instalação de bibliotecas públicas, em todas as cidades do Estado. (v.II, p. 17)16

Essa questão foi muito debatida e defendida por vários parlamentares que se alongaram com encômios às bibliotecas e aos livros. Há elogios, ainda, a algumas iniciativas já existentes em várias cidades do interior. Essas eram fruto de seus trabalhos, enquanto prefeitos que alguns foram.

Na versão final, o art. 135 da Constituição, assim foi redigido: “O Estado promoverá e estimulará a criação de Bibliotecas populares.” Essa indicação não aparece na Constituição Federal de 1946.

A prática da educação física nas escolas foi objeto de pelo menos duas emendas ao texto-base, mas com bastante debate nas reuniões da Assembleia Constituinte. Uma delas foi redigida assim:

O Estado estimulará, no seu território, a divulgação dos desportos, os quais serão obrigatórios, assim como a educação física, nas escolas públicas e particulares subvencionadas.

Justificativa: A redação é mais clara. Sem dúvida a construção de praças de esportes é um dever, mais necessário seria a construção de um grupo escolar em cada Município e nisso não se falou. (v.II, p.72)

Essa emenda já apresenta uma diferença de posições entre o estímulo aos desportos e a prática de educação física. Pelo que se depreende das discussões, em Minas Gerais, a prática de esportes era mais estimulada, principalmente da natação, mas, ao que tudo indica, muito incipiente ou inexistente a educação física.

A outra emenda, de autoria do deputado Badaró Junior, foi apresentada com a seguinte redação:

O Estado estimulará e fiscalizará a prática da Educação Física e dos desportos em todo o seu território.

Parágrafo único – São obrigatórios os exercícios ginásticos em todas as escolas públicas ou particulares.

Art.- O Estado promoverá, pelos meios ao seu alcance, a instalação de praças de esporte na sede dos Municípios.

Parágrafo único – As praças de esportes construídas pelo Estado ou com seu auxílio e, ainda, aquelas que forem por ele subvencionadas, deverão receber obrigatória e gratuitamente as crianças pobres das escolas primarias, como medida de auxílio ao aprimoramento racial do povo. (v. I, p.600)

Esta emenda foi incorporada ao texto final nos artigos 131 e 132, praticamente intacta, retirado apenas o final da última frase: como medida de auxílio ao aprimoramento racial do povo. Esta retirada se deve ao espírito da época após os horrores do nazismo. Houve, porém, uma acalorada discussão sobre a questão da educação física como disciplina obrigatória no texto constitucional, inclusive relacionando-a ao melhoramento eugênico do povo.

Como entre nós a maioria da população é constituída de famílias pobres, incapazes por si mesmas de custear a manutenção de seus filhos em organizações especializadas de cultura física, torna-se imperioso que se inclua um dispositivo especial na Constituição, assegurando à prole infantil dessas famílias o uso das praças de esporte construídas pelo Estado, bem como daquelas para as quais tenha ele contribuído ou conceda subvenções. Acreditamos que o Estado facilitando assim o livre acesso às praças de esporte, indistintamente a todas as classes sociais da infância escolar e mais do que isso tornando-o obrigatório, só assim poderá assegurar uma boa formação eugênica do seu povo. (v. I, p. 600)

A iniciativa de construção e manutenção de praças de esporte pelo Estado era muito bem vista pelos deputados constituintes. Daí a sua incorporação ao texto constitucional com a obrigatoriedade da presença e do uso gratuito pelos alunos pobres das escolas primárias. Os argumentos usados merecem ser conhecidos, como esses do próprio Badaró Junior, autor de uma das emendas:

À primeira vista, talvez possa parecer dispensável essa referencia especial ao livre ingresso das crianças pobres nas praças de esporte... Devemos ressaltar que essas crianças a que fazemos referência, além de muito numerosas, estão a exigir uma atenção especial dos poderes públicos. ... A piscina, os brinquedos, os campos de esportes, a reunião enfim, tudo na praça de esporte desperta o espírito da criança, atraindo-a... Aberta a essas crianças a porta da praça de esporte, o que se conseguirá não é apenas o milagre da cultura física, propriamente dita, pois antes disso a criança terá de passar pelo gabinete médico... recebendo então o devido teste sanitário, para o qual concorrerão os Centros de saúde com os exames

complementares de laboratório. (v. I, p.600)

Seguramente o deputado constituinte estava preocupado com questões para além da educação e queria amarrar várias políticas públicas num só mecanismo constitucional.E a educação física ganhou tanto o art. 131 como o art. 132.

O ensino religioso, contemplado na versão final, não esteve presente nestes debates, à diferença do que ocorreu nos espaços da constituinte federal.

Conclusão

O estudo nas fontes documentais pesquisadas, em relação ao objetivo geral, evidenciou que a Constituinte Mineira de 1947 se desincumbiu do dever posto na Constituição Federal de 1946 ao elaborar sua própria Constituição, contemplando a Educação com um Título próprio (Título XI - Da Educação e Cultura) com 11 artigos. Há uma aderência geral ao capítulo de educação da Constituição Federal.

Contudo, não há remissão ao art. 166 da Constituição que explicita a educação como direito de todos e os princípios que a regem no sentido da liberdade enos ideais da solidariedade humana. Mas pode-se reconhecer o caráter suposto deste direito no conjunto dos artigos do Título XI, entre os quais os dispositivos de gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário. Com exceção de um constituinte, o ensino ulterior ao primário reproduziu os termos da Federal: a gratuidade condicionada à falta ou insuficiência de recursos.

Quanto aos objetivos específicos, pode-se apontar alguns diferenciais encontrados no texto constitucional estadual, sinal do exercício de sua autonomia e adequação às realidades estaduais.

Um deles é o dispositivo que, desde logo, institui um sistema próprio de ensino para todos os graus comuns e específicos (art. 124) sob uma lei orgânica do sistema de ensino estadual (art. 125).17 É o Estado de Minas Gerais assumindo sua autonomia dentro do espírito liberal e descentralizante que norteou a Constituição de 1946.

A criação de escolas profissionais e o desenvolvimento da educação física são dois diferenciais que foram muito presentes nos debates constituintes. Eles expressam a dimensão de um Estado que queria se industrializar, seja na conformação dos trabalhadores em potencial como futura força-de-trabalho.

Outro ponto de distinção é o art. 134 que isenta eventos de caráter científico, artístico e literários de tributação, seja estadual, seja municipal.

O art.130 contém o apoio do Estado às pesquisas científicas e o art. 135 põe o Estado como promotor e incentivador de bibliotecas populares.

A restrição de acesso ao ensino posterior ao primário, seja pela não gratuidade, seja pequena oferta de ginásios e colégios (secundário) fica mais evidente quando o funcionário público, com mais de cinco filhos, terá a gratuidade para apenas um deles. Trata-se de um indicador geral e específico da seletividade do sistema educacional. Mesmo com a volta da gratuidade, da obrigatoriedade e da vinculação, certamente avanços significativos, a organização da educação estadual em boa parte se compunha com a seletividade do sistema educacional do país como um todo.

No caso específico da pesquisa, o que se configurou foi uma mudança da lei com mudança política. Com efeito, o Brasil saia de uma ditadura centralizada que havia revogado a Constituição promulgada de 1934, outorgado uma outra, havia revogado todas Constituições Estaduais de 1935 e deposto todos os governantes eleitos pelo voto popular e nomeado interventores nos Estados e Municípios.

Nesse sentido, a Constituição de 1946 positivou os direitos civis (art. 141-144), estabeleceu os princípios da justiça social para a ordem econômica e social (art. 145-162 e restabeleceu os direitos políticos sufocados pelo Estado Novo (art.129-140).

Mas por se tratar de uma Constituição Estadual, seus dispositivos deveriam fundamentarse nos da Federal e não contraditá-los. O texto final transparece este modelo, mas com ênfase no sentido dos direitos civis e políticos, sendo que os sociais como direitos teriam de aguardar mais tempo. Estas mudanças da Lei Maior do Estado só iriam ganhar um desenho mais efetivo quando leis infraconstitucionais fossem levadas adiante.

2Com efeito, a Constituição outorgada de 1937, no art. 130, solicitava às famílias dos alunos não necessitados um gesto de solidariedade, mediante uma contribuição módica e mensal para o caixa escolar. Em Minas, há o Decreto-lei n. 734, de 17 de setembro de 1940, que regulamentava o caixa escolar. Para nomenclatura esclarecedora de lei, decreto-lei, decreto entre outros, cf. Gandra-Martins, 1999

3Doravante, apontaremos somente o volume e as páginas, quando houver citação de excertos dos Anais.

4A plena gratuidade em escolas públicas, seja no nível básico, seja no superior só será estabelecida, em nível nacional, na Constituição de 1988. A Constituição de 1967 ampliou a gratuidade para os oitos anos de ensino primário, anos obrigatórios e que viriam a se denominar ensino de primeiro grau com a lei n. 5.692/71.

5Sobre esse assunto, cf. Horta, IN: Vidal, Sá e Silva (Org.), 2013.

6Uma emenda de 1961, a de n. 5, deixará mais clara a incumbência do Município no § 6º do art. 15 em relação a aspectos socioculturais.

7O art. 167 da Constituição Federal de 1946 permite a liberdade de ensino, respeitadas as leis que o regulem.

8O § único do art. 174 da Constituição Federal estabelece: “a lei promoverá a criação de institutos de pesquisa, de preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior”.

9Lembre-se de que a Constituição de 1946, no art. 169, estabelecia 20% dos impostos municipais e estaduais só para a educação.

10Muitas foram as tentativas de uma articulação conjunta entre os 3 entes públicos, em especial os esforços de Anísio Teixeira nos anos 50 e 60. Esta articulação será objeto, nos anos 1996 e 2006, respectivamente da criação, por emenda constitucional, de uma sub-vinculação por meio de fundo estadual.

11O Decreto de Capanema previa, no art. 18, II: “Os cursos de formação profissional do primeiro ciclo estarão articulados com o ensino primário, e os cursos técnicos, com o ensino secundário de primeiro ciclo, de modo que se possibilite um recrutamento bem orientado.”

12Referência ao SENAI, ao qual mais tarde se cria o Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) pelo Decreto-Lei n. 8.621/1946.

13Para uma minuciosa história do ensino agrícola em Minas Gerais, cf. Cimino (2013) . Nessa tese, entre outros, registra-se a criação do Aprendizado Agrícola de Barbacena pelo Decreto n. 8358/1910 de Nilo Peçanha, sob a jurisdição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Importa registrar a lei estadual n. 454/1907 de João Pinheiro e a busca de uma educação profissional.

14Para uma história da industrialização mineira, cf. Diniz (1981).

15Nas sucessivas reformas de ensino, no Brasil, há sempre referências ao trabalho feminino. Vejam-se, como exemplo, as Leis Orgânicas de Capanema durante o Estado Novo.

16Não deixa de causar espécie a sanção da lei n. 12.244/2010 sobre a universalização de bibliotecas escolares em todo o país.

17A rigor, esta lei só se dará mediante o Decreto n. 3.508 de 21 de fevereiro de 1950, tratando do Código do Ensino Primário. Já o Decreto Estadual n. 1873 de 28 de outubro de 1946 fará a regulamentação das escolas normais em Minas Gerais.

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Recebido: 00 de Maio de 2018; Aceito: 00 de Junho de 2018

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