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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.18 no.2 Uberlândia mayo/ago 2019  Epub 26-Sep-2019

https://doi.org/10.14393/che-v18n2-2019-11 

DOSSIÊ: ARTIGOS

O poder republicano em Minas Gerais e a instrução pública: entre a revolução passiva, o transformismo e a pequena política

Cezar Luiz De Mari1 
http://orcid.org/0000-0003-0404-0328; lattes: 0201073550093287

Licínio de Sousa e Silva Filho2 
http://orcid.org/0000-0002-6057-3332; lattes: 3194413758150740

1Universidade Federal de Viçosa (Brasil) cezar.demari@ufv.br

2Centro Educacional Professor Francisco Saldanha (Brasil) silvafilho.licinio@gmail.com


Resumo

O presente artigo é resultado de pesquisa com foco nos primeiros anos da República em Minas Gerais. O objetivo da investigação foi demonstrar que a instrução pública em Minas Gerais foi conduzida pelas oligarquias regionais e locais, mantendo-a nos limites estreitos dos seus interesses. Serviram de base empírica documentos do Arquivo Público Mineiro e estudos de especialistas da história da educação republicana brasileira. Para a análise, nos guiamos preferencialmente pelos conceitos de revolução passiva, transformismo e pequena política de Antonio Gramsci.

Palavras-chave: Instrução Pública; Minas Gerais; Pequena Política

ABSTRACT

This article is linked to the research focusing on the early years of the Republic in Minas Gerais. The aim of the research was to demonstrate that public education in Minas Gerais was conducted by regional and local oligarchies, keeping it in the narrow confines of his interests. Served as empirical base documents of the Public Mineiro File and specialist studies the history of Brazilian republican education. For the analysis we are guided by the concepts of passive revolution, transformism and small politics of Antonio Gramsci.

Key-words: Public Education; Minas Gerais; Small Policy

RESUMEN

Este artículo es el resultado de la investigación centrada en los primeros años de la República, en Minas Gerais. El objetivo de la investigación es demostrar que la educación pública en Minas Gerais se llevó a cabo por las oligarquías regionales y locales, manteniéndolo en los estrechos confines de sus intereses. Servieron de base empírica los documentos del Archivo Público Mineiro y especialistas que estudiam la historia de la educación republicana brasileña. Para el análisis preferiblemente guiada por el concepto de revolución pasiva, transformismo y pequeña política de Antonio Gramsci.

Palabras clave: Educación Pública; Minas Gerais; Política Pequeña

Introdução

Este artigo resulta de pesquisa relativa a instrução primária e os limites do projeto hegemônico republicano em Minas Gerais entre os anos de 1892 e 1907. Buscamos analisar a instrução pública em Minas Gerais e os vínculos aos interesses políticos na esfera estadual e municipal comuns às frações oligárquicas. Utilizamos algumas categorias gramscianas, em especial, “revolução passiva”, “pequena política” e “transformismo” para entender o movimento da política e suas implicações na instrução pública nos primeiros anos da República em Minas Gerais.

Fizeram parte das análises fontes documentais do Arquivo Público Mineiro - APM, entre 1893-1895. Partimos da hipótese de que a passagem do Império para a República, no Brasil, foi realizada de forma passiva, isto é, sem a participação da população. Entre outras inferências apontamos que o projeto hegemônico republicano, em Minas Gerais, não se consolida devido a um conjunto de limitações de ordem estruturais e superestruturais no interior de seu território, e pelas divergências derivadas dos diferentes grupos políticos. Concluímos que a condução da instrução pública em Minas Gerais nos primeiros anos da República foi mediada pelas forças oligárquicas regionais e locais que estavam mais propensas a realizá-las para os seus interesses particulares do que para responder aos ideais de progresso emergente.

Questões preliminares

A implantação do regime republicano no Brasil pode ser caracterizada como processo político que se enquadra no que Gramsci (2000, p. 63) chamou de “revolução passiva”, ou seja, processos de passagem políticas e sociais conduzidas por grupos dominantes. Caio Prado Jr. (1986, p. 208), ao analisar a passagem, no Brasil, do Império para a República afirma que “[...] a mudança de regime não passou efetivamente de um golpe militar, com o concurso apenas de reduzidos grupos civis e sem nenhuma participação popular. O povo, no dizer de um dos fundadores da República, assistira bestializado ao golpe [...]”.

O projeto republicano propunha, dentre outras coisas, adequar o país à ordem capitalista vigente decorrente da Segunda Revolução Industrial. Porém, este processo de modernização capitalista, tiveram soluções “pelo alto” como podemos conferir em Coutinho (2003),

[...] ao invés de ser resultado de movimentos populares, ou seja, de um processo dirigido por uma burguesia revolucionária que arrastasse consigo as massas camponesas e os trabalhadores urbanos, a transformação capitalista teve lugar graças ao acordo entre frações das classes economicamente dominantes, com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado. Neste sentido, todas as opções enfrentadas no Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a Independência política ao golpe de 1964, passando pela Proclamação da República e pela Revolução de 1930), encontram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e antipopular. (COUTINHO, 2003, p. 196).

Gramsci (2000b, p. 209-210), ao tratar da unificação italiana e do papel do Piemonte1 no Risorgimento (1815-1870)2, no decorrer do século XIX, afirmava que “o processo de revolução passiva me parece exato não só para a Itália, mas também para os outros países que modernizaram o Estado através de uma série de reformas ou de guerras nacionais, sem passar pela revolução política de tipo radical-jacobina”. Coutinho (2003), ao defender a possibilidade de aplicação desta categoria de análise ao caso brasileiro, da passagem ao período republicano, chama atenção para dois aspectos centrais levantados por Gramsci:

[...] por um lado, o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, ou, mais concretamente, o predomínio das formas ditatoriais de supremacia em detrimento das formas hegemônicas; e, por outro lado, a prática do transformismo como modalidade de desenvolvimento histórico que implica a exclusão das massas populares. (COUTINHO, 2003, p. 202-203).

As formações políticas realizadas de modo passivo e “pelo alto” contém um componente central explicado por Gramsci (2000 p. 396), na nota 72, dos Cadernos Miscelâneos, denominado de transformismo: “o transformismo significa um método para implementar um programa limitado de reformas, mediante a cooptação pelo bloco no poder de membros da oposição”. A manifestação do transformismo foi identificada em dois momentos da história italiana. O primeiro, entre 1860 e 1900, que Gramsci denominou de “‘transformismo’ molecular [em que] [...] as personalidades políticas singulares elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à ‘classe política’ conservadora moderna [...]”. O segundo momento, a partir de 1900, identificado como “[...] transformismo de grupos radicais inteiros, que passam para o campo moderado [...]” (GRAMSCI, 2002, p. 86).

Ainda explorando a questão do processo de unificação da Itália na perspectiva da revolução passiva, Coutinho assinala a existência de

uma diferença fundamental entre o Risorgimento e o caso brasileiro; enquanto na Itália um Estado particular, o Piemonte, desempenha o papel decisivo na construção de um novo Estado nacional unitário, o Estado que desempenha no Brasil a função de protagonista das revoluções passivas e já unificado [...] (COUTINHO, 2003, p. 203-204).

Apesar desta diferença, o autor salienta

que o Estado brasileiro teve historicamente o mesmo papel que Gramsci atribuiu ao Piemonte, ou seja, o de substituir as classes sociais em função de protagonista dos processos de transformação e o de assumir a tarefa de ‘dirigir’ politicamente as próprias classes economicamente dominantes […]. (COUTINHO, 2003, p. 204).

Outro fator que influenciou decisivamente a condução da política no período republicano brasileiro é o que em Gramsci (2000b, p. 21) é definido como “a pequena política”. Ela se manifesta como oposição aos grandes projetos políticos, mantendo-se nos limites da atuação oligárquica e na manutenção dos seus interesses imediatos.

Considerando os conceitos lançados acima, seguiremos tratando das disputas dentro do Partido Republicano Mineiro após a proclamação da República. Buscamos demonstrar que a “pequena política”, o “transformismo” e as soluções “pelo alto” se mesclavam aos conflitos de interesses das forças políticas regionais, inaugurando uma espécie de “modernização conservadora”. Esse período de agitação política comprometia a implantação e consolidação da ordem republicana no Estado, especialmente a instrução pública. Antes, porém, descreveremos de forma breve, os caminhos percorridos pelo republicanismo em Minas Gerais até a fundação do Partido Republicano Mineiro - PRM.

Os caminhos do republicanismo em Minas Gerais

O republicanismo no Brasil foi um movimento que se concretizou no final do século XIX. “Em Minas, o ideal republicano era antigo e pode-se dizer que foi um dos pontos básicos da Conjuração Mineira3 [...]” (SILVEIRA NETO, 1976, p. 212). A partir de 1870, com a divulgação do Manifesto Republicano, em Minas Gerais, muitas manifestações externando a adesão à causa republicana foram publicadas em jornais em várias regiões do Estado. Outras ações tomaram corpo visando fortalecer o movimento: “[...] em 1872 e 73, surgiram os primeiros clubes republicanos, em São José do Rio Preto e Diamantina. Apesar de eleitoralmente fracos, os republicanos já contavam, em 1885, com dois deputados na Câmara.” (SILVEIRA NETO, 1976, p. 212).

Em quatro de junho, de 1888, os republicanos realizam uma convenção em Ouro Preto, então capital do Estado, que contou com representantes de 47 municípios, quando é oficialmente criado o PRM. Ainda, segundo Silveira Neto (1976, p. 213), nas eleições do ano seguinte, este Partido consegue atrair mais eleitores, devido “[...] em grande parte, ao enfraquecimento dos partidos Conservador e Liberal, pelas lutas constantes entre si”. Devemos lembrar que nos anos de 1888 e 1889, o país passou por mudanças profundas com a Abolição da escravidão e a Proclamação da República, respectivamente. Porém, no caso mineiro, é importante observar o que assinala Resende (1982, p. 55):

O republicanismo em Minas, apesar dos êxitos de 1888-1889, não constituía, ao proclamar-se a República uma força muito considerável, [...] os republicanos no momento da queda do Império contavam de acordo com os resultados eleitorais, somente com 30% do eleitorado, porcentagem na qual se incluíam conservadores, senhores de escravos, que após a Abolição aderiram ao Partido Republicano.

A partir do excerto acima podemos depreender que o republicanismo em Minas Gerais, além de contar, com os chamados republicanos históricos4, também contou, após a Abolição e às vésperas da Proclamação da República, com figuras, que, anteriormente compunham os quadros dos partidos que davam sustentação ao Império, ou seja, o Partido Conservador e o Partido Liberal, o que nos leva a inferir que a unidade do Partido Republicano Mineiro poderia estar comprometida desde o primeiro momento.

O Partido Republicano Mineiro: entre cisões e conciliações

Entre 1889 e 1891, Minas Gerais viveu um período de intensos debates políticos relacionados com a organização do Estado dentro da nova ordem republicana (CARVALHO, 2010). Dentre as questões que mais tomaram espaço nestes debates, destacam-se as disputas internas do PRM para saber qual grupo político teria o legítimo direito de conduzir esta reorganização. A busca pela hegemonia dentro do Partido era manifestada em dois sentidos: por um lado, entre as correntes políticas representadas pelos “antigos republicanos” e os “republicanos de véspera” por outro, entre as frações de classes regionais, que, naquele contexto de reorganização do Estado, almejavam impor-se.

O PRM tinha como característica uma composição de forças bastante heterogênea. Seus filiados, mesmo sendo representantes de grupos regionais diversos, expressavam interesses políticos e econômicos oligárquicos. Resende (1982, p. 17) constata em seu estudo sobre as estruturas da política republicana em Minas Gerais, entre 1889 e 1906, que apesar do PRM ter uma composição mais liberal no início da sua formação, “Ao longo do período 1889-1906, impõem-se progressivamente comportamentos políticos tradicionais e mecanismos legais e paralegais que estruturam a dominação oligárquica”.

Não bastasse as tensões ao redor da composição do PRM, outro ingrediente irá gerar ainda mais rupturas: a nomeação de José Cesário de Faria Alvim (1839-1903)5 para Governo do Estado de Minas Gerais. Político mineiro que fizera carreira no antigo Partido Liberal assume o Governo em 1889 indicado diretamente pelo Presidente Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892). Esse episódio marca os acirramentos políticos entre monarquistas e republicanos no debate em torno da legitimidade dos que assumiriam a condução na reorganização do Estado, a partir do advento da República. Este debate envolveria diferentes forças políticas dentro do Partido, identificadas como:

[...] “adesistas” ou “novos republicanos”, membros dos extintos partidos monárquicos que aderiram à causa republicana. Em oposição denominavam-se os republicanos de antes de 15 de novembro de “antigos republicanos”. Dentre eles, os radicais procuravam distinguir os “históricos”, ou seja, os que vinham do manifesto de 1870 ou que nasceram politicamente nas fileiras republicanas, recusando-se a aceitar em suas hostes os chamados “republicanos de véspera”. A estes se negava “o desinteresse de puros republicanos” filiando sua profissão de fé a fatores outros que não uma legítima aspiração republicana. Estavam nesse caso, por exemplo, os chamados “indenistas”, conservadores que após a Abolição transferiram-se para as fileiras do Partido Republicano. Sob a capa das origens da profissão de fé republicana iniciou-se em Minas Gerais a disputa em torno da direção da reorganização do Estado em suas novas bases republicanas. (RESENDE, 1982, p. 57).

Resende (1982) nos informa que a adesão de políticos dos antigos partidos monárquicos não era consenso dentro do PRM o que exigiria um esforço de suas lideranças para estabelecer a unidade do partido. Parece-nos, que, no primeiro momento, o transformismo sugerido por Gramsci (2000b, p. 396), na adesão das correntes políticas mais conservadores, que anteriormente sustentaram o Império, não era compartilhado pelos chamados republicanos históricos.

Os conservadores buscavam no PRM um instrumento de representatividade das oligarquias agrárias para ordenar o Estado em defesa e conservação das estruturas políticas, econômicas e sociais que as beneficiassem. Poderíamos classificar estas questões de “grande política”, mas no conjunto dos embates foram reduzidas à “pequena política” (GRAMSCI, 2000b, p. 21).

João Pinheiro da Silva (1860-1908)6, liderança do primeiro grupo do PRM, propunha que “a ‘direção’ da organização republicana do Estado seria tarefa exclusiva dos ‘antigos republicanos’; dos ‘novos republicanos’ aceitava-se a ‘colaboração sem nenhuma preferência, sem nenhuma exclusão [...]”, ao passo que, Cesário Alvim defendia uma política “de ‘conciliação’, cuja base era a união de monarquistas e republicanos, sem distinção, na política republicana [...]”. Outro ponto de tensão dizia respeito à questão da administração municipal, “cuja faculdade fora conferida aos governadores de Estado por Decreto Federal [...]” (RESENDE, 1982, p. 59), que provocou críticas diversas a partir da dissolução das Câmaras Municipais, em 1889, que deram lugar às Intendências Municipais. A implantação desta nova política municipal era estratégica para os interesses políticos de Cesário Alvim. Seu objetivo era suplantar as inconveniências causadas pelas disputas políticas em nível municipal submetendo ao controle do governo estadual às lideranças locais, caso conseguisse transformar as Intendências Municipais em “órgãos meramente administrativos”.

A questão das intendências coloca por sua vez a diversa interpretação do princípio federativo que separa cada vez mais os republicanos. Enquanto preconizava o governo a redução dos municípios a entidades puramente administrativas, desenvolvia-se notadamente entre os políticos da Mata7, a concepção de que a federação só seria uma realidade com a completa e total autonomia municipal. (RESENDE, 1982, p. 60. Nota de rodapé inserida pelos autores).

Este debate ganharia força quando da convocação da Assembleia Estadual Constituinte (1890-1891). Os “políticos da Mata”, favorecidos pela conjuntura econômica, buscavam a reorganização do Estado dentro da nova ordem republicana. A “pequena política” evidencia todo o embate entre as forças políticas de Minas Gerais, inclusive, colocando em rota de colisão instâncias políticas federais e estaduais. O intervencionismo municipal promovido pela situação encabeçada por Cesário Alvim alimentaria o debate em torno da questão federativa na Assembleia Estadual Constituinte.

A oposição à situação Alvinista tomou mais força a partir de 18898, com a Reforma Eleitoral promovida pelo Governo Provisório para as eleições à Constituinte Federal. Ao mesmo tempo, o governo estadual dava continuidade ao processo de substituição das Câmaras Municipais pelas Intendências, que entre outras atribuições, organizava os alistamentos eleitorais, indicando a possibilidade do controle das eleições. Foi neste contexto, que, aproveitando a insatisfação da Igreja com a instituição do casamento civil, setores de oposição principalmente, antigas lideranças do extinto Partido Liberal, lançam uma campanha com o apoio do bispado mineiro pela restauração do padroado9.

A aproximação entre antigas lideranças liberais e a cúpula da Igreja Católica em Minas Gerais nos remete à Gramsci (2002b, 244; 254-255), quando este, ao tratar dos aparelhos privados de hegemonia, enquanto componentes da sociedade civil e, que, no caso da Igreja, neste momento específico, gozava de autonomia em relação ao Estado. Porém, a aproximação da Igreja, com antigos monarquistas na defesa da restauração do Regime de Padroado nos parece um paradoxo, já que, nos momentos finais do Império a própria Igreja ofereceu apoio aos republicanos, desde que, estes se comprometessem a colocar fim àquele regime. Apesar deste paradoxo, havia os interesses que moviam a Igreja a se aproximar daquelas frações de classe, dentre eles, os que diziam respeito ao campo da educação. Historicamente as escolas confessionais educaram os filhos da classe dominante mineira e a Igreja não queria perder terreno para o ensino laico. Era preciso acompanhar as transformações trazidas pela República.

Nesta época, a Igreja Católica é marcada por uma crise modernista, propunha reformas na sociedade sem, contudo, se desviar do capitalismo. Estas reformas tinham como princípio a conservação moral individual (estendendo-se à sociedade), através de um Estado Corporativista que associado à reforma interior se tornasse o agente da harmonia social e da conformação das classes à sua situação. (SILVA; FERREIRA, 2002, p. 491).

Aqui, observamos a tentativa de se estabelecer a direção moral e intelectual, dentro daquela conjuntura política. Importante lembrar que com a instalação da República e o fim do Regime de Padroado, rompe-se a unidade entre o Estado e a Igreja, ao passo que a Igreja torna-se um dos importantes aparelhos privados de hegemonia, em um momento em que a sociedade civil brasileira ainda estava em formação. Agora autônoma em relação ao Estado laico em vigor é assediada pelas frações de classe, que, no esforço em busca da hegemonia reconhecem a sua importância como instrumento ideológico de legitimação. Ademais, a Igreja torna-se

[...] defensora de uma ‘aristocracia intelectual’, a qual regeria os princípios norteadores da sociedade. Para tal, estabelece um investimento maciço na formação de uma aristocracia cristianizada através de instituições educacionais católicas. A visão católica tinha como política educacional adequá-la ao modelo oligárquico, na medida em que entendia a escola particular o núcleo de reprodução cultural das classes mais ricas. Na versão ideológica defendida pelos católicos evidenciava-se a proposta de ‘homem ideal’. Para eles, a Igreja era constituída pela moral e pela religiosidade, sendo estes os pontos chaves de sua educação católica (SILVA; FERREIRA, 2002, p. 491-492).

A articulação político-religiosa engendrada por setores dissidentes ligados ao ex-Partido Liberal provocou a reação da situação que, em reunião realizada em Ouro Preto, a 16 de junho de 1890, uniu “[...] ex-liberais e conservadores com republicanos situacionistas sob a bandeira do Partido Republicano [...]” (RESENDE, 1982, p. 62), conforme a “política de conciliação” defendida por Cesário Alvim. Além da incorporação ao Partido Republicano de importantes lideranças dos extintos partidos monárquicos, a reunião de Ouro Preto também teve como resultado a fundação do Centro Político de Ouro Preto. “A criação do Centro Político de Ouro Preto foi uma manobra do situacionismo para garantir a adesão dos ex-monarquistas. Visava especialmente esvaziar a oposição liberal que procurava se fortalecer com a aliança clerical e garantir ao Governo as eleições à Constituição Federal [...]” (RESENDE, 1982, p. 62).

A estratégia política para minar a dissidência liberal e tentar consolidar o domínio do PRM nas mãos da situação Alvinista, com um mínimo de consenso, se enquadraria no que Gramsci (2002, p. 286) denominou de “transformismo molecular” isto é, as personalidades políticas elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à classe política conservadora e moderada (…). Não temos elementos para caracterizar tal fenômeno no “transformismo de grupos radicais inteiros que passam ao campo moderado” (p. 286) e/ou conservador. Segundo Coutinho (2003, p. 205) “ambos os tipos de transformismo podem ser apontados também na história brasileira. A modalidade ‘molecular’ foi certamente a mais frequente, manifestando-se como incorporação pelo bloco no poder de alguns políticos de oposição [...]”.

A política de conciliação obteve êxito parcial visto que se, por um lado, permitiu o triunfo dos situacionistas nas eleições para a Assembleia Constituinte Federal e anular a aliança dos ex-liberais e o clero católico mineiro, por outro lado, não conseguiu demover outros dissidentes republicanos, ligados especialmente à Zona da Mata mineira, que se articulavam em torno das eleições para a Constituinte Estadual.

Esta fração de classe pressionou a situação na tentativa de revogar a reforma eleitoral promovida por Cesário Alvim, mas não obteve êxito o que levou ao agravamento da cisão republicana em Minas Gerais.

[...] Não conseguindo alterar os dispositivos eleitorais, devido à resistência de Alvim, oficializou-se a dissidência com a convocação de um Congresso Político a realizar-se em Juiz de Fora no dia 25 de dezembro de 1890. Antonio Olinto10, Fernando Lobo11 e Chagas Lobato12 elaboraram o Manifesto com que os dissidentes apresentaram a chapa da oposição às eleições de 25 de janeiro de 1891. No Manifesto, a dissidência critica o processo de formação da chapa eleitoral e o projeto da Constituição no referente à eleição indireta do governador, à existência de um eleitorado especial para eleição do Senado e a ausência de autonomia municipal [...]. A formação de uma chapa republicana dissidente, objetivo do Congresso, intitulada pela imprensa de chapa de Juiz de Fora, tornou impossível mascarar a chapa oficial como do PRM. Perdido o sentido de órgão partidário, logo após o 15 de novembro, para se tornar instrumento da política situacionista, o PRM desapareceu nas lutas em torno da Constituinte Mineira. (RESENDE, 1982, p. 66. Notas de rodapé inseridas pelos autores).

Inferimos que a fragilidade do PRM, naqueles anos iniciais da República seja reflexo da também frágil sociedade civil brasileira, então em processo de organização. Neste sentido, este partido deixa de assumir a função de agente coletivo, para se tornar o instrumento de vontades particulares, manifestadas em suas fileiras pelos representantes das oligarquias regionais.

Instalada a Constituinte Estadual em 1889, as disputas entre as frações de classe ali se manifestaram, principalmente, em torno da questão da autonomia dos municípios e a organização eleitoral, além da mudança da capital. Se o debate sobre o federalismo dava caráter liberal à condução republicana da Assembleia, a organização de uma Lei eleitoral privilegiava os grupos situacionistas reforçando as estruturas de dominação tradicionais. Resende (1982, p. 92) aponta para as contradições que se manifestam neste contexto: “[...] o paradoxo parece denunciar que o liberalismo dos políticos mineiros iria até onde não afetasse a estrutura de dominação tradicional [...]”.

Resende (1982), ao avaliar os desdobramentos da adoção de um federalismo, que se manifestou na forma de uma ampla autonomia municipal, nos aponta como isto, aliado a ao sistema eleitoral, favoreceu os interesses dos grupos locais e regionais confluindo para uma dominação oligárquica:

Disputas de grupos regionais e/ou políticos marcam o processo político mineiro a partir, principalmente, das leis de organização. Entre 1892-1897, as alianças políticas e o recuo na legislação mostram o encaminhamento do processo político para a formação de um grupo de poder central pela aliança de influências regionais. Até que, finalmente, a conjuntura de 1897-1898 favorece a montagem de uma estrutura de dominação oligárquica, cujo período crítico está compreendido entre os anos de 1898-1906 (RESENDE 1982, p. 93).

Durante o período descrito no excerto, os conflitos derivados do processo de descentralização promovidos pela Constituição Estadual ganharam proporção. Mas, é importante destacar que estes conflitos exemplificam o que tentamos demonstrar até aqui, em práticas da “pequena política” e do “transformismo”, como marcas do jogo de intrigas e alianças de bastidores, que marcaram a política mineira deste período. Um dos efeitos das disputas regionais e locais são sentidas nas políticas de instrução pública no contexto da municipalidade, objeto de nossas análises a seguir.

A “pequena política”, os municípios e a instrução pública

As oligarquias, dentro da conjuntura política econômica estadual, se organizaram nas primeiras décadas da República, na tentativa de defender seus interesses. A cisão ocorrida no PRM refletiu-se na organização do Congresso Constituinte Estadual, convocado em 1890. A questão federalista, que tanto interessava principalmente às correntes políticas representativas das oligarquias da Zona da Mata Mineira, defensora da descentralização político-administrativa, ocupou os debates e o resultado final consagrou os interesses destas correntes, o que permitiu por meio de Lei, maior autonomia para os municípios.

Naquele Congresso também foram encaminhadas propostas para a reorganização da instrução pública no Estado. Os debates em torno deste tema apontavam para a falta de consenso nos aspectos referentes às responsabilidades do Estado nesta questão. O esforço para serem transferidas para os municípios as responsabilidades pela educação, em um contexto de crise econômica, e a resistência de alguns políticos em aprovar maiores orçamentos para a instrução pública, dava o tom dos debates, conforme observamos em Gonçalves (2010).

No nosso entendimento, o processo de reorganização da instrução pública levado a cabo no Congresso Mineiro nos primeiros anos da república exemplifica a prática da “pequena política” (GRAMSCI, 2000b) o que explica a falta de consenso em torno desta questão.

Para demonstrar nossa afirmativa recorremos novamente à Gonçalves (2010, p. 153), que nos apresenta, por meio da análise da “tramitação da legislação educacional no Congresso Legislativo Mineiro, na primeira década da República”, como naquela instância legislativa se manifestaram as forças políticas contra e a favor à ampliação de orçamentos voltados à instrução pública. Estes “debates e embates” (GONÇALVES, 2010, p. 158) manifestados no Congresso Legislativo Mineiro nos revelam uma preocupação dos legisladores com o aspecto econômico do processo de reorganização da instrução pública. Gonçalves (2010) constata em suas análises sobre a criação da primeira Lei de organização da instrução pública estadual, a Lei nº 41, de 1892 que:

A preocupação econômica teve um lugar importante nas discussões dos deputados, principalmente por haver na proposta de reforma, novidades que demandaram investimentos e gastos públicos. A proposta incluía o aumento dos vencimentos dos professores, a construção de prédios escolares e a criação das escolas primárias superiores, entre outras demandas. O que pude perceber é que o Congresso, tanto na Câmara como no Senado, esteve dividido entre esta questão, estando de um lado os defensores da redução dos gastos públicos e, de outro, os que defendiam a tese de que não deveria haver economia no investimento da instrução pública. […]. (GONCALVES, 2010, p. 162-163).

Em mensagem dirigida pelo então Presidente do Estado de Minas Gerais Affonso Augusto Moreira Penna (1847-1909)13 ao Congresso Legislativo Mineiro, em 1893, encontramos algumas observações que demonstram como o Estado buscava administrar a instrução pública. Das mensagens àquele Congresso analisadas para esta pesquisa esta é a primeira a fazer referência aos municípios, no que diz respeito à participação dos mesmos na reorganização da instrução pública, qualificando o orçamento destinado como despesa.

Apesar de haver o Estado passado para a municipalidade impostos que representam, segundo cálculo da arrecadação do último exercício, quantia aproximada de 4.000 contos14, todavia as previsões orçamentárias para 1894 elevam a renda a mais de 12.000:000$000 suficiente para fazer às despesas ordinárias, que aliás, têm crescido sensivelmente em alguns ramos, entre os quais o da instrução pública. (AFFONSO PENA, 1893).

As previsões orçamentárias sobre os valores a serem repassados aos municípios, para o exercício de 1894, conforme descritas no excerto, eleva em três vezes o orçamento em relação ao ano anterior. Conforme Gonçalves (2010, p. 162-163) havia dentro do Congresso Legislativo Mineiro grupos políticos que viam na proposta de reorganização da instrução pública presente na Lei n° 41 não um investimento em benefício da coletividade, mas uma “despesa dispensável e de urgência duvidosa”.

Ao qualificarem o dinheiro destinado à instrução pública como “despesa” e não como “Investimento” alguns legisladores demonstram, em nosso entendimento, a falta de comprometimento com a dimensão pública da instrução. A concepção positiva do público que, conforme Cury (2009), assim pode ser expresso:

Público, que etimologicamente deriva de populus [...], sendo oposto ao privado. Público tem um sentido próprio que é o que pertence a todos de modo coletivo (ao populus) e também o que é comum. Neste último caso, é o que pertence a todos de modo distributivo, isto é, a todos considerados como pessoas singulares, como indivíduos. (CURY, 2009, p. 80-81).

Cury (2009, p. 81) apresenta também a definição negativa de público, com o propósito de estabelecer “o que o público não é”. Para tal, afirma: “[...] Ele (o público) não é o arcana imperii, ou seja, ele não é o lugar dos segredos, próprios dos desejos de tiranos (déspotas) ou ditadores em tudo contrário à razão e à liberdade. [...]”.

Conforme já foi demonstrado no decorrer deste artigo, as forças políticas mineiras representativas das oligarquias regionais, em âmbito interno, se esforçavam para promover, por meio do Estado, ações que atendiam aos interesses oligárquicos, comprometendo o caráter púbico da educação.

À luz de Gramsci, podemos interpretar este tipo de ação política, com suas práticas de conchavos de bastidores feitos no Congresso Legislativo Estadual Mineiro, como manifestação da pequena política, elemento “chave” no processo constitutivo de uma “modernização conservadora”.

Desta forma, a escola, como aparelho privado de hegemonia (GRAMSCI, 2002) em Minas Gerais, não constitui parte do projeto societário, ou pelo menos não aparecia como tal, apesar do discurso republicano estar ancorado em um projeto civilizador mediado pela educação.

A constatação, por parte das autoridades estaduais, de que as propostas de reorganização da instrução pública encaminhadas ao Congresso Legislativo Mineiro a partir da Lei nº 41, de 1892, não poderiam ser colocadas em prática devido a falta de planejamento e a preparação dos professores, dentre outros obstáculos, levou Affonso Augusto Moreira Pena (1847-1909), em mensagem encaminhada ao Congresso Legislativo Mineiro, em 1894, a se pronunciar a respeito desta questão.

[...] para a execução da Lei nº 41 expedi os regulamentos ns. 600, de 2 de janeiro, 607 de 27 de fevereiro, 611 de 6 de março, 649 de 19 de setembro e 655, de 17 de outubro, todos do anno passado, já em vias de execução. Não se achando o professorado, em sua maioria, preparado para a execução do programa extenso da lei citada, só depois de alguns annos se poderá tirar illações da conveniência ou desnecessidade de modificar-se o sistema adotado [...]. (AFFONSO PENNA, 1894).

Ainda, na mesma mensagem, o governante mineiro aponta outros obstáculos identificados por sua administração que impediam o avanço do processo de reorganização da instrução pública, dentre eles o processo eleitoral nos municípios, cujos resultados eram determinantes para a nomeação dos inspetores municipais, responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos de ensino, geralmente, ligado/s ao/s grupo/s vencedor/es do pleito.

[...] A incumbência da fiscalização das cadeiras a auctoridades electivas locaes não poderá ser effectuada sinão do anno de 1895 em diante, pois é no fim do corrente anno que terão logar as eleições municipaes e districtaes. Na mensagem que vos dirigi na sessão do anno findo, fiz ponderações que me pareceram acertadas sobre a exigências da instrucção primariano no Estado, e quanto coube em minhas attibuições procurei sanar os defeitos reconhecidos. […]. (AFFONSO PENNA, 1894, p. 11).

A respeito dos “defeitos reconhecidos”, o Presidente do Estado comunica ao Congresso Legislativo algumas ações levadas a cabo como a aquisição de livros didáticos para serem distribuídos nas escolas às crianças pobres, além, de “mobília modesta para as escolas urbanas, em sua quase totalidade, destituídas de qualquer material escolar”. Amparando-se no quadro de crise econômica que se manifestava naquele momento, tenta justificar os investimentos destinados à construção de estabelecimentos escolares: “[...] À vista da grande carestia da vida e enquanto não se dá completa execução à Lei nº 41, na parte que auctorizou a construcção de casas [...], parece ser de justiça votar-se algum auxílio para os professores alugarem estas casas [...]” (AFFONSO PENNA, 1894, p. 11).

Ao longo da década de 1890, a reorganização da instrução pública estará na pauta das sessões do legislativo estadual, acompanhada do apelo à participação dos municípios (CARVALHO; CARVALHO, 2010). Conforme Gonçalves (2010), as controvérsias geradas em torno da Lei nº 41 redundaram em uma série de mudanças na legislação referente à instrução pública até 1899. Porém, questões relacionadas aos baixos orçamentos, deficiência na formação de professores, carência de estruturas físicas adequadas para a instalação dos estabelecimentos de ensino, a baixa frequência dos alunos, dentre outros problemas, continuavam sendo obstáculos, ainda instransponíveis, devido à falta de um planejamento mais eficaz por parte do Estado à reorganização da instrução pública. Estes problemas seriam somente parcialmente contornados com a reforma promovida, pelo então governador, João Pinheiro da Silva, em 1906.

Autores, como Carvalho e Carvalho (2012) e Gonçalves Neto (2012) associaram as dificuldades de se estabelecer uma política de reorganização da instrução pública em nível estadual de forma homogênea à questão federalista, que já se manifestara antes da convocação do Congresso Constituinte Estadual. Durante o período que prevaleceu este Congresso foram votadas leis que concederam aos municípios uma autonomia excessiva. Para Resende (1982), a questão municipalista se aliava aos interesses eleitorais das oligarquias regionais e locais. No entendimento desta autora, as forças políticas responsáveis pela aprovação do projeto de Constituição para o Estado foram influenciadas pela Constituição Federal, que privilegiou o caráter federalista da nova carta em oposição ao unitarismo imperial.

Dominados pela doutrina do municipalismo, ‘o município está para o Estado assim como o Estado está para a União’, os representantes mineiros levaram a extremos a questão da autonomia municipal, situação que teve seu complemento nas leis ordinárias que regulavam a organização municipal e o processo eleitoral. (RESENDE, 1982, p. 114).

A afirmação da autora de que “o caos e a anarquia que se seguem à execução prática dos dispositivos legais mostram muito rapidamente os efeitos negativos do liberalismo ingênuo de uns e dos interesses eleitorais dos que pretendiam utilizar o município autônomo como cerrado privado” (Idem).

A manifestação de Bias Fortes (1847-1917), no exercício da Presidência do Estado de Minas Gerais, em 1895, vai ao encontro do que vimos afirmando. Em mensagem ao Congresso Mineiro, seu esforço em exaltar a forma pacífica e harmônica como foram conduzidas as eleições municipais não conseguiu esconder sua preocupação com alguns eventos ocorridos durante aquele pleito.

A paz e harmonia que presidiram as eleições municipaes, como a grande concorrência do eleitorado demonstram bem claramente o interesse sempre crescente que vae o povo ligando aos negócios públicos, confirmando a verdade das palavras de Mirabeau, quando disse ‘a municipalidade é a base do Estado social, o único meio possível de interessar todo povo no governo de seu paíz, e garantir-lhe os direitos’. Infelizmente porém não ocorreram as cousas do mesmo modo quando se tratou da verificação dos poderes dos membros das câmaras municipaes. É assim que em algumas localidades, onde o pleito nunicipal ocorrera mais renhido, em conseqüência de divergências entre membros de parcialidades políticas locaes, deu-se o lastimável facto de haver duplicatas de câmaras [...] (BIAS FORTES, 1895, p. 5).

O processo de verificação dos poderes era um instrumento usado pelos grupos situacionistas para promover a “degola”, prática arbitrária para impedir que os oposicionistas fossem empossados após o processo eleitoral, nas câmaras municipais. Os candidatos pertencentes aos quadros da oposição não tinham a eleição reconhecida e assim eram impedidos de assumir o mandato.

O prolongamento destes conflitos entre os grupos políticos locais, especialmente nos espaços municipais, comprometia o êxito das ações governamentais voltadas à reorganização da instrução pública no estado de Minas Gerais.

Conclusão

O ideal da República, inspirado no modelo americano, se materializou na Constituição Republicana de 1891, porém num sentido bem diferente. Os EUA foi uma nação que se ergueu estimulada pelo espírito do empreendedorismo capitalista, traço este já delineado com a chegada dos primeiros colonos e pela quase ausência de hierarquias sociais, ao passo que no Brasil, a profunda hierarquização e as desigualdades sociais permitiram o estabelecimento de um regime político extremamente autoritário ancorado no patrimonialismo, conforme podemos conferir em Os Donos do Poder de Faoro (1977).

Durante o Congresso Constituinte de 1890-1891, formado durante o chamado Governo Provisório, os debates relativos à educação ganharam várias abordagens, porém, predominaram as propostas que tratavam questões referentes à liberdade e laicidade do ensino como atribuições da administração privada e pública.

A transição da Monarquia para a República trouxe uma atmosfera de euforia que se refletiu nos trabalhos do Congresso Constituinte. Porém, os trabalhos referentes à educação escolar transcorriam respeitando os limites que o tema sofria no âmbito do conjunto dos interesses oligárquicos. Ou seja, o clima de renovação no país, no qual se incluía a educação escolar e do qual a Constituinte era parte, seria feito visando conter a euforia modernizante e se limitando aos princípios higienistas.

O ideário republicano no Brasil estabeleceu as bases de um projeto de educação como ação pedagógica para a promoção do consenso, a partir dos interesses das oligarquias agrárias. Para isso contribuíram os processos da condução e organização das políticas “pelo alto”, ordenadas pela “pequena política” contando com processos de “transformismos” com maior acento nos “moleculares”.

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1 Região norte-ocidental italiana, segunda em extensão e em número de cidades, ficando atrás da Sicília, e quinta em número de habitantes.

2 Risorgimento é o termo que expressa a tendência italiana em relação ao desenvolvimento europeu ao longo do século XVIII. Gramsci analisará a passagem da tendência geral para efetiva concretude desse movimento que desembocará na unificação italiana. A política do Piemonte exercerá influência determinante à unificação por meio dos ideais liberais emergentes, representado pelos moderados, em modo de revolução “renovação”, isto é, através da incorporação de alguns interesses democráticos-populares, incorporando o Partido da Ação em modo de domínio e não de direção. Por isso a unificação italiana é denominada de revolução passiva, ou seja, conduzida pelos grupos moderados e conservadores.

3 A Conjuração Mineira também denominada Inconfidência Mineira (1889), “[...] foi um movimento de conspiração para tirar Minas (Brasil) do domínio de Portugal, na segunda metade do século XVIII. Ao contrário do que se pensa, os conspiradores, homens maduros e pertencentes à camada mais alta da sociedade, tinham um programa definido e um plano de ação para tomar o poder na capitania de Minas [...]”. (GANCHO; TOLEDO, 1991, p. 27).

4Na História do Brasil, dá-se o nome de republicanos históricos aos que aderiram à causa republicana desde antes da Proclamação da República, como é o caso dos signatários do Manifesto Republicano (1870), abolucionistas e membros do Clube dos Republicanos. A liderança de maior expressão dos republicanos históricos em Minas Gerais foi João Pinheiro da Silva (1860-1908).

5 Nasceu em Arraial do Pinheiro, município de Mariana, atual Pinheiros Altos, distrito de Piranga (MG), em 7 de junho de 1839. Faleceu no Rio de Janeiro em 1903. (APM, 2016).

6 Nasceu no Serro (MG) no dia 16 de dezembro de 1860 e faleceu em 25 de outubro de 1908, na cidade de Belo Horizonte (MG) (APM, 2016).

7 A Zona da Mata Mineira está localizada a sudeste do Estado de Minas Gerais, fazendo divisa com os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Região próspera nos negócios da agricultura cafeeira tendo força nas definições dos rumos da política mineira nesse período. Hoje com 142 municípios e 7 microrregiões (Juiz de Fora, Uba, Cataguazes, Viçosa, Muriaé, Manhuaçu e Ponte Nova).

8 Nos referimos ao Governo Provisório constituído a partir da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tendo como Chefe o Marechal Deodoro da Fonseca. O Governo Provisório durou até 1891, quando Deodoro da Fonseca foi eleito Presidente da República.

9 É a designação do conjunto de privilégios concedidos pela Santa Sé aos Reis de Portugal e de Espanha. Eles também foram estendidos aos Imperadores do Brasil. Tratava-se de um instrumento jurídico tipicamente medieval que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos aspectos administrativos, jurídicos e financeiros. Porém, os aspectos religiosos também eram afetados por tal domínio. Padres, religiosos e bispos eram também funcionários da Coroa portuguesa no Brasil colonial. Isto implica, em grande parte, o fato de que religião e religiosidade eram também assuntos de Estado (e vice-versa em muitos casos). A união indissociável entre Igreja Católica e Estado português e espanhol marcou a ação colonizatória destes dois reinos em disputa pela hegemonia no comércio mundial no início dos Tempos Modernos e também as ações pastorais de atrair à fé católica os povos nativos das terras conquistadas, e ainda, a luta contra o avanço do protestantismo. O fim do regime de padroado no Brasil se deu com a Proclamação da República em 1889[...]. (TOLEDO; RUCKSTADTER; RUCKSTADTER, 2016).

10Antonio Olinto (1860-1925) e seus correligionários buscavam reconquistar alguma influência em Minas com a ascensão ao poder do marechal Floriano Peixoto, em novembro de 1891 e a renúncia de Cesário Alvim ao governo estadual em abril de 1892 (APM, 2016).

11Fernando Lobo Leite Pereira (1851-1918). Instaurado o regime republicano em 15 de novembro de 1889, foi nomeado vice-presidente de Minas Gerais por decreto do governo provisório e empossado no dia 12 de abril de 1890 (APM, 2016).

12João das Chagas Lobato, Deputado Geral por Minas Gerais (1864-1866); Constituinte 1891; Deputado Federal por Minas Gerais entre 1891-1893 (APM, 2016).

13 Nasceu no dia 30 de novembro de 1847 em Santa Bárbara-MG. Com a proclamação da República, foi eleito deputado constituinte, em 1890, e presidente da província de Minas Gerais em 1892 (APM, 2016).

14O conto era uma unidade monetária de Portugal adotada no Brasil no século XIX. Um (1) conto correspondia a um milhão de réis, valor que permitia comprar um escravo.

Recebido: 01 de Setembro de 2018; Aceito: 01 de Dezembro de 2018

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